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História Akai Ito: Evanesce - Sobre mudanças, contos de fadas e manias de heroísmo


Escrita por: AyameBlueWorld

Notas do Autor


Olá! Meus dedos coçaram até escrever isso aqui e postar. Espero que gostem dessa fanfic que montou-se de um dia para o outro em minha mente, e que não consegui segurar-me com ela apenas para mim. Tive de trazer para vocês, por conseguinte. Espero que gostem dela tanto quanto eu estou gostando de escrevê-la. ♡

Capítulo 1 - Sobre mudanças, contos de fadas e manias de heroísmo


Não havia uma nuvem sequer no céu, quando Donghae colocou os pés para fora de casa naquele dia. O tempo anteriormente nublado e chuvoso, o que não era muito incomum para Mokpo naquela época do ano, havia finalmente cedido e dado espaço para um lindo dia de sol logo pela manhã, atendendo às suas preces mais fervorosas.

Não que Donghae não gostasse de chuva e nuvens. Muito pelo contrário. Na verdade, ele as adorava, porém, aquela sua opinião particular não era facilmente compartilhada. Graças a isso, as pessoas costumavam não portar o melhor dos humores quando o dia estava chuvoso e cinza, e com toda certeza tudo o que ele menos queria naquele dia tão importante era que as pessoas não estivessem tão contentes. Afinal, aquele seria o dia onde, depois de muito tempo, ele voltaria para um dos lugares que mais se lembrava de ter gostado no mundo, quando criança: a sua escola em Mokpo.

Com a sua mochila nas costas e um sorriso cheio de expectativas no rosto, Donghae não demorou a juntar-se a Kyuhyun, que o esperava na frente de sua nova casa, como a avó de Donghae tanto havia implorado ao outro menino que fizesse. Após um rápido bom dia entusiasmado de Donghae, contrastando completamente com o resmungo incoerente emitido por Kyuhyun, os dois tomaram o caminho que tanto haviam tomado junto de seus pais quando criança, e que agora, depois de anos, voltavam a tomar, porém desta vez, sozinhos.

Kyuhyun e Donghae eram amigos de infância, da mesma forma como eram os seus pais, e os pais de seus pais. Mokpo era uma cidade portuária encontrada na parte sul da Coreia do Sul que, mesmo não sendo exatamente uma cidade realmente pequena em questão de números, possuía o clássico comportamento de cidade interiorana, onde se era comum que os vizinhos compartilhassem parte de suas vidas um com os outros, devido à sua convivência constante e não findável. E era exatamente aquele sentimento de conhecimento e familiaridade, o que mais fazia Donghae sentir falta da cidade onde nascera.

Nascido em uma pequena família de um bairro tradicional de Mokpo, Donghae era o caçula de dois irmãos, motivo pela qual sempre fora coberto de mimos e agrados. Altamente amado dentro do seu seio familiar, foi criado como uma joia rara e preciosa, que precisava de constante carinho e atenção de seus pais, e até mesmo de seu irmão mais velho, que não poupava escrúpulos quando se tratava do bem de Donghae. Sem falar na sua avó, já viúva naquela época, que morava na casa exatamente ao lado da dele e que não se cansava de cobri-lo de carinhos.

Preocupados com o seu futuro e com o seu desenvolvimento como pessoa, seus pais sempre deram a ele toda a autonomia e educação necessária, para que tivesse discernimento e caráter, desde muito cedo.

Desta forma, Donghae sempre se mostrou extremamente solícito a ajudar os outros, e desde cedo demonstrou intensa solidariedade com aqueles que eram mais fracos do que ele.

Ainda na pré-escola, não era difícil encontrá-lo ajudando um de seus colegas na hora do recreio, que por acaso estivesse sendo caçoado por outros alunos mais velhos, ou mesmo por uma turma de meninos da mesma idade, ao invés de comer o seu lanche, como todos os demais. Por causa disso, Donghae quase sempre estava envolvido em encrencas.

Mas não importava quantas vezes os seus pais fossem chamados na diretoria para conversar sobre o seu comportamento aparentemente subversivo aos olhos dos inspetores, ou mesmo quantas broncas levasse dos diretores e coordenadores. Seus pais sempre o perdoavam quando descobriam o verdadeiro motivo de terem sido chamados, e o premiavam como se fosse um verdadeiro herói. A atitude de seu filho ao ajudar aqueles que precisavam era o mais importante de tudo, afinal das contas.

Os professores, pelo contrário dos diretores e coordenadores, não compartilhavam da mesma opinião sobre a sua teórica rebeldia. Atencioso, sempre tirando boas notas e sempre se mostrando um dos mais inteligentes da sala, DongHae não era apenas o queridinho dos colegas de classe e amiguinhos de escola, mas também de todos os professores, que o viam como um menino bondoso, gentil e educado, além de inteligente e dedicado.

E assim ele cresceu, cercado de bons exemplos, carinho e cuidado, e tornou-se uma criança amada e adorada por todos aqueles que o conheciam.

Donghae tinha dez anos de idade, no entanto, quando a sua vida teve a primeira grande mudança inesperada. Tudo ia perfeitamente normal no seu cotidiano, como sempre fora, quando a sua família recebeu a estranha e surpreendente notícia de que, de uma hora para outra, Mokpo não deveria ser mais o lar na qual eles tanto estavam habituados. Sua mãe, após muito pensar e muito avaliar sobre as opções que lhe foram dadas, decidiu aceitar uma oferta de emprego que havia sido lhe oferecida em Seul. Seu pai, não muito depois daquela decisão, pediu transferência dentro da empresa em que trabalhava e, por conseguinte, algumas semanas depois, lá estava ele e a sua família deixando Mokpo para trás, tudo o que ele sempre conhecera, rumo a sua nova cidade, capital do seu país, completamente estranha para sua limitada vivência infantil.

Nos primeiros meses que se passaram à mudança, Donghae odiou Seul. Odiou Seul, e tudo aquilo que aquela cidade representava.

Ele não mais possuía uma praia perto de casa, e não mais poderia ir com seu irmão ou com seus pais até o mar observar as ontas quando bem entendesse. Não possuía mais a sua avó morando na porta ao lado, sempre pronta para preparar os mais deliciosos cookies que ele poderia imaginar, aqueles com gotas de chocolates que ele tanto adorava comer todas as tardes. Donghae não mais tinha a companhia constante do pequeno Kyuhyun, um garotinho baixinho, mais novo que ele por apenas dois anos, que ele sempre defendia na escola dos garotos maiores, já que era filho da moça à quem a sua avó carinhosamente chamava de “filha emprestada”, por tê-la amamentado quando bebê, quando a mãe da moça não mais possuíam leite para dar-lhe devido a uma gravidez complicada. Donghae não mais conhecia todo mundo da escola, e nem mesmo era amigo de metade dela. O Donghae que todos sempre recorriam e sabiam que poderiam contar, naquela cidade, simplesmente não tinha qualquer importância. Pelo contrário, ele era apenas mais um entre tantos, que ninguém fazia a mínima vontade de conhecer a fundo. Os professores não mais possuíam aquela simpatia enorme por ele, e nem mesmo se esforçavam em conhecê-lo melhor ou em reconhecer seus esforços de bom aluno. Para os novos professores, ser um bom aluno não passava da sua obrigação, e fim de papo. Nenhum de seus novos colegas conhecia a sua família, os seus vizinhos, e muito menos possuíam qualquer interesse nisso. A única coisa, dentro da instituição que não mudou de forma alguma, claro, eram os inspetores e diretores que mesmo em Seul não o compreendiam, e sempre o acusavam de rebeldia, quando este defendia um coleguinha em apuros. De mais, tudo havia mudado completamente, e por isso Donghae odiava Seul.

Em Seul, Donghae sentia-se realmente como se fosse um peixe fora d’água.

 Pelo menos de começo.

Por mais que a escola não fosse mais tão divertida quanto era em sua antiga cidade, a escola em Seul não era de todo ruim, ele não demorou muito a perceber. Seus colegas, de igual forma, não eram tão estranhos, e conforme a convivência foi evoluindo, Donghae conquistara várias amizades devido a sua personalidade amável e positiva. Por mais que não lhe fosse mais possível passar as tardes comendo cookies com a sua avó, algumas vezes por ano ela ia até Seul e passava alguns dias em sua casa, despejando todos os mimos de uma única vez em cima de seu neto, como uma forma de recompensa pelos dias de ausência. Por vezes, dependendo da época do ano, ela levava Kyuhyun junto de si, de forma que, mesmo com a distância, os dois ainda cresceram juntos e continuaram a amizade ininterruptamente.

Com o tempo, deste modo, Donghae acabou acostumando-se com a nova cidade, e acabou por aceitar o seu novo destino em Seul. Mas da mesma forma, todas as vezes que ele pensava em Mokpo e no que havia deixado para trás, ele sentia uma pontada de nostalgia e recordação. Aquele lugar, afinal, representava a mais doce lembrança de uma infância para qual ele nunca mais iria retornar.

Ou assim ele pensara.

Já fazia nove que ele morava em Seul, e ele já estava mais do que plenamente habituado à vida na cidade grande, quando sua mãe, pela segunda vez, despejou uma bomba sobre a sua cabeça: os seus pais receberam uma proposta maravilhosa de emprego nos EUA. E para seu completo desespero, a proposta já havia sido aceita e a mudança não demoraria a acontecer.

Foi naquele momento que Donghae teve, pela segunda vez em sua vida, uma pequena crise existencial, muito mais forte do que a primeira.

A começar porque Donghae não sabia falar inglês. Por mais que ele adorasse a língua, e desejasse muito sabê-la um dia, ele não era um dos melhores alunos na matéria escolar, e duvidava muito que poderia sobreviver mais do que um dia morando em um país na qual ele entendesse palavra alguma. Para sua sorte, no entanto, sua avó apareceu para salvar-lhe antes que a crise tornasse-se insuperável. Em uma proposta simples e tranquila, ela ofereceu a sua casa para que ele fosse morar, quando seus pais e irmão não mais estivessem na Coreia do Sul. E sem pensar duas vezes, ele aceitou.

E com isso, meses depois, lá estava ele, finalmente de volta a sua tão querida Mokpo, pronto para voltar a atender a mesma escola que ele tanto adorava quando criança, frequentada pelas mesmas pessoas que ele tanto sentira falta, ao lado de um sonolento Kyuhyun.

Diferente de Donghae, que obviamente exalava ansiedade e alegria a cada passo que dava, Kyuhyun não fazia sequer questão de demonstrar qualquer entusiasmo, limitando-se a andar no mais completo silêncio enquanto o moreno fazia comentários esporádicos ao seu lado, sendo apenas respondido com resmungares e acenares de cabeça.

Normalmente, Donghae teria reclamado daquela atitude, caso fosse qualquer outra pessoa ao seu lado, porém, ele conhecia Kyuhyun perfeitamente bem para saber que respostas escassas eram tudo o que iria conseguir arrancar do mais alto naquele momento. Ele não havia, no final das contas, ainda acordado de todo. O rosto inchado e as pálpebras claramente pesadas deixavam mais do que evidente que o sono ainda imperava em seu ser, provavelmente aliado à noite mal dormida, depois de passar longas horas jogando um de seus jogos de computador que Donghae nunca conseguira entender direito.

Mais alguns minutos para que acordasse melhor, no entanto, e logo Kyuhyun tornaria-se o Kyuhyun que ele tão bem conhecia e com quem tanto gostava de conversar. E que, claro, tão gentilmente havia aceitado os pedidos de sua avó para que o acompanhasse naquele primeiro dia de escola. Sete anos eram mais do que o suficiente para que uma cidade mudasse drasticamente de aspecto, mesmo uma cidade como Mokpo. Sem falar, claro, que Donghae não era uma das melhores pessoas com noções de espaço e direção, o que tornava a tarefa de se perder extremamente fácil para ele.

Já fazia quase vinte e cinco minutos desde que eles haviam saído de casa, e Donghae já estava prestes a perguntar o quanto ainda faltava para chegar, quando, finalmente, à sua frente, uma enorme construção se fez ver, atraindo a sua atenção. Imediatamente, uma euforia enorme cresceu dentro de Donghae, e seus passos, quase inconscientemente, estancaram-se ao lado de Kyuhyun, que também se viu obrigado a parar para que não o perdesse no meio da multidão de alunos que chegavam junto deles.

– Aqui estamos – Kyuhyun finalmente falou, um pouco alto, após perceber a evidente comoção estampada no rosto de Donghae. Comoção esta que, de começo, poderia facilmente ser descrita como deslumbramento, porém, como se em um passo de mágica, apenas segundos depois, mudou completamente para uma forte ilustração da mais pura decepção – O que foi? Por que essa cara?

– Você tem certeza que este é o lugar certo? – o mais baixo entre os dois rapazes perguntou, franzindo o cenho de leve, quando finalmente desviou o seu olhar da escola e o direcionou para o menino de cabelos castanhos acobreados ao seu lado.

Kyuhyun, obviamente enfadado com a pergunta do outro, girou os olhos e começou a andar novamente, completamente despreocupado na direção do portão do colégio.  

– Não, Donghae, eu vim para a mesma escola durante dez anos da minha vida, e não tenho certeza de que estou no lugar certo – Kyuhyun respondeu-o, ironicamente, quando observou o outro se juntar a ele, após uma pequena corrida para alcançá-lo.

– É que é tão pequena, em comparação com a escola das minhas lembranças...

Como se estivesse à procura de algo, Donghae deixou o seu olhar vagar por todos os lados do prédio que o cercava, em uma tentativa quase desesperada de capturar com os olhos qualquer familiaridade que o remetesse àquelas adoradas lembranças de criança, que há muito estavam intensivamente desfalcadas.

– É claro que é menor do que o que você se lembra. Quantos anos faz, desde a última vez que colocou os pés nesse lugar?  Seis? – Kyuhyun perguntou, olhando-o de lado, quando finalmente os dois adentraram o prédio lado-a-lado.

– Quase sete – Donghae corrigiu-o, deixando-se ser guiado pelo outro por entre aqueles corredores e pessoas que lhe eram completamente desconhecidas – Logo mais fará sete anos que nos mudamos para a capital. Lembro que meu pai foi transferido pouco depois do meu aniversário de dez anos...

– Ou seja, quase sete ainda são seis – Kyuhyun retrucou-o, dando de ombros, pouco antes de acenar para um grupo de rapazes e moças que passou por ele, cumprimentando-o – E seis anos é mais do que o suficiente para que muita coisa tenha mudado por aqui. Mokpo não é como Seul, que muda constantemente, mas nós também não ficamos isolados no tempo.

– Eu sei, Kyu, é que...

– Eu sei, eu sei – o ruivo interrompeu-o, girando os olhos mais uma vez, já sabendo perfeitamente o que Donghae falaria em sua defesa. Afinal, aquilo era tudo o que ele dizia nos últimos tempos, incessantemente, desde que soubera que voltaria para a cidade – Você sentia falta de como maravilhosa era a escola em Mokpo, de como você conhecia a todos e se sentia maravilhosamente em casa. Você se lembra perfeitamente de como eram extraordinárias as suas tardes, e como você ficava feliz toda vez que vinha à escola. Eu sei disso tudo, Donghae, você não precisa me dizer novamente.

– Por vezes você é tão rude, Kyu...

– Eu não sou rude, apenas realista. As coisas mudam, Hae, e não continuam da mesma forma durante muito tempo. Não espere que todos perceberão quem você é apenas de olhar para você, ou mesmo que o reconheçam de sete anos atrás, porque com toda certeza não farão. Você é novo por aqui, até onde todos saibam, e as coisas mudaram muito desde que você foi para Seul. Olha só pra mim – ele apontou para si, dramaticamente, e Donghae levantou uma de suas sobrancelhas, controlando-se para não rir das ações de seu amigo – Eu era bem mais baixo do que você naquela época, e por andar com você, o senhor popularidade, os meninos mais velhos adoravam mexer comigo.

– E eu sempre te defendia – Donghae pontuou, mas o outro menino fingiu não o escutar e continuou a falar.

– Hoje em dia, além de eu ter ao menos vinte centímetros a mais do que você, ninguém está muito inclinado a ameaçar o vice-presidente do conselho estudantil.

– Eu me pergunto como você conseguiu fazer parte do conselho estando apenas no primeiro ano... – pontuei, enquanto contornava um corredor junto dele, não fazendo a mínima ideia para onde ele me levava. Eu apenas sabia que, em poucos minutos, as nossas aulas começariam e nós dois seríamos obrigados a nos separar, e eu não sabia se ainda estava exatamente pronto para ficar sozinho dentro daquela escola, que não mais era exatamente a escola das minhas lembranças – Ainda mais ser o vice-presidente.

– Eu tenho meus meios, vamos assim dizer. Qualquer dia eu te conto alguns truques – ele deu de ombros, e eu sorri em sua direção.

– Seria ótimo não ter de ir para a detenção ou para a diretoria, caso eu venha a defender alguém...

– Ah, mas não espere que eu livre a sua cara destas situações mesmo – Kyuhyun balançou a cabeça negativamente, e Donghae franziu o cenho em sua direção – Não conte comigo caso a sua síndrome de herói ataque de uma hora para a outra. Se você observar alguém sofrendo bullying ou sendo intimidado por outro aluno, chame um inspetor e relate o que aconteceu, ou mesmo me conte, para que eu passe o relato para instâncias superiores. Não pense que eu irei te livrar de uma detenção, caso você decida fazer justiça com as próprias mãos...

– Mas Kyu...

– Mas Kyu nada – ele retrucou, cortando a reclamação que Donghae começara a formular – Como vice-presidente, eu tenho uma coisa chamada reputação, a zelar. Não posso sair por aí privilegiando um em detrimento dos outros. Mesmo que esse um seja você, e que seja pelos melhores motivos do mundo.

– Ah Kyuhyun, não seja assim...

– Eu não vou discutir, Hae, esteja avisado – ele falou sério, enquanto parava em frente a uma porta em meio ao corredor. De início, Donghae não entendeu o motivo de terem parado ali, mas logo tudo fez sentido dentro de sua cabeça quando seus olhos recaíram sobre a placa indicando que aquela era a sala dos professores – Vai, pega o seu horário com o professor coordenador e vamos logo, que eu vou te levar até a sua sala...

 

O sinal reverberou pela sala, fazendo Donghae suspirar não muito animadamente, contrastando de forma absurda com a animação que ele expressava alegremente horas antes.

O primeiro dia na escola havia sido completamente diferente de como ele achara que seria. Primeiro de tudo, ninguém o reconheceu. Depois das palavras de Kyuhyun, acerca de como a escola havia mudado no período de sua ausência, suas esperanças de reencontrar aquilo que ele tanto adorava em Mokpo diminuíra a quase nula, e depois de efetivamente ter experimentado o gosto da ignorância, ele teve plena certeza: ninguém naquele lugar, além de Kyuhyun, evocava dentro dele aquelas memórias que ele tanto amava.

Pelo visto, a sua mãe sempre estivera certa. Aquele lugar não detinha nada especial em si. O que era especial, no passado, era a sua imaginação fértil de criança. 

Quando ele saiu de sua sala, Kyuhyun já o esperava na porta. Não havia sido necessário algo ser dito entre os dois, para que o mais alto soubesse que, se deixasse Donghae sozinho, era capaz dele nunca encontrar em efetivo o caminho do refeitório, e por isso seria melhor que fosse buscá-lo, como forma de prevenção. Com um simples sorriso de agradecimento, Donghae colocou-se a caminho junto de Kyuhyun, lado-a-lado, compartilhando suas poucas novidades que havia angariado naquelas primeiras aulas que tivera.

Não, não fizera algum amigo ou amiga na sala, ainda, embora uma menina tenha pedido para ele levantar o pé para que pegasse a borracha dela que havia caído debaixo de sua carteira. Mas aquilo não contava como aproximação, não é mesmo? É, ele também achava que não. Seus novos professores pareciam legais, embora sempre direcionassem as perguntas referentes à aula para ele, como uma forma de teste. Por sorte, o programa de Seul estava um pouco adiantado, comparado ao de Mokpo, o que o fez ter problema algum com cada uma das questões que foram feitas. Seria um constrangimento caso o menino novo vindo de Seul nada conseguisse responder, e na primeira aula já decepcionasse os professores e fosse alvo das risadas de seus colegas.  

– Fica calmo, as coisas irão melhorar – Kyuhyun tentou soar positivo, diante de tão gritante contraste entre as atitudes de Donghae. Ele queria, certamente, que o amigo percebesse que Mokpo, diferente do que ele recordava de sua infância, não era um conto de fadas e nem mesmo um reino mágico povoado pelas melhores pessoas do mundo, mas também não desejava que o desmanche daquela ilusão tão meticulosamente construída o derrubasse de uma forma tão significativa – É apenas o primeiro dia de aula, as coisas nunca vão muito bem no primeiro dia de aula.

– Você tem razão, eu acho – Donghae admitiu, suspirando, em uma tentativa de parecer um pouco mais tranquilo com aquilo – Acho que eu estou me precipitando um pouco, não estou?

– Definitivamente está – Kyuhyun sorriu, percebendo tardiamente a expressão um tanto cabisbaixa no rosto do amigo – Quer dizer... Está, um pouco. Não muito. Nem definitivamente... – ele titubeava, e a cada novo titubear, o franzir de rosto de Donghae apenas aumentada – O que eu quero dizer, Hae, é que acho que você deveria tentar não se preocupar tanto com isso, e apenas ficar tranquilo. Lide com isso tudo como se fosse apenas mais uma mudança na sua vida, e pense que definitivamente tudo irá ser para melhor. Nós nunca sabemos quem iremos conhecer, quando mudamos de forma tão radical, e nem mesmo o que o futuro nos aguarda. As pessoas podem não te reconhecer agora, mas quem sabe, daqui umas semanas, você não mostra para eles mais uma vez quem é Lee Donghae?

– É... – Donghae murmurou, finalmente sorrindo – Você tem toda razão. Talvez mudanças não sejam assim tão ruins, não é? E talvez o fato de eu não reconhecer nenhum desses corredores seja uma coisa boa.

– Sobre isso – Kyuhyun murmurou, sorrindo, aparentemente sem graça – Enquanto estava na sala, hoje, eu percebi que talvez eu saiba o motivo de você não reconhecer nem mesmo os corredores... Quer dizer, as pessoas eu mais do que esperava, mas os corredores, ao menos, não é tão comum que você se esqueça. Então eu pensei, não deve ser por causa das alas?

– Alas? – Donghae perguntou, claramente não entendendo sobre o que Kyuhyun falava.

– Sim, alas. A escola, como você sabe, ou eu acho que sabe, é dividida em alas. Com o objetivo de separar os alunos mais novos dos mais velhos, exatamente para evitar que os maiores se aproveitem dos menores, embora por vezes alguém daqui se esgueire até lá e, bem, o resto você sabe...

– Mas é claro! – de um instante para o outro, ao ouvir as palavras de Kyuhyun, o rosto de Donghae iluminou-se de uma única vez. Pela sua cabeça nem havia passado aquela possibilidade, ainda – Quando eu frequentei essa escola, eu ainda estava no ensino infantil. Então eu nunca irei reconhecer qualquer coisa nesse lado do prédio, mas é claro! Afinal, eu nunca vim aqui!

– Exatamente – Kyuhyun sorriu, verdadeiramente feliz ao ver o sorriso radiante que iluminava o rosto de Donghae – Se você quiser, depois do almoço, eu posso levá-lo até lá. Usando meu status de vice-presidente, eu posso conseguir um passe para transitar pelas outras partes da escola, e posso dizer que você estava me ajudando a executar alguma tarefa do conselho.

– Você faria isso? – os olhos de Donghae brilharam, ao ouvir aquela proposta feita por Kyuhyun, e naquele momento, Kyuhyun soube que, mesmo se não estivesse com verdadeira vontade de fazer aquilo em primeiro lugar, ele faria.

Faria por Donghae, e por aquele brilho que apareceu em seus olhos.

– Ah... Claro – Kyuhyun sorriu, sendo logo acompanhado pelo outro rapaz – Só precisaremos ser rápidos no almoço, para termos tempo o suficiente. Mas antes disso... – ele fez um sinal com a mão para que Donghae parasse, e foi exatamente o que ele fez – Eu preciso ir até a sala do conselho, pedir o passa ao presidente. Espere-me aqui, sim? Eu volto em alguns minutos.

– Claro! – Donghae respondeu-o de imediato, sem nem mesmo pensar antes de falar. Ele estava tão empolgado com a perspectiva de finalmente poder revisitar o lugar de sua infância, que não mediria esforços para que aquilo acontecesse.

– Não saia daqui! – Kyuhyun alertou-o, quando já se afastava dele em passos largos, rumo ao final do corredor por onde haviam chegado.

Pelo tempo que Donghae se recostou à parede, Kyuhyun já havia desaparecido ao contornar uma escada qualquer do corredor, deixando-o sozinho.

Bem, talvez, não completamente sozinho.

Ao seu redor, os alunos das outras salas, e até mesmo da sua própria, transitavam livremente enquanto conversavam entre si sobre os mais diversos assuntos possíveis. Em grupos, os alunos andavam cada um a seu tempo na direção que Kyuhyun e Donghae tomavam anteriormente, fazendo-o entender que, provavelmente, todos estavam a ir para o refeitório, onde poderiam se juntar e almoçar em mesas diferentes, de acordo com suas afinidades. Mas mesmo que Donghae estivesse cercado por várias pessoas, de todos os tipos e todos os jeitos, ainda assim ele sentia-se como se estivesse sozinho. Em meio aquele mar de gente, apenas uma pessoa sabia quem ele era e realmente se importava: Kyuhyun. E ninguém mais.

Pela primeira vez desde que optara por morar com a sua avó em sua cidade natal, em detrimento a morar com os seus pais nos EUA, Donghae pegou-se pensando se havia feito realmente o certo. E pela primeira vez, ele pegou-se a pensar se havia sido realmente Mokpo que mudara durante aqueles anos, ou se havia sido ele quem havia mudado, afinal. Perdido em pensamentos, observando e sentindo aquela costumeira sensação frígida de instituição que estampava cada uma daquelas paredes cinza e completamente sem vida da escola, Donghae nem sequer percebeu quando fora realmente deixado sozinho no corredor, após o findar do fluxo de alunos que seguiam para o refeitório.

Ele só foi realmente perceber a calmaria que o cercava naquele momento, quando um barulho de metal alto soou não muito longe de si, retirando-o de suas divagações desprovidas de propósito.

– O que é isso? – ele pegou-se murmurando, assim que um segundo barulho alto ressoou, seguido por uma estranha comoção de vozes. Pela forma com que elas reverberavam, havia uma briga não muito longe dali.

Atraído pelos ânimos que pareciam cada vez mais alterados, e vencido pela curiosidade nata que sempre tomava conta de seu ser, Donghae não conseguiu se conter e acabou por desencostar-se da parede conforme o barulho começou a soar mais próximo, dividido entre se deveria ir atrás da fonte da comoção ou se deveria continuar a esperar Kyuhyun, como se nada estivesse escutando. Não que tenha sido necessário tomar uma decisão, de qualquer forma. Quem quer que estivesse causando aquela briga, estava claramente dirigindo-se até onde ele estava.

E de fato, não demorou para que dois garotos adentrassem o corredor.

Um dos dois, o que aparentava ser mais alto e também mais velho, segurava o outro pelo colarinho da camisa e praticamente o puxava pelo corredor afora sem nenhum cuidado; e só realmente parou com aquele carregar agressivo quando jogou o outro com tudo, contra os armários de metal encostados à parede.

Pelo visto, era aquela a fonte dos barulhos iniciais.

– Me dá logo o que eu pedi, seu merda – o que parecia mais velho entre eles praticamente cuspiu as palavras no rosto do outro, enquanto voltava a segurar o menino pelo colarinho e a jogá-lo nos armários, encurralando-o como quem encurralava uma presa indefesa. O outro menino, provavelmente depois de receber vários daqueles empurrões em superfícies nada agradáveis, nem mesmo conseguia responder a altura, apenas balançando a cabeça negativamente, completamente indefeso – Se você não me der, eu vou arrancar de você. Eu não dou a mínima para um pedaço de lixo como você...

O outro menino, com os olhos fechados, apenas balançou a cabeça negativamente, se negando a dar o que quer que o outro queria, e por causa disso, o menino mais alto voltou a jogá-lo contra os armários, sem qualquer sinal de compaixão.

– Você que pediu, depois não diga que eu não...

– Ei! – Donghae gritou, interrompendo o garoto maior, antes que o seu punho acertasse o rosto do menino menor.

Os dois, claramente alheios a sua presença até então, desviaram juntos o olhar para si, e ele não hesitou em marchar até eles, com o máximo de determinação que detinha.

– Por que você não bate em alguém do seu tamanho, heim? – Donghae enfrentou o menino mais alto, colocando-se em meio as dois, e o garoto limitou-se a olhar para ele com uma expressão claramente incrédula no rosto. O garoto, ainda mais alto do que ele (não que fosse algo muito difícil, já que Donghae não havia crescido muito depois dos quinze anos) claramente não esperava que alguém se colocasse em meio a sua briga – Precisa tanto assim mostrar que é melhor do que os outros?

– Sai da frente, babaca, ninguém aqui falou com você – o menino finalmente respondeu-o, puxando-o para o lado pelo braço, e Donghae não conseguiu segurar o assombro que passou pelo seu rosto ao perceber o quão forte ele era, embora não parecesse.

Nunca, nem em um milhão de anos, Donghae teria adivinhado que aquele menino magrelo teria uma força daquela escondida por debaixo das roupas largas do uniforme que vestia. Mas ele não se daria por vencido facilmente. Abaixar a cabeça em frente a um valentão nunca fora do feitio de Donghae, muito menos quando alguém dependia dele para que não levasse uma surra injusta.

– Pois eu não saio, enquanto você não deixar esse menino ir embora – Donghae voltou a se interpor entre os dois, e o menino que estava acuado até então, usando aquela oportunidade, esgueirou-se pelas costas de Donghae, e tão logo percebeu a menor possibilidade, fugiu correndo o mais rápido que podia. Assim que notou que havia perdido a sua presa, o garoto mais alto intentou ir atrás dele, mas mais uma vez foi impedido por Donghae, que se colocou a sua frente – Eu não vou deixar você ir atrás dele.

– Sai da minha frente, imbecil, ele está fugindo! – o garoto gritou, fazendo menção de continuar, mesmo que tivesse de atropelar Donghae no caminho para isso, e sem pensar duas vezes, Donghae envolveu-o com o braço, para dar mais tempo para que o outro menino fugisse – O que está fazendo? – o garoto perguntou, se debatendo, mas daquela vez, Donghae não foi pego de surpresa.

Usando toda a sua força, ele conteve o garoto, até que este ficasse enfadado com o desconhecido que o impedia de colocar em prática os seus intentos, e começou a devolver a força de Donghae com chutes e pontapés.

Donghae sabia que havia prometido a Kyuhyun que não iria se meter naqueles casos, mas o seu senso de justiça falou indubitavelmente mais alto. Com os avisos e conselhos de Kyuhyun longe de sua mente, Donghae começou a devolver as pancadas que recebia, e quando menos percebeu, lá estavam os dois, girando no chão e trocando tapas e chutes, tentando ver quem conseguia levar a melhor por sobre o outro.

Eles só foram parar com aquela briga gratuita, iniciada por um ato de heroísmo de Donghae, quando um apito soou perto dos dois, anunciando que não mais eles estavam sozinhos. Tão logo seus olhos subiram para procurar a fonte daquele barulho, os dois deram de cara com a inspetora, que os olhava com uma expressão nada feliz no rosto.

– Eu posso perguntar o que está acontecendo aqui? – ela perguntou, cruzando os braços, e imediatamente os dois levantaram-se do chão, ajeitando-se da melhor forma que podiam – Eu fiz uma pergunta! O que estão fazendo aqui? – ela voltou a perguntar, assim que se fez bem evidente que nenhum dos dois estava inclinado a respondê-la.

– Nós... Nós estávamos... – Donghae titubeou, claramente nervoso, e o garoto ao lado dele respirou fundo.

– Nós estávamos brigando – ele completou, dando de ombros – Você não viu?

– Quantas vezes eu já disse que não é para você me responder, Lee Hyu...

– Donghae! – a voz de Kyuhyun soou no final do corredor, interrompendo a inspetora em meio ao seu sermão – Donghae, o que aconteceu? – ele perguntou, após correr e parar ao lado do seu amigo, apoiando-se em seus próprios joelhos, para recuperar o fôlego.

– Você o conhece, Kyuhyun? – a inspetora perguntou, e ele não hesitou em acenar afirmativamente com a cabeça, dizendo que sim.

– Ele é como se fosse meu primo – respondeu, enquanto respirava fundo, ainda não completamente recomposto depois da corrida – É o primeiro dia dele aqui. Ele tem essa mania de heroísmo... 

– Seu primeiro dia, hum? – ela perguntou, e Donghae balançou afirmativamente a cabeça, na esperança de que a desculpa de ser novo pudesse tirá-lo de uma enrascada logo no primeiro dia de aula – Você veio de onde?

– Seul, senhora inspetora – respondeu, tentando soar o mais respeitoso possível – Eu nasci em Mokpo e vivi aqui até os dez anos, quando meus pais se mudaram para Seul. Mas agora eu estou de volta, morando com a minha avó.

– E qual o seu nome?

– É Lee Donghae, senhora – o garoto que havia começado com aquela confusão e que até então havia se mantido calado, depois da resposta atravessada que dera a inspetora, direcionou sua atenção completamente para Donghae, com uma expressão estranha no rosto. Donghae não conseguia dizer se aquilo era sinal de surpresa, susto ou comoção. A única coisa que ele poderia afirmar era, que por mais que parecesse genuína, não o deixava nem um pouco contente.

– Muito bem, Lee Donghae. Você está tendo um ótimo primeiro dia, pelo que estou vendo. Mas me diga... Nas escolas em que você estudou em Seul, havia algo que chamamos de detenção? – ela perguntou, ironicamente, e Donghae não hesitou em balançar a cabeça afirmativamente.

– Havia sim, senhora...

– Ótimo. Só assim não preciso explicar muita coisa, sobre a punição que receberá por entrar em uma briga no meio dos corredores logo no seu primeiro dia.

– Eu avisei... – Kyuhyun murmurou ao seu lado, mas Donghae fingiu que não o escutara. Em resposta, ele apenas balançou a cabeça concordando com a senhora, em uma tentativa de amenizar a situação ao se portar como um bom menino, que havia sido pego apenas roubando um cookie antes do jantar.

– Você está de detenção depois da aula, Lee Donghae. Depois que o seu último período terminar, venha me encontrar na sala dos professores – ela decretou, e mais uma vez Donghae limitou-se a acenar afirmativamente com a cabeça, concordando – E o mesmo vale para você, Lee Hyukjae.

– Tanto faz... – o outro menino, que havia se mantido calado até então, respondeu por sua vez, não tirando por um segundo sequer a expressão estranha do rosto, ao manter o seu olhar posto sobre Donghae.

E quando Donghae finalmente olhou em sua direção, os seus olhos se encontraram pela primeira vez. 


Notas Finais


E aí, o que acharam? Ótimo ou péssimo? Eu, sinceramente, espero que tenham gostado ♡
Até uma próxima atualização, que espero acontecer logo.


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