O sol dava o seu último adeus no horizonte e o frio noturno do outono começava a predominar. Ryeowook se aproximou do carro blindado, de modelo desconhecido, e deixou a mochila cair ruidosamente no chão úmido – o tamanho do veículo causava-lhe arrepios. Respirou fundo, perguntando-se se aquilo era realmente necessário, estaria fazendo o papel de vigia de um homem considerado perigoso. Tocou a porta traseira do blindado, sentindo calafrios percorrer seu braço, por conta do metal frio.
– Está assustado? – Ryeowook virou-se, encontrando Kyuhyun parado com as mãos nos bolsos.
– Um pouco. – confiou em voz baixa.
– Sabe que eu estarei vigiando, não é?
– Sim, mas... – suspirou derrotado. – Toda essa situação me incomoda.
– Qualquer coisa que acontecer, alguém irá interromper imediatamente. – Kyuhyun assegurou e então o envolveu em um abraço apertado. – Fique seguro.
– Tentarei.
Kyuhyun se afastou, caminhando em direção a um ônibus estacionado próximo à saída, Ryeowook olhou uma última vez para o céu do inicio da noite e então entrou no carro. O interior do veículo – pelo menos na parte posterior – se assemelhava à caçamba de um caminhão pequeno, com uma única exceção: haviam bancos laterais onde cinco pessoas, no máximo, poderiam descansar. Ele avançou, curvado por causa do teto baixo, e acomodou-se o mais próximo possível da cabine, colocando a bolsa ao seu lado.
Alguns minutos se passaram até uma enorme movimentação no lado de fora chamar sua atenção, logo em seguida a porta foi aberta, revelando a presença de Shindong. Ao vê-lo, o combatente sorriu de canto.
– Imaginei que estaria aqui. – comentou. – Ele já está sendo trazido.
– Tudo bem. – Ryeowook respondeu.
Ele fechou a porta, deixando-o mergulhado no silêncio do interior do veículo. Do lado de fora, Shindong ajeitou a fivela do cinto e cruzou os braços enquanto três guardas se aproximavam, trazendo o detento em questão – um deles usava a farda da Zona Agricultora. Acompanhando o grupo, o combatente notou, vinha uma mulher vestida em trajes militares, semelhantes a sua, com a boina cobrindo parte dos cabelos. Emma avançou firmemente e parou há alguns centímetros de distância, aprumando a postura em sinal de respeito.
– Espero que a viagem seja feita em paz e segurança. – ela anunciou, em tom formal.
– Sabe que pode mudar de ideia e vir conosco, não é? – Shindong respondeu com uma sobrancelha erguida.
– Sabe que não posso. – retrucou sorrindo de canto. – Pouco mais de um milhão de pessoas ainda residem no abrigo.
– Tudo isso? – questionou assustado. – É bem mais do que eu esperava.
– Também achei muito. – a militar reconheceu. – Mas meus homens conseguirão dar conta, confio neles.
Apesar de a expressão estar inalterada, Shindong notou certa insegurança na fala da mulher. O trio de guardas se aproximou, apresentando o detento algemado, e um deles continuou o caminho, entrando na cabine do carro em seguida.
– Estamos prontos, senhor. – um dos fardados falou.
– Então acho que isso é um adeus. – Emma falou, estendendo a mão. – Espero vê-lo novamente quando tudo isso acabar.
– Um adeus não. – retrucou, puxando-a para um abraço. – Mas um até logo.
Emma se conteve, achando estranho o contato tão próximo, mas logo desistiu, envolvendo o troco do combatente com os braços. Ficaram assim por alguns segundos, até ela se afastar.
– Fique viva. – Shindong recomendou enquanto a militar se afastava.
– Prometo tentar. – ela respondeu, com ar travesso.
Shindong virou-se para o detento, assumindo uma expressão séria, detestava ter que usar suas habilidades, mas seria necessário para a conclusão da missão. Pegou o braço de Sungmin, puxando a manga para cima, e tocou seu pulso – tudo sendo assistido pelos olhos atentos do preso. A transformação causou-lhe enjoos, mas que logo foram contidos. O trio o encarou chocado, duvidando do que acabara de acontecer.
– Podem coloca-lo dentro carro. – ordenou.
– Sim... Sim, senhor. – um dos soldados falou enquanto abria a porta do veículo.
Shindong respirou fundo, tentando acostumar-se ao novo corpo, e avançou para o carro idêntico àquele em que Sungmin se encontrava. O sol já havia se posto e o céu exibia as primeiras estrelas do crepúsculo, o vento gélido mais se assemelhava ao sopro de um mau presságio.
––XX––
Ryeowook levou um pequeno susto quando a porta foi aberta e os guardas entraram, prendendo as algemas de Sungmin a uma corrente fincada no chão. Ele assistiu em silêncio até a dupla de guardas sair, deixando-os sozinhos no interior do veículo. A sensação era estranha, semelhante a ter um animal perigoso preso ao seu lado, ele respirou fundo e cruzou os braços, procurando acalmar-se. Teria que desenvolver uma conversar durante todo o trajeto e isso era o que mais incomodava.
Houve um chiado baixo, abafado devido às paredes de metal, vindo da cabine do veículo. Ryeowook presumiu que era o rádio comunicador e que todos os veículos blindados estavam testando a comunicação. O fardado respondeu, sua voz era grave e carregava um sotaque fortíssimo, e então guardou o aparelho de volta no painel. Um leve chacoalhar anunciou que o motor havia sido ligado e que mais cedo ou mais tarde a viajem se iniciaria. Ryeowook colocou o cinto de segurança e engoliu em seco, puxando a mochila para perto de si.
– Ainda sente medo de mim. – a voz de Sungmin chegou baixa aos seus ouvidos.
– Não. – respondeu.
– É visível. – ele continuou. – Evita me encarar, e quando o faz, o contato leva poucos segundos. Sabe que eu não vou te machucar, além de não ter uma justificativa, eu estou acorrentado.
– Como vou saber se não está esperando a oportunidade? – Ryeowook retrucou, sem olhá-lo. – Ainda não tenho uma prova concreta de que você realmente voltou ao normal.
Sungmin sorriu de canto e então se ajeitou melhor no assento, o tilintar das correntes era agudo e o espaço fechado o tornava insuportável.
– Então tentarei convence-lo durante toda a viagem.
Ryeowook balançou a cabeça e apoiou-se na parede do carro, seu corpo inteiro tremeu quando blindado começou a avançar, anunciando o inicio da viajem. Usando a bolsa como travesseiro, ele procurou a melhor posição que pôde e fechou olhos, procurando repor as merecidas horas de sono que o corpo tanto cobrava.
Sua mente mergulhou na escuridão quase de imediato, o corpo demorou um pouco para processar o que estava acontecendo. Ele abriu os olhos, se deparando com um extenso campo onde a grama crescia verde e úmida. Úmida. Ryeowook piscou algumas vezes e então sentou, olhando ao redor em seguida, não havia sinal de construção ou qualquer coisa que identificasse aonde ele se encontrava. Tateou o solo, sentindo as gotículas d’água molharem as pontas dos dedos, até esbarrar em algo macio. Virou-se subitamente para o lado e se deparou com um homem deitado ao seu lado, mas não um homem qualquer, era Yesung.
Ryeowook prendeu a respiração enquanto tocava delicadamente as maçãs de seu rosto, o contato com a pele causou-lhe arrepios. Ao se afastar, o inumano percebeu algo que lhe causou enorme assombro, todo o corpo de Yesung se desfez como cacos de vidros. Ele rastejou para longe até suas costas colidirem com algo duro e frio, uma grade – semelhante às paredes de uma enorme gaiola. Todo o campo desapareceu e agora Ryeowook se encontrava dentro dessa gaiola, que diminuía de tamanho gradativamente. Usando as pernas e os braços, o inumano tentou chutar e esmurrar as barras de ferro até seus membros reclamarem com a dor.
Um solavanco do veículo o despertou de súbito, Ryeowook piscou algumas vezes percebendo que tudo não passara de um sonho – ou pesadelo. Ele trincou os dentes enquanto passageava o pescoço dolorido, definitivamente a mochila não era o melhor travesseiro, sua nuca estava molhada com o suor assim como sua testa. Passou a mão pelos cabelos se perguntando quanto tempo dormira.
– Teve um pesadelo? – Sungmin indagou.
Ryeowook respirou fundo, escutando pequenos estalidos atingirem a lataria do veículo. Nada alarmante, era apenas o som de algo familiar para todos, era o som da chuva.
– Nada que você deva saber. – retrucou, acomodando-se melhor no assento.
– Você se mexia inquieto na cadeira, então presumi isso. – ele continuou. – Enfim, enquanto você dormia, Dongwoon nos deu comida.
– Quem?
– Dongwoon... Um dos militares que está na cabine. – informou apontando.
Ryeowook ouviu o farfalhar de plástico e então uma maçã foi jogada na sua direção, ele a pegou, analisando sua superfície.
– Sério? Acha mesmo que fiz algo com a fruta? – Sungmin exibiu os pulsos algemados. – Me explica como eu faria isso no modo em que estou?
– Desculpe. – Ryeowook murmurou e então mordeu a maçã. – Obrigado.
– Disponha. – ele respondeu e então sorriu. – Viu? Estamos fazendo um pequeno avanço.
Ryeowook balançou a cabeça e limpou a boca com as costas da mão.
– Onde estamos? – perguntou após engolir.
– Não tenho ideia, mas arrisco que estamos seguindo uma estrada secundária. Estamos fora das rodovias. – Sungmin respondeu.
– Como sabe disso?
– O carro está balançando demais, o que não aconteceria nas rodovias. – argumentou indiferente. – A construção foi projetada para que o asfalto não atrapalhasse a estabilidade do veículo. Além disso, está chovendo o que deixa a estrada extremamente escorregadia.
Assim que Sungmin se calou, o veículo passou sobre uma depressão no terreno, fazendo com que a parte traseira pulasse levemente e o motorista deslizasse por alguns metros. Ryeowook se segurou no assento, assustado com a movimentação repentina. Quando o blindado se estabilizou na estrada, ele foi capaz de ouvir reclamações da cabine através de uma abertura gradeada.
– Não disse? – o combatente falou e então ergueu o olhar, encarando o teto do veículo. – A viagem inteira será feita desse modo, com balanços e riscos de acidente.
Ryeowook terminou de comer a maçã e então descartou o miolo. Não fazia ideia de onde estavam e a sensação de terreno desconhecido o angustiava, revirou a mochila procurando ocupar a mente com algo. Apesar das placas de metal que o separava da cabine, Ryeowook foi capaz de ouvir a transmissão de rádio efetuada entre o primeiro carro, que seguia pouco mais de um quilômetro na frente, e aquele em que Sungmin se encontrava.
– Sigma Três, aqui é Sigma Um, está ouvindo? – a voz veio acompanhada de muita estática.
Dongwoon pegou o rádio e respondeu:
– Na escuta. Aconteceu algo?
– Negativo. – a voz no rádio respondeu. – Mas as condições climáticas parecem piorar gradativamente.
– Isso é esperado, estamos atravessando uma área de floresta. – o militar retrucou. – Algum contato com Sigma Dois?
– Sim. – houve alguns segundos de estáticas até a voz ser ouvida novamente. – Estão seguindo viagem quatrocentos metros atrás de nós.
– Algum sinal do inimigo?
– Negativo, mas a floresta é muito densa, não se assemelha ao cemitério verde. – alguns segundos de estática. – Não temos a total certeza.
Ryeowook parou de remexer na mochila e ponderou. Ouviu o militar dizer que estavam em uma região de floresta e, se seus conhecimentos estiverem corretos, a floresta em questão ficava a oeste da rodovia principal e sua área nunca fora medida. Ela se estendia da Zona Comercial – onde foi batizada de cemitério verde –, seguia a oeste das Zonas Industrial e Habitacional, atravessava os muros da Zona Agricultora para desaparecer além das montanhas. Ryeowook franziu o cenho, se perguntando do porque de terem que atravessar parte da floresta para atingir o objetivo.
– Sigma Um, algum sinal de problemas na estrada? – o militar indagou.
– Negativo... Muito escorregadia... Chuva atrapalhando... – A estática se intensificou, interrompendo a comunicação.
– Sigma Um, repita a mensagem. – Mais estática. – Sigma Um, repita a mensagem.
A estática continuou, dessa vez acompanhada de ruídos indecifráveis. O militar preparava-se para fazer contato novamente, mas um estrondo mais alto que um trovão o surpreendeu. A dupla na cabine encarou o horizonte até uma bola de fogo subir em direção aos céus seguida de uma coluna de fumaça.
– Mas que porra... – o segundo militar, responsável por dirigir, falou. – Tente contatar o segundo carro.
– Sigma Dois, aqui é Sigma Três, está ouvindo?
– Positivo. – a voz respondeu.
– O que aconteceu? – o fardado indagou, apreensivo.
– Não sabemos, mas perdemos contato com o primeiro veículo.
– Devemos nos desviar do caminho?
– Negativo, mantenha a rota planejada.
– Entendido. – houve estática e então a conversa se encerrou.
Ryeowook engoliu em seco, temendo que algo pior fosse acontecer. Os estalidos cessaram, anunciando que a chuva havia dado uma trégua, mas os trovões ainda persistiam – fazendo com que o veículo vibrasse levemente. Inclinou-se para frente, tentando captar o que era dito na cabine.
– O que acha que aconteceu? – Dongwoon indagou.
– Não faço ideia, mas se quer a minha opinião, coisa boa não foi. – o outro respondeu.
– Talvez...
A fala do fardado foi interrompida por um barulho de estática. O ruído deve ter pego-lhes de surpresa, pois houve um longo momento de silêncio antes de um deles tomar a iniciativa e pegar o rádio.
– Sigma Três na escuta. – ele falou.
A estática persistiu por longos segundos – semelhante a um rádio fora de sintonia – até uma voz fraca ser ouvida. A pessoa falava rápido e parecia nervosa, ou amedrontada, com o que estava acontecendo.
– Repita a mensagem. – ordenou, aproximando o aparelho do ouvido.
– ...estrada... – A voz persistia baixa, quase inaudível, até subitamente entrar em sintonia e a mensagem ser ouvida por todos do veículo. – Saia da estrada!
Dongwoon franziu o cenho e encarou o seu acompanhante que estava sentado ao volante. Antes que qualquer um dos dois pudesse dizer algo, uma explosão vinda debaixo fez com que o automóvel perdesse totalmente o controle e acabasse sendo lançado para a floresta. Ryeowook sentiu seu corpo ser jogado para todos os lados possíveis enquanto o veículo seguia sem rumo em meio às árvores. O blindado capotou após deslizar em uma ribanceira e só parou ao colidir com uma árvore de caule grosso – forte o suficiente para suportar o impacto.
Ryeowook balançou a cabeça, tentando entender o que havia acontecido, seu corpo inteiro doía e o latejar em sua testa anunciava um possível corte enquanto o cheiro de gasolina dominava o ar lentamente. Tateando a cintura, ele encontrou o feixe do cinto de segurança, que encontrava-se completamente amassado após o capotamento. Forçou o objeto até seus dedos doerem e bufou irritado ao ver que nada mudara, engoliu em seco, tentando não transpor o pânico que o dominava. A viagem saíra complemente o oposto que o esperado e agora ele estava ali, preso a um carro destruído no meio de uma floresta. Tentou mais uma vez, desesperado por causa do cheiro da gasolina, e grunhiu quando, novamente, o feixe permanecia intacto.
Era o fim.
Suspirou, sentindo as lágrimas se formarem nos cantos dos olhos, ele morreria ali, sozinho no meio do nada. Soluçou, mordendo o lábio em seguida – não estava chorando de medo, estava chorando de raiva. Um ruído despertou sua atenção, com todo aquele desespero ele acabara por esquecer que Sungmin estava fazendo-lhe companhia na parte de trás do veículo. O combatente parecia desnorteado, mas mesmo assim tentou ajuda-lo ao perceber que o feixe estava emperrado.
– Tente não se mexer. – falou, debruçando-se.
– Como você...
– Com o capotamento, as correntes se partiram. – explicou, mostrando os pulsos vermelhos enquanto as algemas tilintavam com as correntes danificadas. – Vou tentar quebrar o feixe.
Ryeowook assentiu e assistiu em silêncio enquanto o pequeno quadrado era forçado ao limite – graças ao membro mecânico, Sungmin não tivera dificuldades em partir o cinto de segurança. O inumano levantou apoiando-se no rapaz, ao tocar-lhe o ombro, percebeu que seus dedos mancharam-se de sangue.
– Está ferido?
– Nada grave, apenas alguns arranhões. – Sungmin informou. – Precisamos sair, não sei quanto tempo esse carro vai suportar.
– O que quer dizer?
– O tanque de gasolina foi perfurado, por isso sentimos o seu cheiro.
– E os soldados?
– Acho meio difícil que eles tenham sobrevivido àquela explosão.
Ele engoliu em seco enquanto pegava sua mochila e, com ajuda de Sungmin, saía do blindado destruído pelas portas traseiras. A floresta à noite era assustadora e a única iluminação provinha dos focos de incêndio na mata que crepitavam como sussurros na escuridão. Ryeowook retirou uma pequena lanterna de sua bolsa e a ligou, instantaneamente um facho de luz surgiu. Eles então avançaram até terem uma distância segura do veículo em chamas.
– Temos que encontrar um local seguro. – Sungmin recomendou. – Esse ataque, com certeza, foi intencional.
– Claro... Esse “ataque”. – Ryeowook retrucou.
– Está insinuando que eu tive alguma coisa a ver com isso? – indagou franzindo o cenho. – Acha mesmo que eu seria louco a ponto de fazer uma coisa dessas?
– Uma pessoa é capaz de cometer loucuras, apenas por benefício próprio.
– Eu estou algemado, ferido e perdido no meio de uma floresta completamente desconhecida. – havia incredulidade em seu tom de voz. – Se eu realmente fui um dos responsáveis por esse acidente, então por que eu salvei sua vida?
Ryeowook permaneceu em silêncio. Sungmin tocara em um assunto para o qual ele não havia respostas. Um brilho forte venceu a escuridão da noite e logo em seguida o cheiro de fumaça dominou o ar, o blindado havia explodido e parte do terreno ao redor começava a ser dominado pelas chamas.
– Vamos andando. – falou por fim. – Quem quer que seja o responsável por esse ataque, com certeza ainda está por aqui.
Sungmin respirou fundo, sentindo o cansaço pesar em seus ombros.
– Mostre o caminho.
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