História ABO Originals - Só, sozinho, desamparado, desprotegido

"And every shipwrecked soul, knows what it is to live without intimacy".

E toda alma naufragada sabe o que é viver sem intimidade.

*

A noite foi turbulenta. Tanto Harry, quanto Louis, demoraram a cair no sono. Era difícil depois de tudo que conversaram. Louis ficou um bom tempo chorando baixinho, soluçando, enquanto mantinha-se o mais perto possível do corpo do alfa original, que tinham seus braços entrelaçados no ômega. Ele tinha medo de dormir e as lembranças o atacarem com vivacidade. Também tinha um medo insano de que de alguma maneira Tyler viesse atrás dele. Achava que se relaxasse o corpo e se permitisse dormir acabaria sozinho e sendo pego pelos alfas de seu passado. Cada soluço baixo e pequeno tremor do corpo encolhido eram como facadas no coração de Styles. Harry tentava o apertar mais, acariciava seus cabelos enquanto murmurava baixinho uma canção de ninar, algo que sua mãe costumava fazer quando ele era pequeno e não conseguia dormir. Sentia-se inútil por não conseguir passar tranquilidade ao ômega. Ao ômega que já considerava seu, o qual ele deveria amar e proteger. Jamais deixar que ele se entristecesse, porém ele conheceu um Louis já afogado nos próprios pesadelos e mágoas. Era difícil ajudar e lutar contra quando o que o assombrava era o passado.

Demorou, mas o cansaço venceu Louis e o ômega acabou dormindo, tarefa que ficou bem mais fácil tendo a voz de Harry cantando baixinho ao mesmo tempo em que suas mãos grandes se encarregavam de segurá-lo firme e acariciar seus cabelos. Harry era como uma bolha de proteção, e mesmo que ele não tivesse certeza se essa bolha penduraria nos sonhos, seu corpo não teve outra opção a não ser testar, já estava fadigado de tanto lembrar e chorar. Acabou adormecendo, mas o alfa não conseguiu se desligar. Era como se ele estivesse guardando o sono do menor. Continuou a cantarolar e acaricia-lo. Sua mente se perdendo em raiva, frustação, tristeza e amor.

Finalmente ele tinha conhecido a cama do ômega, mas com certeza não tinha sido da maneira imaginada. Jamais pensará na possibilidade de Louis ter um passado trágico assim, e ainda por cima com seu abusador solto por aí. Suas mãos coçavam para fazer justiça por conta própria. Se ele visse Tyler mais alguma vez não se responsabilizaria por seus atos. E ele não dependeria da sorte – ou má sorte – de reencontrá-lo, ele o buscaria até no inferno, mas o encontraria e o faria pagar.

A madrugada parecia longa demais, principalmente com a mente cheia. Harry continuava a passar delicadamente suas mãos pelo ômega presente em seus braços, e cheirá-lo. Lembrava-se da primeira vez que aquele cheiro chamou sua atenção e então encontrou o rosto, que o fez cair de amores de vez. Não sabia que por trás de um rosto tão bonito – e até mesmo debochado – havia tanta tristeza. Quem visse Louis por aí, nos seus melhores dias, abusando do deboche e rindo, jamais imaginaria que ele poderia chegar aos prantos daquela forma. Aquele rosto tão bonito, porém avermelhado e marcado por lágrimas seria uma visão que Harry nunca esqueceria. E a qual ele nunca queria ter de ver de novo. Mas as coisas não são como queremos.

Mordia os próprios lábios e forçava-se a não chorar também, mas era tão difícil. Ele nem sabia explicar como havia parado numa situação como aquela tão rapidamente. Há pouco tempo estava em Nova York, arrumando as malas e um pouco desanimado por ser forçado a começar tudo do zero em Londres. Não tinha ideia do que o futuro o reservava, mas assim que viu Louis sentiu como se destino existisse e tudo tivesse um propósito. Teve certeza no primeiro instante que o viu: Louis era o amor de sua vida. A certeza era tão absoluta que o consumia. Era algo tão forte e do qual costumava duvidar quando ouvia os outros contarem que tinha lhes atingido. Só vivendo mesmo para entender.

Ele planejou todo um futuro com seu amor, mas se esqueceu de que o mesmo tinha um passado, do qual ele não sabia nada.

Harry não era do tipo que desistia. Na verdade, desistir nem existia em seu vocabulário. Falava sério quando dizia que teria Louis para si de qualquer forma. E agora, ali deitado na cama do mesmo, com ele em seus braços e encarando o teto no escuro pensava em como as coisas andaram rápido. Ainda não era o suficiente, não era o "sim" no casamento que ele queria ouvir. Mas as coisas estavam se encaminhando como deveriam ser. Era um alívio saber que Louis finalmente confiou nele para contar algo daquele porte. Tudo bem que ele teve que insistir, mas o ômega disse e agora está ressonando em seus braços. Então ele não estava errado em insistir, não é? Talvez devesse insistir mais vezes, em mais coisas.

O escuro parecia dominá-lo também, seus olhos começando a pesar, mas a preocupação o mantendo acordado. Queria estar em seu quarto de Nova York, tinha sido o mesmo da infância até a adolescência, e continha milhares de estrelinhas coladas no teto. O alfa gostava de encará-las até que o brilho das mesmas ofuscassem seus olhos e ele dormisse. Como se aquilo representasse dormir olhando o céu. Mas o quarto de Louis era uma penumbra total, e ele só queria uma simples estrela para alegrar ali.

Aquele último pensamento o fez sentir culpado. Ele tinha uma estrela bem em seus braços, só estava chorosa e apagada. Louis era toda luz que ele precisava, mas agora parecia que era o ômega que precisava de alguma luz. Harry desejava ser o suficiente.

Harry tinha que ser o suficiente.

Por um curto momento pensou se merecia tudo aquilo... Louis era tão... Louis.

Como um alfa original, sua autoestima era praticamente um arranha-céu. Mas ter noção que tinha encontrado o amor de sua vida o fazia duvidar de suas próprias qualidades. Talvez porque ele não o tinha protegido direito, não podia curar todas suas feridas e tomar suas dores. Aquilo tinha abalado Harry. Ele já não sabia mais se seria um alfa tão bom assim para seu ômega.

Ignorou as lágrimas e aproximou sua boca dos cabelos alheios, beijando-os ternamente. O importante era que no momento Louis estava em seus braços, e estava protegido.

Cobriu mais um pouco a si mesmo e ao pequeno corpo agarrado a si e deixou-se levar pelo cansaço. Sendo do status que fosse, todos precisavam dormir.

*

A manhã seguinte foi como uma ressaca moral para Louis.

Acordou um pouco assustado, as memórias e sonhos se embaralhando, e o corpo segurando-o firme o trazendo à realidade. Aos poucos foi organizando os pensamentos, desembaralhando o que pareciam peças de um quebra-cabeça maluco e doentio. E lembrou-se de tudo que aconteceu. Olhou para cima e pode fitar o belo rosto de Styles dormindo tranquilamente. Por um momento apenas admirou a beleza estupenda em frente a si. Parecia zombaria o modo que ele era lindo sem ao menos tentar. O tipo de zombaria que tinha o intuito de lhe tirar de prumo. Mas os momentos de calmaria admirando-o duraram pouco, logo sua mente veio lhe atormentar com lembranças. Tyler estava de volta, e pasme, ele tinha contado a Harry a verdade. Ou pelo menos um pedaço dela.

Sentiu o rosto esquentar em vergonha. Agora Harry sabia que ele já tinha sido usado. Mal entendia como o mesmo poderia ter lhe feito companhia mesmo após saber o quão sujo ele era. Ou talvez tivesse perdoado um deslize, mas com certeza se afastaria se soubesse que Tyler não foi o único. Louis sabia como alfas costumavam ser possessivos – ainda mais um original, e ele entendia que Harry tinha interesse nele, mas duvidava que o mesmo fosse mantido quando ele tivesse noção de quão usado o ômega já tinha sido.

"Oh, o que eu te fiz, Lou? Já contou para o namoradinho novo seu passado sujo?" a voz de Tyler ricocheteava em sua cabeça. Todos os insultos antigos também o atingiam. "Até eu já cansei de você, de tão rodado que você é." "Você realmente acha que serve para mais alguma coisa?". "Você é um ômega! É óbvio que está gostando!". "Nós estamos te fazendo um favor.". "Chora mais, puta.".

Tinha acordado não fazia nem cinco minutos e já queria voltar para o estado inerte. Onde conseguia enganar sua mente e não se lembrar de coisas assim. Sentia-se sujo por tocar Harry, depois de todos que já o tinham tocado. Tinha trocado de não querer ser tocado para não querer tocar e contaminar. Queria correr para o banheiro e se lavar, arranhar-se inteiro até ficar limpo o suficiente. Tentou se afastar do corpo do alfa original adormecido, mas fez um movimento brusco demais e o mesmo despertou, segurando-o firmemente.

"Lou-" o alfa abriu os olhos verdes assustado, puxando firmemente o ômega para perto novamente. Seu estado inconsciente não era de paz total, permanecia em alerta, e um movimento como aquele acelerou seu coração no máximo, achava que estava tendo o ômega arrancado de si. "Que susto." Murmurou suspirando e fechando os olhos, afrouxando o aperto ao ver que era apenas o ômega ali, acordando.

Louis ficou estático, também assustado pelo aperto involuntário que o alfa deu em seu braço. E agora encarando os olhos verdes que tinham se aberto novamente não sabia nem como reagir. Era como se Harry Styles nublasse sua mente e congelasse seus membros. Sendo que ele também era capaz de esquentá-lo por inteiro em outras ocasiões.

"Aonde você vai?" Harry indagou com a voz mais rouca que o comum. Provavelmente aquela era sua voz da manhã. Louis sentia seu corpo não apenas descongelar como aquecer completamente. Maldita voz linda. Styles coçava um de seus olhos com as costas da mão, enquanto a outra continuava a segurar Louis, mas agora sem apertar, e com direito até a deslizar delicadamente o polegar pelo braço do menor. Acariciando novamente. Harry poderia passar a vida tocando Louis com ternura.

Louis engoliu em seco, e abaixou o olhar. "Lugar nenhum..." mudou de ideia, e deitou-se novamente em frente ao alfa. Harry Styles estava em sua cama. Bocejando e com dificuldade para manter os olhos bonitos abertos. Louis não sabia o porquê, todavia preferia ficar ali, deitando o olhando do que ir se arranhar até sangrar no banheiro.

Eles não estavam mais colados como antes, e Harry ainda tentava acordar, rindo cada vez que um bocejo escapava.

"Desculpe..." o ômega murmurou. E Harry não tinha certeza se era um pedido de desculpas por ter sido acordado ou se aquilo englobava toda a noite anterior.

Harry o puxou delicadamente mais para perto e depositou um beijinho singelo em sua testa. "Já era hora de acordar... Eu acho..." murmurou de volta, rindo de leve e tentando ao máximo descontrair. Deus o livre voltar para o estado de choro-quase-morte-por-desidratação de ontem.

Louis piscou aturdido. Harry iria mesmo fingir que nada aconteceu?

"Está com fome? Eu cozinho bem, você já sabe. Posso fazer panquecas." O alfa continuou no tom sonolento meio alegre. Seria algo perfeito após uma boa noite de sono, onde eles poderiam ter tido sabe se lá que tipo de noite feliz e na manhã seguinte estaria tudo bem, mas não era o caso e Louis não conseguia fingir.

"Vai mesmo fingir que está tudo bem?" questionou duramente e o sorriso do alfa morreu. O cacheado sentia-se estúpido agora. Por que diabos pensou que seria uma boa ideia ignorar ontem?

Harry suspirou pesadamente, mas não afastou a mão que afagava os cabelos castanhos do ômega. Perder contato só pioraria a situação. Ele queria apenas poder beijar para fora todos os problemas do menor.

"Você quer mesmo falar sobre isso?" questionou de volta e Louis abaixou o olhar.

Não era como se ele quisesse voltar a falar e chorar novamente. Mas não conseguiria ver Harry fingindo que nada tinha acontecido. Ele esperava um olhar estranho, de pena, raiva, nojo. Qualquer coisa que demonstrasse que ontem mudou tudo.

"Olha..." Harry levantou seu queixo, o azul encontrando o verde e os dois se encarando seriamente, apesar da ternura presente no olhar do mais novo. "Eu não vou esquecer ontem. E sei que você também não. Mas a gente pode comer primeiro e lidar com isso depois, ok?" tentou convencer o ômega, apesar que pelo estado instável o alfa não sabia que reação arrancaria.

"Desculpe por ontem..." o ômega riu sem graça, mordeu o lábio inferior e continuou "Eu agi igual uma criança. Desculpe, não era para você passar por isso, não vai mais acontecer." Crispou os lábios seriamente e tentou sustentar um olhar forte, mesmo que estivesse claro o quão quebrado ele estava. O cacheado apenas negou com a cabeça, o cenho franzindo em indignação. "Você não me deve desculpas. Não fale essas coisas.".

Como podia justo ele - o injustiçado da história - ser quem estava pedindo desculpas? Quem deveria implorar por perdão era Tyler. E ele não seria perdoado. Talvez pudesse pagar seus pecados e ser absolvido no inferno.

Louis gaguejou um pouco, o olhar de Harry era cortante, como se estivesse com raiva pelas palavras do ômega. "E-eu-" tentou achar alguma justificativa, perdeu a linha de raciocínio com aquela reação. O olhar imponente em frente a si o retraia, mas não de um jeito amedrontador, apenas o fazia ver que suas desculpas eram irrelevantes e ele não podia mais enganar Harry. Ele não compraria nenhuma de suas mentiras.

Os dois foram tirados do momento de tensão pelo som da porta destrancando e passos. Os dois logo levantaram em alarde. Louis ia saindo na frente, mas Harry o impediu, forçando-o a ficar atrás de si.

"Louis?" puderam ouvir a voz do melhor amigo beta chamar. Tomlinson respirou em alívio, era apenas Zayn. Harry revirou os olhos.

"Você..." desdenhou assim que entrou no campo de visão do beta. Que apenas revirou os olhos. Aparentemente aquela implicância nunca morreria.

"Styles..." Zayn arqueou as sobrancelhas em desdém. Louis correu para abraçar o amigo. Tinha o largado junto à Niall na noite anterior, ficou tão focado em fugir de Tyler que até se esqueceu dos outros problemas. Precisava saber como Niall estava, e como eles tinham ido embora. E como Lexie estava. E se alguém fez alguma coisa contra Tyler. Se alguém sabe algo sobre ele. Sua mente disparou com tantos questionamentos que ele não sabia nem por onde começar, porém, Zayn pretendia começar.

"Ele dormiu com você?" indicou o alfa com a cabeça, após separar o abraço, ainda tendo Louis perto. O ômega ruborizou e acenou em afirmativo com a cabeça.

Harry revirou os olhos outra vez e voltou em direção ao corredor, foi ao banheiro escovar os dentes e lavar o rosto, deixaria Louis ter um pouco de privacidade com o amigo. Mas não muita.

"Eu fiquei tão preocupado, Lou! Você tá bem?" indagou pegando o rosto do mais velho entre as mãos, analisando o por completo. Ele tinha a carinha amassada de sono e pós-choro, mas nenhum machucado ou coisa do tipo. Louis nem entendia o que Zayn estava caçando ali. Até que o mesmo levantou sua cabeça e inspecionou seu pescoço.

"Que merda você tá fazendo?" empurrou o beta com um pouco de raiva.

"Vendo se ele não machucou você." Respondeu desentendido.

"Ele quem?" Louis ruborizou e olhou para o corredor que dava para o quarto e banheiro, onde Harry estava.

"Harry eu sei que te tocou." Revirou os olhos castanhos. "Estou falando do alfa de ontem... Ele é do orfanato, não é Louis? Um deles..." questionou sem delongas e Louis tapou sua boca imediatamente, olhando bravo para o amigo e dizendo "shiuuu". Preocupado que Harry pudesse ouvir. Afinal ele tinha uma audição melhor que alfas comuns e o apartamento era pequeno.

"Tyler. O nome dele é Tyler. Nunca mais o chame assim." Implorou com medo de destampar a boca do outro e ele soltar algo mais que Harry ainda não sabe.

"Por quê? É ele, não é?"

"Fala mais baixo, porra." Indicou com olhar o corredor que o alfa estava.

"Af, Louis. Dispensa esse cara e vamos conversar de verdade. Já me basta a mensagem que você nem respondeu. Eu preciso conversar de verdade com você e com ele aqui não dá." O beta estava estressado. E era até estranho como ele estava sem sua calma rotineira, acontece que o assunto martelou sua cabeça a noite inteira e ele odiava a cara de desdém que Harry tinha para ele.

"Eu não posso mandá-lo embora assim..." murmurou para o amigo, sem entender que merda estava acontecendo e porque Zayn estava tão estranho.

"Ah é, por que não? Já não passou a noite juntos? Chega. Mande-o ir embora. Eu preciso falar com você e tem que ser agora." Se ele não conhecesse Zayn bem diria que aquilo era ciúme.

"Eu não posso. Ele vai fazer panquecas..." revirou os olhos em revolta. "Você que chegou agora, Zayn. Sem condições de eu o expulsa só por isso."

E Malik suspirou derrotado. Ele queria muito poder conversar em paz com Louis, mas com Harry no apartamento não dava. E o assunto era sério, se fosse qualquer outra coisa ele poderia deixar para depois ou confiar que Harry fosse resolver, mas ele estava preocupado.

Zayn passou a noite em claro. Pesquisando e pesquisando. E no meio de tanta pesquisa, que tinha basicamente um tema: alfa original raivoso. Descobriu que se Harry pegasse Tyler ou soubesse de tudo o resultado iria ser horrível e sangrento. Sangrento de verdade, os diversos casos de alfas primitivos em ataques de fúrias parecia coisa de cinema. Reavaliou se confiava ou não naquele alfa. Tudo bem, ele poderia proteger Louis... Mas também poderia o assustar para caralho. Quem diabos quer namorar um assassino?

Harry escutava tudo do banheiro e teve de se segurar para não quebrar a pia ou sair de lá e socar Zayn. Quem aquele beta pensava que era para tentar monopolizar a atenção de seu ômega, ainda mais nunca situação dessas?

Mas manteve-se quieto, na espreita tentando ouvir fragmentos importantes da conversa.

"Por que você tá agindo assim? Isso não é você." Louis reclamou.

"Porque eu estou preocupado para cacete com você. Esse cara tá na cidade e eu não sei onde os outros estão. Já pensou na possibilidade de estarem por perto?" rebateu com raiva sem nem pensar, só depois vendo o olhar apavorado do ômega e pensando na merda que fez.

Nada como aterrorizar alguém que já está aterrorizado.

"V-você acha?" a respiração do ômega já estava começando a ficar entrecortada. "Ai meu deus! Porra, claro! E-ele, e-ele e Dylan e C-Chad... eram inseparáveis. O trio." Murmurou trêmulo com a mente à mil.

E Harry não esperou nem mais um minuto. Tinha ouvido coisas suspeitas e conseguia sentir de longe o quanto de medo Louis estava transpirando. Ele estava tendo outra crise e a culpa era toda de Malik.

"Que porra você fez?" surgiu na sala indo em direção à Louis, o tomando em seus braços. Não cometeria o mesmo erro de se preocupar mais em discutir do que proteger seu ômega.

E Zayn realmente se assustou com aquele olhar. Imaginava que se não fosse por Louis ali ele com certeza já teria apanhado. Duvidava cada vez mais do quão controlado Harry poderia ser quando se tratava de Louis.

"E-eu..." Malik gaguejava, a adrenalina da raiva com a qual chegou ao apartamento já tinha passado e ele pensava melhor agora. E reavaliando a situação, ele só fez merda vindo ali.

"Não rosne para ele." Louis pediu adivinhando o que Harry iria fazer. O alfa estava obviamente irritado e Louis tremia e olhava Zayn com um misto de emoções, decepção era a maior delas. Sentia-se tão mal, e não entendia porque Zayn disse aquelas coisas. Por que ele estava tentando piorar tudo?

Ou talvez só estivesse o alertando? Afinal era óbvio, aqueles diabos tinham voltado para atormentá-lo em bando, como costumavam fazer.

"Explique-se." Harry exigiu com o olhar fixo em Zayn, que tentou recuperar a postura.

"Eu vim aqui conversar com Louis, não com você." Harry trincou os dentes, porém Malik continuou. "Eu não tenho medo de você me atacar. Tenho medo é que você se descontrole e faça merda." Referiu-se aos alfas, mas Harry apenas não o entendia.

"Única pessoa que tá fazendo merda aqui é você. Olha para ele!" segurou Louis mais firme, o ômega ainda tremia e sentia-se nauseado pela situação. Nunca antes Zayn e Harry discutiram tão feio em sua frente. Ele sabia da antipatia entre ambos, mas não era para tanto. "Ele estava bem antes de você chegar!".

"Ele nunca esteve bem." Zayn respondeu em um tom mais baixo, olhando com decepção para Louis. "O que você contou para ele, Louis? Qual foi sua desculpa?" acusou o amigo, pois sabia que Louis não deveria ter contado nada. Ele era assim, sempre fugia das coisas.

E Tomlinson desviou o olhar, não entendia pra quê tanta pressão logo agora.

"Eu contei a verdade..." sussurrou em resposta e nem teve a oportunidade de ver a cara de espanto e descrença do amigo.

"Como é?" franziu o cenho. Não acreditava que Louis tinha contado. Para quê todo aquele medo que Harry ouvisse algo então, se o mesmo já sabia?

"Eu falei. Eu falei." Voltou os olhos azuis em direção aos castanhos, um pedido silencioso de que Malik não forçasse a barra. "Falei o que ele tinha que saber... Sobre Tyler."

E Zayn revirou os olhos... É claro que toda a verdade não tinha sido contada. Mas ainda sim, aquilo era um avanço.

"E o que você vai fazer sobre isso, Harry?" questionou ao alfa já sabendo a resposta.

"Eu o farei pagar." Styles respondeu sem rodeios e Zayn negou com a cabeça, já sabendo que tipo de pagamento sangrento seria.

"Você não pode fazer justiça com as próprias mãos! Por Deus, isso é crime!" se exasperou.

"E o que ele fez não é?" o cacheado rebatou raivoso. Oh, sério que teriam uma discussão sobre direitos humanos para estupradores?

"Quero só ver como é que você vai defender o Louis dos outros quando estiver preso!" Malik gritou com raiva e se esqueceu do plural que usou. Louis tremeu porque ele notou e bem, Harry também.

"Como é?"

"Nada. Nada. O Zayn só está falando merda" Louis interrompeu. "É melhor você ir embora, por favor!" implorou ao beta que fechou a cara.

"Quem são os outros? Que outros?" Harry largou Louis e deu um passo a frente em direção ao beta. "Responda-me!" quase gritou alterado.

Malik deu um passo para trás em sincronização, Louis segurou os braços do alfa original enquanto olhava raivoso para Malik. Estava indignado com a boca grande do outro.

"Pergunta para ele." Indicou Louis e o mesmo queria lhe dar um tapa por tanta raiva que estava sentindo.

"Quem são os outros, Lou?" Harry suavizou o tom para questioná-lo.

"Não tem outros. O Zayn só fala merda. Ignore-o." Rebateu mentindo sem nem olhar nos olhos do alfa, não conseguiria mentir se o encarasse, e estava muito ocupado fuzilando o beta com os olhos azuis furiosos.

"Um momento desses e você continua mentindo! Já passou da hora de falar a verdade, Louis! Você tá esperando o quê? O mundo desabar na sua cabeça?" Zayn rebateu estressado e magoado.

A verdade é que ele não planejou aquela confusão toda. As coisas só foram acontecendo. Estava frustrado e com medo por Louis. Sabia que Harry poderia ser extremamente violento e tinha medo que Louis se machucasse de novo simplesmente por ficar em silêncio. Sabia o quão errado era forçar a barra daquele jeito. Mas preferia errar contando a verdade a deixá-la escondida e ter que conviver com a culpa caso alguma merda maior acontecesse depois.

Se Harry era quem podia fazer alguma coisa então ele deveria saber da situação, e sinceramente, ele esperava que o alfa original fosse o mínimo racional necessário para preferir mandar os bastardos para cadeia a sujar as próprias mãos e assustar Louis.

Era complicado e depois de toda gritaria Harry não entendia mais nada.

Então o alfa apenas reiterou a pergunta. "Quem são os outros?" dessa vez num tom mais lento e bravo, já cansado da falta de respostas e as informações implícitas apenas na parte da conversa entre o ômega e o beta.

"Fala, Louis." Zayn implorou e Louis só chorava, indignado com a pressão que estavam fazendo para que ele contasse.

Para o seu bem ou não, Zayn não tinha esse direito.

"São os amigos do Tyler! Eles estavam juntos! Pronto, caralho, falei. Satisfeito?" questionou o amigo com raiva. "Satisfeito por me fazer parecer mais sujo ainda?! Vai embora, Zayn! AGORA!" gritou.

Styles e Malik paralisaram. Cada um por seu motivo. Zayn porque não esperava que Louis falasse mesmo, e não esperava uma reação tão negativa para cima de si. No final das contas ele só queria ajudar. E Harry porque tinha entendido a merda toda.

Louis não tinha sido tocado só por um.

Tinha outros.

O alfa engoliu em seco enquanto assistia o beta olhar para o chão desoladamente e sair do apartamento. Louis chorava de soluçar agora.

"Lou?" tentou se aproximar do ômega, que incrivelmente estava como uma expressão pior do que a da noite anterior. Talvez porque agora era a luz do dia e Harry ainda tinha esperanças de não o ver chorar assim novamente.

"Não!" o ômega se afastou acanhado e virando de costas. Os pensamentos de mais cedo o atingiram novamente e agora ele tinha certeza que Harry deveria estar com nojo dele. Porque agora ele sabia, não tinha sido só um. E não demoraria muito para sacar que não tinha sido só uma vez.

"Louis, por favor..." tentou novamente se aproximar do ômega. Estranhou a rejeição, já que na noite anterior não foi assim.

"Não! Não me toca! Eu preciso de um banho... Eu preciso de um banho..." murmurou quietinho enquanto as unhas arranhavam fortemente os braços.

"Lou-" o alfa se aproximou o suficiente para identificar o que o ômega estava fazendo. "Louis! Para!" puxou com uma força descomunal os braços do ômega, virando-o para si e obrigando-o a fitá-lo. A expressão do ômega era de choque e sua respiração era irregular. Harry tinha no olhar uma mistura de dó e decepção, já era difícil para ele ver o ômega maltratar a si mesmo com cigarros, mas autoflagelação era demais. "Céus! Para com isso!" quebrou o olhar fixo em direção aos olhos azuis para analisar os braços do menor, puxou as mangas da blusa e pode ver claramente cicatrizes antigas e muitos, muitos arranhões. Tremeu com a visão e se sentiu mais estúpido ainda por não ter notado antes.

Se bem que a única cicatriz que tinha lhe sido visível até agora era a do pescoço, em um dia que Tomlinson se esqueceu da gargantilha. Os braços estavam sempre bem cobertos com blusas e casacos, e os cortes aparentavam ser bem antigos, o que fazia o braço chegar a sangrar um pouco eram os novos arranhões.

"Por quê?" perguntou em vão, logo se calando e encarando os olhos azuis novamente, que agora pareciam mais frios do que nunca. Louis estava reconstruindo suas barreiras. Puxou com força o braço para longe das mãos do alfa. Harry ainda estava chocado demais com todas as novas informações para pensar duas vezes antes de agir. Direcionou o olhar para o pescoço do ômega, reparou novamente na cicatriz antiga e perguntou sem sinuosidades "Foi você quem fez isso no seu pescoço também?".

E Louis piscou atônito. Aquela pergunta era pesada, e em outras palavras eram claramente um "Você tentou se matar?" e não! Louis pode até já ter pensado nisso, mas nunca chegou a tanto. Cobriu instintivamente a cicatriz com a mão pequena e apertou o outro punho com raiva.

Harry estava se metendo demais.

Zayn tinha forçado a barra e agora ele estava fazendo o mesmo. Enchendo-lhe de perguntas que não lhe dizem respeito.

"Oh, cale a boca!" contrapôs rispidamente e Harry pareceu sair de transe ao ouvir o ômega lhe dizer aquilo carregado de raiva. Os dois se encaravam tensamente. O alfa tinha a boca aberta em incredulidade enquanto o ômega tinha os olhos azuis raivosos.

Chegava a ser incrível como seu rosto se adequava perfeitamente à suas emoções, apesar de ainda ter rastros da tristeza passada, o rosto do menor agora tinha a sobrancelha franzida, o olhar furioso e os lábios crispados. Sua respiração ainda era difícil e o corpo tremia.

Harry piscou chocado com toda aquela fúria repentina e logo tentou apaziguar a situação, mesmo sem entender como as coisas chegaram naquele nível de uma hora para outra.

"Lou-" tentou tocar carinhosamente o ômega que desviou de sua mão, ainda o olhando com raiva. "Não toca em mim." Aquelas quatro palavras doeram tanto quanto ver o ômega chorar. "Lou, por favor, calm-" tentou novamente em vão, tendo sua mão segurada pela do menor. "Eu disse para não me tocar. Eu disse para calar a boca!" protestou.

E se fosse qualquer outro ali, falando daquele jeito com o alfa, com certeza já teria levado uma bofetada na cara. No mais íntimo, o alfa original, sentia a necessidade de calá-lo, de mostrar quem mandava ali e fazê-lo respeitar suas regras. O alfa original queria se impor. Mas Harry Styles, a pessoa além do status, estava apenas preocupado e magoado. Ele nunca machucaria Louis propositalmente. Recuou o contato imediatamente, ainda olhando-o chocado, mas agora mais magoado do que outra coisa.

O sentimento de impotência para com seu ômega só aumentava.

"Vai embora, Harry. Eu quero ficar sozinho." Louis proferiu após alguns segundos encarando a face chocada e magoada em frente a si.

"O quê?" desacreditou que estava sendo escorraçado assim como o beta tinha sido minutos antes. "Você não quer isso." Afirmou com destreza. "Você mesmo me pediu para ficar. Você não quer ficar sozinho, Lou!" Sua fala tinha começado em tom de descrença e autoritarismo, o status predominando um pouco, mas disse as últimas palavras com a delicadeza usual que usava para o ômega, principalmente quando tentava fazer um ponto e lhe convencer de algo.

Aquele tom e o apelido, mesmo depois das palavras rudes de Louis, fizeram o ômega murchar um pouco, a raiva começando a se esvair e Louis desesperado tentando mantê-la. A raiva era o que o fazia forte, pensava ele.

"Eu não quero você aqui. Vá embora!" gritou e correu para o corredor que o levava ao banheiro, voltou à ideia inicial de ter paz com a água fervente acalentando seu corpo imundo. Harry o seguiu, mas não foi rápido o suficiente. E enquanto Louis se jogava no chão do banheiro chorando encostado á porta trancada, o alfa permanecia do outro lado fitando a madeira.

Aquele pesadelo de emoções parecia estar só começando.

E Harry não sabia o que seria mais difícil lidar, com suas próprias incertezas perante seu ômega ou com o passado conturbado do mesmo e suas consequências.

A única coisa da qual tinha certeza é que ele não iria embora.

Nunca.

Porque mesmo com Louis lhe mandando calar a boca e sumir quando estava tomado por raiva, ele ainda lembrava-se do verdadeiro garoto implorando-o para ficar em seu momento mais frágil.