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História A Troca - A Queda


Escrita por: MrsRidgeway

Capítulo 34 - A Queda


— Hermione! – vários rostos conhecidos me saudaram.

Eu sorri, acanhada. Me aproximei do grupo, cumprimentando um por um.

— Quanto tempo! – Allene, uma velha colega minha, comentou quando nós trocamos dois beijinhos – Nossa, Mi, como você mudou...

Ela se afastou de mim por alguns segundos e me analisou por completo. Me senti subitamente envergonhada.

— Isso é ruim? – indaguei, curiosa.

— Olha, eu diria que não... – Al respondeu, sorrindo – Você tá ótima.

Sorri. Para falar a verdade, ela estava certa. Eu já não me sentia a mesma de alguns anos atrás.

— Desculpe incomodar o seu diálogo florido, Allene... – fomos interrompidas por um corpo que se colocava no meio da conversa, intruso – Mas eu também tenho interesse em cumprimentar certa amiga que nunca aparece nos encontros, sabe...

David me puxou para um abraço apertado, me espremendo contra o seu tórax. Eu não consegui fazer nada além de ter um acesso de risos enquanto ele me sacodia de um lado para o outro. Pelo tamanho do copo de chopp que o homem segurava, eu poderia dizer que alguém já não estava mais no seu estado lúcido. Se bem que consciente era uma condição que David quase nunca estava mesmo.

— Larga a garota, seu folgado – Cedrico apertou o tendão ombro de David, que me soltou por causa do choque no nervo – Estávamos só te esperando, Mione.

— Desculpe, eu me atrasei um pouco – falei, enquanto abraçava o meu amigo.

— Não estrague o nosso clima de reencontro, Cedrico. Eu e a Mione temos uma conexão – David reclamou, se apoiando em Allene, que apenas rolou os olhos.

— Nos seus sonhos, claro – Cedrico tentou acertar o amigo com um chute de leve. David desviou, rindo – Sai daqui, porra. Vá ser útil. O Viktor quer ajuda com as cervejas.

— Ah, cerveja... O néctar dos deuses – David levantou o copo, se afastando devagar – Eu já volto, Mione. Nem pense em fugir de mim!

David se distanciou e Allene foi atrás dele, para fiscaliza-lo. Assim que os dois saíram de perto de nós, Cedrico me deu um beijo na testa.

— Tá tudo bem com você? – ele perguntou, baixinho – Eu fiquei sabendo sobre você e o Ron...

— Tá sim, Ced. Obrigada pela preocupação – sorri, em agradecimento.

Cedrico apenas balançou a cabeça e não insistiu. Andamos juntos até a mesa. Ela voltou a conversar com alguns outros colegas, entretido. Eu apenas permaneci na cadeira, em silêncio, vasculhando o meu celular, sem muita vontade de fazer nada. Eu havia acabado de chegar e sabia muito bem que era um absurdo que eu já estivesse entediada, mas isso era a definição perfeita de como eu me sentia naquele momento. Eu não queria ter ido aquele encontro. Só aceitei o convite por causa do episódio do dia anterior, na SeMz. Só aceitei para evitar que Ron fosse pego.

Por falar em dia anterior, no Ron e em definições perfeitas, profundidade era a palavra que demarcava bem o que havia sido a ultima sexta-feira. Eu ainda estava sentindo o enorme peso da conversa que tivemos. Principalmente depois daquele beijo. Depois da forma como nós nos conectamos, de modo tão automático, como em um encaixe. Eu sentia falta daquele ruivo, e muita. Isso era incontestável. Desde quando nós terminamos eu ansiava pelos seus beijos, pela sua companhia, por ter acesso aos seus risos, as suas palhaçadas, ao seu jeito atrapalhado de ser. Eu ansiava pelo contato. Pelas conversas durante a madrugada, pelos filmes no sofá, pelos jantares. Eu aspirava à presença de Ron. Eu desejava tê-lo de volta.

Contudo, no momento que eu me lembrei do que aconteceu no laboratório, do que eu vi, de toda a história que ele me escondeu. Eu simplesmente travei. Somente isso. Emperrei ali, sem reação. Sem ter coragem, para ser sincera. Algo me dizia que negar a toda essa questão era totalmente errado. Que beijá-lo e querer estar de volta com ele, como se tudo fosse apenas normal, era estar sendo injusta comigo mesma. Mas então porque eu não me sentia bem agora? Porque eu não me sentia realizada, não me sentia completa? Quando Ron se afastou de mim, criou-se um vazio. E, vê-lo ir embora, sem me dizer mais nada, outra vez, fez com que eu me sentisse a pior pessoa da face da terra.

Fui obrigada a voltar à realidade quando David e Allene retornaram com Viktor e mais outra colega nossa, que costumava a ir assistir os jogos dos meninos quase todo final de semana. A mulher me cumprimentou rapidamente, enquanto depositava algumas garrafas de cerveja na mesa. Logo em seguida ela se sentou do lado oposto, com as pessoas que tinha mais intimidade. Allene e David se aproximaram de mim, juntamente com Viktor, que se esparramou na cadeira ao meu lado. Ele deu um beijo estalado na minha bochecha. Eu apenas sorri de canto.

— Achei que você não viesse mais... – Viktor disse, próximo ao meu ouvido.

— Achou errado... – respondi, no mesmo tom.

Ele sorriu e esticou a mão, enchendo seu próprio copo com a água da minha garrafa. Franzi a testa, estranhando o fato dele não estar bebendo. Viktor apenas esboçou um sorriso, outra vez. Uma voz se elevou ao fundo logo depois.

— Ei, galera... – Daniel, um dos amigos de Cedrico se manifestou, animado – Eu acho interessante nós propormos um brinde a esse encontro geral, que, pela primeira vez, depois de quase quatro anos e de inúmeras tentativas, conseguiu acontecer!

— Concordo! – Cedrico saudou, levantando o copo por primeiro – Ao nosso reencontro!

— Ao nosso reencontro! – todos nós levantamos os nossos copos no ar, o imitando.

Eu nunca me senti tão deslocada.

— Que aconteçam mais desses, por favor! – Al bradou, imperativa – Eu não aguento mais as desculpas da Dodie ou do Krum, dizendo que estão cheio de trabalho.

— Krum? Cheio de trabalho...? – David soltou uma gargalhada – O Viktor que eu conheci era o maior vagabundo do planeta!

Nos rimos.

— Os tempos mudaram – Viktor respondeu, ao meu lado – Hoje em dia eu sou um cara responsável...

— Acredito... – David rebateu, sarcástico – O que aconteceu pra gerar essa mudança toda?

— Um milagre chamado SeMz – Cedrico comentou, abraçado a uma menina que ele costumava pegar no ensino médio – Viktor agora é o discípulo do dono da empresa.

— Sério? – alguém que eu não fazia a mínima ideia de quem fosse exclamou, admirada – Nossa, que sonho. A SeMz é uma corporação enorme...

Viktor deu um sorrisinho maroto, de novo.

— Por enquanto é só um estágio – ele começou a explicar – Mas, como eu já tô lá há um tempo, apareceu uma oportunidade muito boa de eu ser contratado agora, como advogado administrativo, depois da formatura no fim do ano. Por isso a minha dedicação à SeMz tem sido em tempo quase integral.

— Fico feliz por você, cara... – David o parabenizou. Ele parecia estar sendo sincero – A Mione conseguiu mesmo te colocar na linha.

Quase regurgitei a água que eu estava bebendo. Senti o meu rosto ficar quente praticamente de imediato. Viktor se ajeitou no assento apenas, pondo o braço por cima do encosto da minha cadeira e me apertando levemente.

— No momento, eu e a Mi somos apenas grandes amigos – ele falou, me trazendo mais para perto dele.

Vi que Cedrico engoliu uma risada. As pessoas me olharam curiosas, como se eu fosse uma peça em exposição num museu. Naquela hora eu quis muito enfiar a minha cara na terra.

— Bom, essa agora é a parte que todo mundo fica sem graça – Ced falou, quebrando a tensão da conversa de forma descontraída – Por isso que eu não nasci pra namorar...

— Você não namora porque você é um galinha, Cedrico! – Allene rebateu, jogando um guardanapo amassado na direção dele.

— Você está equivocada, minha cara Leninha... – ele se defendeu – Por exemplo...

— Por exemplo, nada...! – ela o cortou, balançando o dedo – Nem me venha com o seu papinho de advogado pra o meu lado. Eu te conheço muito bem, seu cara de pau!

Graças aos céus a estratégia de Cedrico deu certo e as pessoas passaram a focar sua atenção na discussão hilária entre os dois. Anotei mentalmente a obrigação de agradecê-lo depois por isso. A conversa se desenrolou normalmente após esse momento, se tornando mais fluida. Relembramos o nosso passado, comentamos sobre o futuro, sobre os nossos planos e sobre outras coisas um pouco mais banais que todas os nossos deveres. Ainda que não o suficiente para me sentir totalmente à vontade, eu consegui me soltar mais ao longo da noite, com o avançar das horas. Já havia passado da meia noite quando eu olhei no meu relógio de pulso. Como eu estava com um pouco de dor de cabeça e ainda cansada da noite anterior, resolvi voltar para casa. Me despedi do pessoal , em meio a vários pedidos para que eu ficasse.

— Mas já, Mi? – Allene inquiriu, consternada – Fica mais um pouquinho...

— Eu bem que gostaria, Al, mas eu realmente tenho que ir – falei, a abraçando – Fim de semestre, sabe como é, muita coisa pra estudar.

Uma mentirinha não ia fazer mal.

— Hermione sendo Hermione – David comentou, se curvando para me dar um beijo na têmpora – Por isso que essa garota é o meu orgulho!

Sorri para ele. Cedrico se aproximou de mim.

— Como você vai voltar pra casa? – ele me perguntou, preocupado – Eu não confio muito nesses taxistas durante a madrugada, então tome cuidado.

— Não tem problema, eu moro aqui do lado – o tranquilizei – Dá pra ir andando, se deixar. Estou até pensando nessa opção.

— De jeito nenhum, Mione. Tá tarde – o meu amigo reclamou – Eu te levaria, se eu não estivesse bebendo, mas como você pode ver...

Cedrico abriu os braços. Eu ri.

— Eu a levo... – Viktor apareceu as minhas costas – Vou e volto, rapidinho. Dez minutos tô aqui.

— Certeza?

— Absoluta. Vamos?

— Ah, então ok... – concordei, aceitando a carona.

Viktor saiu na frente. Cedrico me olhou de soslaio, enquanto eu me afastava. Havia uma pergunta implícita ali.

— Tá tudo bem – sussurrei – Pode ficar tranquilo.

Eu só queria ir para casa o mais rápido possível. Ele assentiu com a cabeça, antes de voltar para o grupo. Me adiantei, saindo do bar e andando em direção ao estacionamento. Viktor já me esperava, em pé, encostado no carro. Quando ele me viu, destravou o veículo e se preparou para entrar. Segui até o lado do carona. O trajeto até a minha casa foi breve, como ele havia dito.

— Está entregue... – Viktor brincou, parando o carro em frente ao batente da minha casa.

— Obrigada... – agradeci, simpática – Por gastar gasolina a  toa, comigo.

— Não há de quê – ele sorriu – Quando eu vou te ver de novo?

A pergunta me pegou de surpresa.

— Bom... – limpei a garganta – Eu pretendo ir à formatura de vocês, sua e do Cedrico. E ainda tem essa semaninha de aula até as férias, então...

Viktor retirou o seu cinto de segurança e se virou para mim.

— Não dessa forma, Mione – fui interrompida.

Ele chegou mais perto.

— E de que forma seria? – eu indaguei, um pouco desconcertada.

— Da forma que você sabe que eu quero... – Viktor foi incisivo – E que eu sempre quis...

Ele aproximou seu rosto do meu, devagar, parando antes para por uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, carinhoso. Automaticamente eu retesei. Era estranho para mim que qualquer outra pessoa que não fosse Ron fizesse isso. Aquele movimento, mesmo inocente, era íntimo demais. Era algo entre nós dois.  Essa liberdade ainda pertencia somente a ele.

Antes que Viktor me beijasse, eu pus a mão sobre o seu peito. Ele não avançou.

— Viktor, eu tenho um carinho enorme por você e agradeço a toda atenção que você tem me dado nesses últimos dias – eu disse, aprazível – Só que eu não quero que você confunda as coisas. Nós não vamos voltar.

— É por causa do Weasley? – ele questionou, me observando.

— Sim, é por causa do Ron – eu respondi, verdadeira.

Eu não tinha nenhuma razão para mentir.

— Mas, mesmo que ele não existisse aqui agora, entre nós dois, a minha decisão seria a mesma – completei, intrépida – O que a gente viveu foi muito importante pra mim, mas você estava certo quando quis terminar.

— Terminar com você foi a maior besteira que eu fiz na minha vida, Mione. Não demorou nem um mês pra que eu percebesse isso.

— Não foi besteira, Vi.  Você conseguiu enxergar antes de mim que aquela relação que a gente estava empurrando com a barriga não tava mais dando certo.

Viktor voltou a encostar-se ao banco do motorista, olhando para frente.

— É, talvez você esteja certa... – ele concordou, com um suspiro.

— Eu estou – confirmei, solicita – Foi o melhor que a gente fez.

— Só que todos esses meses se passaram, Mione, e eu simplesmente não consegui te esquecer – ele se ajeitou, se virando na minha direção mais uma vez – E eu sei que amadurecemos com o fim do nosso namoro. Somos outras pessoas agora, eu e você.

— Somos... – eu concordei, entendendo a linha de pensamento que ele estava levando – Mas no momento isso não muda nada pra mim.

Viktor sorriu anasalado.

— Eu sempre estarei aqui – ele disse, me encarando – Você sabe disso...

— Eu sei... – acariciei a maçã do seu rosto – Mas você também sabe que eu não quero que você me espere.

Dei um beijo na sua bochecha e desci do carro. Para mim aquilo finalmente havia sido uma despedida. Uma despedida de tudo o que estava guardado dentro de mim durante esse tempo que se passou. Naquela noite, em meio a todas as adversidades, eu consegui dormir tranquilamente.

No domingo eu levantei cedo e com um objetivo: visitar a Ginny. Eu tinha quase certeza que eu fui a única que não apareci para vê-la desde o tal desmaio na apresentação de sexta e estava me sentindo mal por isso. Luna havia me dito que a ruiva estava passando o final de semana no apartamento do Harry, então, aproveitei a proximidade e a conveniência de não ter que ir a casa dela e acabar me encontrando com o Ron de alguma forma, e me arrumei para sair. Assim que eu cheguei ao prédio a minha subida foi autorizada. Ginny foi quem abriu a porta, sorridente. Ela não me pareceu nem um pouquinho doente.

— Mione! – trocamos um abraço – Que surpresa...!

— Acho que não é tão incomum assim que eu venha visitar uma amiga que passou mal – falei, estranhando tanta animação.

Ginny rolou os olhos.

— Eu tô bem – ela disse, abrindo passagem – Foi só um desmaiozinho...

— Ahan, um desmaiozinho, claro... – eu disse, jogando minha bolsa no aparador – Cadê o Harry?

Olhei ao meu redor, analisando o espaço.

— Foi buscar o Teddy agorinha – ela respondeu, enquanto me observava – Por quê?

     Maravilha.

— Ótimo... – eu disse, me sentando no sofá – Perfeito, eu diria...

Ginny me acompanhou. Ela semicerrou os olhos na minha direção.

— Agora vamos conversar... – eu falei, pondo uma almofada no meu colo e me virando na direção da ruiva.

Escolhi ser direta.

 – Bom, eu estava por acaso, durante esses dois dias, pensando sobre esse seu desmaio, levando também em consideração o que eu fiquei sabendo sobre o seu estresse e irritabilidade durante a semana, nas apresentações, nos relatos das pessoas ao seu redor – Ginny ainda me olhava intrigada – Tudo aconteceu de uma forma tão inusitada, eu diria... Você não acha?

— Trabalhar nesse estande estava me matando, sabe como é... – ela disse, abaixando o rosto – Ainda bem que acabou e agora eu posso descansar.

— Ah, óbvio... – eu sorri, irônica.

A ruiva começou a coçar a palma da mão. Vi que havia algumas manchas.

— Ginny... – a chamei – Tem alguma coisa que você queira me dizer?

— Não... – ela selou os lábios e negou com a cabeça.

Como se eu acreditasse mesmo que ela não fazia a mínima ideia dos motivos da minha indagação.

— Eu vi você vomitando, lá na universidade, no dia anterior ao desmaio.

A ruiva arregalou os olhos, mas não disse nada. Prossegui.

— Você passou a semana toda pálida demais, com aparência de cansada. Até aérea, eu diria. Me desculpe frustrar suas expectativas, amiga, mas eu preciso te dizer que isso não é normal, nem mesmo para alguém que esteja muito ocupada com o que quer que seja...

— Olhando por essa perspectiva, realmente não é – ela continuava evasiva.

Ginny parecia estar prendendo a respiração. Seu abdômen estava rígido e suas bochechas levemente vermelhas. Eu conhecia aqueles sinais. Ela estava nervosa.

Voltei a encara-la, incisiva.

— Eu vou te perguntar de novo, Gin: tem alguma coisa que você queira me dizer?

Era horrível para mim estar colocando-a contra a parede, mas eu sentia que aquilo precisava ser feito.

 – Porque, a não ser que você esteja grávida, os seus sintomas indicam que você, por algum motivo que eu ainda tô tentando muito entender, passou por algum processo de contaminação direta por arsênio – continuei – E eu queria muito acreditar na primeira opção, mas, de acordo com o que eu sei sobre o lugar que você trabalha, acho que tá mais pra segunda mesmo.

Ginny abaixou a cabeça outra vez.

— Foi um acidente – ela contou após um tempo, envergonhada – O material gasoso escapou pela sala. Eu estava sozinha. Tentei fechar a merda da válvula e acabei ficando muito tempo exposta.

— Por que você não procurou um médico? – exclamei, irritada.

Arsênio era tóxico e perigoso. Ela, como engenheira química, sabia disso melhor do que qualquer um.

— Porque na hora não aconteceu nada. E aí os dias foram se passando e eu continuei sem ter nenhuma reação no meu organismo – a ruiva se defendeu – Achei que não tivesse acontecido nada de mais.

— Não me diga que você continuou trabalhando com amostras desse tipo...

Isso seria o cúmulo da insegurança.

— Continuei... – Ginny soltou o ar do pulmão – Mione, a minha cabeça estava tão cheia com tudo que eu nem me importei, pra ser sincera. Eu tava tão ocupada com as coisas do congresso que, como não voltou a acontecer nenhum acidente, eu me desliguei disso totalmente. Só que aí na semana retrasada começaram a aparecer umas bolhas em algumas partes do meu corpo, e depois as náuseas. E a partir daí tudo começou a ficar horrível. O desmaio foi só o último sintoma.

— Você tem que procurar um tratamento – eu falei, preocupada.

— Eu já fui ao médico, ontem pela manhã – ela contou – O Harry praticamente me obrigou. É por isso que eu tô passando esses dias aqui.

— Ele sabe? – indaguei, surpresa.

— Sim... – a ruiva respondeu, explicando – Nós fomos a uma clínica que ele conhecia, mais discreta. O médico me explicou que eu vou ter fazer um tratamento de desintoxicação por mais ou menos um mês, pra garantir que eu não tenha nenhum dano no organismo em longo prazo. Eu estou cheia de restrições por causa disso.

Aproveitei a deixa para perguntar algo que estava comichando a minha cabeça há algum tempo.

— Isso tudo é por causa da volta do Draco, não é? – falei, retórica – Em que confusão ele te meteu dessa vez, Ginny?

— Eu que te pergunto isso, Mione. Em que confusão vocês estão se metendo? – ela rebateu, rápida – Quando o Harry chegou na enfermaria, anteontem, ele sabia de muita coisa que eu não havia dito a ele. Ele sabia muita coisa sobre o Draco e sobre a SeMz, e ele deixou a entender que você e o meu irmão também tem conhecimento de tudo...

— Talvez todos nós tenhamos – comentei, absorvendo o que Ginny me dissera – Mas de ângulos diferentes.

A ruiva apenas escutou, optando por não dizer nada.

— Enfim... – eu não iria mais pressioná-la sobre isso – Espero que você saiba o que está fazendo.

Ela assentiu com a cabeça, mordendo o canto da boca antes de se manifestar.

— Por falar em saber o que vai fazer... – algo me dizia que eu sabia o rumo daquela frase – Você vai passar o natal com a gente...?

Suspirei.

— Não, Ginny. Eu não vou... – respondi, pesarosa.

— Você e o Ron não se resolveram?

— Não tem o que resolver.

— Tem certeza? – os olhos amendoados da minha amiga me fitavam, condescendentes.

— Você estava lá, Gin. Você viu tudo assim como eu – falei, tácita – O que você faria se estivesse no meu lugar? Se fosse com você e o Harry?

— Quebraria a cara dele, com certeza – ela respondeu, rindo de canto – Mas independente disso, acho que quando a raiva passasse eu iria tentar conversar com o Harry. É o que a gente sempre acaba fazendo.

— O seu irmão confirmou que ele estava com a Angelina – salientei – Não tem mais o que conversar.

— O Ronald é um idiota. Todo mundo sabe disso. E eu tenho certeza que esse foi um dos motivos que fez você se apaixonar por ele – como não seria?— Eu conheço o meu irmão, Mione. Ele é um cabeça-dura, estourado, impulsivo, mas acima de tudo, Mi, ele é honesto. O Ron não faria nada desse tipo com você.

Encarei o chão, sem dizer nada. Ginny não insistiu. Passamos mais algum tempo em silêncio até que encontramos outro assunto menos delicado para conversar e ignoramos os nossos problemas. Um pouco antes do almoço, eu me despedi da minha amiga e voltei para casa. Dediquei o resto do domingo e o inicio da minha semana para me preparar para a apresentação de Snape. Na quarta-feira, cheguei cedo a universidade. Incrivelmente, Ron e Harry já estavam lá. Ambos pareciam tão nervosos quanto eu.

— Como é que a gente vai fazer? – Harry perguntou, quando nós nos reunimos em uma das salas de estudo mais reservada da biblioteca.

— A gente tem que apresentar o trabalho de uma forma que ninguém desconfie da gravidade do assunto – Ronald respondeu, diligente.

— Isso seria muito complicado... – eu falei, pensativa, sabendo que ainda sim essa era a única opção – Snape cobra muito os detalhes. Sendo o nosso grupo, se a gente não apresentar muito bem é capaz dele nos reprovar, só por gosto.

— Ele vai mesmo vir assistir? – Ron indagou – Tem meses que a gente não o vê por aqui.

— Vem... – Harry respondeu, expulsando o ar do pulmão com força – Remo me disse que hoje ele virá.

— Por falar no Lupin, qual foi desse desaparecimento dele? – o ruivo perguntou, um pouco irritado – É a segunda vez que eu trago o dossiê essa semana e ele simplesmente não vem. E nem avisa nada.

— Eu não faço a mínima ideia – Harry parecia estar falando a verdade – Desde a última aula de ética o Remo sumiu. A gente só tem se falado por telefone.

— Que estranho... – comentei.

— Como tudo nessa cidade... – Ronald roubou o saco de salgadinho da mão de Harry.

— Ei, cara! – Harry tentou pegar de volta.

— Me sinto pressionado – ele disse, dissimulado – Preciso estar bem alimentado quando o Nosferatu, digo, Snape, vier sugar a minha alma.

Nós três rimos, descontraindo um pouco a tensão do ambiente.

Fomos o primeiro grupo a apresentar. Felizmente, conseguimos seguir o combinado com sucesso, sem falar de menos, mas também sem esclarecer demais sobre a contaminação e seus possíveis causadores. Esse sincronismo foi um pouco difícil, pois, estranhamente, a turma pareceu se interessar pelo assunto. Várias pessoas fizeram perguntas, atraídas pelo tema. Por mais estranho que isso parecesse, Snape foi o único que se manteve calado durante quase toda a apresentação. Algumas vezes eu pude ver que ele franzira a testa ou balançara a cabeça, concordando com o que falávamos. Eu tive a sensação de que esse assunto não era novo para ele, porém não tive muito espaço para averiguar isso. Estávamos prestes a encerrar a apresentação, quando o professor resolveu se manifestar, lendo algo no estudo dirigido. Ele pediu a palavra.

— Vocês colocaram aqui que, a longo prazo, o efeito do Arsênio pode gerar danos irreparáveis no organismo daqueles que consomem a matéria contaminada – ele resumiu o que estava escrito – Existe algum indicio de taxas consequenciais na região?

     Sim...

Pelo menos na minha cabeça. Porém era apenas uma fomentação. Eu não tinha como provar as minhas desconfianças.

— Não foram feitas pesquisas que relacionassem esses aspectos a nenhuma enfermidade regional – Harry respondeu, mecânico.

— Essa parte eu já entendi, Potter – Snape rebateu, ácido – Eu perguntei se vocês, em suas organizações, encontraram algo que sirva como prerrogativa para um questionamento a parte.

— Resumindo – Ron cruzou os braços – Você quer saber o que a gente acha?

— Basicamente.

Os meninos se entreolharam, sem saber o que responder. Mesmo lutando contra a minha natureza, me controlei para também me manter em silêncio.

— Sra. Granger? – Snape direcionou o seu olhar para mim, inquisitivo.

Neguei com a cabeça. Pude ver que, nesses meses longe da universidade, ele adquirira grandes olheiras e sua pele estava menos elástica, pelo menos a aquela luz. Sua aparência era de alguém que estivesse em estafa.

— Tem certeza? – ele insistiu.

— Sim, senhor – falei, mantendo a minha postura – Seria errado da nossa parte construir suposições. Nosso trabalho foi puramente técnico. Só foi questionado aquilo que pudesse ser apresentado em dados.

Snape não disse mais nada, apenas fez um sinal com a mão, indicando que nós continuássemos. Me mantive plena, sabendo não poderia retirar pontos do nosso grupo por causa da minha resposta. Finalizamos a apresentação logo em seguida. Harry e eu voltamos a nos sentar, agora para assistir as apresentações dos nossos colegas. Ron, no entanto, pedira autorização a Snape para sair mais cedo por algum motivo. Não nego que fiquei interessada em saber e provavelmente devo ter demonstrado isso, porém, quando Ronald se despediu de nós, eu preferi engolir a minha curiosidade. Percebi que durante todos os 120 minutos restantes da aula, Harry me observara por causa disso. Assim que deu o horário de ir embora, eu saí rapidamente da sala. Fui parada por uma mão no meu ombro.

— Aonde você pensa que vai com tanta pressa?

Harry passou o braço pelo o meu ombro, me prendendo junto a ele.

— Pra casa, claro... – respondi, com um sorrisinho.

— Até quando você achou que iria conseguir fugir de mim?

— O máximo que eu pudesse, talvez?

Harry riu. Começamos a andar em direção a saída do pavilhão.

— Tem uma coisa que eu queria falar com você... – ele disse. Seus olhos verdes me fitando por baixo da lente dos óculos redondo.

— Se for sobre o que eu tô pensando, nem continue – decretei.

Harry negou com a cabeça.

— Não, não é apenas sobre isso – ele avisou – Eu só queria saber se eu tô maluco em achar que a atitude de Snape durante o nosso trabalho foi um tanto estranha...

— Como assim...? – eu queria que ele desenvolvesse o assunto.

— Não sei... – Harry coçou a cabeça – Era como se ele já soubesse o que nós íamos apresentar...

— Talvez o Lupin tenha comentado algo com ele – eu disse.

Era uma possibilidade plausível.

— Talvez... – Harry concordou – Mas ainda sim. Algo me diz que não é só isso.

— Tudo em relação ao Snape faz você imaginar que “não é só isso”, Harry.

— Temos os nossos problemas e você sabe bem. Mas dessa vez não é por causa disso.

— E pelo que é?

— Eu senti que talvez ele saiba de algo a mais.

Umidifiquei os meus lábios.

— É... eu também tive essa sensação... – assumi.

— Sabia que eu não estava louco! – Harry deu um murrinho no ar, vitorioso.

Eu rolei os olhos, rindo. Chegamos ao pátio.

— Como você tá? – ele mudou o foco do assunto para onde eu não queria.

— Ultimamente as pessoas têm gostado bastante de me fazer essa pergunta... – eu reclamei, de cenho franzido.

— Por que será? – Harry levantou as sobrancelhas, irônico – Mione, você tá triste. O Ron também tá. Isso é um fato. Qualquer pessoa que olhe pra cara de vocês dois vê isso.

Suspirei.

— Vai passar... – falei, tentando passar uma postura plena.

— Você tá tentando me convencer ou se convencer? – ele questionou, me encarando – Qual a dificuldade de vocês dois pra sentar e conversar sobre isso?

— A mesma que você tem pra confiar nas pessoas – rebati, levando um pouco para o lado pessoal.

Harry não pareceu se importar.

— Eu sei disso. Eu não sou exemplo pra ninguém, e é exatamente por isso que eu odeio dar conselhos aos outros. Mas, pela primeira vez na vida, quando eu achei que tava errado e que eu tava realmente perdendo a Ginny por causa disso, eu escutei vocês e fui atrás dela. Eu contei a verdade.

— Só que eu não tô errada, Harry! – exclamei, irritada.

Não era possível que ninguém me entendesse.

— Mas alguém tem que dar o primeiro passo, Hermione! – paramos perto do estacionamento, no vale entre os prédios principais – Você me disse isso, não lembra?!

— Lembro... – concordei, triste – Só que não fui eu que pisei errado.

Harry se calou. Eu continuei.

— As férias vão chegar. Nós vamos passar esse tempo longe e tudo vai voltar ao normal – sim, eu estava sim tentando convencer a mim mesma— Como era antes do Ronald chegar.

— Ok, se você acha isso, tudo bem – Harry expirou – Mas não dá pra você acreditar que tudo vai voltar a ser como antes. O Ron tá aqui e ele veio pra ficar. Nada vai apagar o que já aconteceu entre vocês dois.

Fechei os olhos. Ele me abraçou.

— E foda-se. O universo viu que tentei... – Harry disse, me fazendo rir.

— É, eu sei – comentei, o abraçando de volta – Mas eu ainda acho que quanto mais longe eu e ele ficarm...

Minha frase foi interrompida pela chegada de Miguel, esbaforido.

— Ai, graças a Deus eu encontrei vocês! – ele disse, nervoso – Eu não sabia o que eu ia fazer, eu não estava encontrando ninguém e...

— Miguel, calma... – Harry pôs a mão no ombro dele, sem entender – Por que você tá aqui? Aconteceu alguma coisa com a Ginny?

— Não... – ele negou veementemente com a cabeça – Ela que me pediu pra vir aqui.

— Por que...? – indaguei, também começando a ficar nervosa.

Miguel não parava de falar, sem ser objetivo. Eu e o Harry não estávamos entendendo nada com nada.

—... E aí a na hora que gente tava saindo do trabalho, a Ginny recebeu uma ligação. A Angel não tava... Ela não atendia o celular. Eu também tava sem celular. E aí o aparelho da Ginny descarregou logo em seguida. Nós entramos em desespero. Tava dando tudo errado. Não tinha como a gente falar com vocês... A Gin tava muito angustiada, eu fiquei sem saber o que fazer. Nisso vim pra cá o mais rápido que eu pude, achamos melhor ela ir e eu vir falar com vocês pessoalmente...

Harry perdeu a paciência.

— Miguel, fala de uma vez! – Ele o sacodiu, prendendo sua atenção – O que houve?!

Pela primeira vez desde que chegara, Miguel conseguiu se concentrar, ainda que o seu olhar estivesse perdido.

— O Ron... – ele disse, difuso.

Meu coração acelerou. Uma sensação fria passou pelo meu corpo.

— O que tem o Ron? – indaguei, apreensiva.

— Ele sofreu um acidente... – Miguel nos encarou – E está em estado grave.

Eu demorei alguns segundos para absorver o que eu havia escutado. Aos poucos, comecei a sentir como se o chão aos meus pés estivesse desabando.


Notas Finais


Então, meus amores. O que vocês acharam do capítulo?
Deixem aqui embaixo os lindos comentários de vocês. Pode até não parecer, mas eu preciso muito do review de vocês.

Beijos!


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