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História A Troca - O Dossiê


Escrita por: MrsRidgeway

Notas do Autor


Oie gente,

Estou de volta, depois de milênios, eu sei. As desculpas são as mesmas, com um agravante, acho que esse foi o capítulo mais difícil de escrever eveeeeer. Exigiu muito de mim, mas estou feliz com o resultado. Espero que vocês também fiquem.
Aos que eu avisei que postaria ontem, lá na page, mil desculpas. Eu tive que dar uma saidinha, acabei chegando muito tarde. Prometo não ser relapsa com as datas novamente. Por sinal, para quem deseja saber spoilers, datas e afins, dá uma seguidinha aqui ==> https://www.facebook.com/Mrs-Ridgeway-1018726461593381/
A tia aqui agradece, haha.

Agora vamos ao que interessa!

Capítulo 33 - O Dossiê


— Eu não quero saber em breve, eu quero saber agora! – Hermione gritou comigo, imperativa.

— Acontece, Hermione, que as coisas não são sempre do jeito que você quer que seja! – respondi, sem pensar, tão agressivo quanto ela.

Essa mulher definitivamente é cabeça dura. Me apoiei na motocicleta, nervoso. Eu não poderia leva-la. Não depois de tudo o que havia acontecido naquele dia.

     Você não pode ceder, Ronald.

Meu plano foi todo por água abaixo quando eu me virei novamente e percebi que Hermione estava prestes a chorar. Eu tinha sido duro demais.

     Merda.

— Mione... – chamei, tentando o máximo que eu podia separar as coisas e ficar mais calmo.

Ela permaneceu de cabeça baixa. Resolvi me aproximar.

— Eu não posso te levar. Eu...

     Eu não suportaria se acontecesse algo com você.

— Você...? – ela me encorajou, ainda de sem me encarar.

— Não é seguro e... – puxei o seu queixo devagar, forçando-a a me olhar – E eu nunca te colocaria em nada arriscado...

Nós estávamos muito próximos. Tão próximos que eu estava lutando com todas as minhas forças para não beija-la. Mione me encarou de volta, compassiva. 

— Ron, eu não me importo – ela me fitou de volta – Eu vou com você. E se você não quiser me levar, eu vou dar um jeito de te seguir...

Me perdi por alguns segundos naquela frase e naqueles olhos castanhos. Acabei não controlando um sorriso.

— Você não vai desistir, né?

— Não. E você sabe disso.

Acabei cedendo. Não demorou muito para que nós subíssemos na moto e saíssemos do estacionamento da universidade. As mãos de Hermione presas a minha cintura me abraçavam firmes. Eu não sei se era errado eu me sentir assim, mas a verdade é que eu queria tê-la ali comigo. Eu precisava daquilo, ainda que fosse por poucos instantes.

A viagem foi rápida. Estacionei dentro da mata, na parte de trás do prédio principal. Não seria interessante que ninguém nos visse. Esperei Hermione descer da moto para fazer o mesmo. Quando ela retirou o capacete, a primeira coisa que fez foi me lançar um olhar desconfiado.

— Por que viemos pra cá? – ela indagou, de testa franzida.

— Senta aí – apontei para um tronco de árvore caído.

— Ronald...

Antes que ela voltasse a argumentar, eu insisti.

— Senta... – ordenei novamente – Você precisa saber de algumas coisas antes de entrar.

Hermione concordou, sem argumentar dessa vez. Me apoiei em uma das árvores, e cocei a barba, procurando a melhor forma de começar a contar toda história e fazer com que ela desistisse de me acompanhar.

— Você vai falar ou devo ir pra casa preparar uma pipoquinha antes? Ou talvez um suco, quem sabe?

— Engraçadinha... – fiz uma careta e ela cruzou os braços – Bom, não era pra você ficar sabendo desse jeito. Na verdade eu ia começar a te contar tudo no dia que...

Dei uma pausa, travando. Pigarrei.

— Enfim... – continuei – Naquele dia...

Hermione desviou o olhar.

— Prossiga – ela determinou, fria.

— Você deve ter lido o relatório – comentei, retórico.

— Sim... – Hermione confirmou.

— E então...? – indaguei – O que achou?

— Coerente... – ela respondeu – Bem embasado, principalmente. Vocês fizeram um bom trabalho.

— Você acha que é o suficiente pra provar que a culpa de tudo isso é do Malfoy?

Mione abriu a boca para responder, mas voltou atrás. Ela passou a mão pelos braços e ajeitou a coluna.

— Não... – respondeu, após um tempo – Não com todo esse poder e influencia que ele tem. Nós precisaríamos de mais para isso.

Assenti com a cabeça. Chegamos ao ponto que eu queria.

— Por isso que estamos aqui hoje.

— Como assim?

— Existe outra prova mais consistente – falei, sentando ao lado dela.

— Qual? – Hermione se virou para mim, surpresa.

— Um dossiê – vi que o semblante de Hermione enrijeceu-se – O antigo chefe de departamento da Ginny, um tal de Justino, reuniu uma pasta cheia de documentos, fotos, recibos, declarações e muitas outras coisas que provam que Lúcio Malfoy é o responsável direto pela contaminação do Jabuticaba.

Mione passou a mão pelos cabelos, sem reação.

— Esse dossiê está aí dentro? – ela me perguntou, apontando discretamente na direção da fábrica, como se alguém fosse nos ver – Dentro da SeMz?

— Sim... – confirmei.

— Ron... – ela parecia sem palavras – Isso é muito grave.

— Bastante... – até demais.

Hermione se virou novamente para frente, com os lábios entreabertos. Ela retirou um elástico que estava no seu pulso e prendeu o vasto cabelo em um rabo de cavalo. Admirei a ação, como eu sempre fazia, reparando o quanto ela ficava mais bonita quando estava concentrada em alguma coisa.

— Como a gente vai entrar?

     Ok, ela não desistiu.

— Hermione, você me ouviu bem? – repeti – A pasta tá dentro da maior empresa da região, escondida em algum lugar que a gente não sabe.

— Sim, eu entendi – ela me olhou, ofendida.

— E que se a gente entrar aí, vamos estar cometendo um crime?

— Eu sei disso, Ronald.

— Essa é a hora que você volta atrás.

— Você vai desistir?

     De jeito nenhum.

— Não – respondi de prontidão.

— Então eu também não – Hermione se levantou, decidida – Vamos?

Ela saiu na frente, me deixando sem palavras. Acabei rindo da situação. Há uns cinco meses atrás, eu poderia jurar que se alguém fizesse uma proposta desse tipo para Hermione, ela seria a primeira a ligar para a policia para avisar. Andamos por uns cinco minutos, até um local próximo a portaria. Fiz sinal para que ela parasse.

— Eu só tenho o cartão de acesso da Angel – comuniquei e Hermione fez uma cara feia – Não sei como vamos entrar os dois. Não imaginei que fosse ter companhia.

— O que a gente faz agora? – ela perguntou, preocupada.

— Não sei – assumi, sincero.

Hermione olhou para os lados. Vi que os seus olhos se fixaram em algo no estacionamento. Ela franziu a testa. Por um momento percebi que ela intrigada, contudo, rapidamente, Mione se voltou para mim, branda como antes.

— Fique com o cartão – ela falou, impositiva – Depois que você passar, me espere no elevador, fora da vista dos seguranças.

— Como você vai entrar?

— Isso é o de menos, não vai ser difícil.

Insisti. Não obtive sucesso.

— Ron, por favor... – ela replicou, impaciente – Só vá. Eu te encontro no elevador em cinco minutos.

Concordei e saí em direção ao lounge da corporação. O porteiro da noite assistia uma novela qualquer no celular, distraído. Dei boa noite e passei direto pela catraca. Ele nem olhou na minha cara. Entrei no elevador e esperei. Como combinado, em exatos cinco minutos Hermione apareceu, com um crachá de visitante grudado na blusa.

— Como você conseguiu isso? – eu estava realmente assustado.

— Pedindo... – a expressão de Hermione deixava claro que eu não deveria perguntar mais nada.

Ela apertou o botão do andar que dava acesso à coordenação, sem me dar mais explicações. Paramos no mesmo lugar onde Harry me deixara da última vez que eu estivera ali. O lugar estava escuro. Somente as luzes de emergência e de fundo de corredor brilhavam, fracas.

— Ron, eu só tenho pouco tempo, então eu acho que a gente deveria começar a procurar na antiga sala desse Justino – Hermione disse, convicta – Eu sei que parece meio óbvio, mas, se ninguém mais sabe desse dossiê, talvez possa estar por aqui ainda.

— Eu lembro que o Miguel me mostrou as salas dos coordenadores. Ficava por aqui, naquele corredor eu acho – apontei para frente – Eu procuro e você vigia, pode ser?

Ela assentiu com a cabeça. Fomos até o local. Como o combinado, ela permaneceu de guarda e eu entrei na área comum de acesso aos escritórios, com um molho de chaves que Angelina também me dera.  Tentei umas três portas, contudo todas estavam trancadas. Empurrei a última, sem esperanças. Incrivelmente, ela se abriu. A placa na porta indicava que aquela era a sala de uma tal de Nynfadora B. Tonks, a atual chefe do departamento de pesquisa, de acordo com o que Angelina me dissera. Não perdi tempo e liguei a lanterna do celular, começando a vasculhar o espaço. Mexi nas gavetas, nos armários, nas cômodas e nada. Soltei o ar do pulmão, frustrado. Visivelmente, o dossiê não estava ali. Mas onde poderia estar?

--- x ---

— Harry, nós já estamos atrasados – reclamei, impaciente – A Ginny vai matar a gente!

— Calma... – ouvi o caixa eletrônico fazer o barulhinho habitual – Dois segundos.

Respirei fundo, estressado. Eu estava me perguntando porque eu deixei o Harry me arrastar da universidade até ali. Ficar no meu canto, solitário, teria sido muito mais produtivo. Nos últimos dias o meu humor estava no nível do subsolo.

— Pronto, Ronald... – Harry pôs o dinheiro no bolso – Acabei.

— Por que você não paga essa merda no débito? Não é mais fácil?

— Essa lojinha é bem simples, não aceita nenhum tipo cartão. E a Ginny só gosta dos macarons de lá.

Rolei os olhos. Que diabo tinha dado na cabeça da Ginevra para querer doce francês uma hora daquela? Provavelmente ninguém sabia.

— Precisava mesmo comprar isso agora? – indaguei, entrando novamente no carro e sentando no banco do carona – Vocês não estavam brigados?

— Não me custava nada fazer isso, Ronald. Até porque a sua irmã anda muito nervosa essa semana – Harry coçou os olhos, também voltando para o automóvel – Por causa da feira, como você bem sabe.

Harry se ajeitou no volante e pôs o cinto de segurança. Eu imitei a sua ação.

— Se ela continuar assim, var ter um treco – eu comentei, me apoiando na janela – Ela tem chegado em casa quase morta, todos os dias. Aí ela sai me gritando pela casa e depois, quando não acha mais nada pra reclamar ou falar mal de você, ela desmaia no sofá. Às vezes nem consegue comer direito antes de dormir. Tá parecendo até que tá doente.

— Isso me leva a uma segunda teoria – ele girou a chave na ignição. O motor se aqueceu – Talvez esse estresse todo seja de família, porque você é outro que tá insuportável depois que terminou com Mione.

— Ah, não fode, Harry – desviei o olhar.

Ele apenas riu e saiu com o carro do estacionamento. Tomamos um caminho que eu não conhecia, em direção a tal lojinha de doces franceses que a minha irmã gostava, numa área mais restrita da cidade. Ao passarmos por um cruzamento, na via principal, Harry deu a seta e entrou em uma ruazinha mais estreita. Não demorou muito para que ele estacionasse em frente à confeitaria, que, por sinal, era a primeira coisa que chama atenção por ali. Harry perguntou se eu queria acompanha-lo, mas eu preferi ficar no automóvel. No rádio, uma musica conhecida tocava. Era romântica. Minha vontade de quebrar o aparelho foi crescendo a cada minuto. Para evitar danificar o carro dos outros, eu optei por desligar o som.

Conduzi minha atenção para a rua. O lugar estava praticamente vazio, exceto por um morador de rua, que dormia enrolado em um lençol sujo e puído, próximo a um poste, e, algumas crianças que brincavam no canto oposto, com pedrinhas e bolinhas de gude. Estranhei o fato por alguns segundos. Atualmente, era estranho imaginar alguém, independente da idade, que brincasse com algo que não necessitasse do uso de um celular ou computador com internet. Dei mais uma olhada ao redor e rapidamente encontrei a resposta. Ali era uma parte mais modesta da cidade, um pouco desorganizada e sem grandes tecnologias ou investimentos. Agora vai entender o que uma loja de doces finos franceses estava fazendo bem ali.

Harry não demorou a aparecer na entrada do estabelecimento, com uma sacola de papel na mão, aparentemente cheia. Ele parou momentaneamente, encostado na porta de vidro, e comentou algo com a atendente que estava lá dentro, sorrindo. Eu estava preste a apressa-lo, quando, nesse meio tempo, eu vi, saindo de uma dos casebres antigos e mal-acabados, no refloxo do retrovisor do carona, uma figura conhecida. Perdi totalmente o foco do que eu iria fazer. Não percebi quando Harry terminou a sua conversa e retornou ao carro. Despertei quando a porta bateu. Harry se esticou para colocar a sacola no banco dos fundos. Ele falou algo, mas eu não consegui absorver muito bem.

— Ron? – Harry me chamou, estalando os dedos na minha frente – O que foi?

Indiquei o retrovisor principal. Harry levantou a cabeça na mesma hora para ver. Seus olhos verdes abriram um pouco mais do que o de costume, por baixo dos óculos.

— O que ele tá fazendo aqui? – ouvi ele se perguntar, raciocinando.

— Eu vi esse cara com a mulher do rio. Eles estavam conversando, escondidos – falei, ainda observando a movimentação pelo retrovisor.

— Quando? – Harry se virou para mim, de cenho franzido.

— Naquele dia que você foi levar o Teddy pra mãe dele.

Harry arqueou a sobrancelha, mas não disse nada.

— Quem é ele? – perguntei.

— O amiguinho da sua irmã – Harry respondeu, voltando a olhar pelo espelho – Draco Malfoy.

— O filho do dono da SeMz?!

— Esse mesmo.

— O que ele tá fazendo aqui?

— Foi o que eu acabei de perguntar...

O cara loiro saiu completamente da passagem que estava e entrou em um carro luxuoso. Atrás dele, um homem mais baixo, de cabelos também loiros, porém mais escuros e ondulados, também entrou no automóvel. Ele não parecia muito contente em estar fazendo isso. Assim que Draco ligou o veículo, Harry levantou totalmente os vidros, nos mascarando.

— O que você vai fazer? – indaguei, percebendo que Harry adotara outra postura.

— Nós vamos dar um passeio... – ele respondeu sem me olhar, também dando partida.

Draco passou por nós, pegando a principal. Harry seguiu atrás dele. Nós o acompanhamos de longe, por umas três quadras, até que o filho do dono da SeMz estacionou em uma rua muito parecida com a que estávamos antes, a diferença é que esta era bem mais sinistra e isolada. Um córrego imundo atravessava parte do espaço, mais a diante. Os dois homens desceram do carro e entraram em uma viela. Nós fomos atrás. O beco parecia dar acesso a algum tipo de bar escondido. Pela janela, vimos Draco e o outro homem serem recepcionados por um dos atendentes, que os guiou até uma saleta, nos fundos do estabelecimento. Harry e eu entramos no bar e nos sentamos no canto oposto.

— O que a gente faz agora?

— Não sei.

Harry respirou fundo. Ele analisou o local, impaciente. O mesmo garçom que recepcionara o filho do dono da SeMz, viera até nós, mal-humorado.

— O que vocês vão querer? – ele perguntou, nada cortês.

— Duas cervejas – eu respondi prontamente.

— Onde fica o banheiro? – Harry indagou, de súbito.

O homem apontou para a entrada ao lado da sala que os homens estavam.

— Mas já te digo que esse banheiro não vê um pano limpo há semanas – o garçom avisou, anotando nossos pedidos na palma da própria mão.

Harry acordou com a cabeça. O homem se afastou.

— Você fica – Harry me comunicou.

— Harry, eu n... – comecei a debater, mas fui interrompido.

— Se formos os dois, vai ficar muito na cara... – ele argumentou, com razão – Você fica e disfarça. Eu não vou demorar.

Concordei de contragosto. Harry se levantou e partiu em direção ao banheiro, sumindo atrás da porta. Permaneci sentado, esperando. O bar não estava cheio. Aquele lugar era abafado, quase sufocante. Grandes placas de mofo e umidade eram visíveis nas paredes mal rebocadas do bar, provavelmente devido à falta de arejamento. Algumas mulheres com roupas extremamente curtas estavam reunidas em um canto, conversando. De vez em quando algumas saiam do lugar e vinham cumprimentar alguns clientes ou servir alguma coisa. Bebi a minha cerveja e a de Harry, e pedi outra. Mais de dez minutos depois, o atendente veio trazer a outra cerveja. Uma das meninas, que estava de costas, não o viu e acabou esbarrando nele, derrubando a bebida antes de cair no chão, logo em seguida. O homem se enfureceu. Ele estava prestes a dar um tapa nela quando eu resolvi intervir.

— Acho que isso não será necessário... – falei, segurando o seu pulso – Foi apenas uma cerveja.

A garota se levantou atordoada, voltando para perto das outras, onde foi acolhida rapidamente. Ela parecia muito novinha para estar ali.

— Você irá pagar por ela! – ele bradou, irritado.

— Não tem problema. Pago até em dobro, se necessário. Agora traga outra – respondi, hostil, retornando ao meu lugar.

Ele se afastou resmungando e sumiu atrás do balcão. Pouco tempo, uma das meninas do bar veio trazer a minha cerveja. Sem nenhuma cerimônia, ela se sentou ao meu lado.

— Oi... – a segunda mulher falou, se apoiando na mesa pelos cotovelos, de frente para mim.

— Oi... – respondi, bebendo o gole mínimo da cerveja.

— Nunca te vi por aqui.

— Talvez eu nunca tenha vindo aqui.

— Talvez...?

— É, talvez...

Nada do Harry aparecer. Olhei de soslaio para a porta do banheiro. A mulher deu um risinho malicioso.

— Nicky – ela estendeu a mão para mim, se apresentando. Suas unhas longas estavam pintadas de vermelho.

Não seria nada conveniente que eu dissesse o meu nome, então, fiz o que eu achei que fosse a melhor saída.

— Belo nome – beijei o dorso da sua mão.

— Nada de identificações, então... – ela comentou.

— Ninguém precisa delas.

A encarei por uns instantes. Nicky sorriu novamente. Ela, diferentemente da primeira, parecia ter a minha idade, apesar da expressão cansada. A mulher passou a mão pelos cabelos curtos e escuros, somente por charme.

— Eu gostei de você, estranho... – ela mordeu o lábio inferior – Gostei muito.

Ao ouvir aquele “estranho” meu estômago embrulhou. Apenas Hermione me chamara assim, quando nos conhecemos. Ouvir aquela mulher pronuncia-lo daquela forma me deixou extremamente incomodado, como se ele não possuísse o direito de dizê-lo.

— Eu estava ali, te observando, e cheguei à conclusão de que você parece uma pessoa boa demais pra estar aqui – ela alisou a mesa displicentemente, como se não quisesse chamar atenção de ninguém.

— Nem sempre o que somos fica tão claro assim... – rebati, discordante.

— De fato, mas não no seu caso – a mulher concordou – Eu trabalho aqui há bastante tempo. Confio no meu palpite. E, só por isso, eu vou te dizer uma coisa...

— O quê? – franzi a testa, sem entender.

Nicky fez um sinal com o dedo, pedindo que eu me aproximasse. Eu me estiquei por cima da mesa. Ficamos tão próximos que eu pude ver com mais detalhe o decote da blusa que ela usava.

— Você está vendo aqueles dois caras grandes ali? – Nicky me perguntou.

Eu olhei para os lados. Dois homens fortes conversavam com o garçom que havia me atendido. Eles não estavam com uma cara boa.

— Sim... – respondi – Eles não me parecem muito contentes...

— Nem um pouco... – Nicky encostou os lábios no lóbulo da minha orelha, roçando levemente – E eu acho que você sabe o porque, não é mesmo?

Minha pele se arrepiou. Ela continuou.

— Agora, você vai pegar o seu celular no seu bolso e vai retirar, como se fosse salvar o meu número ou algo do tipo.

— Por quê?

— Sem questionar, estranho. Só faça, se você quiser sair com esse rostinho lindo intacto daqui.

Peguei o celular, sem dizer mais nada. Vi que havia duas ligações do Neville.

— Ótimo... – ela sorriu, disfarçando – Agora você vai mandar uma mensagem pra o seu amiguinho, mandando ele sair do banheiro, ou de sei lá onde ele esteja, o mais rápido possível, ou ele vai ficar preso por lá pra sempre.

Mandei a mensagem, olhando outra vez para a porta do banheiro, na esperança de que Harry saísse logo dali. Nicky se afastou em seguida.

— Agora saia daqui você também. Isso aqui não é lugar pra você.

— Por que você tá fazendo isso? – perguntei, curioso – Você nem me conhece.

— Por isso mesmo que eu estou te ajudando. Sei bem o perfil de quem vem aqui. Nem você, nem o seu amigo se enquadram nele. Ninguém nunca ajudou nenhuma de nós – a afirmação me pareceu sincera – Agora vá. Deixe o dinheiro na mesa e vá.

Assenti com a cabeça.

— Obrigado.

— Me agradeça nunca mais voltando aqui.

Sorri de canto e saí do bar. Por sorte, Harry havia deixado a chave do carro na mesa, então eu entrei no veículo e me sentei no banco do motorista. Pensei em mandar outra mensagem, mas não foi necessário. Harry saíra pelo beco apressado e entrou no automóvel, batendo a porta com força.

— Sai logo daqui – ele ordenou, colocando o cinto.

Não esperei nem um segundo para arrastar o carro. Mais adiante, longe da zona de perigo, eu resolvi me manifestar.

— O que você ouviu? – perguntei, ansioso.

— Muitas coisas... – Harry respondeu. Ele apoiou a cabeça no encosto do banco – Todas sem nexo.

— Como assim?

Harry não me respondeu, apenas passou a mão na testa e olhou pelo vidro fechado janela. Seu punho estava cerrado, com força. Ele não parecia estar querendo contar o que escutara e isso era estranho.

— Mas que merda, Harry! – encostei o carro no primeiro espaço livre que encontrei, já distante do bar – O que foi que você escutou lá dentro?!

— Tem um documento do Lúcio Malfoy que prova toda a verdade sobre o rio – ele contou, agora de olhos fechados – Draco estava falando sobre isso com o tal cara.

Pelo visto a Angel estava certa.

— Justino, o cara que tava lá com ele, é um ex-funcionário da empresa – Harry continuou – É ele que reuniu esse dossiê contra o Malfoy.

— E por que ele tá falando sobre isso logo com o filho do dono dessa merda toda? – questionei, sem entender.

— Draco tem interesse no documento. Não sei por quê.

— Pra entregar ao pai, talvez?

— Não... – Harry estava tenso – Não foi o que me pareceu.

Um silêncio constrangedor se instaurou por alguns segundos. Harry abriu os olhos e mirou o teto do carro, pensativo.

— Esse dossiê tá dentro da SeMz, não é? – perguntei, já sabendo a resposta.

Ele me encarou.

— Sim... – ele disse – Como você sabe?

— Angelina comentou comigo sobre esse Justino...

Harry crispou os lábios ao escutar o nome do homem. Ele parecia com raiva.

— Ele já entregou o dossiê ao filho do Malfoy? – inquiri, interessado.

— Também não... – Harry respondeu, negando com a cabeça – Draco tava tentando tirar a informação dele de qualquer forma, mas o cara só ria e falava umas coisas estranhas.

— Tipo?

— Algo como dizer que o plano idiota do Draco não ia à diante. E que a pasta estava bem debaixo dos olhos dele e do Lúcio, no coração da empresa, só que os dois eram estúpidos demais pra enxerga-la.

Antes que eu completasse comentasse algo, Harry fez sinal com a mão, pedindo que eu esperasse. Ele tirou o celular do bolso, atendendo-o.

— Oi, Neville – Harry saudou, apressado – Nós já estamos chegando.

Neville disse alguma coisa e Harry se curvou para frente, apreensivo.

— Como ela tá...?!

Novamente, mais apreensão. Eu comecei a ficar preocupado.

— Sim, ele tá aqui comigo – Harry respondeu – Estamos indo pra aí.

A ligação foi encerrada e o aparelho posto novamente no bolso.

— O que houve? – perguntei rapidamente.

— A Ginny passou mal... – ele respondeu, nervoso – Neville disse que ela desmaiou no meio da apresentação. Ela tá na enfermaria agora.

Seguimos direto para a universidade.

 

--- x ---

 

— Ron... – Hermione apareceu à soleira da porta – A gente tem que sair aqui!

— Não agora... – falei, me levantando.

— Você ficou maluco?! – ela andou na minha direção – Ronald, o que houve?!

— Coração da empresa... – eu disse, sussurrando, enquanto avançava em direção ao corredor – Só pode ser lá.

— Ronald, me escuta! – Hermione me segurou pelo braço – Temos que ir embora agora!

— Eu já sei onde tá a pasta! – eu disse, de súbito.

Ela arregalou os olhos.

— Onde?

— Nos laboratórios.

Hermione prendeu a respiração.

— Eu não posso subir – ela estava muito tensa.

— Por quê? – questionei, desconfiado.

— Porque eu não posso, Ronald...!

Semicerrei os olhos. Apontei para o peito dela.

— Hermione, como você conseguiu esse crachá?

— E-eu...

Antes que Mione dissesse algo, alguma coisa no hall principal fez barulho. Alguém descera do elevador e estava vindo em nossa direção. Nós nos olhamos, apreensivos. Não havia muitas opções de fuga para nós dois. Antes que eu contestasse, Hermione me empurrou de volta para a recepção, me forçando a me esconder detrás do balcão onde provavelmente deveria ser o lugar da secretária.

— Não saia daí até eu te dar sinal – ela ordenou, entre dentes.

— Mas e você? – indaguei preocupado

— Shhh... – Hermione pediu silêncio – Por favor, apenas fique aí...

Passei a espiar por uma falha na madeira. Pude ver que Mione ajeitara a bolsa na sua lateral e soltara o cabelo numa velocidade absurda. Ela respirou fundo antes de pegar na porta a chave que eu trouxera e jogar na minha direção rapidamente. A luz do corredor se acendeu e, menos de um minuto depois, Hermione deu de cara com alguém extremamente desagradável. Me pus a escutar a conversa dos dois.

— Mione?! – Krum exclamou, surpreso – O que você tá fazendo aqui?

— Ah, oi, Viktor – percebi que ela sorriu, falsamente aliviada – Graças a Deus eu te achei! Eu me perdi. O porteiro não me informou muito bem onde ficava a sua sala, aí eu vim pra cá. Eu lembrei que você costumava a ficar por aqui.

— É... – Krum não parecia muito convencido – Tem um tempinho que eu me mudei pra o administrativo, lá em cima...

Krum entrou na saleta. Eu me encolhi mais ainda atrás do balcão.

— Trabalhando até mais tarde? – Hermione perguntou, tentando ser simpática.

— Sim... – as linhas de expressão na testa de Krum estavam aparentes. Ele desconfiara de algo – Eu tive que ficar.

— Por quê? – ela indagou, subitamente interessada.

— Sobraram alguns processos esse mês, coisa de praxe. Malfoy me pediu assumir – ele deu a volta no cômodo, ainda insatisfeito – Quem abriu essa porta?

Vi Hermione dar de ombros e balançar a cabeça, negativa. Prendi o riso.

— Não sei... – A broadway tá te perdendo, Granger — Encontrei aberta. Algum funcionário deve ter se esquecido de fechar.

— É... – Krum parecia não parecia estar acreditando – Deve ter sido isso.

Vi que ele olhou por cima dos ombros dela, como se averiguasse algo.

— Você tá sozinha?

— Sim...

Hermione acordou com a cabeça, tentando agir de forma natural.

— Tem certeza? – Krum a encarou – Eu acho que ouvi mais alguém falando...

Mione levantou as sobrancelhas, supostamente ofendida, como se estivesse escutando um absurdo. Mesmo atuando, percebi que ela engolira a seco, disfarçadamente.

— O que você quer insinuar, Viktor? – ela indagou, cruzando os braços – Que tem alguém escondido aqui comigo, sei lá, atrás do balcão?

     Sim, porque tem.

— Não foi isso que eu quis dizer – ele se defendeu, sem jeito.

— Sério? Não me pareceu... – Hermione replicou, irônica – Eu não teria porque trazer uma pessoa aqui. E ainda que eu tivesse, não seria tão estupida assim pra escondê-la de você...

— Desculpe – Krum parecia realmente envergonhado – Eu não quis te ofender...

Mione sorriu.

— Tudo bem, eu te entendo...

Mione tocou o braço dele, enternecida. Krum sorriu e colocou a mão por cima da dela, afagando-a. Apertei a prateleira do balcão. Algo que me dizia que ela estava fazendo isso de propósito.

— Fiquei surpreso com a sua visita... – ele continuava acariciando a mão de Hermione – De forma boa, claro.

— Eu queria falar sobre aquele seu convite, lembra? – Convite? Que convite?— Ou você já desistiu da proposta?

— Você sabe que eu nunca desisto.

Hermione rolou os olhos e riu. Eu não estava gostando nada daquilo.

— O porteiro ligou lá pra cima, há uns vinte minutos, perguntando se você tinha chegado a minha sala. Ele me contou que você disse a ele que eu estava te esperando, mas que você havia se atrasado, e que provavelmente o porteiro do turno do dia deve ter se esquecido de deixar o recado na portaria – Krum a encarou, divertido – Eu confirmei a história, sem acreditar. Você fez mesmo isso?

— Sim... – as bochechas dela coraram. Acho que Hermione estava mesmo constrangida de ter inventado isso – Mas foi porque eu fiquei com receio que dele não me deixar subir. Eu queria te fazer uma surpresa.

Krum sorriu de uma forma que me fez ter vontade de quebrar todos os seus dentes.

— Você queria tanto assim me ver? – ele perguntou a ela, alisando a sua bochecha.

— Você não sabe o quanto... – Hermione respondeu, sorrindo de volta para ele – Mas vamos sair daqui? Esse lugar escuro me dá medo.

— Claro...! – Krum assentiu, subitamente animado – A gente podia ir comer alguma coisa, o que você acha?

— Eu adoraria – ela disse, aceitando o convite.

Krum conduziu Hermione para fora do hall, com a mão em suas costas. Antes de sair completamente do cômodo, ela fixou o olhar na minha direção. Aquele era o sinal. A minha vontade era ir atrás dos dois e quebrar a cara daquele filho da puta.

     Idiota.

Hermione não tinha medo de escuro. Como alguém que leva tanto tempo junto da outra não sabia de uma informação simples como essa? Cada vez mais eu tinha certeza que ele ela havia jogado quatro anos da vida dela fora.

Sacodi a cabeça, dispersando esses pensamentos, e me concentrei novamente no que interessava, a ida aos laboratórios. Saí de trás do balcão. Quando percebi que a barra estava limpa, fui direto para o elevador. Assim como o andar de baixo, o piso dos laboratórios estava completamente vazio.

Sem Hermione, tive que testar fechadura por fechadura, por isso, demorei um pouco mais do que eu planejava para encontrar a sala de pesquisa. Mesmo usando a lanterna do celular, consegui observar que era um laboratório vasto e cheio de equipamentos. Passei a mão por algumas coisas, de leve, somente estudando o espaço. Por ser uma área mais restrita, tive que usar o cartão da Angel novamente para poder atravessar do cômodo principal para o centro de análise. Isso acendeu um alerta na minha cabeça. Eu tinha que ser objetivo na minha busca. Se, por algum motivo, alguém na central de segurança conferisse os horários de entrada ou, por alguma outra razão, conferisse as câmeras com maior cuidado, perceberia que algo de errado estava acontecendo no prédio.

Comecei a minha busca.

     Ok, pensa Ronald...

Parei após um tempo, nervoso. Eu precisava ser objetivo. Se eu fosse o tal do Justino, onde eu esconderia um documento importante como esse naquele laboratório?

     “... estava bem debaixo dos olhos dele...”.

 Olhei ao meu redor, avaliativo. Nenhum lugar me parecia tão óbvio assim.

     “... estava bem debaixo dos olhos dele...”.

Como Hermione estava me fazendo falta naquele momento. Migrei para o grande armário, nos fundos do laboratório. Remexi alguns papeis, mas não passavam de alguns requerimentos de pesquisa, manuais de manuseio e umas apostilas aleatórias. Bufei inconformado, esvaziando o meu pulmão. Fechei o armário novamente. Decepcionado era a definição perfeita de como eu estava me sentindo naquele momento. Passei a mão na testa, limpando o suor. Nesse meio tempo, meus olhos se fixaram em algo que eu não tinha reparado até então. Na parede lateral, próximo a mesa principal, havia diversos quadros, mais de vinte, para ser mais específico.

Apontei a luz naquela direção, para ler melhor. Muitos deles faziam referencia a prêmios e homenagens federais e de outras grandes empresas, direcionadas a excelência na qualidade da pesquisa dos laboratórios SeMz. Outros se tratavam de certificados e licenças de trabalho. Mas o que chamou minha atenção de fato foi um especial, uma fotografia, que destoava um pouco de todo o resto.

Me aproximei.

A foto estava datada de dezessete anos atrás. Lúcio Malfoy estava em pé, ao lado de uma criança, que dada às semelhanças deixava bem a vista que era o seu filho. O menino, tão loiro quanto o pai, não deveria estar com mais de dez anos na época que aquela fotografia fora batida. Do lado oposto, um homem mais velho que Lúcio, e também tão fisicamente parecido quanto, ocupava o resto da composição da fotografia. Arrisquei o palpite de que a família, visivelmente tradicional, havia se reunido para registrar aquele momento. Era noite e, atrás deles, o nome da SeMz aparecia bem aceso. Reparei que, na foto, algumas pessoas circulavam pela frente do prédio da empresa, todas bem arrumadas. Alguns clarões, como holofotes, também foram apanhados pela máquina. Deveria ser dia de algum tipo de evento social coorporativo. Tentei me aproximar mais, curioso, para capturar mais algum detalhe. Bati o meu joelho com força em algo rígido.

— Porra... – exclamei, num sussurro.

Me curvei para massagear o lugar. Aproveitei para tatear o móvel. Era uma pequena cômoda, semelhante a um criado-mudo, na verdade. Haviam três gavetas nela.

    “... estava bem debaixo dos olhos dele... e do Lúcio...”.

Pelo visto, a frase de Justino tinha sido mais literal do que eu imaginei. Me agachei rapidamente. O móvel não parecia ser usado com frequência. Isso daria a ele a condição de ser um ótimo esconderijo. A luzinha da esperança se acendeu dentro de mim. Me pus a averiguar. As duas primeiras gavetas estavam destrancadas e praticamente vazias. O mesmo eu não poderia dizer da última.

     Típico.

Usei a velha técnica de arrombamento já conhecida. Não foi muito difícil. Um clique e a gaveta se destrancou, como num passe de mágica.  Olhei para dentro do móvel, preocupado. Não havia ali além de uma pasta preta. Peguei-a, ansioso, e abri para ver o conteúdo. Não demorou nem cinco segundos para que eu identificasse que aquele era o dossiê. O joguei rapidamente na mochila e voltei a fechar a gaveta. Saí do laboratório logo em seguida. Sem levantar nenhuma suspeita, e com a adrenalina fluindo rápida pelas minhas veias, abandonei o prédio da SeMz, tão discretamente como quando eu entrei.

Cheguei em casa pensativo. Coloquei a mochila na cadeira e me joguei na cama logo em seguida, sem nem tirar os sapatos. Isso não era nada comum da minha parte, mas o meu nível de cansaço estava muito alto para qualquer outro tipo esforço. Raparei que no caminho até o meu quarto, não vi sinais de que a Ginny estivesse em casa, então, supus que o Harry houvesse a levado para o apartamento dele. Isso era bom, os dois que aproveitassem esse tempo e se resolvessem de uma vez. Esse pensamento me levou a outra questão.

     Hermione.

 Será que ela já estaria em casa? Pelo horário eu diria que sim, mas, pela conversa que eu tinha escutado entre a Hermione e o idiota do Krum, eu temia que não. Ela e o Vitinho deveriam estar conversando bastante agora que ele havia retornado. Era engraçado como algumas pessoas conseguem esquecer muito fácil o mal que as outras causam a elas. De certa forma isso era bom, acreditar na mudança, na reabilitação do outro. Era uma pena que eu não tivesse essa mesma dose de altruísmo. O Krum continuava não descendo pela minha garganta e iria permanecer desse jeito enquanto eu achasse conveniente.

Continuei pensando por mais um tempo e cheguei à conclusão que, independente de qualquer coisa, eu e Hermione tínhamos agora outro assunto em comum para tratar: o dossiê. Ela me ajudara a pegar os documentos e, se não fosse pela sua atuação, nós teríamos sido pegos no flagra. Era minha obrigação contar a ela que havia dado tudo certo e que eu estava com a pasta. E seria falta de consideração fazer isso pelo telefone, quando ela se predispusera a me acompanhar, independentemente dos riscos que isso poderia acarretar.

Com essa desculpa, me levantei de súbito, e, da mesma forma que eu estava, decidi ir à casa de Hermione. Quanto mais rápido eu fizesse isso, melhor. Mais uma vez, peguei a chave da moto e saí de casa. Pilotei todo o caminho sem saber se estava realmente fazendo o certo. No momento que eu parei a motocicleta em frente à casa de Hermione, percebi que lá dentro haviam algumas luzes acesas. Para a minha sorte, ela estava em casa. Reuni um pouco mais de coragem para subir os degraus da entrada e apertar a campainha. Afundei mais ainda as minhas mãos nos bolsos da calça, esperando. Escutei passos apressados e logo em seguida porta fora aberta. Hermione me encarou, desconcertada. Surpresa, eu diria, para ser exato. Aos poucos, pude ver um sorriso tímido se abrindo em seus lábios.

— Meu Deus, Ron...! – ela pulou no meu pescoço, me puxando para um abraço afoito – Eu estava tão preocupada! Eu acabei de ligar pra o Harry, mas ele não sabia se você já tinha chegado em casa ou não...

— Oi, Mione... – a abracei de volta, atordoado – Tá tudo bem.

Passei a mão pelas suas costas, devagar. A pele dela se arrepiou sob os meus dedos.

— Desculpe... – ela se afastou, envergonhada.

— Não tem problema – a tranquilizei, um pouco sem graça – Será que nós poderíamos conversar?

— Claro... – ela sacodiu a cabeça, desviando o olhar – Entra.

Hermione abriu espaço para que eu passasse. Atravessei o hall enquanto ela fechava a porta de entrada. Não demorou até que ela se juntasse a mim.

— Quer alguma coisa?

— Não, obrigado.

Era estranha toda aquela mecanicidade. Hermione seguiu direto para a cozinha e eu fui atrás.

— E então? – Mione indagou, se sentando em uma das cadeiras.

— Conseguimos... – disparei, encostado a bancada da pia.

Ela levantou a cabeça na minha direção, apressada.

— Conseguimos? – seus olhos estavam arregalados.

— Sempre o tom de surpresa... – sorri de canto – Sim, conseguimos. Eu tô com a pasta.

— Você a trouxe?

— Não, achei melhor deixar em casa. Mais seguro.

— Fez bem... – ela acordou com a cabeça – Precisamos falar com o Lupin.

— Não creio que ele vai gostar muito do que a gente fez – comentei, mexendo displicentemente na bandeja de frutas – Não era esse o propósito da pesquisa.

— E qual era então...? – Mione rebateu, levantando uma sobrancelha – Remo coloca a gente pra pesquisar um crime ambiental e espera que a gente fique somente no âmbito acadêmico?! Isso seria um absurdo! Principalmente porque ele sabia muito bem no que estava se metendo antes de nos envolver nisso!

Me permiti a rir com gosto.

— Ei, calma...! – levantei as mãos em rendição – Estamos do mesmo lado, esqueceu?

— É... – Hermione fechou os olhos e sorriu anasalado, de si mesma – Eu sei...

Ela se levantou e andou até o fogão, mexendo nas panelas. Uma cena incomum, eu diria. Continuei brincando com a maçã enquanto ela adicionava sal à água de alguma coisa que estava preparando. Um silêncio constrangedor se levantou entre nós durante esse meio tempo. Hermione voltou a se afastar do fogão, dessa vez parando do meu lado e arrumando a louça suja. Nesse momento, optei por continuar o mesmo assunto de antes.

— O que a gente faz agora então? – indaguei, esperando uma posição.

— Sobre? – ela me encarou, apreensiva.

     Nós dois?

— Sobre... – cocei a garganta, sem jeito – Ahn, sobre o rio.

 – Ah... – aquele seria um olhar de decepção?— Bom, eu acho melhor nós guardarmos esse dossiê até segunda-feira.

— Por quê?

— Dia de reunião. A gente conversa com o Lupin e aproveita pra entregar os documentos.

— E se ele não aceitar?

— Ele vai ter que entender.

Não consegui controlar uma piadinha maldosa.

— Ou o quê? Você vai usar os seus dotes cênicos pra convencê-lo de que a pasta apareceu misteriosamente na porta da sua casa? Acho que o Lupin é mais inteligente que o Krum.

Hermione sorriu, sarcástica.

— Ou quem sabe eu posso roubar as chaves da casa dele e colocar a pasta lá, na calada da noite? Ou melhor, se eu pedir com jeitinho, talvez a mãe do Teddy me dê as chaves... – ela retrucou, ácida, de olhos semicerrados – Se bem que nem todo mundo é tão bonzinho como a Angel, não é mesmo?!

— Eu discordo. Olha o Vitinho, por exemplo. Está sempre disponível pra ajudar todos aqueles que precisam dele – rebati, irritado – Como é que você faz mesmo? É só estalar os dedos e ele aparece ou existe outra técnica que eu desconheça?

Hermione soltou a xícara que segurava na pia. O barulho de vidro quebrando ecoou em seguida.

— Aonde você quer chegar com isso, Ronald? – ela indagou, colérica.

— Eu?! – apontei para o meu peito, respondendo no mesmo tom – Eu não quero chegar a lugar algum. Já você eu não sei.

— O que você está insinuando? Que foi só eu largar você que eu iria voltar correndo pra os braços do Viktor?!

— A conversa que eu ouvi hoje me deixou livre pra imaginar muitas coisas...

— A cena que eu vi semana passada também.

     E ela havia imaginado, Ronald.

Acabaram-se os meus argumentos. Eu esfreguei os meus olhos, estressado. Eu não podia acreditar que nós estávamos discutindo de novo, e pela mesma coisa. Ok, talvez eu estivesse errado sobre a relação dela com o Viktor. Talvez se eu estivesse no lugar dela, eu fizesse o mesmo que ela fez em relação a Angel. Se bem que isso não era bem uma dúvida, diante do meu temperamento explosivo. A questão é que nós estávamos nadando em um mar de incertezas, de falta de confiança. E mesmo que não houvesse mais nada entre nós dois, aquilo me incomodava.

Mordi a maçã que eu estava brincando antes, com raiva.

— Achei que você não quisesse comer nada – a escutei comentar.

— Força do hábito – respondi, dando de ombros.

Hermione passou a mão pelos cabelos. Isso indicava seu nervosismo. Devagar, ela começou a catar os pedaços de vidro quebrado na bacia da pia. Ela estava tão compenetrada no seu serviço que não reparou quando a água da panela começara a ferver. Alguns minutos se passaram e o líquido começou a derramar. Hermione se assustou com o barulho. Ela correu até o fogão e tentou segurar a tampa da panela, mas o metal estava muito quente. A peça caiu no chão.

— Droga!

Resolvi deixar a animosidade de lado por alguns instantes. Me desencostei da bancada e andei até o fogão, diminuindo a temperatura do fogo. Nesse meio tempo, observei o espaço ao redor. Alguns ingredientes conhecidos estavam separados, de forma organizada, pelo mármore branco.

— Achei que vocês tivessem saído pra jantar – comentei, pegando a tampa da panela do chão com um pano e levando até a pia.

— Fomos a lanchonete da SeMz – ela mordeu o canto da boca – Mas eu estava sem fome.

Mione se sentou na parte livre da bancada, alisando as pontas dos dedos, que estavam avermelhadas pela queimadura. Eu andei até a geladeira e abri o congelador. Percebi que ela analisava os meus passos. Peguei um cubo de gelo e enrolei em uma toalhinha, antes de ir até onde Hermione estava. Sem perguntar nada, segurei a sua mão com delicadeza. Ela não se opôs.

— Geralmente eu faço a merda e você corrige – falei, descontraído.

Encostei o gelo na sua pele. Vi que ela fez uma careta.

— Geralmente você faz a comida e eu como – ela respondeu, olhando eu encostar o gelo enrolado em cada dedo, por alguns segundos.

Sorri anasalado.

— Ravioli? – indaguei, curioso.

Mione confirmou com a cabeça, antes de completar.

— Não vai ficar bom... – ela disse, fazendo bico.

— Por quê...? – levantei uma sobrancelha.

— Não parece estar dando muito certo – ela comentou – Eu segui a receita pra fazer a massa, mas não ficou tão boa quanto...

Mione parou de falar no meio da frase.

— Tão boa quanto? – a encorajei, já sabendo o que ela iria dizer.

— Tão boa quanto a sua... – Hermione rolou os olhos – Satisfeito?

Eu ri com gosto. Apoiei as minhas mãos na bancada, uma de cada lado do corpo dela, e a fitei.

— Qual a sua dificuldade em dizer que eu sou bom em alguma coisa de vez em quando? – perguntei, interessado.

— Nenhuma... – Mione puxou o pano de prato da minha mão.

— Não parece.

— Se você visse a sua cara de convencido agora, entenderia porque eu não falo.

Ela me bateu de leve no ombro, com a toalha. Eu fiz uma careta e Mione abriu um sorriso genuíno. Senti que eu faria qualquer coisa para vê-la sorrir assim novamente.

— Eu não sou o único a fazer essa cara quando acho que estou certo... – me defendi – A miss perfeitinha aqui também adora uma massagem no ego.

— Não me chama de miss perfeitinha! – apanhei novamente com o pano de prato.

— Como não?! – provoquei – Acho que aquela cebola foi cortada com uma régua, de tão perfeitos que estão os quadradinhos.

— A receita mandava cortar desse jeito – agora era ela que se defendia – Além do mais, assim fica mais bonitinho.

— E trabalhoso.

Ela deu de ombros.

— Todo mundo tem suas manias... – Hermione focou o olhar na mão machucada novamente, tímida.

— Eu ainda tô tentando descobrir as suas... – assumi, sincero.

— Não é tão difícil assim... – Mione me fitou outra vez – Minhas falhas estão aí, pra todo mundo ver...

— Achei que você estivesse acima disso.

— Não estou. Nem tudo na vida consegue sair tão perfeito como o seu macarrão...

— Mas ainda sim isso não nos impede de tentar... – me aproximei devagar, não resistindo aos meus impulsos – Nós podemos tentar fazer com que fique perfeito...

— Podemos...? – ela fechou os olhos.

Nossos narizes se roçaram lentamente.

— Podemos...

Selei os nossos lábios. Esperei por um tempo antes de tentar outro movimento, mas Hermione não se afastou ou renegou o beijo, pelo contrário, ela parecia estar esperando por ele, de lábios entreabertos. Avancei outra vez, agora com mais ímpeto, a puxando para mais perto de mim, pelos quadris. Mione correspondeu, subindo uma de suas mãos pela minha nuca, até os meus cabelos, enquanto a outra apertava forte o meu ombro.

Eu estava inebriado por aquelas velhas sensações. Inebriado por de tê-la nos meus braços novamente. Era difícil medir o quanto eu estava com saudades. Quando Hermione me puxou pela camisa, buscando mais contato, eu desci os meus lábios, ansiosos, pela linha do seu pescoço, arrancando dela alguns gemidos leves. Era gostoso sentir o seu cheiro novamente, assim, tão de perto. As pernas ao redor da minha cintura se moveram, inquietas, e o aperto nos meus cabelos ficou mais urgente. Intensifiquei o contato antes de retornar a sua boca, ávido. Nos beijamos por mais algum tempo imensurável até que eu comecei a sentir que aquela bancada estava pequena demais para nós dois. Pensei em tira-la dali, mas antes que eu pusesse em prática a minha imaginação, Mione se distanciou, com dificuldade.

— Ron... – ela sussurrou, segurando a barra da minha camisa – Não...

Nossas testas suadas estavam coladas. Assim como a minha, sua respiração também estava muito ofegante.

— Por quê? – acariciei sua bochecha.

— Eu... – Hermione hesitou, confusa – Eu não consigo... não depois...

Me afastei. Eu não podia estar ouvindo aquilo. Não depois do que tinha acontecido naquele dia.

— Isso é sério? – questionei, incrédulo.

— Eu... só não consigo... – ela desviou o olhar.

A encarei com intensidade, insistente, antes de voltar a chama-la.

— Mione, você acha mesmo que eu faria aquilo com você...? Que eu seria mesmo capaz?

— Eu... eu não sei... – seus olhos encheram de lágrima – Eu...

Ela parou de falar, sem coragem de completar a frase. Eu soube que era a hora de ir embora naquele instante. Após um movimento leve com a cabeça, em concordância, me afastei devagar. Me recompus por alguns segundos, ainda pensativo. Hermione agora evitava me olhar, mas eu sabia que ela estava chorando. Eu não estava mais disposto a presenciar aquilo, então, sem dizer mais nada, me retirei da cozinha. Andei lentamente, em direção à saída.  Mil coisas passaram pela minha cabeça e eu poderia voltar e dizer todas elas. Eu poderia implorar para que ela me escutasse. Eu poderia tentar me explicar novamente. Porém, do que adiantaria?

    De nada, provavelmente.

Com essa certeza, bati a porta. Eu não iria voltar atrás. Não mais.


Notas Finais


Então, meus amores. O que vocês acharam do capítulo?
Deixem aqui embaixo os lindos comentários de vocês. Pode até não parecer, mas eu preciso muito do review de vocês.

Pra quem quiser acompanhar o outro lado da história, esse capítulo faz ligação com dois outro lá n'A Escolha, então:

==> Se vocês desejam saber melhor sobre esse tal dossiê e sua origem, é só dar uma lidinha no capítulo 19 - "A Festa"

Beijos!


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