História Abracadabra - ...As ratas fazem a festa.

Donatella Noel Baldwin – Abracadabra.

                                                                          16 de Julho. 1970 | 11:12| Cannes, França.

Nossas férias estavam terminando, e Jimmy estava esquisito comigo havia um mês. Mal fazíamos amor, ele passava o tempo inteiro pensativo, e até tentava me dar atenção e fazer carinho, mas logo ia para outro lugar.

Eu estava amuada em meu canto, triste com a situação, me perguntando o que eu havia feito de errado, e pensando se esse seria o fim do nosso namoro. Eu não via a hora de voltar para Londres e trabalhar em nosso novo álbum. Assim, me desligaria desse total desconforto.

Jimmy estava dormindo, enquanto eu estava preparando um café forte para mim, e um chá para ele. E eu nem gostava de café. Eu tentava agradar de todas as maneiras possíveis, mas além de frio e distante, ele parecia culpado. Estava irreconhecível. E eu, insegura.

O telefone tocou e eu fui sem animo nenhum atender. Era o porteiro.

– Miss. Baldwin?

– Sim? – disse baixo.

– Há uma menina chamada Charlotte Martin aqui. Ela gostaria de falar com Mr. Page.

Então era isso. Ele tinha outra garota? Não, não poderia ser. Ele não poderia ser tão baixo a ponto de chamá-la para vir em nossa casa de férias, sabendo que eu a veria. Deveria ser algum engano.

– Pode deixar entrar.

Sorri para mim mesma tentando me acalmar, mas me senti enjoada assim que lembrei que Charlotte Martin foi o pivô do desmoronamento do casamento de Pattie e George. Deixei a chaleira na pia, e respirei fundo, indo até o portão para esperar a tal garota.

Em pouco tempo, a menina apareceu. Ela era alta, loira, magra, olhos azuis, enfim... O padrão de beleza perfeito para a Europa. Eu me senti diminuída, mas não fiz nada além de crescer em sua frente. A olhei de cima a baixo, e cruzei os braços. Não era hora de ser insegura, e sim de ser esperta. Resolvi que jogaria verde, e tiraria algo dela.

– Olá, querida. – sorri tentando soar simpática.

– Hum... Oi. – ela sorriu. Parecia estar envergonhada. Talvez ela não fosse o que eu estava pensando que ela seria. – O Jimmy está?

– Dormindo. No... Momento. Entre! Eu fiz chá. – sorri e praticamente a empurrei para dentro de casa. Vi que a loira carregava alguns papéis em sua mão, e tentei espiar. Mas não consegui nada. Rezei para que ela não estivesse escutando o meu coração. Estava pior que o Bonzo em seu solo de Moby Dick.

Entramos na casa e eu a fiz sentar na cadeira da cozinha. Ela olhava tudo com curiosidade, principalmente a blusa masculina que eu vestia. Coloquei o chá em sua xícara e sentei em sua frente.

– Você é amiga do Jimmy? – perguntei.

– Mas ou menos isso. – ela sorriu. – Você também é?

Mais ou menos isso? Ou eles eram praticamente desconhecidos, ou eu tinha virado um alce e não estava sabendo.

– Sou. – respirei fundo sorrindo. – Somos muito amigos. Quase irmãos.

– Então... Posso me abrir com você? – ela perguntou e eu assenti a cabeça aflita. – Eu estou preocupada com algo. Não sei qual será a reação de Jimmy. Ele me disse que estava hospedado aqui e...

– Quando... Ele disse isso? – perguntei séria.

– Quando nos encontramos na festa, na casa de Rod.

Merda...

– E então?

– Desde então ele é o único que fez amor comigo, e...

Eu havia entrado em uma espécie de colapso.

“Fez amor comigo”

Aquela frase se repetia na minha mente enquanto a mocinha ia falando. Jimmy realmente havia me traído, enquanto eu estava conversando com Pattie. Ele havia me traído, e dado o endereço de nossa breve moradia para ela. Meus ouvidos pareciam estar tapados, e eu não escutava mais nada que saia de sua boca. Ou pelo menos eu fazia de tudo para não escutar. Foi ai que a bomba maior caiu na minha cabeça.

– E eu descobri que estou grávida.

Grávida.

Quando eu descobri que minha mãe deu a luz à Faith, eu imediatamente fiquei recua. Eu sentia ciúme. Ciúme porque era um bebê novo na família, ou seja, eu parei de ser o maior mimo. Mas com o tempo passando, eu me apaixonei por Faith também, e descobri que ela precisava mais da mamãe do que eu naqueles tempos. Ela precisava do papai por perto, e sim, de mim.

Bebês precisam de atenção, precisam de pessoas para mimá-los, precisam de pessoas a quem eles confiem, e saibam que estão seguros. Um bebê que precisaria de Jimmy mais do que eu precisava.

– Eu... Com licença.

Eu me levantei da mesa um pouco tonta e com falta de ar. Subi as escadas com dificuldade enquanto ouvia sua doce voz com sotaque francês arrastado perguntar “você está bem?”. Cheguei até o andar de cima, e vi Jimmy dormindo. Ele dormia tão sereno...

Então era isso. Ela estava grávida, o pai era ele, e a corna era eu. Puxei da minha mala uma calça jeans, e a coloquei. Depois, calcei umas botas. Tudo isso sem tirar os olhos de Jimmy. Fechei minha mala novamente, após ter catado todas as minhas roupas que estavam jogadas por ali.

Desci as escadas cambaleando com a mala, com um olhar perdido.

– Você está bem? – Charlotte me perguntou parecendo realmente preocupada.

Olhei no fundo de seus olhos, e pude ver que estavam vermelhos, como se ela estivesse chorado. A culpa realmente não era dela, e sim de Jimmy. Ela provavelmente não sabia.

Deixei a mala no chão, e dei um abraço apertado nela. Dei a última olhada em seu rosto.

– Ele está lá em cima.

E fui embora.

Jimmy precisava cuidar dessa criança, e eu sabia disso. Eu não era tão egoísta a esse ponto, já que meus irmãos menores eram minha vida. Eu sabia as necessidades de uma criança em ter um pai presente.

Eu só era covarde. Covarde para passar por tudo isso. E eu tinha amor por mim mesma. Por isso, eu decidi que ele cuidaria daquela criança, mas não comigo por perto.

Eu poderia ir para o inferno. Mas para o lado de Jimmy, eu não voltaria. Ah, mas não mesmo!