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História A Troca - A Última Súplica


Escrita por: MrsRidgeway

Notas do Autor


Oie gente,

De cara eu tenho algumas coisas para conversar com vocês...

Primeiro, eu cheguei bem antes da data (espero que todos gostem), mas é porque, pra os que acompanham "A Escolha", eu prometi postar por lá hoje, porém aconteceram alguns problemas e, como eu não queria deixar vocês sem nenhum capítulo, resolvi lançar logo esse aqui, que já estava pronto. Eu expliquei as datas de postagem direitinho, la na page. Para quem não acompanha, o link está nas notas finais.

Segundo, organizando melhor aqui as minhas escrituras (kk), vi que para que o desenrolar das historias, tanto "A Troca" quanto "A Escolha" seja melhor, eu vou dividi-las em duas temporadas. Então, preparem-se, pois ainda vem muita coisa por aí.

Recado dado, agora vamos ao que interessa!

Capítulo 37 - A Última Súplica


Nem palavras duras, nem olhares severos, devem afugentar quem ama. As rosas têm espinhos e, no entanto, colhem-se.

William Shakespeare 

 

 

– Chegou cedo hoje, Hermione... – Liza, a enfermeira da noite me cumprimentou, um pouco longe, assim que me viu – Você não dorme não?

– Só o suficiente... – falei, enquanto o taxista arrastava o carro atrás de mim.

A mulher sorriu e acenou em despedida, se afastando com os colegas em direção a saída. Pelo horário, eles deveriam estar indo lanchar, ou algo do tipo, antes de iniciar o plantão. Uma lufada de ar quente passou por mim, bagunçando os meus cabelos, quando eu imitei o gesto da enfermeira, em resposta, e atravessei o estacionamento, mirando distraída a paisagem ao longe. Novembro fora embora, tão triste como começara. Dezembro, análogo, estava indo pelo mesmo caminho. Era fim de tarde e sol beijava o horizonte, lento. Foi com esse último olhar que eu dei boa noite ao segurança e entrei no prédio.

Faltavam exatas três semanas para o Natal, mas, há um pouco mais de um mês, a minha rotina se baseava no caminho entre a minha casa e o Joseph Listen. Não houvera um dia sequer, desde quando Ron fora internado, que eu não me deslocasse ao hospital, ainda que fosse somente para conversar com alguém e não entrar no quarto.

Fora isso, os Weasley, Harry e eu tínhamos um esquema de troca para dormir na UTI em dias separados. Aquela era a minha noite. Passei pela recepção, logo após pegar o meu adesivo, e subi em direção à unidade de tratamento intensivo.

– A Mione já chegou... – ouvi Harry comentar, olhando por cima dos ombros de Lupin.

Sorri de canto. Eu não via motivos para ficar em casa de qualquer forma.

– Com duas horas de antecedência, por sinal – Remo olhou no relógio.

Nosso professor retornara de sua viagem misteriosa assim que soube do acidente. Desde então, ele passava no hospital de duas a três vezes por semana, para prestar apoio e saber das notícias.

– Minha querida...

Uma visão ruiva apareceu na minha frente. A Sra. Weasley abriu os braços na minha direção, me puxando. Retribuí o abraço, verdadeira. Assim que nos afastamos, ela acariciou a minha bochecha.

– Você precisa descansar... – ela disse, maternal – Seu olhar está um pouco abatido.

– Não se preocupe, eu tô bem... – garanti, também afável.

– Você tem se alimentado direito...?

– Tenho sim.

Uma mentira, obviamente.

 – Pode ir pra casa agora, se quiser... – falei, enquanto nos aproximávamos do Harry e do Lupin – A senhora deveria aproveitar pra dormir um pouco.

– Eu quase não consigo pregar os olhos com o meu filho nessa situação – ela suspirou – Nem vou conseguir, até ele acordar...

Assenti, entendendo bem pelo que ela estava passando.

– Tem certeza que não quer trocar sua noite de hoje com o Fred? – Molly insistiu.

– Tenho sim... – confirmei – Eu fico mais tranquila quando eu passo o tempo aqui...

Ela sorriu de canto, antes de voltar a me abraçar.

– Obrigada... – a Sra. Weasley sussurrou ao meu ouvido – Obrigada pelo seu apoio e dedicação ao Ron. Você não sabe o quanto você tem me ajudado...

– Não tem o que agradecer... – eu objetei, sussurrando de volta – O seu filho é muito importante pra mim...

– Me alegra saber disso... – nos afastamos novamente, mas ela não soltou a minha mão – E ele também se alegrará, assim que acordar. Eu tenho fé.

Sorri, genuína. Molly se virou na direção dos homens, que apenas nos observavam.

– Harry, querido, você pode me levar? – ela perguntou, simpática.

– Claro... – ele confirmou, de prontidão – A senhora que manda.

– Então vamos agora. Eu vou aproveitar que a Hermione chegou mais cedo, e, irei resolver algumas coisas antes de ir pra casa.

Harry assentiu, se colocando ao lado da mulher. Eles se despediram de nós e saíram do corredor. Remo se virou na minha direção.

– Me acompanha em um café? – ele me convidou, educado.

– Eu tenho que entrar... – neguei o chamado.

– Hermione, nós dois sabemos que infelizmente o Ron não vai sair correndo de dentro desse quarto – Lupin colocou as mãos nos bolsos – Você tem que parar de me evitar.

– Por quê?! – rebati, levantando as sobrancelhas, conflituosa.

– Por que nós precisamos conversar.

Soltei um longo suspiro.

– Ok... – concordei, contrariada.

Ele aquiesceu-se e nós seguimos juntos até a lanchonete do hospital, em silêncio. Nos sentamos em uma das poucas mesinhas, a mais reservada. Dei uma rápida olhada no cardápio branco, plastificado, enquanto um dos funcionários se aproximava.

– Boa noite... – a mulher nos cumprimentou – Posso ajuda-los?

– Um expresso duplo, sem açúcar – Remo pediu, sorrindo educado – E você?

A pergunta foi direcionada a mim.

– Um cappuccino – fui concisa, para evitar perda de tempo.

A atendente notificou algo no aparelho eletrônico em suas mãos. Ela sorriu para nós, mecânica, e se afastou logo depois.

– E então...? – encarei o meu professor.

– Assim que começar o próximo semestre, eu irei te realocar – Remo falou, direto.

Fui pega de surpresa.

– Do que você tá falando?

– Eu estou te desligando do projeto, Hermione.

Ri, um pouco descontrolada. Remo me observou, visivelmente desconcertado.

– Existem muitos professores nessa área precisando de bolsistas competentes – ele continuou argumentando – Creio que você será uma ótima aquisição para um deles...

– Ah... eu serei?! – olhei para cima e voltei a rir, custando a aceitar – Então é assim?! Você simplesmente vai me tirar do projeto como se o que a gente tivesse feito até aqui não fosse nada?! Eu não esperava isso de você, Remo.

Lupin se preparou para responder, na defensiva, mas fomos interrompidos pela garçonete, que trouxe os pedidos. Ela pôs as bebidas na mesa e voltou a se afastar. Aproveitei a conveniência dessa pausa.

– Eu não quero me afastar do projeto – declarei, mais rápida.

– Mione, você mais do que ninguém sabe o que aconteceu com o Ron. Estamos aqui nesse hospital hoje por causa disso. Eu não posso arriscar a sua vida também.

– Você não tá arriscando a minha vida, Remo...!

– É claro que eu estou! Isso foi mais longe do que eu imaginei...

– Por isso mesmo que nós devemos continuar... – repliquei, decidida – Porque se a gente parar por aqui, agora, o que aconteceu com o Ron terá sido em vão!

– O preço é muito alto e eu não estou disposto a pagar novamente.

– Ninguém aqui tá te culpando pelo que aconteceu...

– Mas eu estou, Hermione...! – Lupin passou a mão pelo rosto, nervoso – Eu estou me culpando! Desde o dia desse suposto acidente, porque nós dois sabemos muito bem o que ele realmente foi, a única coisa que eu consigo fazer é me culpar!

Remo se largou no encosto da cadeira. Sua expressão era de uma pessoa cansada. Novos fios de cabelos brancos caiam pela sua têmpora, precoces. Abrandei a minha postura quase que automaticamente. Ali, eu consegui enxergar o quanto o acontecido afligia o meu professor.

– Eu achei que eu estivesse fazendo o certo em ir a fundo nessa história... – ele disse, após beber um gole rápido do seu café – Há anos eu sei de todo esse esquema do Lúcio Malfoy, dessa fraude debaixo dos olhos de toda a cidade. Eu nunca pude fazer nada. Na verdade, eu nunca quis fazer nada. Era cômodo ficar calado. Eu nunca fui uma pessoa muito corajosa, para ser sincero – ele riu de si mesmo – Quando eu penso que algumas vezes eu poderia ter evitado o pior na vida de pessoas que foram muito importantes pra mim e, ainda sim, não fiz nada, eu sinto vergonha de mim mesmo...

Lupin engoliu a seco, pensativo. Deixei que ele continuasse o seu desabafo.

– Mas aí eu vi o Ron a beira do Jabuticaba. Ele parecia tão interessado no que estava fazendo. Eu não consegui não captar aquilo. Quando eu cheguei em casa, naquele dia, eu pensei “por que não?”. Talvez desse certo. Vocês dois possuíam a vitalidade que eu nunca tive, mesmo quando eu tinha a idade de vocês. Por isso eu mudei a base da pesquisa para a investigação no rio. Porque eu sabia que vocês se dedicariam inteiramente a isso.

Remo umidificou os lábios.

– Só que eu não vou pôr mais essa capacidade, essa energia, em jogo – ele me fitou – O que aconteceu já foi o suficiente...

– Só que isso não cabe mais a você, Remo, decidir se a gente continua ou não – eu o confrontei – Quem tem que resolver isso somos nós, eu e o Ron.

– O Ron não está em condições de escolher mais nada.

– Por enquanto. Porque essa situação vai mudar, em breve. E, independente de qualquer coisa, de certa forma eu sei que posso falar por nós dois.

– Pense bem no que você está falando, Hermione... – Lupin ralhou, tentando ser responsável – Não é correto você tomar uma decisão dessas, sozinha ainda por cima...

Isso me deixou ainda mais irritada.

– Não é correto...?! Tem certeza?! – reiterei, colérica – Por que até onde eu sei, O que aconteceu com o Ron é que não foi correto. A forma como aconteceu, menos ainda. Foi podre, Remo. E deixar o Malfoy se livrar de mais um crime como se as vidas das pessoas fossem meras pecinhas de manipulação, que ele descarta quando não lhe é conveniente, esse sim é o pior de todos os erros que a gente pode cometer.

Lupin se manteve plácido.

– Tem coisas que não podem ser desfeitas, Mione... – ele evitou me olhar.

Senti os meus olhos marejarem, de raiva. O gosto salgado das lágrimas rapidamente chegou a minha boca. Apontei na direção da UTI.

– Então nada será resolvido até o Ronald sair daquele quarto. Nada vai mudar até o Ron acordar. E se, somente se, ele mesmo me disser que não quer levar mais nada disso à diante, eu saio da pesquisa. Desisto de tudo, sem contestar. Mas até lá, até isso acontecer, as coisas continuarão como estão...  

– E como elas estão? – Remo questionou, cruzando os braços – Por que do ângulo que eu vejo, Hermione, a perspectiva está longe de ser favorável para qualquer um de nós. Há muito poder envolvido. Bem mais do que você imagina.

– Eu não tô nem aí... – sibilei, ácida – Eu só quero justiça, apenas isso.

Me ergui de súbito e me apoiei na mesa, com as duas mãos. Encarei o meu professor.

– E tem mais... – completei – Se você não é capaz de busca-la comigo, não tem problema. Farei isso sozinha, se necessário. Mas eu não vou desistir de provar a verdade.

Com essa última fala, peguei a minha bolsa e fui embora, sem tocar em uma gota do cappuccino e sem me dar o trabalho de me despedir.

Quando eu entrei no quarto, poucos minutos depois, eu ainda estava descomposta. Passei a mão pelos meus cabelos, trêmula e soltei o ar dos pulmões. Eu precisava me estabilizar, então comecei a montar o meu ritual, no automático. Já havia se tornado um hábito a minha organização. Andei até a janela e puxei as cortinas, abrindo-as, para criar um clima mais íntimo. Ron gostava da noite e, principalmente, do vento noturno. A lua brilhava muito bonita, cheia, no alto do céu. Eu não o privaria desta cena de forma alguma.

Logo em seguida, me desloquei até a bancada que ficava no canto do cômodo. Pus a minha bolsa apoiada em cima do móvel, largada, antes de me dirigi até o vaso de vidro a diante. Luna trazia flores toda semana. Sempre uma espécie diferente da outra. Ela gostava de dizer que aquilo trazia cargas positivas ao ambiente. Ri de canto, pensativa, me lembrando dos longos discursos da loira sobre Ron estar absorvendo todas as energias que chegavam a ele e que, por isso, deveríamos trabalhar em cima do otimismo e da esperança.  A presença dela se fazia necessária porque, acima de tudo, Luna era uma grande sonhadora. Naquele momento, acreditar era o que todos nós mais precisávamos. Sorri mais uma vez e sacodi a cabeça, de leve, voltando meu trabalho.

Fui até a cama e afofei os travesseiros do ruivo, parando para admira-lo por alguns segundos. Como já havia se passado um tempinho relativo desde o acidente, boa parte das escoriações de Ron já tinha se fechado, assim como as suas fraturas que, segundo os médicos, haviam tido uma melhora considerável.

– Pronto...  – apoiei a cabeça dele novamente, com cuidado – Agora tá bem mais confortável.

Luna também afirmava que Ron escutava tudo o que nós falávamos e que por isso tínhamos que conversar com ele diariamente. De inicio achei aquilo uma teoria meio louca. Não existia nenhum estudo que conseguisse comprovar a veracidade desse método. Porém, com o decorrer dos dias passados ali, dentro daquele quarto, acabei por tornar disto um costume. Me aliviava narrar o meu dia para ele, ou contar algumas besteiras que alguém fazia. Era quase terapêutico, para ser sincera, embora ele não respondesse. Eu sentia falta dos seus comentários engraçados.

Ri de mim mesma e acariciei o seu rosto do ruivo, num ato involuntário. Ron permaneceu quieto, como nas últimas semanas. Ainda sim, apoiei os meus cotovelos na cama e me debrucei. Continuei falando por mais alguns minutos, enquanto mexia displicentemente em uma mecha de cabelo vermelho, mais comprida que o comum por causa da falta de corte. Eu estava prestes a me erguer novamente, mas lembrei de algo que o ruivo consideraria importante.

– Aaah, antes que eu me esqueça: o Cannons venceu o campeonato nacional!

Me senti subitamente anormal por estar contando aquilo de forma animada. Futebol nunca fora o meu forte.

– O jogo foi ontem... – expliquei – O Harry foi com o Neville, o Cedrico e os gêmeos. Você teria ido também, mas parece que alguém tá com preguiça de acordar, né?

Acariciei o seu rosto novamente, passando a mão pela barba recém-feita por um dos enfermeiros, ou mesmo pela Sra. Weasley, talvez. Ela costumava se adiantar nesses quesitos, na maioria das vezes.

– Enfim... – soltei um longo suspiro – Acho que já te atualizei de todas as novidades.

Me afastei do corpo de Ron, devagar, e retornei até a minha bolsa. Peguei um livro e um pacotinho de chocolates e voltei para onde eu estava antes. O sofá, que agora descansava próximo a cama, me esperava, como em todas as outras vezes que eu estivera ali. Me ajeitei no assento, deixando-o mais confortável e abri o livro na ultima página que eu havia lido, bem no comecinho. Era um exemplar velho do Pequeno Príncipe, que os meus pais me deram de presente quando eu era criança. Eu nunca tinha sido muito fã desse gênero de leitura, na verdade. Há tempos que eu não aquele livro. Porem, ultimamente, ler coisas desse tipo vinha conseguindo me acalmar mais do que qualquer outro método.

Mergulhei no universo do pequeno príncipe. Não reparei quando a madrugada deu as caras. Despertei do transe, já no final do livro, ao escutar batidinhas na parede de vidro. Desliguei o abajur e liguei a luz principal do cômodo. Liza, a enfermeira, entrou no quarto com um carrinho de utensílios.

– Desculpe se te acordei... – ela disse, simpática – É que está na hora de trocar a sonda dele.

– Tudo bem... – a tranquilizei – Eu estava lendo.

– Você gosta mesmo de ler, não é?

– Bastante, desde criança.

Liza aproximou o carrinho metálico da cama de Ron.

– Ele também...? – ela pôs as luvas de borracha e começou a manipular alguns utensílios – Digo, gostava de ler?

Ri anasalado, tentando desconsiderar o tempo verbal da frase.

– Digamos que não seja a atividade preferida dele... – me aproximei da enfermeira – Mas sim, ele gosta.

Fui enfática no termo dito no presente. Liza apenas balançou a cabeça, se concentrando no seu trabalho. A observei, admirada com a sua destreza. Em poucos minutos ela já havia feito o seu trabalho. A mulher sorriu ao perceber que eu observava sua atividade.

– É menos difícil do que parece – a enfermeira comentou, recolhendo os materiais.

– Não sei... – discordei, franzindo a testa – É tudo muito preciso...

– São anos de prática... – Liza deu de ombros – As vias do Sr. Weasley também ajudam. O corpo dele é bem forte.

Balancei a cabeça, sorrindo.

– O que foi...? – a enfermeira indagou, curiosa – Eu disse alguma coisa errada...?

– Não, não é nada... – respondi, sem fita-la. Estava mais concentrada em alisar o dorso da mão exposta do ruivo – É que ele não costumava gostar de ser chamado de Sr. Weasley.

Vi pelo canto do olho que ela arqueou as sobrancelhas.

– Ele sempre se apresenta por apenas Ron – expliquei, ajeitando as cobertas – Uma vez ele me disse que Sr. Weasley era muito formal. Parecia que estavam falando com o pai dele.

Liza sorriu para mim, condescendente.

– Há quanto tempo vocês namoram?

– Digamos que a gente não namore de fato. Brigamos um pouco antes do acidente.

– Nossa... – a enfermeira me pareceu muito confusa – Por que você vem todos os dias então?

– Porque o fato de termos terminado não diminuiu em nada o que eu sinto por ele – falei, sincera.

– E que garante que até antes do acidente ele nutria o mesmo por você? – ela questionou, de cenho franzido.

Um frio passou pela minha espinha. Preferi ignorá-lo.

– Nada garante... – a encarei, dando de ombros – Mas estamos falando sobre os meus sentimentos, não sobre os dele.

Liza soltou um longo suspiro. Ela jogou as luvas recém-tiradas no lixo e chegou mais perto de mim. Ficamos lad0 a lado.

– Pode parecer meio duro o que eu vou te dizer, Hermione, mas eu acho que você deveria se desligar disso aqui.

– O que você quer dizer com isso?

– O que eu quero dizer que eu trabalho nesse hospital há doze anos e existem pacientes aqui que estão em coma há mais tempo que isso. O Ronald sofreu um traumatismo craniano grave, o caminho dele pode ser o mesmo.

– Mas também pode não ser.

– É... mas vale a pena você esperar por isso? – a mulher retorquiu, incisiva – O Ron já tá aqui há mais de um mês, Hermione, sem nenhuma progressão. As chances de recuperação dele diminuem a cada dia. E, ainda que ele venha a acordar, nada garante que ele não terá sequelas do acidente. Você quer mesmo parar sua vida por isso?

Engoli a seco, sem saber o que responder. Liza aproveitou a deixa e continuou a falar.

– Vocês já tinham cortado o laço da relação de vocês. Não torne as coisas mais difíceis pra ti. Amanhã cedo vá pra casa e não tenha pressa de voltar. Seguir em frente é o melhor que você faz nesse momento – ela pôs uma mão no meu ombro, afável – Se o Ron gostava de você na mesma intensidade que você gosta dele, era isso que ele iria querer.

Sem mais nada para me dizer, a enfermeira se afastou de mim e foi embora. Permaneci parada, olhando para o corpo imóvel do ruivo, a minha frente. Liza não foi a primeira pessoa a me dizer aquilo, mas foi a única com coragem suficiente para fazê-lo de maneira tão direta. Continuei ali, por mais alguns instantes, sem saber o que pensar, muito menos o que fazer, agarrada a grade da cama do hospital. Por fim, escolhi sentar novamente no sofá, totalmente abalada. Pela janela, vi o dia amanhecer, apática e sem nenhuma reação.

Uma semana se passou e eu, ainda sim, perdurei nas visitas, fiel a esperança. Na noite do sábado Ginny precisou resolver alguma coisa importante com o Harry e  os gêmeos, assim como Gui, o filho mais velho dos Weasleys, estavam fora da cidade, a motivos de trabalho. Para não sobrecarregar os pais, a minha amiga me ligou, pedindo para que eu fosse novamente dormir no hospital. Eu aceitei, tendo em mente que talvez fosse o ultimo dia que eu faria isso.

Não é que eu fosse abandonar o Ron pelas condições dele. Longe disso. Eu não o daria as costas de forma alguma, ainda que anos se passassem. Mas talvez Liza estivesse certa quando me dissera para tocar a minha vida. Eu havia estacionado naquele hospital, e, me doía muito ver o Ron deitado naquela cama, dentro daquele ambiente monótono. Me doía entender, acima de tudo aceitar, que talvez as outras pessoas estavam falando isso pelo meu bem. Talvez Ron não viesse mais a acordar, infelizmente essa era uma possibilidade. E, aquilo também estava me matando aos poucos.

Já tarde da noite, me arrumei com um pouco menos de pressa do que o habitual e segui até o hospital, completamente desanimada. A situação pirou quando eu cheguei a UTI.

– O que houve? – perguntei, assustada, assim que entrei no quarto.

– O Dr. Davis esteve aqui – O Sr. Weasley respondeu, amparando a mulher aos prantos – E não trouxe boas noticias.

A Sra. Weasley soluçou mais alto que antes.

– E-ele não acr-rr-edita na recuperação do R-ron... – ela se embolou nas palavras, por causa do choro – O me-médico acha q-que talvez...

Molly não conseguiu completar a frase. A face da mulher, já bastante molhada pelas lágrimas, ficou ainda mais vermelha. Ela continuou chorando, nos braços do marido.

– Saiu o resultado do eletroencefalograma de ontem – o Sr. Weasley estava bem abatido – As atividades cerebrais do Ron estão diminuindo.

Passei a mão pela testa, nervosa. Assim como a mulher a minha frente, minha vontade era de chorar eternamente. Me controlei, com extrema dificuldade.

– E agora? – questionei, perdida.

– Não temos muito que fazer – ele respondeu, entristecido – Só nos basta esperar, como antes.

Assenti, fechando os olhos. Molhei os lábios antes de me manifestar novamente.

– Leve-a para casa... – eu disse, apontando para os dois – E descanse um pouco, vocês dois. A Ginny me pediu para passar a noite aqui. Vai ficar tudo bem.

O Sr. Weasley não contestou. Ele apenas me agradeceu, com um beijo na testa, e guiou a mulher para fora do cômodo, devagar. Observei os dois irem embora, pela parede de vidro, ambos arrasados.

Mais uma vez, pus a minha bolsa na bancada de fundo, apoiada no mesmo lugar. Rosas vermelhas descansavam no vaso, vividas, ainda no auge da sua cor. Passei a mão de leve por suas pétalas, sentindo a maciez, antes de ir até a janela. Era uma noite quente e chuvosa, típica de verão. Não sei quanto tempo fiquei diante do vidro, parada, olhando para fora entorpecida.

Lembrei-me do livro que ainda estava na minha bolsa e que eu não voltei a tocar desde a semana anterior. Resolvi terminar de lê-lo. Abri na página que fora marcada de modo displicente. Continuei a leitura.

Como o principezinho adormecesse, tomei-o nos braços e prossegui a caminhada. Eu estava comovido. Tinha a impressão de carregar um frágil tesouro. Parecia-me mesmo não haver na terra nada mais frágil. Considerava, à luz da lua, a fronte pálida, os olhos fechados, as mechas de cabelo que tremiam ao vento. E eu pensava: o que eu vejo não é mais que uma casca. O importante é invisível aos olhos.

 

Ali, apoiada na janela, senti a primeira lágrima cair. Perdi as contas de quantas vezes isso acontecera nas últimas semanas. Abaixei a cabeça e algumas gotas caíram nas páginas do exemplar. Ainda sim prossegui. Limpei o canto dos olhos com o nó dos dedos  e voltei a ler.

Como se seus lábios entreabertos esboçassem um sorriso, pensei ainda: “O que tanto me comove nesse príncipe é a sua fidelidade a uma flor; é a imagem de uma rosa que brilha nele como se fosse uma lâmpada, mesmo quando dorme...” Eu o pressentia então mais frágil ainda. É preciso proteger as lâmpadas com cuidado: um sopro as pode apagar... 

 

Percebi que estava narrando o livro em voz alta. Desencostei-me do batente da janela e andei até o banquinho, arrastando-o para mais perto da cama. Me firmei ao lado de Ron e me debrucei sobre parte do seu corpo, pondo o livro um pouco de lado.

– Você é um mentiroso, Ronald...

Funguei, plangente.

– Você me disse que sempre viria atrás de mim... – falei, com a voz abafada – Mas era mentira, porque, na verdade, você tá indo embora... – mais lágrimas caíram pela minha face, descontroladas – Mas você, Ronald, você não pode me deixar, não dessa forma...

O que eu mais queria que ele estivesse acordado e retrucasse a minha reclamação, como de costume. Chorei mais um pouco antes de me erguer outra vez. Enxuguei o meu rosto parcialmente e peguei o livro de volta. Li mais algumas partes, difusa. Voltei a falar em voz alta, buscando me concentrar. Após alguns minutos, outra pausa e mais lágrimas. A mão que segurava o livro estava trêmula, assim como aquela que se embrenhara no lençol branco, desesperada.

– Os homens do teu planeta – narrei à fala do principezinho – Cultivam mil rosas num mesmo jardim... e não encontram o que procuram...

Olhei para o ruivo, tendo certeza que este não era o meu caso.

– Não encontram, respondi... – continuei a leitura por mais alguns segundos, irresoluta – E, no entanto, o que buscam poderia ser achado numa só rosa, ou num pouquinho d’água...

Engoli a saliva, chorosa.

– É verdade, eu disse, e o principezinho acrescentou... – prossegui, oscilante – Mas os olhos são cegos...

Aquela era uma passagem muito conhecida do livro. Ainda sim, estava difícil persistir na leitura.

– É preciso...  – mordi meu lábio inferior, com a visão turva mais uma vez. Solucei consecutivas vezes antes de tentar continuar – É preciso buscar...

Joguei o livro no sofá atrás de mim, de qualquer jeito, e me pus novamente sobre o ombro de Ron, incontrolável.

– Com o coração.

Uma voz grave, mais rouca do que o comum, entoou. Demorei um pouco para assimilar o que havia acontecido. Me afastei do corpo do ruivo lentamente, assustada. Quando o encarei, me deparei com um par de olhos azuis bem abertos. O sangue que percorria o meu corpo disparou, sem ritmo. Um misto de alivio e felicidade irrompeu dentro de mim

– Ron...? – perguntei, vacilante.

– A Gin-ny – ele franziu a testa – Ela me f-fez – Ron ofegou – ler...

Sorri, atrapalhada, com a explicação. O ruivo tentou inclinar a cabeça para frente, mas retornou, com dificuldade. Ele fez uma careta de dor.

– Fica quietinho... – falei, sentindo a euforia ainda crescente no meu peito – Tá tudo bem... – o contive – Tudo bem... calma, eu vou pedir ajuda...

Apertei o botão de emergência, ao lado da cama, pedindo por auxilio médico. Ron fechou os olhos novamente, como se tivesse voltado a adormecer. Levantei do banquinho e segurei o seu rosto.

– Não, não...! Por favor... – clamei, desesperada, apertando varias vezes o botão – Ron, por favor, acorda...

Nenhuma reação. O monitor do outro lado da cama começou a soar, descontrolado. O alivio de agora a pouco fora substituído novamente pelo medo.

– Ron, por favor... – dei tapinhas de leve na sua bochecha – Enfermeira! Liza! Alguém, por favor! – gritei, nervosa.

Ouvi uma breve movimentação no corredor e logo em seguida o Dr. Davis e mais dois enfermeiros entraram no quarto, esbaforidos.

 – Srta. Granger! – o médico gritou, vindo à minha direção – O que você fez...?!

– Ele acordou...! – respondi, angustiada – Ele acordou e falou comigo!

– Isso é impossível... – um dos enfermeiros disse, assustado.

– O coração dele parou... – o outro falou, sem saber o que fazer – Temos que registrar a hora...

Segurei no braço do Dr. Davis, em súplica. O homem respirou fundo antes de voltar a se mover, ágil. Se existiu um milésimo de hesitação, ele fora deixado para trás.

– Ainda não... – o médico ordenou, se aproximando da cama e passando algo nas mãos, enérgico – Travis, RCR!

O segundo enfermeiro me afastou, iniciando o procedimento de reanimação. O armário abaixo do aparelho foi aberto e um desfibrilador foi retirado de lá. Ele lubrificou as duas placas com o gel condutor e as entregou para o Dr. Davis. O processo foi iniciado. O médico pressionou as placas do desfibrilador sobre o tórax de Ron.

     Primeiro choque.

Nenhuma reação.

Travis iniciou uma massagem cardíaca intensa, enquanto o Dr. Davis e o outro enfermeiro preparavam o aparelho para uma nova aplicação. Alguns segundos e o mecanismo foi repetido.

     Segundo choque.

Nada.

Pus a mão na boca, atemorizada. Minha vontade era gritar em desespero, mas não existiam forças na minha garganta. Vi que Liza e outra enfermeira também entraram no quarto, apressadas. A mulher me puxou pelos ombros, ao mesmo tempo em que a colega avançou para dar suporte aos outros.

– Você precisa sair daqui... – ela disse, tentando me mover – Hermione, por favor!

– Não! – neguei, me desvencilhando aos prantos – Eu não vou sair!

Liza continuou a tentativa de me levar. Em meio a isso, escutei a diante.

– Aumenta pra 360! – o médico gritou, vermelho.

– Mas é uma carga muito alta... – a nova enfermeira refutou, perdida.

– Só faça! – Dr. Davis foi categórico – Rápido!

Sem mais nenhuma discussão, os outros três obedeceram.

     Terceiro choque.

Sem resultados. Me apoiei na bancada, arrasada. Liza me amparou. Por cima dos seus ombros, vi que sem esperar ser auxiliado por mais ninguém, o médico repetiu a aplicação, numa última tentativa.

     Quarto choque.

O tórax de Ron subiu, outra vez, desajeitado, e caiu novamente no colchão. Houve um breve período de tensão, até que o monitor, ao lado da cama, se alterou, voltando ao normal.

Os sinais vitais pulsaram na tela, em forma de gráfico regular. Percebi que a equipe se olhou, sem acreditar, por alguns instantes. Um dos enfermeiros se adiantou com o balão de oxigênio, enquanto a outra se pôs a checar as outras funções vitais. O Dr. Davis enxugou a testa, suado, e se afastou da cama. Eu passei a mão pelos cabelos, mitigada, mas ainda sim trépida. O médico me olhou, assertivo. Senti uma gratidão sem tamanho por ele ter acreditado em mim e não ter desistido do seu paciente, ainda que todas as outras condições o levassem a outra decisão.

– Obrigada... – agradeci, quase num sussurro – Muito obrigada...

O Dr. Davis esfregou os olhos e sacodiu a cabeça, sorrindo de canto. Liza se afastou de mim, e, rapidamente, ministrou uma dose de alguma diretamente na veia de Ron, pelo cateter. Permanecemos todos em silêncio, por um bom tempo, tensos.

Até que ouvimos um murmúrio abafado.

Ron estava de olhos abertos novamente. O outro enfermeiro afastou o balão de oxigênio.

– Água... – o ruivo pediu, debilitado – Sede...

Com um aceno de cabeça, o Dr. Davis autorizou que um dos enfermeiros fosse buscar o que o paciente pedira. Travis se adiantou, proativo. Logo em seguida, o médico se aproximou da cama.

– Você consegue me ouvir? – ele perguntou, protocolar.

– Sim... – Ron respondeu, quase de imediato.

– Por favor... – o Dr. Davis se sentou no banquinho branco – Me diga o seu nome.

– Ronald... – ele falou, com um pouco de dificuldade – Ronald Weasley.

– Em que ano você está?

 – 2015...

Cruzei os braços, esperando o resto do procedimento, inquieta. O médico se inclinou sobre o corpo do ruivo e inseriu uma luz fraca do seu aparelhinho no seu, checando a pupila. Ron franziu a testa, incomodado com a claridade excessiva.

– Visão, ok...

O homem recolheu o aparelho e se levantou. Ele descobriu os pés de Ron e passou o dedo pela sola de cada um. Ron fez uma careta e mexeu os dedos.

– Parece que as funções básicas estão no lugar – o Dr. Davis disse, voltando para onde estava antes.

Eu sorri, comovida. Soltei o ar dos pulmões, dessa vez realmente branda. Travis reapareceu, trazendo a água. O médico agradeceu e estendeu a mão, pegando o copo descartável.

– Contate a família dele... – ele pediu ao enfermeiro – Avise a eles que o paciente acordou.

O homem se virou na minha direção.

– Srta. Granger, eu infelizmente vou ter que pedir pra você se retirar agora. Faz parte do procedimento.

Assenti com a cabeça, pesarosa, dessa vez aceitando a ordem.

– Não... – Ron se manifestou.

Seus olhos azuis se encontraram com os meus.

 – Ela fica.

Andei até ele. Segurei a mão esquerda do ruivo e enlacei os nossos dedos.

– Vai ficar tudo bem... – falei, o tranquilizando – Eu estarei ali fora...

– Não vá embora... – ele engoliu a saliva, cansado.

– Eu não irei... – garanti.

Afaguei a sua têmpora com o polegar da mão livre. Ron sorriu fraco e anasalado. Aos poucos soltamos as mãos, com uma dificuldade enorme de querer perder o contato. Saí do quarto logo depois. Enquanto eu seguia em direção ao banheiro do hospital, voltei a chorar. Porém, dessa vez, não existia dor dentro de mim. Ali, pela primeira vez em 45 dias, as lágrimas que caíram dos meus olhos foram de felicidade. Ron estava vivo. Vivo de verdade. Eu sempre soube que desistir dele nunca fora uma opção.


Notas Finais


E aí? O que acharam? Me contem aqui nos comentários! Eles são muito importantes para a evolução da história!

O link da page está aqui embaixo:
==> https://www.facebook.com/Mrs-Ridgeway-1018726461593381/ <== Também tem outra novidade lá que eu acho que vocês vão gostar....

Beijos, meus amores!


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