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História A Troca - A Sala de Espera


Escrita por: MrsRidgeway

Capítulo 36 - A Sala de Espera


— Como eu vou me acalmar?! – Ginny bradou com a recepcionista do hospital, nervosa – Já faz mais de quatro horas que o meu irmão tá lá dentro e ninguém me informa porra nenhuma!

— Senhorita... – a mulher se manteve impassível – Ou você se acalma ou eu vou ter que pedir ao segurança que a contenha lá fora...

— Mas isso é um absurdo! – Ginny bateu na bancada, ainda mais revoltada.

Harry a segurou pela cintura, em meio a protestos da ruiva.

— Ei, Gin... vem cá... – ele pôs uma das mãos no seu rosto – Se você for expulsa daqui vai ser pior.

— Mas eu preciso saber como ele tá... – ela choramingou, se desarmando.

O moreno a encaixou entre os braços.

— Shh... – Harry afagou os cabelos da namorada, carinhoso – Fica calma, vai dar tudo certo...

Ginny apenas soluçou, se deixando ser consolada. Eu assistia a cena, me controlando para ser tão forte quanto o Harry e não deixar transparecer o meu desespero. Estava ficando quase impossível me manter plena. Cada minuto que passava, meu coração batia mais rápido, ansioso por algum sinal dos médicos.

A sala de espera do hospital estava relativamente vazia. Umas oito ou dez pessoas esperavam noticias de parentes e entes queridos, assim como nós. Miguel, ao meu lado, estava com o rosto enfiado na mochila, moribundo. Cruzei os braços e encostei-me à cadeira, chacoalhando freneticamente a perna, em um tique-nervoso. Encarei o teto, tentando não me desesperar. Alguns minutos depois, a porta principal da recepção se abriu. Quatro corpos conhecidos passaram por ela. Seus semblantes estavam aflitos. Eles vieram até nós.

— Só conseguimos chegar aqui agora – Neville se justificou quando chegou mais perto – Fecharam a via do acidente temporariamente. Os outros caminhos estão bem congestionados.

— Não tem problema... – eu o tranquilizei, ainda olhando para o teto – Ele ainda tá na sala de cirurgia.

— Cirurgia...? – Angelina indagou, assustada.

Percebi que Neville arregalara os olhos, sem palavras. Eles se aproximaram mais, para escutar melhor.

— Parece que quando o Ron caiu do rochedo, ele se chocou com alguma coisa que perfurou internamente – Harry explicou – E a situação piorou porque ele caiu no rio. Quando ele foi resgatado, já havia engolido muita água.

Angelina passou a mão pelo rosto, estarrecida. Uma lágrima caiu dos seus olhos escuros. Luna andou até Ginny e substituiu o lugar do Harry, a abraçando.

— Quem o resgatou? – Nel perguntou, se fixando ao meu lado, em pé.

— O motorista e uns passageiros do ônibus que estava na frente do Ron, na hora do acidente, e algumas outras pessoas dos carros – Miguel disse, se manifestando pela primeira vez desde quando eles chegaram – Se não fosse por eles, o Ron seria arrastado pela correnteza e...

Miguel não conseguiu completar a frase. Vi que a maioria dos meus amigos trocou olhares, pesarosos. Engoli a seco, tentando não pensar no pior.

— Ainda bem que existe bastante gente boa no mundo... – Luna comentou, sem se desprender da ruiva.

— Só que, infelizmente, existe muita gente ruim também... – Neville replicou, entristecido – Se não fosse por uma delas, não estaríamos aqui agora...

— Mas... – Angelina estava um pouco rouca. Ela encostou-se à parede antes de continuar a falar, com a mão no rosto – Como isso aconteceu...?

Ela olhou para o lado. Parecia inconformada.

— O Ron sabe pilotar muito bem. Eu realmente não consigo entender...

— Pelo que o motorista do ônibus disse, um carro vinha fechando eles desde antes daquele túnel, que fica na principal – Harry elucidou, se adiantando na resposta – Aí quando chegou ao final do viaduto, ele cortou a faixa. Foi quando o Ron jogou a moto na direção da descida, pra não bater no fundo do ônibus.

— Meu Deus! – Angel pôs a mão na boca.

— E é só isso que sabemos até agora... – Ginny passou a mão pelas bochechas avermelhadas – Desde a hora que a gente chegou ninguém vem dizer nada. Nem como ele tá ou se aconteceu algo mais grave... – ela fungou – Nada...!

Harry, ao seu lado, respirou fundo. Ele se ajeitou, de súbito.

 – Eu vou procurar alguém que possa informar alguma coisa.

— Eu vou com você... – Angelina se ofereceu para acompanha-lo.

— Eu também... – Miguel falou, se levantando de prontidão – Não suporto mais ficar sentado nessa recepção.

Harry aceitou a companhia, com uma aceno de cabeça. Os três seguiram em direção à outra ala do hospital. A loira conseguiu trazer Ginny até a cadeira que vagou e eu me levantei para dar lugar a ela também. Luna me agradeceu e voltou a abraçar a ruiva, que continuava abatida como antes. Me coloquei ao lado do Neville, próximo a bancada. Ficamos um bom tempo em silêncio até que, quando apareceu o logo do Jornal da Noite na televisão, presa ao suporte no alto da parede, a recepcionista insuportável, atrás de mim, resolveu apontar o controle na direção do aparelho. Aos poucos, começamos a escutar as vozes dos apresentadores.

— Boa noite, Patrícia. Boa noite, Lemmert. Estamos aqui ao vivo, na Via do Penhasco, onde hoje, por volta das quatro da tarde, aconteceu um acidente de trânsito envolvendo um carro, um ônibus e uma motocicleta. A polícia interditou a passagem pelo viaduto até segunda ordem. É possível observarmos, aqui de cima...

— a câmera foi direcionada para baixo, na direção do rochedo —

... Que ainda está sendo realizada a perícia com os destroços da motocicleta. O chefe do departamento da polícia técnica já informou a nossa produção que assim que essa análise no local for finalizada, o restante do veículo será recolhido e levado para o pátio do departamento de trânsito aqui da cidade.

Senti um aperto muito grande no peito ao ver os pedaços da motocicleta espalhadas pela superfície do rochedo. Algumas partes estavam até carbonizadas, enquanto outras pareciam tão desfiguradas que, em outra situação, eu poderia jurar que não faziam parte de um automóvel. Me ajeitei, incomodada, trocando o apoio do corpo para a outra perna. Aproveitei para olhar ao meu redor. Naquele momento, praticamente todas as pessoas da sala de espera direcionavam sua atenção para a fala da repórter, também interessadas no que havia se sucedido.

... A única vítima do ocorrido foi o estudante de 24 anos, da Universidade Federal do Vale, Ronald B. Weasley. Ele foi arremessado daqui de cima do viaduto e rolou pelo penhasco, onde, segundo testemunhas, acabou caindo no rio logo abaixo. Como podemos ver no vídeo que está sendo mostrado aqui do lado, gravado pelo celular de um dos passageiros do ônibus envolvido no acontecimento, Ronald foi socorrido pelos próprios civis que estavam na hora do acidente...

— no vídeo, algumas pessoas se jogavam no rio, enquanto várias outras desciam a ribanceira, correndo —

... E assim que a ambulância chegou ao local, o homem foi levado às pressas para o Hospital Geral Joseph Listen, especializado em traumatologia. De acordo com as informações recebidas agora a pouco, o estado de saúde do estudante é considerado gravíssimo. O carro responsável por provocar o acidente fugiu do local logo após o ocorrido.

O vídeo de resgate foi interrompido quando o motorista do ônibus conseguiu puxar o corpo de Ron para a superfície, com a ajuda de outro homem. Agradeci aos céus por não ter que ver o resto da cena. A repórter apareceu em foco, se virando na direção da câmera principal.

— Voltaremos em breve, assim que obtermos mais alguma informação – ela avisou, de maneira formal – Aqui quem fala é Nolla Skeeter, diretamente do Jornal da Noite.

Estendi a mão para o controle que a recepcionista deixara na bancada, próximo de mim, e desliguei a televisão. Algumas pessoas me encararam, zangadas pela minha ação. Vi que o semblante delas foi mudando aos poucos e eu sabia o porque. Eu não estava mais conseguindo me manter firme. Ver aquele vídeo, ouvir a forma mecânica como a repórter falou sobre o homem que, há algumas semanas atrás estava comigo, completamente saudável, provocou em mim uma ânsia insuportável. Aquele corpo desfocado na televisão era o mesmo corpo que, antes de tudo aquilo, eu podia tocar sem limites. Que eu podia beijar sem nenhuma fronteira. O homem desfalecido naquela tela era o mesmo que vivia sorrindo da vida, alegre, contando piadas e fazendo comentários sarcásticos para todas as pessoas.

Ver aquilo era demais para mim. Vê-lo daquela forma, como eu nunca imaginei que veria um dia, de modo tão frio, estava além da minha capacidade de autocontrole. E foi assim, com isso, que eu me deixei desabar em pranto, em meio a todos aqueles olhares na sala de espera.

Fui amparada por Neville. O meu amigo me segurou, paciente, e me levou devagar para um canto mais reservado. Entramos em um banheiro, que eu pude perceber depois que era o masculino. Nel se apoiou na pia e me trouxe na direção do seu peito, me abraçando. Ele me deixou chorar initerruptamente, sem dizer nada. Não sei quanto tempo levou até que eu parasse de soluçar.

— Eu me sinto a pior pessoa da face da terra... – falei, fungando – Eu... eu sou horrível e....

— Ei, Mi, olha pra mim... – Neville segurou o meu rosto com delicadeza – Não foi sua culpa o que aconteceu, ninguém poderia prever...

— Eu poderia ter conversado com ele...! Ele poderia ter ficado! – bradei, sem dar ouvido – Mas eu não o escutei, Nel... e agora ele...

Mais lágrimas caíram dos meus olhos, sem controle. Neville as enxugou com o polegar.

— Eu não aceito... eu quero o Ron aqui de volta...! – choraminguei – Eu quero ele comigo...

— O Ron é teimoso, Mione. Ele não vai dar o braço a torcer tão fácil assim pra esse acidente... – o meu amigo falou com convicção – Daqui a pouco ele vai tá aqui com a gente de novo.

— Será...? – questionei, sem acreditar – Você viu aqueles destroços, Neville...? A altura que o Ron caiu? Ainda por cima no rio... É muito difícil alguém resistir aquilo...

Nel ficou em silêncio. Continuei a desabafar.

— Ele tentou conversar comigo e agora pouco importa se ele tava errado ou não. Eu sinto como se eu estivesse de mãos atadas, vendo uma das coisas mais importantes da minha vida ir embora – solucei, olhando para o nada – E se isso acontecer, eu não vou ter nem a chance de me despedir. Eu não vou ter a oportunidade de falar com ele pela ultima vez, sem brigar, sem ressentimentos...

Neville me fitou, diligente. Ele sorriu de canto e passou o dedo de leve pela minha têmpora, fraterno.

— É mesmo muito forte o que você sente pelo Ron.

Era uma constatação. Bastante dolorosa, por sinal.

— Mais do que eu poderia me permitir... – reverberei, sincera – O Ron é a exceção de todas as minhas regras...

Assim, outra vez, caí no choro intenso, nos braços do meu amigo. Permanecemos naquele banheiro por quase uma hora. Assim que eu me senti um pouco melhor, Neville me levou de volta para a recepção.  Os nossos amigos continuavam concentrados no mesmo lugar de antes. Eu nunca havia entendido tão bem o significado de sala de espera quanto naquele dia. Quando uma enfermeira apareceu para dar notícias, já passava bem longe do momento em que a noite chegara.

— Boa noite... – a mulher nos cumprimentou, retórica – Você é a irmã do Ronald Weasley? –

A enfermeira apontou para Ginny, obstinada. A minha amiga confirmou com a cabeça rapidamente.

— O médico gostaria de conversar com a senhorita – a mulher encarou a ruiva, calma – Você poderia me acompanhar, por favor?

— Eles podem vir comigo? – Ginny indagou, ainda sem soltar a mão do Harry.

— Infelizmente não... – a enfermeira explicou – Damos preferência somente a presença dos familiares no momento da conversa.

Ginny fez uma cara de puro nervosismo.  Harry afagou o seu braço, compreensivo. Ao ver a cena, a mulher olhou para os lados, desconcertada. A enfermeira soltou um suspiro antes de se manifestar novamente.

 – Ok, eu vou abrir uma exceção nesse caso – ela comunicou, falando um pouco mais baixo – Além de você, tem mais alguém que tenha uma ligação direta com o seu irmão...?

— Tem sim... – Ginny confirmou de prontidão.

A ruiva se virou para mim.

— Vem comigo, Mione...?

Concordei, muda. Saí do abraço de Neville e me juntei às duas. Deixamos a recepção e tomamos o elevador. Reparei que Ginny praticamente destruiu todas as unhas no curto período de tempo que demoramos para chegar a UTI, o que era extremamente compreensível, pois o meu nervosismo não estava menor do que o dela. Assim que atravessamos a segunda recepção, pegamos um corredor largo e extenso, até uma ala com inúmeros boxes de vidro, todos bem amplos. O médico nos esperava no ultimo deles, do outro lado do quarto, afastado da maca onde Ron estava. Entramos no cômodo, em silêncio. Ao longe pude ver o ruivo imóvel. Quase caí novamente no choro quando vi o seu estado, ali, deitado e inconsciente. O mesmo aconteceu com a Ginny, pois ela apertou o meu braço, em um ato mudo de desespero. O médico sinalizou que nós chegássemos mais perto. A enfermeira se identificou e logo em seguida nos deixou a sós, com ele.

— Roger Davis – ele estendeu a mão para Ginny, se apresentando – Eu sou o médico responsável pelo caso do seu irmão.

— Ginny Weasley – a ruiva apertou de volta.

— E você...? – o médico perguntou, apontando na minha direção.

Fiquei alguns segundos sem reação.

— Hermione Granger...

Minha resposta saiu temerosa. Eu não queria ter que sair dali, mesmo conhecendo muito bem o protocolo hospitalar.

— Ela é namorada do meu irmão – Ginny se adiantou em completar.

O Dr. Davis apenas sorriu, condescendente, e me cumprimentou com um aperto de mão leve.

— Como ele tá? – a minha amiga indagou, preocupada.

— Bem, o Ronald chegou aqui bastante debilitado. Muito mesmo... – o médico começou a falar – Acho que a única coisa que o salvou foi o fato do corpo dele não ter se chocado com a parte mais íngreme do penhasco. Caso o contrário, teria sido fatal.

Engoli a seco, afastando a trágica possibilidade da minha mente. O Dr. Davis continuou, olhando para Ginny.

— Ainda sim, o seu irmão fraturou seis costelas e rompeu o ligamento do antebraço direito. Ele também teve uma luxação em uma das coxas, além de das diversas escoriações pelo corpo, por causa do contato brusco com o rochedo.

A ruiva abriu a boca algumas vezes, horrorizada, enquanto o médico listava as consequências do acidente. Também senti a minha pele se arrepiar durante o processo.

— Nós já cuidamos de tudo isso e aplicamos todos os tratamentos necessários para essa parte da recuperação – o médico garantiu, seguro – O ponto é que apareceram mais duas questões depois da chegada do Sr. Weasley aqui no hospital. É sobre elas que eu gostaria de conversar com vocês.

O Dr. Davis se sentou em um banco de ferro, acolchoado. O médico nos convidou a sentar em um sofazinho duplo, de couro embranquecido, de frente para ele.

— Assim que o Ronald chegou aqui, nós detectamos uma hemorragia interna, o que não é incomum, dada as condições do ocorrido. Um dos ossos fraturados da costela perfurou o seu fígado. Ainda que o ferimento não tenha sido grande, tudo indicava que a perfuração havia atravessado parte do órgão e atingido a celíaca, que é a artéria responsável pela distribuição principal de sangue na cavidade abdominal. Ele teria que passar por uma cirurgia naquele momento, pra sanar a perda de sangue e reestruturar a glândula, ou corria o risco dele falecer ali mesmo, na maca.

Ginny e eu prestávamos atenção com afinco, como se estivéssemos em um seminário acadêmico muito importante.

— Tudo isso seria um procedimento complicado, mas executável, se não fosse por um detalhe... – o doutor cruzou as pernas – Ronald também estava com muito líquido acumulado no pulmão, por causa do afogamento seguido. Seria muito complicado realizar qualquer tipo de procedimento antes de retirar essa secreção acumulada. Ele poderia vir a ter uma parada cardiorrespiratória ou um acidente vascular cerebral a qualquer momento. Eram duas situações opostas combinadas. Nós não teríamos nenhum tipo de controle sobre essas reações, caso elas acontecessem. E algo assim, muitas vezes, quando não leva a óbito, gera sequelas quase sempre irreversíveis.  

Eu estava completamente tensa e algo me dizia que a continuação daquela conversa me deixaria muito mais. Permaneci em silencio, assim como a ruiva, esperando o fim da história.

— Tínhamos duas situações para resolver e nenhum tempo para escolher qual delas era a mais importante.

O médico se ajeitou no banquinho novamente, descruzando as pernas. O vi salivar antes de continuar a falar.

— Foi aí que nós resolvemos coloca-lo no coma induzido.

— Coma induzido...? – Ginny franziu a testa, visivelmente confusa – P-por quê? Esse não é o ultimo recurso?!

— Srta. Weasley, esse era o único recurso... – Dr. Davis a encarou – Só assim, com as funções corporais em ritmo extremamente reduzido, teríamos tempo de cuidar das duas emergências, sem ter que sacrificar alguma delas.

— Mas então ocorreu tudo bem na cirurgia? – perguntei, esperançosa.

— Sim, nos dois procedimentos o sucesso foi como o esperado. O fígado tem alto poder de regeneração. Em poucas semanas estará reestruturado novamente – ele confirmou, técnico – No entanto, é neste ponto que entra o segundo problema.

Ginny e eu trocamos olhares apreensivos.

— O que houve?! – a ruiva indagou, angustiada.

— Suspendemos a sedação, mas ele não acordou.

Em um ato inconsciente, passei a mão pela pulseirinha que Ron me dera de aniversário, apreensiva.

— Como assim...?! – não consegui me manter serena – Como assim ele não acordou...?!

— O Ronald permanece em estado de coma.

Absorvi a frase devagar. Uma lágrima escorreu pela minha bochecha, incontrolável.

— Mas como isso é possível?! – Ginny se moveu ao meu lado, impaciente. Ela estava inconformada – Você disse que era induzido e...

A ruiva agitou os dedos em negação, respirando mais rápido. Assim como eu, ela também voltara a chorar. O médico se manteve impassível, em sua postura profissional, porém pude observar que, no fundo, ele se comovia com nossa dor.

— Não... não pode ser...! – Ginny se agitou no assento – Co-como ele não acordou...?

Passei o braço pelos seus ombros da minha amiga, tentando passar alguma segurança. Ginny apenas me fitou, entristecida, com os olhos vermelhos, antes de se voltar para frente.

— Não sabemos... – o Dr. Davis assumiu, pesaroso, respondendo a indagação – A nossa teoria é de que, com a queda, o seu irmão tenha sofrido um traumatismo craniano de segundo ou terceiro grau.

— Mas ele estava com capacete... – falei, tentando entender a gravidade do que estava acontecendo.

— De fato, Srta. Granger, o capacete tem um alto poder de proteção – ele concordou – Mas, diante de um acidente como esse, não existem garantias.

O Dr. Davis passou o olho pelo prontuário em suas mãos.

— Bom, não poderemos realizar o eletroencefalograma até sábado pela manhã, por causa do procedimento pós-operatório. Por isso que esperamos todo esse tempo até te dar notícias a vocês. Tínhamos esperança que fosse apenas um efeito retardado do sedativo e ele viesse a despertar nesse meio tempo. Só que isso não aconteceu.

Passei a mão pelo rosto, entorpecida pela chuva de informações ruins. Vi que Ginny também já não tinha mais reação.

Ouvimos uma batidinha na parede de vidro do quarto e nos viramos. Harry estava parado do lado de fora, junto à outra enfermeira. O Dr. Davis fez sinal, autorizando a sua entrada. Ele se apresentou assim que chegou ao quarto.

— Desculpe... – Harry pediu, sem jeito. Percebi que ele olhava para a cama onde Ron estava, pelo canto dos olhos – É que a polícia trouxe os pertences do Ron, pra reconhecimento. Eles estão solicitando a Ginny como responsável legal, pra assinar os documentos de entrega.

— Tudo bem... – o médico disse, andando até a cama onde o ruivo estava e fixando a prancheta no lastro – Bom, eu vou autorizar a visita de vocês hoje, inclusive dos que estão esperando lá embaixo. Dez minutos pra cada. Lembre-se de que isso é uma exceção. A partir de amanhã vocês vão ter que seguir as normas do hospital, correto?

Concordamos com a cabeça.

— Vou deixa-los aqui. Qualquer coisa fique a vontade para me procurar na minha sala.

Agradecemos ao Dr. Davis antes dele se afastar e voltar para o seu departamento. Não mais que o justo, Ginny foi a primeira a ficar no cômodo com o irmão, antes de ter que descer para falar com os policiais. Harry e eu saímos do quarto e esperamos do lado de fora, no corredor. Passamos alguns minutos em silêncio, um se apoiando na força do outro.

— Como ele tá? – Harry perguntou, tímido.

— Muito mal... – respondi, enquanto abraçava meu próprio corpo – Sem previsão pra acordar...

O moreno respirou fundo, surpreso. Me controlei para não voltar a chorar, mais uma vez, durante a explicação.

— Como assim?! – Vi que existia urgência no verde daquele olhar – Por quê...?

— O fígado do Ron foi perfurado. Os médicos o colocaram em coma induzido, pra poder realizar a cirurgia, mas ele não voltou. O Dr. Davis desconfia de que ele teve um traumatismo craniano mais grave, mas os exames pra confirmação só podem ser realizados a partir do sábado.

Harry passou a mão pela cabeça, nervoso, bagunçando ainda mais os cabelos que já viviam revoltos por si mesmos. Logo em seguida ele se virou de frente para a parede e se apoiou com uma mão, encarando o chão logo em seguida. Ron era um dos únicos amigos que ele possuía. O ruivo foi a primeira pessoa em quem Harry confiara, depois de muito tempo. Ainda que ele tentasse se controlar, eu sabia que nossa dor era igual.

— Eu dei uma olhada nos pertences dele, antes de subir... – Harry disse, após um tempo.

Sua voz estava um pouco rouca e vacilante.

  – O dossiê não tá lá.

Eu me virei em sua direção, preocupada.

— Harry... – o chamei, apreensiva – Não me diga que...

— Sim... – ele me interrompeu – O Ron provavelmente tá dentro dessa UTI por causa disso.

— Não pode ser...

Eu não queria aceitar aquilo.

— Maldita hora que eu fui com o Ron pegar essa droga desse dossiê! – exclamei, me sentindo, outra vez, responsável.

— Mione... – Harry se aproximou, mas eu já sabia o que ele iria falar.

— Não! – o rechacei – Não vem me dizer que a responsabilidade não é minha!

Solucei, irritada.

— Eu não deveria ter o deixado entrar na SeMz... – falei, a beira das lágrimas – Eu tinha que ter convencido ele a ir embora, mas eu o ajudei e...

Sem nenhuma cerimonia, Harry me puxou, me dando um abraço apertado. Era um abraço de consolo. Um abraço de culpa. Nós três estávamos juntos naquela história, desde o inicio. Enquanto o segurava de volta, percebi que o seu peito se movimentava, inquieto e soluçante. Harry deixara de lado a moderação e enfim pusera para fora o que estava sentindo. Não percebemos a presença da Ginny, parada em frente à porta de vidro. Ela nos observava, mas o seu olhar estava distante.

— Gin...? – Harry a chamou, alarmado, afrouxando um pouco o aperto – Ginny, o que houve?

— Dossiê...? – a ruiva disse, aérea – Foi o dossiê que fez isso com o meu irmão?

Eu e o Harry nos entreolhamos.

— Ginny... – eu me desfiz completamente do abraço do Harry e cheguei mais perto dela – Amiga... o que você sabe sobre esse dossiê...?

— Ele vai me pagar... – a resposta foi difusa.

— Quem vai te pagar, pequena? – Harry questionou, de testa franzida, tão desconfiado quanto eu.

— Malfoy... – a ruiva engoliu a saliva – O Malfoy vai me pagar por isso...

Antes que eu ou o Harry perguntasse mais alguma coisa, Ginny partiu desesperada pelo corredor e entrou no elevador rapidamente. Ficamos momentaneamente sem reação.

— Vai atrás dela! – exclamei, assim que voltei à realidade.

Harry não esperou que eu falasse duas vezes e seguiu atrás da namorada, descendo pela escada de emergência. Permaneci parada no corredor por alguns segundos, tentando absorver o que ocorrera. Me dei conta de que eu estava sozinha ali.

     Sozinha não...

Existia alguém do outro lado da parede de vidro, ainda que imóvel e em silêncio. Alguém que eu me importava muito e que eu precisava ver mais que tudo. Resolvi entrar no quarto, para os meus dez minutos de visita.

Me aproximei da cama, receosa. Ali de perto pude ver um pouco do que o Dr. Davis havia descrito. O braço direito do ruivo estava imobilizado e havia muitos arranhões e ferimentos pela sua pele. A única parte visível do seu corpo que parecia menos machucada era o rosto, creio eu que por causa da proteção do capacete. Fora isso, Ron estava de olhos fechados, tranquilo. Qualquer pessoa diria que ele estava dormindo como um anjinho, se não fosse à quantidade enorme de aparelhos ligados ao seu corpo.

— Ei, meu amor...

Passei a mão pelo seu rosto, auspiciosa, mas não obtive nenhuma reação. Os meus últimos pedaços se desmoronaram ao chão, partidos. Puxei o outro banquinho branco do quarto, semelhante ao que o Dr. Davis usara, e me sentei ao lado da cama. Peguei a mão do Ron que não machucada, ligada ao cateter, e segurei com delicadeza. Se somente eram dez minutos de visita, naquele momento isso pouco me importava. Eu não sairia dali até ter certeza que o meu ruivo acordaria, são e salvo.


Notas Finais


E aí? O que acharam? Me contem aqui nos comentários!

Estarei de volta dia 14, como sem falta. Beijos!


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