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História A Troca - O Conselho


Escrita por: MrsRidgeway

Capítulo 21 - O Conselho


— Ron, onde você tava? – Hermione me perguntou levemente irritada – Eu fiquei preocupada. Por que você não atendeu o celular?

      Pronto... mais uma Molly na sua vida, Ronald.

Eu cocei o maxilar tentando esconder a minha apreensão. Estava ponderando se contava logo a ela sobre o episódio de agora a pouco, no rio.

— Eu não vi tocar. Tá no silencioso – eu a puxei para um abraço e ela pôs os braços ao redor do meu pescoço – Não precisa ser possessiva, Granger, estou inteirinho aqui pra você agora.

— Idiota... – Mione rolou os olhos para mim, divertida.

— Você gosta desse idiota...

— Gosto mesmo – ela empinou o nariz, altiva.

Não pude refrear o meu sorriso. Aquela nova Hermione era muito mais legal do que a de antes. Eu puxei o rosto dela para um beijo que eu estava desejando desde a hora que eu cheguei. Hermione retribuiu encaixando as mãos pelos meus cabelos. A maciez dos lábios dela me deixava sedento por mais aproximação e inconscientemente eu apertei com mais vontade sua cintura, pressionando-a contra a estante atrás dela. Lentamente, movi os meus beijos até o pescoço de Hermione. A mão que estava no meu cabelo segurou mais forte.

— Ron... – ela chamou o meu nome devagar – A gente tá na biblioteca...

— Uhun... – foi o máximo de resposta que eu pude dar do momento.

Subi as minhas carícias para a orelha dela. Mione reprimiu um gemido. Não pude deixar de sorrir satisfeito.

— Ronald... – ela me afastou levemente. Seu olhar era firme – Alguém pode chegar aqui e ver a gente.

— Você disse que essa é a seção mais vazia dessa biblioteca inteira – eu a encarei de volta – Por falar nisso, o que você tava fazendo aqui?

— Eu vim entregar um livro. Acabei me distraindo por aqui enquanto você não chegava.

— Distraindo? Na sessão reservada? – perguntei incrédulo.

     Quem se distrai nesse lugar cheio de mofo, pelo amor de Deus?

— É, me distraindo – Hermione semicerrou os olhos para mim e fez cara feia.

Eu prendi o riso.

— Então... Agora eu estou me distraindo também – rocei minha barba pelo maxilar dela. Senti sua pele se arrepiar.

— Ron... – ela fechou os olhos com o contato.

— Só mais um, Mione...

Ela não esperou que eu pedisse por mais e me puxou pela nuca. O beijo se aprofundou rapidamente. Perdendo qualquer noção de onde nós estávamos, eu a levantei pelo quadril e a apoiei sentada na mesinha de leitura. Me encaixei no espaço entre as coxas dela. As mãos de Hermione desceram pela lateral do meu tórax, me arranhando, até pararem descansando sobre o meu abdômen, por dentro da minha camisa. Eu ansiava por mais aproximação e ela também. Acabei me inclinando em sua direção, apertando-a contra o meu corpo. Com o impulso do movimento repentino, alguns livros na prateleira atrás de nós caíram no chão. Devido o silêncio do local, o barulho acabou se destoando. Nós nos afastamos rapidamente, assustados. A luz da sala de monitoramento se acendeu a alguns metros.

— Madame Pince... – Mione sussurrou, de olhos arregalados – Ela tá vindo pra cá.

— A gente faz o que agora? – eu perguntei enquanto ela descia da mesinha – Corre?

Eu não achei que Hermione fosse levar a minha indagação a sério, mas, antes que eu dissesse qualquer outra coisa, ela me puxou pela mão por entre os corredores das seções. Entramos no acervo de periódicos, nos fundos. Mione me arrastou por mais duas salas, até que, alguns minutos depois nós saímos na segunda recepção da biblioteca, que ficava do outro lado do pavilhão. Era uma direção totalmente contrária da qual a gente havia entrado. Caímos na risada quase no mesmo momento que paramos de andar.

— Quantos anos nós temos? Treze? – ela questionou entre risos, perplexa com o que tínhamos acabado de fazer.

— Ah... até que foi divertido – eu falei, a abraçando pelos ombros – Bem que a gente poderia fazer isso mais vezes...

— De jeito nenhum! – a exclamação dela me fez dar mais risada.

Nós seguimos para o estacionamento conversando. Assim que dobramos a esquina entre os pavilhões, eu reconheci uma silhueta ali parada, gesticulando com alguém que estava dentro do prédio. Hermione também discerniu a figura que se encontrava diante dos nossos olhos. Ela me fitou, desconfiada, e franziu o cenho. Antes que nós nos aproximássemos o suficiente, Lupin percebeu a nossa presença. Ele se despediu rapidamente da pessoa com quem estava conversando e se apressou em vir ao nosso encontro. Eu pude ver que Hermione se esticou discretamente ao meu lado, na vã tentativa de enxergar quem era o indivíduo com quem Remo estava dialogando há alguns segundos atrás.

— Ron! Mione! – nosso professor saudou, de braços abertos – Que bom que vocês estão por aqui. Eu precisava mesmo conversar com os dois.

Lupin apertou minha mão e deu um beijo na testa de Hermione.

— Oi Remo... – Mione manteve a expressão de desconfiança no rosto – Você não disse que estaria viajando?

— Eu cheguei hoje de manhã – ele se explicou – Consegui resolver as questões mais rápido do que imaginei.

— Ah... conseguiu? Fico feliz que tenha dado tudo certo por lá – dei uma enfatizada no “lá”, sem fazer um pingo de questão de esconder a ironia no meu tom de vez.

Lupin percebeu. Ele juntou levemente as grossas sobrancelhas e me observou, antes de responder.

— É, deu... Espero que por aqui tenha sido da mesma forma.

— Com certeza foi.

Hermione olhou de mim para Remo, sem entender exatamente sobre o que nós estávamos falando. Eu me adiantei em contar a novidade.

— Mione descobriu o que estava contaminando o rio.

— Verdade?! – Lupin pareceu surpreso – Quando?

— No início da semana – Hermione falou, um pouco confusa em ter o assunto direcionado para ela – Eu dei uma olhada naqueles artigos que você mandou e aí fiz algumas relações.

— Que bom, Hermione. Eu sabia que você iria conseguir – ele a elogiou gentilmente – E qual é o elemento responsável pela contaminação?

— Arsênio – ela respondeu.

— Hmm... – Lupin serrou os lábios em uma linha e ponderou com a cabeça – É uma novidade e tanto.

— Pra alguns – não consegui controlar a minha língua, mais uma vez.

A verdade eu que eu estava irritado com ele. Remo estava nos fazendo de idiota naquela pesquisa.

— Pra mim, com certeza.

O tom da voz do nosso professor soou como uma explicação. Acho que ele estava querendo me dizer que realmente não sabia de nada. Aquilo tudo era muito estranho. A mulher que eu encontrei no rio, que por sinal tinha total conhecimento da contaminação, deixou bem claro que Lupin sabia da existência dela, ainda que ele possivelmente não imaginasse que ela estivera ali para me ajudar.

Resolvi guardar o meu sarcasmo no bolso.

     Por enquanto.

— Bom... Você vai precisar mesmo da gente por agora, Remo? – Hermione ainda olhava para nós dois – É que marcamos de ir ao cinema e meio que já tá em cima do horário.

Lupin sorriu abertamente com o que ela falara. As bochechas de Hermione assumiram um tom levemente rosado.

— Pode ficar pra depois. Eu não vou atrapalhar vocês – ele continuava sorrindo de uma forma que até eu estava começando a me sentir envergonhado – Aproveitem o filme.

Mione e eu nos despedimos de Lupin e partimos para o shopping. Chegamos atrasados por causa do trânsito, então acabamos perdendo o horário da primeira sessão da noite. Nós compramos os bilhetes e , como ainda faltavam quarenta minutos para a próxima, seguimos para a praça de alimentação. Hermione permaneceu monossilábica durante todo esse percurso. Suas respostas vazias já estavam começando a me incomodar, até que, quando sentamos para comer, ela não conseguiu mais se manter em silêncio.

— O que é que está acontecendo? – a pergunta foi enfática.

— Sobre? – me fiz de desentendido.

— Não seja ridículo, Ronald – ela não havia sequer tocado no sanduíche que pediu – Você acha que eu não percebi você e Lupin trocando informações nas entrelinhas?

     Ninguém mandou esconder nada, Ronald. Agora aguente.

Eu respirei fundo para não dar uma resposta desaforada a Hermione. Ela estava certa em cobrar uma explicação. Me recostei na cadeira e cruzei os braços. Estalei o pescoço antes de começar a falar.

— Eu fui ao Jabuticaba hoje a tarde. Lupin me ligou semana passada e me deixou responsável por essa atividade – ela levantou as sobrancelhas, surpresa. Eu fiz uma leve pausa – Bom, quando eu cheguei lá eu encontrei algumas pessoas da universidade fazendo coleta de material, em um lugar totalmente afastado.

A expressão de Hermione se manteve impassível. Ela me incentivou a continuar falando.

— Eles sabem da contaminação. Pelo que parece, há muito tempo. Eles sabem e fazem nada.

— Como você pode ter certeza, Ron? – ela questionou, incrédula – Talvez eles estivessem apenas fazendo algum trabalho, como nós...

— Eles não estavam, Mione – eu insisti.

— Como você sabe disso?

— Eu encontrei outra pessoa lá – já que era para falar a verdade, era melhor contar logo tudo – Uma mulher. Ela não quis me dizer seu nome, só me disse que a universidade tem conhecimento de tudo.

Hermione apoiou os cotovelos na mesa, visivelmente atônita.

— Tá... Você quer que eu acredite que uma pessoa qualquer apareceu pra te ajudar justo no dia que você resolveu ir ao Jabuticaba. Isso tudo sem te pedir nada em troca? – ela olhava para cima enquanto falava, como se estivesse dando aula para o teto.

— Sim... – confirmei.

Mione cruzou as pernas e começou a chacoalhar o pé, demonstrando nervosismo. Ela me encarou novamente.

— Isso é muito surreal, Ron – sua postura era totalmente cética – E outra, o que o Remo teria a ver com isso, por acaso? Ele estava viajando e...

— Mas que caralho, Hermione! Você me pede pra te contar a verdade e depois duvida do que eu falo. Era melhor eu ter permanecido calado, não acha? – eu a cortei, agitado. Eu odiava quando desacreditavam da minha palavra – A tal mulher deixou escapar que ela e o Lupin se conhecem. Provavelmente já sabia o que está sujando rio. Tanto que te mandou artigo e tudo pra ajudar. Pra mim ele tá se fingindo de desinformado.

— Ainda não faz sentido nada disso... – ela balançou a cabeça em negação – Tem alguma coisa errada nessa história...

— E você acha o quê? Que eu tenho todas as respostas? Eu tô tão no escuro quanto você, Hermione – eu empurrei minha bandeja vazia para frente, impaciente – Quer saber? É melhor a gente ir pra casa então se é tão difícil você confiar nas coisas que eu te digo.

Hermione soltou um longo suspiro e se esticou na minha direção.

— Ei, olha pra mim... – ela alisou o dorso da minha mão – Desculpa. Eu não tô duvidando da sua palavra. Eu confio em você. Só que você também não precisava esconder isso de mim, Ron. Nós fazemos parte da mesma pesquisa. A gente tá junto nessa. Eu odeio quando as pessoas omitem as coisas.

— Eu ia te contar, eu juro – me justifiquei – A única coisa que eu sei é que cada dia que passa essa história fica mais estranha. No fundo eu acho que a gente tá mexendo onde não devia. Não sei se eu quero mais ficar nesse projeto.

— Não, Ron. Você não pode desistir. Eu também acho que as coisas são mais complicadas do que parecem – ela segurou minha mão firmemente – Mas não tem como voltar atrás agora. Além de que, eu acho que o nosso trabalho pode ser importante pra cidade de alguma forma.

— Eu espero que seja mesmo. Tudo que eu quero é me livrar de problema – algumas lembranças passaram de relance na minha cabeça. Eu as enxotei momentaneamente e aproximei minha cadeira a da mulher a minha frente – Não era minha intenção esconder nada de você, Mione. Foi mal, de verdade.

— Estamos combinados agora. Sem omissões de assuntos importantes – Mione sorriu de canto e enlaçou os nossos dedos – Agora é melhor eu comer logo. Faltam quinze minutos pra sessão começar.

Eu sorri amarelo, mas ela não percebeu. Hermione largou minha mão e voltou suas atenções ao prato com o sanduíche. Passei o meu braço pelo encosto da cadeira dela, inquieto.

     Sem omissões de assuntos importantes, Ronald.

Talvez fosse uma boa hora para falar sobre Angelina. Elas era colegas e mantinham um bom relacionamento. Não seria bom que Hermione descobrisse sobre nós dois por outra pessoa, ainda que eu tivesse quase certeza que ninguém além do Harry sabia que eu havia ficado com a Angel uma vez.

— Mione... – eu a chamei como quem não queria nada, quando percebi que ela já estava terminando de comer.

— Oi – ela respondeu ainda concentrada no final da comida.

— Tem outra coisa que eu queria falar com você...

Hermione me encarou com um sorriso natural, limpando o canto da boca.

— Pode falar.

Na hora que eu iria abrir a boca para contar, o celular de Hermione tocou em cima da mesa. Ela levantou o dedo pedindo que eu aguardasse.

— Oi mamãe! – ela atendeu animada. Ela sorriu após escutar alguma coisa – Sim, eu estou ótima.

Hermione conversou com a mãe até o momento que nós chegamos ao cinema. Enquanto nós andávamos até a sala, em alguns instantes da ligação eu percebi que Mione ficou levemente corada, principalmente quando contou que acabara de chegar ao shopping e que não estava sozinha. Assim que nós sentamos nas poltronas ela se despediu da mãe, avisando que o filme já iria começar.

— Minha mãe mandou beijos pra você – Mione pôs a mão no rosto, divertida – Já estou imaginando quantas perguntas ela vai me fazer quando ligar de novo.

— Agora já sei de onde você puxou essa curiosidade toda – eu comentei, levantando braço da poltrona que dividia os nossos espaços.

— Acredite, ela é bem pior que eu.

Nós rimos enquanto a luz do cinema esmaecia lentamente. Resolvi que, temporariamente, a conversa sobre o episódio com Angelina seria cancelada. Assim que o filme acabou eu olhei no relógio, já havia passado das dez horas da noite. Levei Hermione em casa assim que saímos do shopping. Desci para me despedir quando parei a moto na porta da casa dela.

— Certeza que você não quer entrar um pouquinho? – ela me perguntou despretensiosamente, ajeitando a gola da minha camisa – A gente quase não teve tempo de ficar junto nessa semana.

— Por que você não me fez esse convite antes?! – perguntei inconformado, a abraçando pela cintura. Ela riu – Infelizmente eu tenho que ir, Mione. Eu só consegui voo pra às quatro e meia da manhã.

— Vocês voltam que dia? – ela indagou, retribuindo o abraço.

— Terça a noite. Foi o máximo de folga que a Ginny pôde tirar esse mês.

— Mande lembranças aos seus pais por mim.

— Você os conhece? – eu olhei para baixo a encarando, surpreso com a notícia.

— Eles e os gêmeos passaram o último natal aqui, no apartamento de vocês. E aí a Ginny me convidou; eu, papai e mamãe, na verdade; e convidou o Harry também – ela me explicou – Sua mãe ficou muito feliz quando viu que estava chegando mais gente.

Eu conseguia imaginar exatamente como deveria ter sido a cena.

— Minha mãe adora casa cheia – comentei.

— E eu adorei a comida dela.

A sinceridade de Hermione me fez soltar uma risada gostosa. Nós conversamos por mais uns minutos até que eu realmente tive que me despedir. Alguns beijos depois eu parti para a meu apartamento. Quando eu cheguei em casa Ginny já estava dormindo. Diferentemente dela, eu não tive muito tempo para isso. Demorei bem mais tempo do que o normal para pegar no sono. Acordei menos de três horas depois, praticamente em cima do horário para começar a me arrumar.  Chegamos ao aeroporto antes das quatro da manhã. Compramos alguma coisa para comer e nos direcionarmos até a área de embarque.

— Me diz, Ron! – Ginny insistiu, sacodindo o meu braço.

— Puta que pariu, Ginevra! Eu já disse que não sei de porra nenhuma – falei irritado. Eu só queria uns minutinhos de paz para cochilar – E mesmo que eu soubesse, eu não te diria. É uma surpresa.  Não tem porque você querer que eu te conte.

— Mas você tava com o Harry quando ele comprou isso aqui – ela exibiu feliz o presente que havia recebido – Eu achei que ele te contaria o resto também.

— Olha, eu tenho certeza que o Harry vai fazer algo legal, tá? – eu disse, sincero – Mas eu não faço a mínima ideia do que seja. Você vai ter que esperar até quarta-feira pra saber.

— Mas que merda, viu?! – ela bufou inconformada.

Ginny parecia uma criança emburrada que não conseguiu o brinquedo preferido. Eu rolei os olhos para ela e apoiei minha cabeça em seu ombro.

— A Angel vai ficar sozinha esses dias que você tá fora? – indaguei curioso, mudando o foco do assunto.

— Na segunda sim. Eu consegui adiantar algumas coisas, então não vai ficar pesado pra ela. Mas é óbvio que ela me xingou toda por estar viajando no meio do semestre – Ginny elucidou, rindo – Na terça o Miguel vai dar uma passadinha lá, caso a Angel precise de algo. Só por garantia mesmo.

— Vocês ainda estão tendo problemas com a administração?

— Não. Eu dei um jeito de conter quem estava nos incomodando – Ginny encarou o teto, perdida nos seus pensamentos.

Minha irmã deu um sorrisinho maléfico, satisfeita. Eu conhecia a capacidade de retaliação da ruiva ao meu lado. Seja lá quem fosse esse causador de problemas no departamento de Ginny, agora, com certeza, não deveria estar mais atrapalhando o trabalho dela.

— Às vezes você me dá medo – eu falei, observando a cara de psicopata que ela estava fazendo.

— É bom você ter medo mesmo, Roniquinho.

Incrivelmente o avião não atrasou. Eu dormi durante as quase duas horas de percurso. Na área do desembarque, meu pai nos esperava pacientemente. Ele estendeu os braços quando nos viu. Ainda que papai fosse o único que eu costumava ver com certa frequência quando estava em Londres, já haviam alguns meses desde o nosso último encontro. Ginny se apressou na minha frente e o abraçou. Ele retribuiu entusiasmado, esticando a mão para que eu me aproximasse também.

— Como foi o voo? – ele perguntou quando nos afastamos.

— Bem tranquilo – respondi – Eu dormi a viagem toda.

Ele riu. Ginny voltou a abraça-lo.

— Estava com saudades – ela disse, apoiando a cabeça no peito dele.

 – Também estava, minha menina. Dos dois – ele falou amavelmente, olhando para nós – Sua mãe acho que ainda mais. Ela já me ligou três vezes desde a hora que eu cheguei aqui.

— Por que ela não veio também? – Ginny indagou.

— Ela ficou preparando algumas coisas pra quando vocês chegassem. Tem comida o suficiente pra alimentar um batalhão do exército.

Eu pensei no cheiro da comida da minha mãe e meu estômago roncou. Eram três anos sem uma das coisas mais maravilhosas da face da terra. Andamos até o carro enquanto conversávamos empolgados. Era muito assunto para ser posto em dia. O diálogo se estendeu por todo o trajeto até a nossa casa. Percurso esse que não era tão extenso assim, o aeroporto era próximo. Vinte minutos depois meu pai estacionou próximo ao jardim. Assim que meu pai abriu a porta de casa, mamãe saiu afobada, praticamente pulando no meu pescoço e no de Ginny.

— Ah, meus filhos! – ela falou enquanto nos sufocava, impedindo que nós disséssemos qualquer coisa – Como eu senti falta dos meus bebês!

Minha mãe distribuiu alguns beijos pelos nossos rostos. Eu só sabia rir e minha irmã também. Após mais alguns minutos matando a saudade, ela nos arrastou para tomarmos café. Assim que eu me sentei à mesa papai se despediu da gente. Ele teria que resolver algumas questões na empresa, mas prometeu estar em casa no final da tarde. Minha mãe concordou, visivelmente contrariada.

— Isso é um absurdo! – ela reclamou revoltada – Nossos filhos chegam de viagem e Arthur sai pra aquela empresa do mesmo jeito! Do que adianta a gente melhorar de vida se ele ainda continua trabalhando feito um burro de carga?!

— Mãe, fica tranquila... – Ginny defendeu nosso pai, a abraçando por trás antes de se sentar ao meu lado – Ele já não prometeu que vai passar os próximos dias em casa? Então... Daqui a pouco ele tá de volta.

— Eu sei, minha filha... Eu sei... – ela sentou-se na cadeira, do meu outro lado, e afagou o meu rosto delicadamente – Mas me conte sobre você, Roniquinho... Está gostando da cidade?

— Bastante – Ginny se adiantou com a minha resposta – Até demais.

Eu fuzilei a minha irmã com o olhar. Ela apenas sorriu, marota. Minha mãe pareceu não ter entendido as segundas intenções da resposta de Ginny.

— Que bom, meu amor – mamãe sorriu, sincera – E a universidade é boa? Eu fiquei tão feliz quando soube que você tinha conseguido um projeto de pesquisa tão rápido... Claro que não deve ser a mesma coisa da sua vida lá na Inglaterra, mas...

— Mas nada mãe. A universidade é muito boa – eu a interrompi. Ela fez cara de quem iria retrucar, no entanto eu fui mais rápido novamente – E sim, dona Molly, eu estou muito satisfeito com ela. Não me arrependo por ter voltado.

— Tudo bem, querido. Não está mais aqui quem falou – a expressão que minha mãe fez para mim deixou claro que ela ainda não tinha esquecido o assunto – E parabéns, Ginny. Também estou muito orgulhosa com o seu desempenho na SeMz. O próprio Malfoy elogiou o seu trabalho pra o seu pai.

Eu franzi a testa surpreso. Ginny agradeceu com um sorriso. Elas falaram um pouco mais sobre o assunto. No final do café, minha irmã recolheu os pratos e levantou da mesa, sumindo pela porta da cozinha. Eu me virei para mamãe interessado.

— Eu não sabia que o papai tava fazendo negócios com laboratórios... – comentei, relembrando o assunto da empresa onde Ginny estagiava.

— Não está. A SeMz apenas solicitou serviço de consultoria duas ou três vezes, no ano passado. Uma dessas vezes o seu pai foi junto. Sabe como é, serviço grande ele prefere acompanhar de perto – ela me explicou – Nisso Arthur acabou conhecendo o dono da empresa, o Lúcio Malfoy.

— Mas ele ainda mantêm contato?

— Mais ou menos, querido. Eles dois voltaram a se encontrar esse ano, em determinadas viagens de conferência, coletivas, essas coisas chatas que donos de empresas têm que comparecer. Da última vez eu até estava junto. Foi quando ele elogiou a sua irmã.

Eu analisei as informações, pensativo, enquanto nós seguíamos para a sala de TV.

— Estranho esse Malfoy pedir uma consultoria de fiscalização pra própria empresa. Não é muito comum o dono pedir esse tipo de serviço.

— O seu pai fez essa mesma observação, Ron, mas pelo que parece não tinha nada de errado na empresa deles. Deve ter sido apenas pra manter a boa aparência da SeMz, ou algo do tipo. Ela é bem reconhecida no mercado, é interessante manter o status de qualidade – mamãe esclareceu sentando em sua poltrona – Agora eu, particularmente, não fui muito com a cara desse Malfoy não, sabe? Sujeitinho nojento ele. Cheio de exigências.

Eu sorri ressonante enquanto me jogava no sofá. Ginny entrou na sala logo após.

— Cadê Fred e Jorge, mãe? – minha irmã perguntou, sentando ao meu lado.

— Viajaram ontem à tarde, querida. Eles ficariam aqui pra ver vocês, mas o pessoal da loja exigiu a presença dos dois na inauguração da filial.

— Eles não iam pra inauguração da própria loja?! – eu questionei, abismado.

— Não é como se fosse a primeira inauguração, né Ron? Eles já têm mais duas lojas – Ginny mencionou risonha.

— Verdade... – eu havia me esquecido desse pequeno detalhe.

Eu descansei maior parte da tarde e acordei quase na hora do jantar. Tomei um banho rápido e desci para encontrar o pessoal. Meu pai já havia chegado, como prometera. Enquanto eu atravessava o corredor, percebi que ele conversava animado na sala de estar, com um homem que eu não soube identificar quem era. Papai olhou para o lado e, assim que me viu, fez um sinal com a mão indicando que eu me aproximasse.

— Esse é Ronald, meu caçula de quem lhe falei – ele me apresentou contente – Ron, esse é o Kingsley Shacklebolt. Um grande parceiro de trabalho e amigo meu.

Eu e o homem trocamos um aperto de mão, educadamente.

— Vocês trabalham juntos, na empresa? – eu indaguei, curioso.

— Não, eu trabalho para o governo pra ser específico – Kingsley respondeu tranquilamente. Sua voz era grave, fazendo jus ao seu corpo robusto – Trabalho no departamento que recebe processos legais de intervenção que a empresa do seu pai entrega. Nada de excepcional.

— Ele está sendo modesto, Ron. Quim move todos os registros de fiscalização da nossa empresa praticamente – papai falou – Daqui a pouco vai estar me cobrando os lucros por isso.

Nós rimos.

— Mas então, Ron... Posso te chamar de Ron, né? – eu confirmei com a cabeça – Seu pai me disse que você estava estudando em Londres há um bom tempo...

Desenrolou-se uma conversa animada sobre a minha longa estadia na Inglaterra. Quase uma hora depois mamãe nos chamou para jantar. A comida estava maravilhosa, exatamente da mesma forma que eu me recordava. Quim e meu pai falaram um pouco sobre como os dois montaram uma parceria inteligente, além de descrever o quanto de coisas estranhas eles conseguiam encontrar quando estavam supervisionando alguma obra ou fazendo alguma inspeção. No final da noite Kingsley partiu para casa. Mamãe e papai se despediram logo depois e subiram para o quarto, me deixando sozinho com Ginny na cozinha. Eu e minha irmã seguimos para a varanda comentando sobre algumas coisas sem importância. Me perdi nos meus pensamentos assim que deitei em uma das redes ali dispostas. Despertei do meu devaneio com uma cutucada nada educada de Ginny.

— O que é?! – perguntei alisando o meu braço no local.

— Eu tô falando com você! – ela respondeu, irritada.

— Eu não ouvi. Era sobre o quê?

— Tanto faz, não é importante – Ginny deu de ombros, se jogando na mesma rede onde eu estava, ao meu lado – Por que você tá voando assim? Desde mais cedo você tá com essa cara...

— Ah, não é nada de mais – eu disse a tranquilizando – Eu só tava aqui pensando sobre uma pessoa que eu conheci ontem.

— Quem? – minha irmã indagou, curiosa.

— Eu não sei o nome dela.

— Dela? É uma mulher? – Ginny semicerrou os olhos para mim – Mione sabe disso, Ronald?

Eu rolei os olhos para ela.

— Lógico que sabe, Ginevra. E ainda que ela não soubesse, eu não ando fazendo esse tipo de besteira por aí – respondi e Ginny relaxou as expressões – Eu realmente não sei quem ela é. E nem faria questão de descobrir, sob outras circunstâncias. Só que essa mulher me disse umas coisas que não saíram da minha cabeça até agora.

— Umas coisas sobre...?

— O Jabuticaba. A gente se encontrou por lá.

— Você só acha os malucos nesse rio.

Eu ri do comentário dela. Essa era uma afirmação bem coerente.

— Pior que ela era louca mesmo – eu disse, concordando. Ginny sorriu – Apareceu feito um fantasma atrás de mim. Um fantasma de cabelo rosa.

Ginny franziu a testa e se ajeitou balançando um pouco a rede.

— Cabelo rosa? – ela questionou, me encarando.

— É, um pouquinho abaixo dos ombros, ondulado e bem cheio – eu me animei, esperançoso. Talvez minha irmã soubesse quem era essa mulher – Ela não aparentava ser muito mais velha do que eu. Deve ter idade do Carlinhos, por aí.

— Eu sinto que eu já vi alguém que bate com essas descrições, mas eu não consigo me lembrar onde – Ginny comentou, ainda com o cenho franzido.

— Ah... – deixei escapar a minha decepção.

Minha irmã apertou o meu braço levemente.

 – Caso eu me recorde eu te falo, tá?

Eu concordei, de olhos fechados. Ouvi Ginny bocejar ao meu lado. Ela estava cansada.

— Vai dormir, Polegarzinha – eu disse, a empurrando levemente com o ombro – Você não descansou desde a hora que a gente chegou.

— Mas e você? Vai ficar aqui sozinho? – ela indagou solidária.

— Daqui a pouco eu entro – garanti sorrindo. Dei um beijo na testa dela – Pode ir...

Ginny se despediu e levantou. Assim que ela desapareceu porta adentro eu voltei a me deitar na rede. Minha mente desviou-se mais uma vez da realidade, porém dessa vez para outro assunto totalmente diferente: Hermione. Foi estranho passar um dia inteiro longe dela. Claro que nós havíamos conversado, por mensagem, assim que eu cheguei e logo depois que eu acordei do meu cochilo da tarde. Contudo, desde quando nós nos acertamos não havia tido um dia sequer que eu não passasse algum momento perto dela, ainda que fosse na aula, na cantina da faculdade, ou em qualquer outro lugar público. Eu não me sentia tão ligado assim a alguém desde a fatalidade em Londres.

Por falar em catástrofe, chegava a ser cômico compara-la a Hermione. As duas eram mulheres completamente diferentes. Em Londres, ela sempre chamou atenção por sua beleza atordoante. Não nego que foi isso que me atraiu inicialmente. Seria hipocrisia de minha parte dizer que a beleza não é o que geralmente induz o primeiro contato. Ninguém olha para o outro e enxerga o coração logo de cara. Se fosse desse jeito, eu não teria caído tão facilmente naquela rede de mentiras que ela formou. Além do seu encanto, ela reforçava o seu magnetismo com uma dose de palavras certas. Sua inteligência estava nos gestos. Eu me senti fascinado com aquela presença.

Era absurdamente fácil se apaixonar por ela.

Já Hermione era mais delicada, meiga. Ou melhor, esses eram os seus rótulos. Nesses poucos meses de convivência eu bem pude descobrir, da pior maneira possível, que Mione poderia ser ácida, petulante, rude, mal-criada, ou outros inúmeros adjetivos quando bem entendesse. Para isso bastava se sentir ameaçada de alguma forma. O engraçado é que ela poderia fazer tudo isso sem descer do salto. Hermione nunca perdia a altivez inicial. Mas não era isso que a definia. Bondade e gentileza eram seus primeiros nomes. Mione não media esforços para ajudar quem precisasse, sem exigir nada em troca. Às vezes era irritante aquela sua mania, que sempre falava mais alto, de saber de todas as coisas. Hermione tinha sede de informações e não engolia um “não” como resposta. Pra ser sincero, isso nela me deixava extremamente instigado. Seu cérebro era muito ágil, suas réplicas mais ainda. Desde o primeiro momento, desde o primeiro encontro, nossas discussões foram acaloradas por aquela vontade de se sobressair.

Hermione havia nascido para ser notada pelo mundo.

Uma coisa eu tinha que admitir. As duas eram mulheres extremamente decididas. Isso era evidente em todas as suas expressões, constantes nos seus movimentos. De modos diferentes, elas corriam atrás do que lhes interessava. O que as discernia completamente uma da outra era o fato de Hermione se destacar por ser íntegra. Mione era digna sob todas as condições.

     Isso a outra nunca havia sido.

Acabei pegando no sono na varanda mesmo, deitado na rede.

Meus dias de folga terminaram tão rápido quanto começaram. A terça-feira bateu a nossa porta e quando eu me dei por mim, já estava a caminho do aeroporto novamente. Bem que Ginny avisou, minha mala estava bem mais pesada para voltar do que ela estava para vir. Logo após o check-in, minha irmã arrastou minha mãe para o banheiro apressada, me deixando sozinho. Eu permaneci em pé no mesmo lugar, esperando as duas, até que papai apareceu do meu lado.

— Cadê sua mãe e sua irmã? – ele indagou olhando para os lados.

— Foram ao banheiro – respondi displicentemente – E parece que vão demorar. Ginny tava falando alguma coisa sobre maquiagem na bolsa...

— Bom, então eu acho que vou aproveitar esse momento a sós com você. A gente precisa conversar, Ron.

O tom que meu pai adotou foi tão sério que minha única reação foi encara-lo, sem entender.

— O que foi? Eu fiz alguma besteira que eu não saiba?

— Eu só quero que você saiba que eu tenho conhecimento do motivo da sua vinda – ele foi direto. Senti meu estômago apertar com a notícia.

 – Como o senhor descobriu? – eu estava realmente surpreso com aquilo.

— Ron, eu que te levei pra Londres pela primeira vez. Eu que te dei o incentivo inicial para ficar por lá. Eu fiz isso porque eu sempre tive fé na sua capacidade, ainda que você mesmo não acreditasse nela – papai me puxou para um canto mais reservado – Quando você avisou que estava voltando eu estranhei, óbvio. Então eu procurei saber com os meus colegas o que tinha acontecido. Não foi muito difícil. A história repercutiu bastante naquele meio acadêmico. As opiniões de muitos a seu respeito ainda está dividida.

Absorvi a informação lentamente, tentando não relembrar todo o constrangimento pelo qual eu havia passado. Demorou um pouco até que eu voltasse a me expressar.

— O senhor acredita em mim? – perguntei, vacilante. A insegurança me fez evitar olha-lo diretamente nos olhos.

Meu pai sorriu e me puxou para um abraço apertado, me tranquilizando. Ele sempre fazia isso, desde quando eu era criança. Agora a única diferença era que eu havia me tornado um pouco maior que ele e que seus cabelos escassos, antes tão ruivos quanto os meus, começavam a adquirir uma tonalidade levemente grisalha. Retribuí o toque na mesma intensidade, em busca de algum conforto.

— É claro que eu acredito, Ron. Eu nunca duvidaria da sua honestidade.

— Eu não podia ficar lá, pai – desabafei. Nós ainda estávamos abraçados – Eu não iria conseguir conviver naquele ambiente...

— Eu sei, meu filho. Eu sei disso – ele me acalmou, passando a mão levemente pelos meus cabelos – O que importa é que você voltou e que está feliz agora.

Eu me afastei e o mirei nos olhos.

— Eu me senti um lixo quando ninguém acreditou em mim, pai. Foram meses escutando piadinhas pelos corredores, nas aulas, no projeto. E isso continuou mesmo depois deles contarem a verdade. Eu me vi diante de todos aqueles olhares. Alguns sentiam pena de mim, mas a maioria me achava um idiota. O cara que passou mais de dois anos sendo feito de palhaço. As pessoas nunca quiseram saber de verdade o que aconteceu porque era divertido ser cruel as minhas custas.

— Você tem consciência da sua integridade, Ron – meu pai me fitou com a mesma intensidade – Não é errado acreditar nas pessoas. Quando se é uma alma boa, é totalmente normal esperar que os outros sejam também.

Eu sorri comovido. Meu pai deu uns tapinhas de leve no meu ombro.

— Esqueça o que eles disseram. Nada disso importa mais. Agora o que você tem que fazer é seguir sua vida e aproveitar as novas oportunidades.

— E se acontecer de novo? – eu estava me sentindo uma criança imatura, com medo de tudo a minha volta – Agora eu tenho um projeto aqui, pai. E se der errado outra vez?

— Não vai acontecer novamente, Ron. E se, por algum acaso infeliz, eu esteja errado sobre isso, eu sei que você vai seguir em frente – ele garantiu, seguro – Você é um Weasley, nunca se esqueça disso. Se reerguer rápido é o nosso lema.

Sorri de canto, subitamente bem-humorado.

     Sim, eu sou um Weasley.

Quando entrei, mais uma vez, naquele avião, eu estava disposto a levar o conselho do meu pai bem a sério.


Notas Finais


E ai, galera?
Me conta aqui nos comentários o que vocês acharam do capítulo e do desenrolar da história. Adoro ler a opinião de vocês ♥

Beijos, até sexta-feira !


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