História A Terceira Força - Compaixão

Kylo encontrava-se em sua sala de treinamento, especialmente blindada para evitar que sua Força rompesse a estrutura da Finalizer.

Depois do inesperado anúncio do Líder Supremo e das ameaças de Hux, ele precisava ter certeza que estaria capacitado a cumprir seu desígnio junto à Rey. Sem se deixar corromper.

Para isso ele tinha que queimar esta energia inquieta. Tinha que se livrar deste fervor. Como um veneno que tem que ser expurgado do seu corpo.

Lutar contra a imagem de Rey, alcançando a concentração e controle total de si, era uma maneira de protegê-la dele e de toda sua impulsividade.

A grande sala ovalada iluminou-se em azul e um grid formou-se, mostrando a simulação de uma paisagem chuvosa, onde grandes ondas envolviam uma plataforma marítima com fúria. Ele ajustou as configurações em seu pad, e então a imagem virtual de Rey apareceu diante dele, já empunhando seu sabre.

Kylo respirou fundo, e ativou sua espada de fogo. Ele a alcançou num impulso, usando mais força do que necessária para atingi-la. Um gesto que demonstrava insegurança e nervosismo, algo imperdoável para um Cavaleiro do seu nível.

A Jedi esquivou-se agilmente numa graciosa meia-lua, Kylo piscou, num segundo de distração, enquanto ela deslizava pelas bordas de sua visão. A espada perpendicular a ele, acertando-o na altura da cintura.

O Cavaleiro colocou a mão sobre o corpo, numa reação impensada de dor “Reinicie!” ele gritou e a simulação parou. Outra Rey surgiu a poucos metros dele, num holograma oscilante.

Com o maxilar cerrado de frustração, Kylo reassumiu sua posição de combate.

Desta vez ele esperou ela dar o primeiro golpe, bloqueando-a magistralmente em cada investida. Quando ele tentou golpeá-la, ela girou por baixo, surpreendendo-o com uma rasteira, contudo, Kylo foi mais rápido, esquivando-se para trás. O que ele não esperava, era que Rey o acertasse de baixo para cima, diretamente sobre o abdômen.

“Merda!” Kylo grunhiu de frustração “Reinicie!”

Não era possível que ele estivesse tão negligente com seus treinos. Ele tinha que se concentrar.

O Cavaleiro respirou fundo, retomando sua posição enquanto a imagem de outra Rey se renderizou diante dele.

Kylo girou seu sabre, enquanto avançava sem cerimônia na direção de sua adversária. Rey ficou na defensiva, rebatendo cada forte golpe. Aquela era uma vantagem para ele, dando confiança para lançar-se sobre ela. A Jedi bloqueou seu movimento, fazendo os sabres chamuscarem com o atrito. O Cavaleiro aproveitou a momentânea vulnerabilidade para acertar um chute sobre os joelhos, logo, Rey estava no chão, praticamente derrotada.

Agora, o sabre de Kylo estava apontando numa linha reta flamejante, diante do rosto da imagem brilhante de Rey.

Mas ele não conseguiu. Ele simplesmente não conseguiu dar o golpe final.

Ainda mantendo a ponta alinhada, Kylo relaxou o ombro, para enfim desligar o sabre. Então se afastou, atordoado, dando fim ao seu treino.

Conhecido por seu sangue frio em campo de batalha, Kylo nunca vacilou. Matou sem escrúpulos desde que sucumbiu às trevas. Tantas vidas que se foram pelas mãos dele, que nem sabia quantas eram, mas diante daquele maldito holograma ele sentiu que isso mudou. E mudou de uma forma crítica e preocupante.

A Luz era parte dele também.

A raiva que Kylo experimentava era como uma agulha enfiada em seu coração. Talvez o que ele sentia não pudesse nem ser descrito como raiva, mas como decepção. Decepção por perceber que seu maior medo tinha se consolidado.

Sua compaixão havia se tornado sua maior fraqueza.

*

Rey tinha um plano.

Se aquele modelo de cruzador não fosse muito diferente dos velhos modelos do Império, que se desintegravam no grande ferro-velho a céu aberto de Jakku, então deveria ter algum duto de ar por ali.

Ela vasculhava cada canto, revirando a acomodação, feito a Sucateira que era.

Olhava atrás de armários, da mesa, debaixo da cama. O banheiro! Claro! A saída estava logo acima do espelho da pia. Não era muito grande, mas o suficiente para que seu corpo magro passasse por ali.

Rey estava em cima do balcão, analisando as travas do duto, quando um barulho vindo da entrada a interrompeu, fazendo-a pular da pia rapidamente. Pegou o primeiro objeto que estava na sua frente – no caso uma escova – para fingir que estava distraída com qualquer coisa que não fosse fugir dali.

Um Trooper estava parado no meio do quarto, sem entender o que tinha acontecido ante a desordem que se encontrava. Rey parou diante dele, os olhos brilhando, confiantes.

“O que houve aqui, Garota?” o soldado perguntou, secamente.

A voz de Rey era firme “Você vai sair pela porta e deixá-la destravada”

O Trooper confirmou, sem demonstrar qualquer resistência. “Eu vou sair pela porta e deixá-la destravada” e então seguiu, servilmente, rumo à saída.

Rey tinha outro plano agora.

*

Kylo não se sentia preparado de forma alguma, mas ele precisava encarar Rey. Foi especialmente encarregado pelo próprio Líder Snoke para isso, mas a advertência de Hux ainda martelava em seus ouvidos, como um lembrete.

“Mantenha distância.”

Kylo não poderia dar mais munição para o General usar contra ele. Ele não poderia tratá-la de outra forma, senão da forma que um Cavaleiro de Ren trataria qualquer subordinado.

Parou diante do aposento de Rey e respirou fundo, se agarrando em toda sua Força Sombria.

Ele não podia ser fraco. Não podia ter sentimentos. Ele não podia colocá-la em risco.

Então abriu a porta.

O quarto estava revirado. Lençóis e travesseiros jogados pelo chão, móveis empurrados e fora do lugar. Aquilo ativou um sinal de alerta em sua mente. O que quer que tenha acontecido ali, não deve ter sido bom.

Deu dois passos até perceber que a energia presencial dela era nula no ambiente. Não pode ser! Ela tinha fugido!

“Mas que droga, Rey!”

O Cavaleiro andou apressadamente para fora do quarto. Ele precisava encontrá-la antes de qualquer outra pessoa. Só a ideia de perdê-la o fazia ter vontade de matar o primeiro que se aproximasse.

Fechou os olhos, buscando sua presença. Sentiu um vulto passar pelo corredor lateral. Ele reconhecia aquela Luz.

Kylo avançou, fazendo suas botas baterem no chão como torpedos. Sua capa elevou-se atrás dele feito o anoitecer.

Rey sabia quem se aproximava. Com toda certeza era Kylo Ren, vindo como um rancor enfurecido a toda velocidade. Mesmo com a máscara, ela poderia dizer que ele estava seriamente aborrecido quando a alcançou.

“Rey, o que você pensa que está fazendo?” Kylo virou-se para ela, enquanto continuava a andar. “Você não pode ir embora!”

Ela o ignorou, apertando o passo pelo longo corredor. Kylo enfiou-se na frente dela, bloqueando sua passagem “O que aconteceu? Você está com raiva de mim?”

Rey bufou “Raiva é um luxo que eu não posso ter no momento” então fez um rápido desvio para o lado, procurando seguir adiante. Kylo tentou segurar o braço dela na passagem, mas a Jedi se desvencilhou. Mesmo com o histórico agressivo do homem de negro à sua frente, ela não se intimidou “Não encoste em mim!”

Kylo girou para ver Rey cara a cara “Você não pode ir. Eu preciso de você!”

“Foda-se! Isso é um problema seu” os olhos dela eram um esgar de raiva crua e fervente, “Você não se importa comigo. Pensei que você tivesse dito que não me entregaria à Primeira Ordem!”

“Rey, por favor…” Kylo tentava desesperadamente contê-la antes que alguém aparecesse. “Escute! Precisamos conversar, mas não aqui. Venha.”

Olhou rapidamente para ver se ninguém se aproximava, apoiou suas mãos nas costas de Rey e a conduziu por diversos corredores. Todos tão parecidos que ela chegou a suspeitar que ele estivesse a confundindo de propósito.

Finalmente, o Cavaleiro passou por uma porta que se abriu antes mesmo de chegarem. Uma demonstração trivial de sua Força “Aqui estaremos seguros” disse ele, enquanto tirava sua máscara blindada.

Rey se afastou e manteve a distância de um braço, examinando o novo ambiente. Por um instante ela pensou que fosse seu próprio quarto, se não fosse por um único detalhe: A máscara de Darth Vader repousando sobre uma base.

Ah, que ótimo, agora ela estava no quarto de Kylo Ren.

Tudo que Hux dissera sobre ele voltou em sua mente, fazendo o couro cabeludo formigar de ódio. Rey deu dois passos para trás na direção da porta, dando espaço o suficiente para reagir caso ele tentasse algo violento.

Kylo podia sentir aversão dela através do vínculo “Não! Eu não vou te machucar”, ele disse.

Como ela poderia confiar nele depois de tudo? A verdade é que Kylo não se importava com nada além de si. Era um manipulador.

“Deixe-me ir embora!” ela rosnou.

Kylo baixou o tom de voz, tentando disfarçar seu evidente nervosismo “Por favor, me escute. Hux descobriu tudo sobre nós, ele…”

Rey não podia acreditar na cara-de-pau “Mas é óbvio que ele descobriu! Você mesmo contou para ele, não foi? Tudo o que você fez com a vadia de Jakku! Seu monstro!”

Seus olhos estavam faiscando quando ela falou isso. Cheios de indignação e arrependimento. Ele percebeu que aquela era a razão dela estar tão chateada. O estômago de Kylo revirou-se ao pensar que ele foi acusado de usá-la daquela forma sórdida. Ele poderia ter inúmeros defeitos, mas jamais faria este tipo de coisa.

“Você realmente não me conhece, Rey…”

“Por todas as malditas estrelas, Kylo! É óbvio que não te conheço!” Rey fervia de raiva.

“Num momento você diz que não vai me entregar para a Primeira Ordem, no momento seguinte toda a frota deles ataca uma cidade atrás de mim. Cheguei a pensar que eu tivesse me enganado a seu respeito, mas assim que chegamos aqui eu não te reconheci! Você tentou me matar, e então sumiu! Você… você é um covarde, um mentiroso!”

Kylo ficou um choque com a notícia.

Ele sinceramente não esperava que tivesse ameaçado a vida dela, durante seu descontrole no dia que chegaram. O pensamento de quase tê-la matado o fez se sentir um lixo. Aquilo mudava tudo. Mas ele tinha a obrigação moral de explicar esta aberração em que ele se tornava quando estava fora de si.

“Não! Não! Eu não quis te matar!”

“Ah é? Mas foi exatamente o que parecia! Eu senti suas mãos em volta do meu pescoço, Kylo. Eu olhei nos seus olhos e eu vi o seu ódio” a voz de Rey estava embargada de decepção.

“Me escute, Rey! O que aconteceu foi que meu maldito corpo é inundado de Força Sombria pura cada vez que nos aprofundamos no nosso vínculo. É como uma espécie de reação de defesa exagerada. Eu não sei por quê, mas o lado Escuro tenta me proteger de sua Luz, e então… eu perco o controle. Esta não é a primeira vez que me torno isso. Aquele… aquele não era eu. Por favor… ”

Rey sentiu um nó na garganta ao se lembrar do completo terror estampado no rosto de Kylo, assim que ela retornou de sua mente tentando despertá-lo. Foi isso então? Ela causou aquilo? Não haveria nenhuma Luz dentro dele, afinal?

Contudo, muitas coisas continuavam em suspenso para Rey. Lacunas mal explicadas.

“Então por que você sumiu? Depois que fui presa eu nem sequer consegui te alcançar através da nossa conexão. Pensei que estivesse morto!” a voz de Rey estava trêmula “Eu me senti tão… tão sozinha… naquela merda daquela cela insuportável!”

“Eu me distanciei para protegê-la, Rey.”

Rey balançou a cabeça, contrariada “Para me proteger?!”

“Hux está jogando contra nós. Ele pensa que sou um traidor, e Snoke supõe que você me manipulou, fazendo-me ficar contra a Primeira Ordem. Todo cuidado é pouco agora. Por isso diminuí minha Força presencial, não permitindo que me encontrasse através do nosso vínculo.”

A Jedi baixou os olhos, sem responder. Sentia-se tão insegura…

Kylo queria se aproximar, mas estava hesitante. Sua voz era quase um sussurro, agora. “Desculpe-me por tudo Rey. Nunca deveria ter saído de perto de você em Cerinia. Eu nunca quis te machucar. Eu fui fraco quando Hux me chantageou, tive medo, mas eu não poderia por tudo a perder antes de encontrar uma maneira de tirá-la em segurança daqui.”

Os olhos dele agora estavam diretamente nela, esperando ansioso por uma reação que não veio.

Kylo não sabia mais o que dizer, para provar que ele não era o monstro que Hux tinha pintado para ela. Mas ainda existia uma maneira.

“Quero que veja isso” Kylo pegou a mão de Rey, colocando-a diante de seu rosto. Jogando tudo através do elo entre eles.

Ela viu que uma fonte da Força o rodeava como uma tempestade sombria e carregada. Lamentações e choros ecoavam num eterno purgatório mental. Apesar de toda escuridão, uma fonte de Luz resplandecia dentro dele, cercado por milhões de pequenas centelhas luminosas.

A aversão de Rey cessou ao vislumbrar o surpreendente lado oculto de Kylo. Ela podia sentir esta Luz agora mesmo, emanando dele como um vento fresco no deserto, da mesma forma que a Escuridão se esparramava sobre ela como um cobertor.

Leia estava certa! Ele ainda tinha Luz!

“Podemos ser bons um pro outro, Rey. Cada um de nós é uma mistura de Escuro e Luz. As duas forças coexistem no universo. Nós somos o Equilíbrio!”

A voz de Kylo a chamou para a realidade, fazendo-a olhar para ele.

“O Equilíbrio...” Rey repetiu para si.

Automaticamente suas lembranças viajaram até aquela manhã em Ahch-to quando Luke explicou a ela sobre a Terceira Força. “A combinação de ambos os lados que trará o equilíbrio!”

Agora Rey entendia tudo.

É por isso que a Força continuava querendo os unir. Esse era o destino deles. Conciliar o Escuro e a Luz e trazer equilíbrio à Força.

Juntos.