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História Além da Esperança - IV - Mente Cheia.


Escrita por: Vexus

Notas do Autor


Voltei depois de um tempinho. Desculpa a demora, é que eu estava tendo alguns problemas com a faculdade.

Enfim, trouxe um capítulo novo! Espero que gostem!

Boa leitura!

P.S.: Se houve algum erro de português, por favor, me avisem.

Capítulo 5 - IV - Mente Cheia.


Shindong subiu as escadas e seguiu pelo longo corredor até a maior sala do andar. O escritório improvisado se resumia a um quarto de vinte metros quadrados, ocupado apenas com uma estante cheia de livros e uma escrivaninha de madeira. Taeyeon encontrava-se na varanda externa, de um lado, a cidade banhada pelo sol do meio dia; do outro, uma sala praticamente vazia.

– O ataque de hoje à noite... – divagou Shindong, fitando o horizonte. – Poucos irão testemunha-lo pessoalmente.

Os únicos que sairiam do esconderijo seriam aqueles que bloqueariam qualquer avanço do exército comercial.

– A guerra é um terror, não importa se nós a vemos ou não. – Taeyeon completou. Trajava um vestido azul, o cabelo pendia solto pelas costas. – A barreira foi erguida, mas não está com a força total. O ataque de hoje à noite será, sem sombra de dúvidas, mais poderoso do que o anterior. Não sei se o esconderijo suportará.

– Claro que suportará, ele foi projetado para isso. – Shindong avançou firmemente e parou ao lado da mulher. – Tem algo a me dizer a respeito daqueles que resistem em sair daqui?

Taeyeon silenciou por alguns segundos, e então respondeu.

– Não há o que dizer. Eu não posso obriga-los a sair daqui a força.

– Acha que Emma conseguirá mantê-los protegidos? – ele a questionou. – Não estou duvidando de sua capacidade, apenas... estou preocupado.

– Nós nada conhecemos a respeito dos sentimentos dos outros. Alguns temem a noite, já outros, o dia. Aqueles que permanecerão aqui já abraçaram a morte como companheira, mas se ela vier buscá-los, nós faremos de tudo para resistir. – ela engoliu em seco. – Não teremos perdas.

– Então qual é a sua conclusão?

– Heechul não conhece o nosso arsenal. Suspeito que ele tem medo de ordenar uma invasão completa e acabar perdendo todos os seus homens. Os inumanos resistirão, pois eles o odeiam pelo que fez no passado e nada no mundo mudará esse sentimento. – ela completou em um sussurro: – Hoje à noite nós revidaremos, vamos mostrar que a Zona Industrial também pode guerrear.

Shindong abriu um breve sorriso, mas o suprimiu em seguida. No íntimo, o coração festejava.

– Como se dará a transferência após o ataque? – indagou, tentando mudar de assunto.

– A movimentação de veículos será feita de manhã cedo, precisamos ter a certeza de que o ataque acabou. – ela explicou. – Ninguém pode saber que estamos nos movendo.

 – A rota que o comboio policial seguirá é diferente. – falou vendo a mulher franzir o cenho. – Caso ocorra algum ataque no caminho, inocentes não serão atingidos.

– Compreendo. – ela reconheceu. – Bem pensado.

Shindong apoiou-se no parapeito da varanda e deixou o sol esquentar sua pele. A porta sendo aberta logo atrás, fez com que ambos virassem para encarar quem havia chegado. Era um soldado. Taeyeon foi a primeira a se mover, adentrando na sala silenciosa.

– Aconteceu algo?                                                                

O militar se aproximou e parou em frente à escrivaninha.

– Seis pessoas entraram nos domínios da Zona Industrial hoje cedo. – ele informou. – Elas falaram que vieram da Zona Comercial.

– Heechul já está iniciando o ataque? – Shindong voltou para a sala e olhou de Taeyeon para o soldado. – Suspeitava que ele se atrevesse a tal ato, mas não achei que o faria.

– Aumente a vigilância nas ruas, qualquer pessoa em atividade suspeita deve ser presa. – Taeyeon ordenou para Shindong.

– Certo.

Shindong passou pelo militar e seguiu pelo corredor, quando estava na metade da escadaria, ele ouviu seu nome ser chamado. Ao olhar para cima, o combatente flagrou o militar o seguindo.

– Tem algo mais para me contar? – indagou vendo o homem alcança-lo a passos rápidos.

– Sim. – o soldado aprumou a postura em sinal de respeito, apesar do visível cansaço. – Essas pessoas não possuem qualquer ligação com Heechul.

– O quê?

– Todos parecem ser cidadãos comuns.

 

O sol era fascinante visto dali.

Sentada, sobre o telhado de um casebre abandonado, Bora encarava a cidade enquanto o astro lançava seu brilho. Sua expressão, inabalada e serena, era de alguém que vira muitas coisas, de alguém que presenciara o sofrimento e a dor na mente de cada um que ali vivia. Se aventurar no subconsciente era algo perigoso e arriscado, memórias podem ser alteradas ou removidas; emoções manipuladas; informações plantadas.

A única vez que ela fizera aquilo fora quando seu pai a atacara anos atrás. O desespero somado ao medo desencadeou uma reação cerebral que foi impulsionada pela Telecinese. Por alguns segundos, Bora invadira a mente dele. A falta de experiência e treinamento fez com que ela mexesse onde não devia e isso custou a vida de alguém.

Ela não fora julgada, afinal de contas era apenas uma criança e todos presenciaram que o ato foi em legítima defesa, mas a vida tomada por suas mãos a atormentou por meses.

Bora fechou os olhos e as memórias do beco vieram com tudo. A sensação de vulnerabilidade e o medo de ser morta a forçaram a ter que utilizar de suas habilidades novamente. A consciência de Sungmin, ela percebera, era completamente vazia – como se nunca houvesse existido. Ao ouvir a história de Ryeowook, Bora conseguiu achar uma explicação para o ocorrido, apesar de ser absurda.

Sua mente se esvaziou rapidamente e o ambiente a sua volta ficou no mais completo silêncio. Os olhos estavam fechados, mas na escuridão da consciência ela conseguia ver os espectros dos habitantes da região. Silhueta branca, ela aprendera, eram pessoas comuns, já as amarelas diziam respeito aos inumanos. A mancha maior encontrava-se ao norte há alguns minutos dali, no abrigo da cidade, enquanto pontos distintos espalhavam-se pela região.

De súbito, ela escutou um barulho atrás de si, a silhueta amarela denunciava uma pequena possibilidade de identificação. Bora respirou fundo e seus olhos abriram, a realidade do ambiente era mais aconchegante que qualquer sonho de mundo perfeito. Ela virou a cabeça e assistiu em silêncio enquanto Hyoyeon subia a escada de incêndio, o vento forte lançou o cabelo imediatamente para trás.

– Pelo visto você gosta de lugares altos. – ela comentou após deixar os pés fixos no telhado. – Se importa se eu me aproximar?

– Não. – Bora respondeu, voltando sua atenção para a paisagem.

Hyoyeon caminhou calmamente e acomodou-se ao lado da garota. Dali, os imensos arranha-céus se assemelhavam a árvores em uma selva de pedra, tudo rodeado pelos restos dos trilhos de cargas.

– Costuma vir aqui com frequência?

– Apenas quando quero ficar sozinha... – respondeu piscando lentamente. – Ou pensar.

– Está se referindo ao que Ryeowook falou?

Bora respirou fundo e abraçou os joelhos. Ficar sentada no telhado foi uma forma que ela encontrou para sentir que ainda há chances de existir tranquilidade no mundo, mesmo sendo bem pequena.

– Eu não sei o que fazer. – a garota confessou.

Hyoyeon sorriu minimamente e fechou os olhos, sentindo o calor de o sol lamber seu rosto lentamente.

– Não vou dizer que deve aceitar, mas também não vou dizer que deve recusar. – Hyoyeon disse. – Eu conheci a irmã dele e ela sempre me dizia que Sungmin era uma pessoa calma e que fazia de tudo para aqueles que ele amava. Não sei se é verdade, afinal de contas eu não o conheci antes, mas Sunny me confiou que ele a criou com todo o esforço que conseguiu. Um sempre ajudava o outro, apesar das dificuldades.

– Então acha que eu deveria vasculhar a mente de alguém, procurando memórias? – Bora falou. – Isso parece errado.

– E de fato é. – a outra reconheceu. – Mas a vida não é feita de bons atos. Ás vezes os ruins acabam por serem os corretos.

Bora permaneceu em silêncio por alguns segundos, fitando o horizonte.

– Já passou por isso? – ela perguntou por fim.

– O quê?

– Já foi obrigada a fazer algo que para você parecia errado ou impossível?

– Sim. – Hyoyeon respondeu de forma cansada. – Quando Yesung me mostrou o esconderijo e disse que eu não era a única.

– Por quê?

– Eu fui criada por uma família simples e com poucos recursos. – a combatente começou. – Aos dez anos eu já tentava conseguir emprego para ajudar minha família. Sempre serviços pesados como, carregar entulho em construções, trabalhar em fábricas de eletroeletrônicos e até mesmo em serviços do submundo.

Bora levantou a cabeça e a encarou assustada.

– Não é isso que você está pensando. – Hyoyeon continuou. – Eu cometia pequenos furtos quando a situação financeira estava apertada. Minha habilidade era a principal arma que eu possuía para não ser pega.

– Quando os outros inumanos a encontraram?

– Quando meus pais foram mortos por um grupo de garotos mimados, sedentos por alguma diversão mais... brutal. – a última palavra foi dita em sussurro. – Pessoas costumam espancar mendigos apenas por querem, por que sentem prazer em causar dor naqueles que não conseguem se defender. Eles me bateram, é claro, mas meu corpo reagia a alguns golpes quase automaticamente.

– Como assim?

– Alguns deles me atacavam com um soco e, quase que de imediato, meu corpo responde criando uma camada de aço que me protege. – Hyoyeon explicou da melhor forma possível. – Minha habilidade consiste em mudar a superfície da pele em nível molecular, tornando-a resistente e com uma aparência metálica. Quando a uso, eu fico parecendo uma geladeira ambulante.

As duas riram apesar de a situação ser pesarosa.

– Eu andava nas ruas, sem rumo, quando Kangin me encontrou. – Hyoyeon falou de maneira triste. – Ele me ofereceu abrigo e disse que cuidaria de mim. Fui levada até o esconderijo na Zona Comercial onde ele me falou sobre os inumanos. – as mãos remexiam nas telhas empoeiradas. – De início eu achei que era loucura, até Donghae quebrar o braço de Yesung e lentamente o osso voltar para o lugar como se nada tivesse acontecido.

– Como ele soube que você era uma inumana?

– Kangin herdou um enorme banco de dados dos pais, nele possuía todos os registros de inumanos na cidade. – ela explicou. – Não sei como ele me reconheceu, mas algo me diz que diz respeito às habilidades.

– Não sei se faz sentido. – Bora comentou. – Mas naquele dia; assim que os policiais me levaram a Yesung, eu soube que ele não era uma pessoa comum. É como se cada inumano emitisse uma energia diferente e eu conseguisse identifica-las.

Lá embaixo, na rua, um grupo de crianças passou correndo. Elas gritavam e riam enquanto seguiam uma atrás da outra, logo em seguida uma delas parou e começou a correr no sentindo contrário, aparentemente tentando fugir daqueles que o perseguiam. Hyoyeon deixou o sorriso brotar em seus lábios. Apesar da situação entre as zonas ser crítica, ainda havia um pequeno resquício de normalidade ali.

– Vou falar com Ryeowook. – Bora falou enquanto levantava. – Ela deve estar esperando minha resposta.

– Tudo bem. – a outra respondeu. – Falou com sua mãe a respeito disso?

– Não preciso da permissão de um adulto. – ela debruçou-se sobre a escada de incêndio e começou a descer. – Quanto mais decisões eu conseguir tomar sozinha, mais eu poderei mostrar que sou independente.

Hyoyeon assistiu em silêncio a descida da garota, depois voltou sua atenção para o horizonte e encarou em silêncio o céu azul manchado pelas nuvens.

 

O teto branco era irritante. Yesung estava deitado na cama, com as mãos apoiando a cabeça e o olhar fixo para cima. Há alguns minutos, Krystal entrara e medira sua pressão após uma pequena bateria de testes motores e funcionais. Descontar sua raiva na garota não fazia sentido, ela apenas fazia o que fora ordenado e – pelo o que ele pôde interpretar – a coleira a afetava de alguma forma. Ele suspirou e levantou, caminhando em direção a pequena mesa no canto.

Yesung bebericou um pouco do suco que fora trazido e provou um pouco da comida, para variar, não havia sabor algum. Ele estalou a língua e voltou para cama. Viver naquela cela seria um teste para a sua sanidade, qualquer um teria enlouquecido nas primeiras horas. Deitado, o inumano fechou os olhos e tentou se acalmar. Devia ter dormido, pois sua mente vagou por imagens da Zona Industrial e da sua infância. E então ele se viu no escuro – mais precisamente em um ambiente mergulhado na penumbra. Era o mesmo parque que ele encontrara Ryeowook.

Ele encarou o céu negro e respirou fundo, sentia falta de momentos como aquele. Apenas a paz e a tranquilidade de uma simples noite. O som de um motor despertou sua atenção. Yesung encarou a rua e assistiu em silêncio enquanto uma moto se aproximava, o motorista seguiu por alguns metros e então parou, descendo em seguida. Ele seguiu calmamente, parecia tenso e irritado, e sentou em um dos bancos livres. Yesung não conseguia desviar a atenção, o modo como à luz da lua iluminava o seu rosto o fez sentir-se feliz pela primeira vez em dias.

As batidas na porta de metal o despertaram com um susto. Ele grunhiu enquanto sentava na cama e ouvia o que o guarda tinha a dizer após a portinhola ser aberta.

– Banho de sol. – a voz do homem ecoava. – Posicione-se na parede.

A portinhola foi fechada com um leve estrondo seco. Yesung bufou e ficou de pé; aproximou-se da parede livre e encostou as palmas na superfície fria e branca. A porta de metal foi aberta e o guarda entrou.

– Não sei por que vocês tem esse privilégio. – o homem falou enquanto apalpava as pernas de Yesung. – Receber banho de sol... – havia deboche na voz.

– Não achei que alguém se irritava com uma besteira dessas. – Yesung foi virado de frente. – Ou é uma desculpa idiota para uma raiva contida?

O guarda ergueu o braço esquerdo e desferiu um soco em Yesung, que simplesmente virou o rosto enquanto o gosto de sangue dominava o seu paladar.

– Batendo em alguém desarmado? Que covardia...

O homem segurou-o pelo ombro e usou um dos joelhos para atingi-lo no estômago. Instantaneamente o ar fugiu dos pulmões de Yesung e ele caiu de joelhos no chão.

– Conta piada agora! – ele ergueu o pé e o chutou no rosto. Um risco escarlate atingiu a parede. – Vai!

– Para com isso! – outro guarda havia surgido. Ele se aproximou e segurou o agressor pelo ombro. – Não vai adiantar de nada.

Yesung foi erguido pelo segundo policial e as algemas foram colocadas. No caminho para fora da cela, ele teve tempo de juntar o máximo de saliva que conseguiu, respirou fundo e cuspiu no rosto do homem que o agredira.

– Filho da puta...

– Parou! – o segundo guarda falou. – Vai pra outra cela, não temos todo o tempo do mundo.

Yesung foi empurrado pelos largos corredores. A cada curva dada, mais celas surgiam, cada uma possuía um ocupante. Choros, gritos e lamentações eram ouvidos deixando toda a caminhada incrivelmente assustadora. Ele seguiu de maneira tímida, o sangue escorria pelo nariz fraturado, manchando seu queixo e o macacão azul.

De repente o corredor ficou mais estreito até terminar em um grande portão de metal blindado. O guarda que vinha mais atrás se aproximou e pousou a palma da mão em um leitor pregado à parede – uma luz verde se acendeu e a porta foi destrancada. Yesung foi empurrado para um pedaço do corredor onde outra porta semelhante a primeira se encontrava e uma das paredes era composta por uma enorme janela de vidro. O guarda surgiu logo depois, fechando a porta com um estrondo.

– Fique aqui. – ele ordenou, apontando para um local específico do chão.

Ele bateu na janela, e após alguns segundos de espera, a luz se acendeu e uma mulher surgiu. Ela usava a mesma farda militar que os guardas, mas sem a boina.

– Pois não? – sua voz saiu através de um alto-falante pregado no canto superior da parede.

– Banho de sol. – o guarda respondeu sem rodeios.

– Por que ele está sangrando? – ela perguntou enquanto digitava algo. Uma bandeja deslizou da parede, revelando um pequeno teclado.

– Ele “escorregou” e caiu de cara no chão. – o guarda respondeu enquanto digitava uma sequência de números no teclado. – Se é que você me entende.

– Sim, eu entendo. – a mulher balançou a cabeça enquanto sorria. – Qual o número da cela?

– Setenta e quatro; corredor dezenove.

– Certo, podem ir.

Houve um click quando a outra porta foi destrancada e Yesung foi empurrado para frente. Seu nariz latejava e o sangue, em alguns pontos, começava a secar. O corredor terminava em uma grade de barras grossas, guardada apenas por um policial, que naquele momento encontrava-se sentado e de cabeça baixa. Quando a dupla se aproximou, ele se pôs de pé.

– Mãos para frente. ­– o policial ordenou.

Yesung obedeceu e estendeu os braços.

– A partir de agora, ele é problema seu. – o primeiro guarda falou.

– Não por muito tempo. – o outro respondeu.

Yesung massageou os pulsos quando as algemas foram tiradas. Ele atravessou a grade e entrou no pátio sem cobertura – o sol entrava livremente, deixando o chão aquecido. Algumas pessoas caminhavam de um lado para o outro enquanto outras conversavam entre si. Havia uma pia no canto, possivelmente para lavar as mãos; Yesung se aproximou e abriu a torneira, com a mão em formato de concha, ele jogou um punhado d’água no rosto sujo de sangue.

– Teve hemorragia nasal? – a voz era feminina e vinha de trás.

Yesung ignorou e continuou limpando o rosto sujo – lentamente a pia ficava com água rosada.

– Ficou surdo? – a mulher continuou. – ‘Tô falando contigo.

Ele ergueu a cabeça e tentou inspirar, o ato fez com que mais sangue escorresse. Merda.

– Meu Deus...

Yesung ouviu passos e em seguida houve um puxão em seu ombro, fazendo com que ele ficasse de frente. A dona da voz era uma mulher de altura mediana e magra, o cabelo preto encontrava-se trançado nas costas e as mangas do macacão estavam erguidas até o ombro – revelando os braços finos.

– Não vai limpar esse sangue nunca! – ela falou irritada. – Tem que coloca-lo no lugar.

A mulher ergueu o braço e tocou o nariz do inumano, o puxando em seguida. Um grito rasgou a garganta de Yesung enquanto o sangue escorria por suas mãos e caía em gotas grossas no chão. Ele agarrou a borda da pia e a apertou até os nós de seus dedos ficarem brancos. A dor deixou sua mente enevoada e ele fechou os olhos tentando se acalmar.

– Demora um pouco, mas passa. – a mulher falou vendo-o erguer a cabeça. – Daqui a pouco sua mente volta ao normal.

Yesung colocou a mão debaixo da torneira aberta e jogou água no rosto até todo o sangue ter sido limpo. Ele ergueu o braço, e enxugou o maxilar molhado com a manga do macacão. A dor havia cessado, dando lugar ao alivio.

– Por que me ajudou? – ele murmurou.

– Porque eu não aguentava mais ver aquele sangue escorrer. – ela justificou cruzando os braços. – Um “obrigado” seria uma opção.

Yesung ficou em silêncio e a encarou. Ela parecia ser uma pessoa comum, não fazia sentido ela estar presa ali. A não ser...

– Obrigado. – ele respondeu.

– De nada. – a mulher respondeu. – Sou Luna.

– Yesung. – ele respondeu.

Luna virou de costas e caminhou em direção a um saco de pancada que era mantido pendurado no teto, ao lado de alguns equipamentos de musculação. Yesung fechou a torneira aberta e a seguiu.

– Por que você foi presa? – perguntou enquanto se aproximava a passos rápidos.

– Pelo quê você acha? – Luna retrucou. – Sou uma inumana.

– Veio da Zona Industrial?

– Não... – ela estalou os dedos e preparou-se para golpear o objeto. – Sou da Zona Comercial mesmo.

Ela golpeou o saco de pancada com extrema habilidade e força, parecia estar acostumada a lutas. A cada impacto, o objeto balançava para trás, acertava a parede e voltava. Yesung franziu o cenho ao ver como aquilo parecia fácil para ela, tendo em mente que um equipamento daqueles pesava mais de setenta quilos.

– Força. – ele concluiu.

– Boa percepção. – Luna respondeu sem parecer cansada. – E você? Também é um?

– Regeneração. – falou sentando em um banco livre ali no canto. – Mas com defeito.

– Como assim? – ela indagou parando o efeito pêndulo do objeto.

– Se eu for baleado, meu organismo se regenera sem expulsar o projétil. – falou esfregando as mãos. – Às vezes o ferimento interno não fecha e fico com uma hemorragia.

– Nossa. – ela encarou o saco de pancada e então voltou a golpeá-lo. – Não achei que isso existia.

– Mas existe.

Yesung assistiu em silêncio enquanto Luna desferia uma sequência de golpes no saco de pancadas, que balançava constantemente. Em um dos golpes, um gancho de direita mais precisamente, o equipamento não resistiu à força e acabou rasgando. Pequenos grãos rapidamente se espalharam pelo chão de concreto cinza.

– Nossa... – ele respondeu. – Isso tudo é raiva?

– Também. – Luna respondeu enquanto caminhava até uma pilha de cilindros jogados no canto. Ela pegou um deles e retornou, prendendo-o no gancho logo em seguida. – Quer tentar?

– O quê?

– Tenho certeza que você tem alguma raiva contida. – ela respondeu pondo as mãos na cintura. – Está na hora de extravasa-la.

Yesung passou as mãos nas coxas e então levantou. O saco de pancadas era novo e o couro negro parecia reluzir com a luz solar. Ele o tocou levemente e então desferiu um soco – imediatamente, Luna estalou a língua.

– Não assim. – ela o contornou e parou ao lado esquerdo. – Concentre toda raiva que você tem guardada. Feche os olhos e imagine que esse saco parado na sua frente é a pessoa que você mais odeia. Essa é uma das técnicas que eu uso.

Ele obedeceu e fechou os olhos. Muitas imagens surgiram a sua mente. O policial que o baleara na noite da troca de câmeras, a suposta morte de Kangin, o guarda que o golpeara na cela, a sensação de inutilidade sentida quando Sungmin atirou no núcleo da Torre e Heechul. Heechul.

Yesung abriu os olhos, sentindo seus braços tremerem. Ele fechou a mão direita e iniciou uma sequência de golpes contra o saco de pancadas. O ódio explodia a cada impacto que suas mãos davam à superfície de couro, ele gritava sentindo-se bem em extravasar todo aquele sentimento reprimido. Parou apenas quando o suor escorria pela testa e o tecido do macacão grudava nas costas, a respiração estava acelerada.

– Muito bem. – Luna comentou. – Era disso que eu estava falando.

Ele parou o movimento de pêndulo do objeto e sentou no banco ao lado. Yesung passou um das mãos pelo cabelo molhado, sentindo um nó se formar na garganta.

– Obrigado. – falou mantendo a voz firme. – Obrigado...

– Não tem o que agradecer. – ela respondeu enquanto voltava a golpear o saco. – Às vezes é bom deixarmos alguns sentimentos virem à tona.

Yesung recostou-se na parede e ergueu o olhar para o céu. A Sede do governo da Zona Comercial era visível dali, um prédio que refletia o brilho do sol devido a enorme quantidade de janelas. A penitenciária ficava no mesmo complexo que a Sede, mas a distância entre ambas era separada por algumas torres de vigilância e duas praças em formato circular. As celas dali recebiam um monitoramento maior que as da Sede e, por causa disso, visitas não eram permitidas.

Uma leve sirene tocou e uma voz feminina ecoou pelos alto-falantes.

– Hora de voltar para as celas.

Luna ergueu o olhar e encarou uma das caixas de som, logo em seguida estalou a língua. Ela retirou o saco de pancadas do gancho e o colocou sobre os outros no canto como se não pesasse nada.

– Bem... – ela falou enquanto se aproximava. – Vejo você depois?

– Acho que sim. – Yesung levantou e esfregou as mãos na roupa. – Se nada acontecer, é claro.

Ela sorriu e esfregou a nuca. Lentamente o pátio começava a esvaziar, Luna sorriu minimamente e se dirigiu para uma das saídas. Yesung assistiu em silêncio e então encarou suas mãos, a raiva que ele extravasara agora era expressa pelos nós vermelhos de seus dedos.


Notas Finais


E ai? O que acharam?

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