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História Again and Again - Despertar


Escrita por: Laminis

Notas do Autor


OLHA QUEM VOLTOU AQUI! DEMOREI, MAS ESTOU AQUI!
Antes de mais nada, gostaria de agradecer a todos que favoritaram e comentaram no capítulo passado. É sério, fiquei tão feliz!
Gostaria de agradecer principalmente a ~IcaroBP, que tem me ajudado com o desenvolvimento não só dessa estória, mas como também da minha escrita em geral. Muito obrigada por conseguir tirar um tempo de sua rotina agitada para ajudar uma escritora amadora a crescer em conhecimento ^^ espero superar suas expectativas.

Deixo-vos com o segundo capítulo agora. Até lá embaixo.

Capítulo 2 - Despertar


Fanfic / Fanfiction Again and Again - Despertar

Capítulo II

D e s p e r t a r

{...}

Ela piscou. As pálpebras se fecharam com força por conta do desconforto por conta da luz forte e dourada que pairava o local. Suas mãos, geladas, rapidamente foram aos olhos, os tapando, enquanto ela se posicionava no lugar onde estava sentada com dificuldade, ainda incomodada com a claridade. Quando a sensação incômoda passou, ela baixou as próprias mãos, com lentidão.

Cuidadosamente focou a visão nos dedos finos e compridos: as unhas curvas e curtas nas pontas destes, e pequenas cicatrizes ao redor, ganhas ao longo dos anos. Sua atenção passou para os braços, pálidos e descobertos, e logo ela percebeu que estava somente com um pijama branco, as alças finas o prendendo à parte superior de seu corpo enquanto o resto do tecido descia solto pela região do abdômen e quadris.  

Olhou em volta, enfim reconhecendo o local onde estava. Saltou, se pondo de pé no instante seguinte.

O quê..? — murmurou ao encarar, surpresa, o próprio quarto. Os lençóis violetas; a prateleira entulhada de livros, com mais uma pilha deles ao lado, postos sobre a penteadeira larga com o espelho redondo; a janela, cheia de luz que mostrava uma visão única dos jardins reais…

Era o seu quarto, sem dúvida.

O que há de errado? — uma voz soou pelo cômodo, chegando aos seus ouvidos. Era melódica e suave, e fez com que ela se virasse para a porta, encarando a pessoa que estava parada ali — Teve outro pesadelo, minha pequena Zelda?

A figura era visivelmente feminina, mas ela não conseguia ver o rosto, que estava coberto pela sombra da porta. As vestimentas eram coloridas, mostrando realeza, mas ela não conseguiu lembrar onde as tinha visto antes. Ela estava prestes a responder, perguntar o que fazia ali e quem era tal pessoa que tenha tanta intimidade para falar assim com ela.

Mas outra voz respondeu em seu lugar.

Eu… tive sim.

Zelda paralisou.

A voz vinha de algum lugar atrás de si, e ela virou a cabeça lentamente, encarando o local por cima do ombro. Para somente arregalar os olhos.

Era ela ali.

Não exatamente ela, mas uma versão mais nova dela. Ela sabia, pois reconheceu os traços, visivelmente mais jovens: reconheceu os próprios olhos azuis, brilhando com lágrimas de medo; reconheceu o queixo fino e pequeno, parte do rosto juvenil; assim como os cabelos, loiros e curtos, caindo pela região inicial dos ombros, que se encontravam encolhidos.

Era ela ali. Era ela quando ainda tinha três anos de idade.

E o que aconteceu nesse pesadelo?

A voz melódica ecoou novamente até seus ouvidos, e ela viu a figura feminina passar através do cômodo, passando por ela, sentando perto da versão pequena de Zelda.  Seu perfume doce se alastrou pelo quarto quando ela o fez, e ela notou, agora sob a luz, que os cabelos da figura eram longos e louros, um ou dois tons mais escuros que o da pequena Zelda, encolhida contra a cabeceira da cama.

Hum?

A mulher murmurou quando recebeu uma resposta, e a pequena menina balançou a cabeça.

Zelda - a maior - começou a andar na direção do móvel, tentando tomar uma visão mais detalhada de tal mulher, tentando forçar sua mente a lembrar quem ela era, e porque não era Impa ao estar ali.

Eu… — sua versão infantil falou, mais lágrimas caindo pelo rosto pequeno e, por conta do choro, vermelho — Eu não consigo me lembrar…

E porque não? — a mulher perguntou, passando os dedos cuidadosamente pelos cabelos curtos da menina.

Zelda estava praticamente ao lado dela, conseguindo ver, de relance, o queixo afilado e pálido da mulher, assim como um cordão de medalhão vermelho em seu pescoço.

Apenas para depois ver que não era um medalhão, mas sim um broche.

Eu não sei — ouviu a pequena Zelda falar, mas sua atenção era no formato oval do broche que a mulher usava. O padrão que formava a moldura dourada envolta dele era estranhamente familiar — Eu… — a pequena continuou. Zelda estava quase tão próxima que quase poderia tocar o objeto, e ela ergueu a mão para fazê-lo — não quero me lembrar, mamãe.

Zelda parou.

— “Mamãe”?

Ela murmurou, baixando a mão no mesmo instante.

Mamãe”

Exasperou, dando um passo brusco para trás, e se desequilibrando no processo. Sentiu as costas baterem no chão quando caiu de joelhos, ouvindo o som de objetos caindo. Gemeu com a dor que se alastrou na região entre os ombros, se repreendendo baixo pela falta de atenção.

Ela ergueu a cabeça, a visão buscando as duas figuras que estavam sentadas em sua cama.

Ela prendeu a respiração: a pequena Zelda a encarava.

Os olhos, agora secos de lágrimas, se posicionavam nela. Ela percebeu uma mudança no brilho deles, pois este não estava mais lá.

Piscou, e no momento seguinte, se viu envolvida por uma sensação morna. Braços finos envolviam seu corpo, assim como cabelos loiros escuros envolviam sua visão. Um cheiro doce e intenso de canela era emitido por eles.

Calma — aquela voz melódica - a voz de sua mãe - soou bem perto de seu ouvido — Calma, minha pequena Zelda.

Ela olhou ao redor. A pequena Zelda não estava ali. Não mais. Era só ela ali - só a Zelda original ali. Ela e a mãe.

Mãe… Como...

Sussurrou, sentindo o rosto se amornar. Ela fungou, e notou as lágrimas caindo de seu rosto e molhando o vestido colorido de sua mãe.

Mamãe — ela sussurrou mais uma vez, seus braços descobertos envolvendo a figura materna com força, se afundando mais na corrente de canela que a abraçava.

Minha pequena Zelda... — a matriarca murmurou, passando os dedos levemente por seus cabelos, ao mesmo tempo que começava a cantar.

E ela sabia que canção era aquela: era a sua.

Era a canção dedicada a ela desde que nascera: a Melodia de Zelda.

As notas soaram, livres, por todo cômodo. Eram simples e curtas, mas vagavam lindamente através da voz doce de sua mãe. Era como se a música houvesse sido feita para que somente ela cantasse, a combinação do tom da melodia com o timbre dela criando uma harmonia em seu coração.

As mãos delicadas ainda passeavam em seu cabelo, criando uma sensação aconchegante, fazendo com que o seu corpo, antes parecendo tão pesado, ficasse leve como uma pluma. Seus olhos se fecharam lentamente, enquanto ela se deixava levar na vastidão confortável.

Zelda — sua mãe murmurou, e ela fez um pequeno som como resposta  — Acorde, minha pequena Zelda.

Seus olhos se abriram lentamente, com confusão.

O quê?

Você precisa acordar, Zelda.

Zelda se soltou do abraço morno, sentando-se de frente para a mãe. A melodia não soava mais no quarto, e este agora estava em completo silêncio.

Do quê… — murmurou — Do que está falando?

Você tem uma missão a completar, Zelda — a matriarca falou, e Zelda viu somente o sorriso triste em seu rosto, antes de passar o olhar para as mãos, entrelaçadas com as da mulher mais velha.

Você precisa voltar — os dedos finos tocaram a palma de sua mão direita, e ela a olhou, sem entender.

Zelda franziu o cenho.

Voltar? — perguntou.

Sua mãe apertou os dedos ao redor de sua mão.

Você precisa voltar e cumprir o seu destino.

Seus dedos não estavam mais entrelaçados aos dela, e a última coisa que viu foi um sorriso brilhante vindo de sua mãe, ao mesmo tempo que ela se afastava.

Mamãe! — Zelda chamou, estendendo a mão para que para tentar alcançá-la.

Um brilho dourado surgiu dela, fazendo com que seus olhos se fechassem por conta da claridade súbita. Viu o símbolo de três triângulos empilhados surgir em seu palmo, cintilando em ouro.

E depois tudo ficou branco.

Acorde, Zelda.

Zelda abriu os olhos, ofegando. Sobressaltando. Levantando. Despertando.

E tudo que se deparou foi com um breu.

Ela piscou, movendo lentamente a cabeça para os lados, não vendo nada mais além da negritude, os olhos lutando para se acostumarem com a escuridão súbita. E quando o fizeram, ela notou a própria mão, erguida, como se quisesse alcançar alguma coisa.

— Ah...?

Sua voz soou rouca pelo cômodo, sem eco. A garganta estava seca, indicando a necessidade de água. Gemeu, engolindo a própria saliva com dificuldade, abaixando o braço ao mesmo tempo em que erguia o tronco. Seu corpo estava em estado de dormência, e os músculos reclamaram quando ela se moveu. Com os sentidos bagunçados, demorou a perceber o frio que abraçou a seus ombros e pescoço, assim como o assobio dos ventos que chegavam a seus ouvidos. Franziu o cenho.

— O quê..?

Ela baixou os olhos, identificando, com dificuldade, a si mesma. Estava com algo que parecia um pijama  - um vestido longo, de as alças finas e tecido branco que caía frouxo pelo resto do corpo - e suas pernas se envolviam em uma manta pesada.

Uma vaga lembrança de uma lembrança passou por sua mente: uma sensação morna e reconfortante, como se ela fosse envolvida pela luz quente do sol mais uma vez. Mas logo a lembrança desapareceu, e ela se viu no meio da escuridão total.

Subitamente, sentiu falta de ar.

Ela se ergueu, livrando o cobertor das pernas com pressa, o ar frio contornando-as.

Suas mãos tocavam as paredes frias, enquanto seus pés tocavam o chão que estava no mesmo estado, fazendo-a tremer. Ela caminhou, às cegas, pelo cômodo, não fazendo nenhum barulho no caminho. Era quase como se deslizasse pelo chão. Suas mãos, instáveis, alcançaram uma estrutura diferente do da parede, algo que parecia uma tranca.

Era gelada e pequena - um tanto frágil também - e deslizou facilmente quando ela a moveu.

Luz adentrou o cômodo, iluminando sua face cansada - que apesar de fraca, a fez cerrar os olhos, ainda acostumada com a escuridão do quarto. Com ela veio a ventania, forte, rápida e frígida, que fez com que o tecido de suas vestimentas se agitassem na mesma velocidade.

Zelda enfim respirou, olhando para fora, enquanto seus cabelos violentamente moviam-se por conta da corrente de ar. Olhando para a realidade.

Para as cores frias que pintavam o cenário das ruas do Mercado do Castelo de Hyrule.

Os aros da janela começaram a debater-se com a força tremenda da corrente de ar, batendo contra a parede ruidosamente. Ela se apressou a pará-los, por instinto, prendendo-as com um outro trinco fixado na muralha, que notou ser de madeira velha.

Quando o barulho parou, o local ficou praticamente em silêncio.

Ela suspirou, esfregando os olhos assim como fizera no sonho. Mas, na realidade, usou mais força, fazendo com que eles lacrimejassem por conta do incômodo. Como se aquilo pudesse, de alguma forma, tirar o aperto de seu peito.

Odiava aquilo: odiava sonhar. Desde pequena era perseguida por eles, que atrapalhavam suas noites vez após vez.

Não importava o quanto tentasse, ela sempre teria de encará-los: os sonhos.

Apoiou-se com as mãos sobre o aro da janela minúscula, olhando para o lado de fora do cômodo minúsculo onde estava.

O mundo lá fora era cinzento, com o céu cheio de nuvens negras, como se estivesse prestes a descarregar uma tempestade de água. Como se compartilhasse de seus sentimentos.

As ruelas naquela parte mais abandonada da cidade tinham um cheiro úmido e decadente, seu chão de pedra coberto por lama amarronzada. As construções, sua maioria em ruínas, se estendiam caquéticas em direção ao céu cinzento. As que não estavam em ruínas estavam iluminadas e firmemente fechadas, ninguém ousando sair.

Do último andar da única pensão que havia naquela rua, Zelda não via sequer um sinal de vida. Suspirou, movendo-se para fechar a janela e se envolver no escuro novamente.

E então parou.

Um ruído ao final da rua que atravessava toda a cidade atraiu sua atenção.

Ela então se debruçou sobre a janela, olhando para a esquina. Ela viu um grupo de crianças passar correndo, risadas vindo dos dois garotos que aceleravam o passo, assim como reclamações que vinham da garota que vinha, mais atrás deles.

Arregalou os olhos, voltando sua atenção para cima, para o céu. O sol, outrora mais forte, desaparecia no horizonte, a noite tomando conta. Voltou a observar as crianças, constatando a situação.

Elas não deveriam estar ali.

Era perigoso por demais, principalmente sendo que a cada minuto que passava, o cenário ficava cada vez mais escuro.

Notou elas correrem em direção aonde estava, passando em frente à pensão.

— Temos que voltar! — a garota falou, tentando acompanhar os passos do resto do grupo. Zelda viu que, mesmo de longe, conseguia examinar os traços juvenis dela: olhos grandes e castanhos; sardas pintando seu rosto triangular como as pequenas estrelas que agora se formavam no céu; cabelos loiros e curtos, caindo parcialmente por seus ombros finos. Ela vestia roupas simples e claras, os pés calçados por sapatos, que outrora foram brancos, estavam marrons por conta da lama. Não poderia ter mais que nove anos.

Zelda notou os outros garotos pararem, virando-se para ela. Os olhos da garota se abriram mais, enquanto ela se colocava em silêncio. Os garotos então se aproximaram dela, que se encolhera com tal ato.

— Se você veio para somente ficar reclamando, deveria voltar — o menino, talvez um ano mais velho que a garota, falou. Ele era pálido, dos cabelos cor de cobre e olhos verdes, e era o mais alto das crianças ali.

— M-mas, Talo — ela começou a falar, mas Talo, meia cabeça mais alto que a menina, a interrompeu.

— Colin, — ele virou a cabeça, olhando por cima do ombro — se a sua irmã não parar, ela não vai mais poder andar com a gente. E você também não.

A atenção dele era voltada para um menino menor, de cabelos loiros. Zelda percebeu, surpresa, que ele era quase como uma cópia masculina e mais nova da irmã maior, com os mesmos olhos castanhos, o mesmo rosto triangular cheio de sardas e os mesmos ombros finos.

Ele deu alguns passos a frente, na direção da irmã, notou.

— Aryll — ele falou, olhando para a mais velha — Deixe a gente aqui, e vá para casa.

A menina - Aryll - negou com a cabeça — Não! Eu tenho que ficar com você até voltarmos para o orfanato! Tenho que te proteger!

— Eu não preciso de sua proteção! — ele gritou, cortando a fala da irmã mais velha — Estou cansado de você se fingir de forte, me seguindo para todo o lado! — ele apontou o indicador para o rosto dela, a cabeça pendendo levemente para trás para encará-la — Me deixe em paz!

Depois disso ele se afastou, indo na direção do outro garoto. Zelda os observou irem embora, enquanto a menina ficava para trás, sozinha. Ela tremia, parecendo estar prestes a chorar.

Zelda queria poder aconchegá-la, dizer que tudo ficaria bem. Queria fazer aquela sensação sumir da garota, porque parte de si se identificava com ela. Uma parte que fora perdida há muito tempo: a sua parte de criança.

E então ouviu.

Ouviu o som que lhe trazia um frio na espinha; um som de algo parecido com um gemido periódico de tom baixo; um lamento triste que ecoava por seus ouvidos.

O choro de Redeads.

Ela olhou para onde as crianças estavam, não muitos metros distante da janela da pensão. Os garotos se encontravam paralisados ao lado de uma casa abandonada e lamacenta, de onde criaturas altas e esqueléticas surgiam. Elas eram esguias e tinham membros compridos, seus ossos sendo notáveis sobre a pouca quantidade de massa muscular em seus corpos. Possuíam máscaras de cor parda, com dois círculos negros negros perfurando-as, no que deveriam ser seus olhos. Uma abertura oval mais abaixo mostrava duas fileiras de  dentes amarelados, parecendo estarem apodrecidos.

Mas não poderia se enganar: aqueles dentes eram fortes. E se pegassem na carne dos corpos daquelas crianças, definitivamente as estraçalharia.

Elas estavam paradas, de pé, seu tamanho dando quase três vezes a altura dos meninos. Pareciam prestes a se mover a qualquer momento, saindo da posição instável que estavam.

Ela viu um vulto indo na direção deles. Era Aryll. A garota ia até o irmão praticamente correndo.

Não.” Zelda queria dizer, “Não faça isso. Você irá atraí-los para você”

Redeads eram seres cegos. Eles não poderiam lhe ver se você passasse em frente a eles. Mas em compensação, sua audição era ótima. Eles se virariam para encarar o local de onde vinha o menor ruído. E se identificassem algum tipo de ser vivo, eles iriam até ele, usando de seus gritos desabafados para congelarem suas vítimas. E do jeito que Aryll corria, definitivamente iria atrair a atenção deles.

Queria atrair a atenção da garota para si e gritar as instruções do que ela deveria fazer. Mas se fizesse algum barulho, um mínimo ruído, poderia colocar não só a vida de Aryll em risco, mas a dos outros garotos também.

Havia mais de um Redead.

Mas tinha fazer alguma coisa.

Zelda suspirou, erguendo ambas as mãos para cima, palmas viradas para o teto, começando a murmurar o encantamento. Sentiu o ar ao redor de si ficar mais denso, assim como em todas as outras vezes em que usava magia. As imagens que via começaram a ficar embaçadas, e logo já não podia mais discernir os contornos de mais nada.

Ela fechou os olhos, usando os outros sentidos para ajudá-la a se concentrar. E então as palavras finais saíram de sua boca, na mais antiga das linguagens Hylian.

Spectrum.

E seu espírito já não estivesse mais em seu corpo.

A visão que teve do local - da janela do quarto alugado onde se encontrava - mudou. Ela agora estava do lado de Aryll, de frente para os Redeads.

A garota continuava a andar na direção das criaturas, e estava prestes a gritar pelo nome do irmão quando o espectro de Zelda a tocou, seus dedos fantasmagóricos tocando a testa cheia de sardas da menina.

Não faça isso — ela pronunciou, vendo a garota parar. Parecia confusa com a súbita voz, e olhou em volta, como que procurando o local de onde ela vinha. Procurando por ela.

Era certo que Zelda não podia ser vista, entretanto. Seu espectro era somente a sua parte psicológica sendo transportada ali para que pudesse ter analizar melhor o que acontecia. Aryll simplesmente ouviria a voz dela dentro de sua cabeça por conta da conexão, e Zelda depois a faria pensar que talvez estivesse sonhando acordada.

Ainda assim, a menina olhou para o local onde seu espectro estava, parecendo ter a capacidade de enxergá-la ali, e isso a fez desviar o olhar do de Aryll.

Rezava para que a menina fizesse o que ela dizia corretamente depois.

Os Redeads são criaturas cegas — mais uma vez falou, olhando para os rostos ovais  de olhos vazios — Eles não podem lhe ver. Entretanto, têm uma audição perfeita, e o mínimo de barulho pode atraí-los em sua direção. Impeça seu irmão e o outro garoto de  fazerem barulho, e ande com calma e silêncio para longe daqui.

Seus dedos espectrais se afastaram da pele quente de Aryll, e no momento seguinte estava de volta no próprio corpo, no cômodo pequeno no andar mais alto da pensão. No momento seguinte, estava envolta pelo frio novamente.

Dor se alastrou por sua cabeça, e ela gemeu, levando as mãos até ela. Seus dedos massagearam o crânio, tentando dissipar a sensação incômoda que sentia.

Ela sabia que aquilo o resultado de ter feito um encantamento complexo logo após acordar. Suas energias seriam recuperadas rapidamente, claro, mas a sensação ainda assim incomodava.

Sentia-se tonta.

Ela se apoiou nos aros da janela, observando o que aconteceria agora. Viu Aryll chacoalhar a cabeça, como se tivesse acabado de acordar de um sonho. Ela olhou para as criaturas esqueléticas, parecendo pensar no que deveria fazer.

Zelda notou quando ela passou a se aproximar, mais cautelosamente que antes.

E quando próxima de Colin e Talo, tapou a região de suas bocas com suas mãos juvenis para que eles não gritassem. Assim que teve olhos arregalados postos nela ela, Aryll colocou o polegar sobre a boca, indicando para que eles ficassem quietos. Ela então moveu a mão lentamente, indicando que eles a seguissem.

Zelda suspirou, em alívio, ao ver as crianças se afastarem. Os Redeads continuavam parados, o que mostrava que nenhum ruído os havia despertado da posição estática. O grupo estava, cuidadosamente, saindo dali.

Mas isso logo mudou.

Seu coração deu um pulo quando viu o irmão mais novo de Aryll, Colin, escorregar na poça lamacenta da superfície de pedra assim que eles estavam cerca de alguns metros distantes das figuras esqueléticas, fazendo um tremendo barulho com sua queda e portanto atraindo a atenção de qualquer um que passasse numa radiação de menos de uma dezena de metros do local.

Ela assistiu, com horror, os Redeads se virarem em direção ao pequeno garoto, começando a se locomover lentamente naquele caminho, os membros feitos quase puramente de ossos tremendo ao se movimentarem, os pés arrastando-se no chão ao mesmo tempo em que seus lamentos ficavam cada vez mais altos.

— Levante-se! — ela ouviu Aryll gritar, correndo para o irmão e o puxando pela camisa branca, que agora estava completamente manchada de marrom. Ela constantemente trocava olhares com a figura de Colin, caída, e com a dos esqueléticos seres que vinham em sua direção — Levante, Colin! Nós temos que ir!

Mas Colin estava paralisado. Paralisado de medo. Os olhos castanhos estavam mais pálidos que antes, encarando, arregalados, as criaturas com pavor. Ele mal se movia, mesmo com os puxões fortes e os gritos da irmã.

Até que Talo, com sua estrutura maior, o fez ficar de pé.

— Ande, Colin!

Segurando a gola da camisa do garoto menor, ele chacoalhou Colin, fazendo com que seus olhos se focassem novamente. Ambos Talo como Aryll esperaram, até que Colin finalmente confirmou com a cabeça. Eles se viraram, prestes a correr dali.

Mas era tarde demais. Os Redeads agora estavam praticamente em cima deles.

Zelda prendeu a respiração ao notar as criaturas, gigantes em comparação às crianças, se aproximarem.

Ela tinha de pará-los.

Tinha que ajudar aquelas crianças. Tinha. Sentia que tinha uma obrigação para com elas. O que era estranho, sendo que nunca as tinha visto antes. Mas precisava ajudá-los - mesmo eles

Mas não seria capaz de fazer isso da maneira que estava naquele momento. Não seria capaz de fazer aquilo como Zelda.

Ela fechou os olhos, colando as palmas das mãos uma a outra e colocando-as em frente ao corpo, como se estivesse prestes a se colocar numa posição de meditação. Mais uma vez, os arredores do quarto pareceram se condensar, favorecendo a sua concentração.

Ela lembrava da primeira vez que fizera aquilo: da primeira vez, depois de começar o treinamento Sheikah sob a tutela de Impa; da primeira vez que se transformara. Impa explicara que aquela era uma técnica conhecida pelos Sheikah ao longo de várias gerações antes dela mesmo nascer, e que exigia muita concentração e prática para completá-la: para se transformar em outra pessoa.

Abriu os olhos. Eles não eram mais azuis como sempre, como os de sua forma de Princesa. Eram vermelhos, como os de sua forma de Sheikah.

Ela murmurou, com a voz rouca, a parte final do encantamento.

Sheik.

Fora lhe explicado que, para se transformar, era necessário imaginar que seu corpo era como argila: amorfa, moldável, sendo girada num prato de oleiro.

Mutável.

Sucumbiu ao chão, sentindo a mudança de seu corpo acontecer.

Na primeira vez que se transformara, sentiu dor. Era como se todos os seus ossos houvessem sido quebrados, um por um, e então reconstruídos numa posição diferente da anterior. Sentia que a sua pele havia sido rasgada, cortada e então costurada novamente, em padrões diferentes dos passados. O processo fora lento. Tão lento e doloroso que ela desmaiou assim que terminara, impossibilitada de fazer qualquer outra coisa. Suas energias haviam sido gastas completamente com somente aquele encantamento.

Mas agora, tudo o que sentiu foi um leve incômodo.

E quando apoiou os pés nos aros da janela, saltando para fora, já não estava mais em seu corpo de Zelda. Estava em seu corpo de Sheik: mais forte, mais rápido, mais prático.

Seu corpo de Sheik entrou em movimento de queda. Abaixo de si, o chão ficava mais próximo. A distância entre a janela da pensão de onde estava e o pavimento lamacento era grande, e definitivamente causaria danos a seu corpo se não saísse logo dali. Apoiou-se na parede atrás de si, os pés se arrastando sobre a superfície de pedra tomando um forte impulso e lançando-a para o outro lado da rua. As vinhas, que cobriam o prédio em ruínas a sua frente estavam próximas, e não cederam sob o seu peso quando Sheik se prendeu ali, aterrissando com a suavidade e delicadeza de um gato.

Inclinou o olhar, notando as crianças coladas na mesma parede onde estava, logo abaixo de si. Os rostos estavam pálidos por conta do medo dos esqueléticos seres que as rodeavam: um grupo de quatro Redeads se agrupou, formando um meio círculo ao redor de Aryll e Colin. Talo se encontrava à frente deles, os braços abertos numa tentativa falha de cobrí-los.

Ele tremia.

Zelda sabia o que aconteceria se os Redeads chegassem perto demais: eles envolveriam as crianças com suas mãos esqueléticas, prensando-as com tanta força até que elas quebrassem, tirando toda sua energia e vida.

Não poderia deixar que aquilo acontecesse.

Suas mãos, mais esguias e fortes que as de sua forma de Zelda, foram para as quatro adagas nas regiões dos quadris, tomando duas delas no espaçamento dos dedos de uma de suas mãos, a outra prendendo seu corpo à parede. Posicionou-se de frente para a muralha, as solas de seus pés posicionadas nelas para conseguir um melhor impulso.

Zelda, em forma de Sheik, então saltou.

E foi como se o tempo parasse. Os lamentos dos Redeads pareceram ficar ainda mais lentos; os gritos das crianças eram meras notas sonoras e desconexas em seus ouvidos; os movimentos daqueles que estavam abaixo dela eram facilmente notados - sua visão e audição de Sheik eram muito superiores às de Zelda.

Sua mão em posse das adagas se moveu, lançando as armas na direção dos Redeads nos polos mais opostos com força, enquanto tomava as outras duas em cada uma das mãos, girando o corpo para colocar os pés voltados para baixo. Flexionou os joelhos para que seu tamanho diminuísse, podendo assim cortar o ar com mais facilidade.

E então tudo voltou à sua velocidade normal. Ela passou a se aproximar do chão em alta fugacidade, os gritos das crianças ecoando pelos seus ouvidos; os lamentos dos Redeads soando mais altos do que nunca. Um deles, localizado na região do meio, estendeu uma das mãos longas e cadavéricas em direção à Talo, que virou o rosto para o lado.

Foi nesse momento que as adagas acertaram sua mira, as cabeças dos Redeads, com extrema pontaria. Eles tremeram, dando um passo para trás, e logo sucumbindo ao chão. Os outros dois, subitamente atordoados, se viraram para encará-los, sua atenção tirada das crianças encolhidas contra a parede. E então Zelda, como Sheik, pousou nas costas do mais a direita, apunhalando suas costas esqueléticas com ambas as adagas, rasgando seu corpo putrefato com a ponta das lâminas afiadas, até que seus pés estivessem no chão. O Redead logo sucumbiu também, enquanto o último deles se esticava na direção dela, as longas mãos se abrindo para agarrarem seu corpo.

Mas ela também desviou, agachando-se  - como lhe fora ensinado por Impa  durante seu treinamento - para depois saltar por cima da criatura. Ela girou no ar, como um redemoinho: rápida, forte, causando destruição. Mais uma vez usou as lâminas, atravessando-as pelas costas do último Redead que estava de pé com o movimento giratório, fazendo com que os ferimentos surgissem no corpo magro e esguio.

Ela pousou no chão, os joelhos flexionados, silenciosa como um felino. Girou as lâminas em suas mãos, rapidamente empunhando-as de volta na bainha presa por um cinto em seus quadris.

As outras duas estavam fincadas no chão, no local onde anteriormente os corpos dos Redeads jaziam. Ela as pegou, colocando na bainha também.

Seu rosto, coberto pelo tecido branco das roupas de Sheikah, se virou para as crianças, paralisadas contra o chão.

Talo a encarava, parcialmente encolhido à frente de Aryll, que tentava a todo custo tapar os olhos do irmão mais novo, os dela mesmo estando arregalados. Colin remexia-se, reclamando do aperto. Ele se agachou, escapando das mãos da irmã, paralisando ao se ver de cara com o olhar de Sheik então.

Zelda sabia como sua aparência deveria estar: semelhante a de um rapaz, alto e esguio; os cabelos longos platinados escapando do capuz branco sobre sua cabeça em uma trança, brilhando e parcialmente cobrindo os olhos de íris vermelhas; a pele, três ou quatro tons mais escuros que a de Zelda, deveria contrastar bem com as roupas azuis que usava, com um tecido branco cobrindo o seu tronco, o símbolo vermelho dos Sheikah impresso nele: um olho aberto com uma lágrima solitária caindo dele.

— Vocês não deveriam estar aqui a esta hora.

Sua voz de Sheik era grave, profunda. Ela despertou as crianças do estado estático no qual estavam, que a encararam de olhos arregalados.

— É perigoso aqui fora — voltou a falar — Vão para casa.

Eles observaram sua forma de Sheik com curiosidade. Certamente nunca viram alguém da tribo Sheikah antes, do jeito que encaravam suas roupas e armas. A olhavam como se ela fosse algo desconhecido; o que ela era, no caso.

Fora Aryll a primeira a se mover: ela deu um passo incerto para trás, puxando ambos o irmão e Talo pelos ombros. Teve de fazê-lo mais de uma vez para que eles finalmente se movessem, e quando o fizeram, saíram correndo em direção à esquina do qual vieram no início de todo o acontecimento, desaparecendo por trás do prédio que era a pensão onde se hospedara.

Entretanto, ela vira o olhar de Aryll antes que a menina desaparecesse. Ela viu um brilho nele que a dizia mais do que ela ouviria; que diria mais que um “obrigada”.

Eles desaparecem, e ela se viu sozinha novamente.

Zelda suspirou, olhando para o céu, que cada vez ficava mais escuro, o tom pálido de cinza sendo coberto pela negritude das nuvens, indicando que a tempestade cairia.

E então um brilho amarelo surgiu, iluminando o local. Isso atraiu sua atenção, fazendo-a olhar para o local de onde vinha: de sua mão.

De sua mão direita, o brilho dourado surgia, transpassando o tecido das faixas que lhe envolvia os dedos e o pulso, e ela assistiu, com surpresa, o símbolo se manifestar depois de sete anos desde a primeira vez que o viu ali: os três triângulos empilhados que enfeitaram a bandeira do Reino de Hyrule por tanto tempo.

O símbolo da Triforce.


Notas Finais


O que acharam?


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