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História Além das Quadras - Sentimentos. Tristes ou felizes?


Escrita por: MarcelineA

Notas do Autor


Oláaaa amoras! Tudo bem com vocês? Espero que sim!
Bom, eu decidi adiantar um pouco a postagem por motivos de: final de período da faculdade.
Com isso, eu estou enrolada para responder os reviews, mas assim que as provas e trabalhos acabarem, eu vou responder vocês, okay? Não deixem de comentar por isso, okay? Amo vocês ♥
Nesse capítulo vamos ver um pouco mais da visão do Erick ♥ Eu particularmente gosto muito desse cap e espero que vocês gostem também ♥
Boa leitura u.u
Ghost Kisses
~Marceline

Capítulo 5 - Sentimentos. Tristes ou felizes?


Fanfic / Fanfiction Além das Quadras - Sentimentos. Tristes ou felizes?

Janeiro de 2014

Erick sempre teve esperanças de não sofrer com o fato de seu pai ser militar. Até aquele momento, já havia morado em três lugares: Rio Grande do Sul, que foi onde nasceu; Brasília, para onde se mudou quando ainda era bebê; e Belo Horizonte, última e, até aquele momento, atual cidade.

Queria continuar lá e até se formar com a mesma turma e, principalmente, com Henry ao seu lado. Mas o sistema do exército não colaborou nem um pouco, mandando seu pai para o Rio de Janeiro justamente quando ele estava prestes a entrar no ensino médio.

Diferente de Henry, nunca teve problemas em socializar, então isso não era seu maior problema no momento. Seu maior problema mesmo era ter que se separar dos seus dois melhores amigos e sair do time de vôlei que ele e Henry frequentavam desde que tinham onze anos. Ficava imaginando como seria dali para frente, quando ele não teria mais Henry e vice-versa. Como será que os dois lidariam com isso?

Tinham criado uma ligação inexplicável durante esses anos que conviveram. Jogavam juntos, estudavam juntos, brincavam juntos e quase morreram quando souberam que ficariam em salas diferentes no oitavo ano do ensino fundamental. Sempre faziam tudo o que era possível juntos. Onde você via Henry, Erick também estava. Onde se via Erick, Henry estava ao seu lado. Sempre. Raramente se separavam e, quando o faziam, ficavam conversando por mensagens de celular.

Até mesmo quando Henry sofreu um acidente, Erick não conseguia sair de perto do amigo, sempre pegando o que ele precisava ou o ajudando a se locomover pela escola. Dificilmente tirava os olhos de Henry naquela época, com receio de ele se machucar de novo.

Erick sabia que dependia muito de Henry para tudo. Sabia, portanto, que sofreria pela separação. E isso refletia na sua personalidade. Estava mais quieto, o que não era feitio dele, além de totalmente desanimado para fazer qualquer coisa, até jogar vôlei. Tinha se acostumado tanto com a presença de Henry que não via mais graça em nada se o amigo não estivesse por perto.

Então ficava grudado no celular 24 horas por dia, trocando mensagens idiotas com Henry e, mesmo que estivessem sem assunto, Erick fazia de tudo para manter o amigo falando. Era estranho o modo como sentia um vazio no coração desde que se mudou, mesmo que tivesse saído de Belo Horizonte há poucas semanas.

O apartamento disponibilizado pelo exército era em uma vila militar bem longe do Colégio Militar, mas perto de um clube em que poderia continuar com o vôlei. Erick pensou em desistir de jogar, alegando que não tinha tanta graça se Henry não estava lá para ajudá-lo com seu treinamento. Henry quase o matou por causa disso, dizendo que ele deveria continuar jogando independente de onde estava.

Quando você voltar para BH, entraremos no mesmo time e vamos ser os melhores jogadores, você ouviu? Você me meteu nessa e eu estou aqui por você, então nada de desistir! Se eu continuar treinando, você também vai.”, a mensagem de Henry fez Erick sorrir e sentir-se motivado a continuar, afinal, seriam companheiros de equipe futuramente.

Erick ficou extremamente feliz e animado com a ideia. Sentiu-se bem em saber que tinha feito Henry gostar de alguma coisa que não fosse videogame, o que sempre foi bem difícil. Por causa de Henry, ele decidiu que não desistiria, então pediu para sua mãe lhe colocar no clube que tinha perto de casa. Ele estava ansioso, já que ficara quase duas semanas inteiras esvaziando as caixas da mudança e colocando as coisas nos devidos lugares.

Animado? – perguntou Nathália, sua irmã, pegando as chaves do carro dos pais.

É vôlei, Nathália. Óbvio que estou animado. – respondeu Erick com um sorriso.

Não sei, você estava todo depressivo nas primeiras semanas que mudamos – ela disse, dando de ombros – E me lembro de ter ouvido você falando para a mãe que ia desistir. O que o fez mudar de ideia?

Bonito, moça. Escutando a conversa dos outros. – brincou Erick, dando uma ombrada na irmã. Mesmo que ela tivesse dezenove anos e ele apenas quatorze, já tinha conseguido ultrapassá-la no quesito altura. Nathy sempre detestou isso, mas não tinha muito o que fazer, e Erick adorava irritá-la por conta disso.

A culpa não é minha se o assunto era você desistir do vôlei! – ela exclamou e eles entraram no elevador – Você desistindo do vôlei? Nunca pensei que essa ideia passaria pela sua cabeça.

Bom... – ele fez uma pausa e soltou um suspiro – Henry me incentivou a continuar.

Nathy soltou uma risadinha.

Novidade... – ela disse, sorrindo para o irmão – Continua falando com ele?

Erick a olhou com falso ultraje.

Mas é óbvio! Ele é meu melhor amigo! Porque pararia de falar com ele? – perguntou Erick. Chegaram até a garagem e se dirigiram para o carro cinza da família.

Pode ser difícil manter amizades à distância.

Entraram no carro e Nathália deu a partida. Erick ia com o celular na mão, conversando com Henry.

Não a nossa amizade. Vou fazer o possível e o impossível para mantermos contato – disse ele determinado. Nathy sorriu.

Você gosta mesmo dele, não é?

Eu o amo, Nathália. Ele é o irmão que eu gostaria de ter.

Nathy arqueou uma das sobrancelhas para Erick.

Quer dizer que você não me queria como irmã? Estou magoada agora.

Não seja dramática, eu te amo também, sua idiota. – ele disse rindo e apertando a bochecha da irmã, que lhe deu um tapa.

Acho bom, senão te expulsaria do carro – ela respondeu, sorrindo.

Então continuaram as brincadeiras que sempre faziam quando estavam no carro até chegarem ao clube. Ficava a uns vinte minutos da casa deles e, como o treino era de noite, Nathália podia levá-lo sem atrapalhar seu futuro horário na faculdade.

Você vai ficar? Diz, por favor, que você vai ficar – implorou Erick ao saírem do carro.

Você quer tanto que eu fique? Por quê?

Eu quero que você me diga se eu sou tão bom quanto eles. – disse Erick, convicto – E porque eu não quero ficar sozinho. É estranho não ter Henry por perto.

Então eu seria a substituta do Henry mesmo estando na arquibancada? – ela cruzou os braços na altura dos seios, olhando para o irmão com uma cara de desdém.

Basicamente? – ele falou sem graça. – Vamos, Nathy! Nunca te pedi nada!

Olha só o mentiroso! Você vive me pedindo as coisas.

Por favorzinho? – ele pediu, fazendo beicinho e juntando as mãos. Nathália revirou os olhos e empurrou o rosto de Erick com uma das mãos.

Tá bom, eu fico – ela se deu por vencida – Mas só se você fizer massagem em mim quando chegarmos em casa.

Eu faço! – ele prometeu, animado, pegando a mão da irmã e saindo em direção à portaria do lugar.

Falaram com o porteiro e entraram no clube, sendo acompanhados até o ginásio por outro homem que estava na portaria. Rio de Janeiro já era um inferno de quente, mas aquele lugar parecia bem mais quente que o normal. Era abafado mesmo com os enormes ventiladores do local. Alguns garotos da sua idade conversavam em grupo, sem nenhum adulto perto. Erick concluiu que tinha chegado mais cedo do que o esperado.

Eu vou ficar na arquibancada – comentou Nathália, de frente para Erick. – Bom treino, pirralho.

Ela deu um beijo na testa de Erick e se encaminhou para a arquibancada. Com uma inspiração profunda, Erick caminhou em direção àqueles garotos, que riam de alguma coisa quando ele chegou mais perto.

Oi – ele cumprimentou, tentando não parecer animado demais – Eu sou novo aqui, o treinador ainda não chegou?

Você não é daqui né? É de Minas, certo? – perguntou um dos garotos. Ele tinha cabelos castanhos claros e uma cara de desdém.

Erick pareceu um pouco espantado.

Como você sabe?

Você fala engraçado. – justificou o cara, soltando uma risada – Bem da roça mesmo.

Minas não é roça! – defendeu Erick, com o cenho franzido.

E Rio de Janeiro não tem tiroteio. – devolveu o garoto.

Erick ficou calado. Não estava ali para brigar ou qualquer coisa do gênero. Queria apenas se enturmar com seus futuros colegas de equipe.

Ei, Roní, deixa de ser chato! – disse um garoto moreno, o único que não estava na rodinha. Ele se aproximou de Erick e lhe deu um sorriso simpático. – Não liga para ele. Roní sabe ser irritante quando quer e, às vezes, é bem idiota – deu de ombros e estendeu a mão para Erick – Sou Emerson.

Erick olhou um pouco desconfiado de início, mas apertou a mão de Emerson, dizendo o seu nome logo em seguida.

Você é um idiota tampinha, Emerson – cuspiu Roní, empurrando o garoto pra cima de Erick.

Idiota é você! – respondeu Emerson, virando-se pronto para encarar Roní, que era bem mais alto que ele, diga-se de passagem.

Antes mesmo que os dois pudessem se atacar com socos e mais palavras ofensivas, uma voz masculina alta e grossa chamou a atenção de todos.

Eu ainda vou trancar vocês numa sala se continuarem com essa briguinha idiota! Vocês são companheiros de equipe, parem com isso! – vociferou um cara alto aparecendo da porta do ginásio.

Ele era absurdamente alto. Possuía ombros largos, braços musculosos e aparentava ter por volta de 40 anos. Seus cabeços eram escuros com alguns fios grisalhos, que combinavam com sua pele morena. Erick sentiu-se um pouco intimidado, mas ficou quieto no seu canto. Não demorou muito para o cara notar a presença do novato perto de Emerson.

Você é novo, certo? – perguntou o homem, parecendo bem mais simpático agora. – Eu sou Marcos, o treinador de vocês. Qual seu nome?

Erick. É um prazer conhecê-lo.

O prazer é meu, Erick. Tem quantos anos? Já jogou vôlei antes?

Tenho quatorze – respondeu Erick, começando a ficar mais animado. Tinha gostado do treinador apesar de tudo – Jogo desde os nove. Nos últimos dois anos, estive treinando pra ser levantador.

Marcos arqueou as sobrancelhas.

Já escolheu uma posição então... – ele comentou e Erick balançou a cabeça, concordando. – Muito bem, vamos começar o treino e você me mostra o que é capaz.

Sim, senhor – concordou Erick, sorrindo.

Vamos aquecer então. Emerson, puxa a corrida.

O garoto assentiu e chamou Erick com a mão, para que pudessem correr juntos. Eles começaram a correr até a escada lateral do ginásio, subindo-a rapidamente e dando a volta no segundo andar até o outro lado da arquibancada, onde desceram as escadas laterais. Repetiram o processo do outro lado do ginásio e deram mais três voltas naquele mesmo estilo depois.

Erick nunca tinha feito tamanho esforço em um aquecimento para um treino, mas achou aquilo extremamente empolgante e estimulador. Enquanto corriam, Marcos montava estações de treinamento para eles.

Então, você é de Minas. – disse Emerson ao seu lado. Ele não parecia tão cansado.

Sim, vim de Belo Horizonte – respondeu Erick, meio ofegante. – Você é daqui mesmo?

Nascido e criado – ele confirmou, sorrindo. Olhou para a arquibancada pela qual passavam, vendo Nathália acenando e sorrindo para eles. Erick retribuiu o aceno. – Sua namorada? Parece meio velha para você.

Erick quase tropeçou quando ouviu aquilo. Depois fez uma careta de nojo. Sabia que Nathy não parecia em nada com ele por conta de... Bem, de tudo. Ela possuía os cabelos extremamente negros, olhos levemente puxados e verdes, sem contar sua pele que era mais escura que a de Erick. Eles eram opostos fisicamente. Mas ele não sabia que podiam ser confundidos com namorados tão facilmente.

Eca! Não, cara – ele disse – Ela é minha irmã mais velha.

Sério? – Emerson olhou para Nathália, ainda correndo – Vocês são muito diferentes.

Pode encerrar, Emerson! – gritou Marcos quando Erick iria responder.

Reuniram-se perto do treinador e ele explicou as atividades que fariam em cada estação que ele tinha montado. Erick não saiu de perto de Emerson, que estava sendo super simpático com ele e parecia não gostar de Roní e dos outros caras que o acompanhavam.

Depois de passar por uma série de exercícios de resistência, agilidade, salto e força, o treinador disse que eles poderiam jogar e falou para montarem os times. Emerson e Roní se apresentaram para escolher os times e assim fizeram. Emerson escolheu Erick logo de cara, o que o outro achou estranho, pois ele mesmo não escolheria alguém que nunca tivesse visto jogar antes. Roní escolheu os caras mais altos de seu grupo, obviamente. Com as escolhas feitas, alguns tendo que ficar de fora do primeiro jogo – e Erick foi um destes –, eles começaram o jogo.

Estando no banco, aproveitou para analisar com os seus futuros colegas jogavam. A equipe de Roní era extremamente ofensiva e Erick notou que todos miravam o saque e os ataques em Emerson. Ele se perguntou o que diabos aqueles caras tinham contra Emerson. Ele foi tão legal que não conseguia ver motivos para tanto desprezo. Emerson jogava bem. Defendia bem e, apesar da sua altura, atacava muito bem também.

Erick, sua vez de entrar – disse Marcos – Você consegue jogar no 5x1 né? – Erick apenas assentiu com a cabeça – Muito bem, vamos ver o que você sabe como levantador.

[…]

A primeira coisa que Erick fez quando chegou em casa foi ligar o computador para conversar com Henry pelo Skype. Ouviu os xingamentos de sua mãe para ele tomar banho antes de mexer no computar, mas tratou de ignorá-la. Queria muito contar como tinha sido seu primeiro dia no time para o melhor amigo.

Assim que saiu do clube, despedindo-se de Emerson no processo, ele mandou mensagens para Henry encontrá-lo no Skype dali a alguns minutos. Foram conversando durante o percurso até sua casa, Henry perguntando incessantemente como tinha sido e Erick teimando que queria contar através do Skype, que queria ver o rosto de Henry.

Conversou com Nathália durante o caminho também, só para ouvir que ele jogava bem mais que os levantadores que ela tinha visto. Erick sorriu satisfeito. Nathy não conhecia muito sobre o esporte, mas sabia ver habilidades motoras muito bem.

Quando o computador ligou, Erick clicou incessantemente no ícone do Skype, que pareceu demorar uma eternidade para abrir, e clicou no nome de Henry, chamando-o rápido para uma conversa de vídeo. Não demorou muito para a chamada ser aceita e o rosto sorridente de Henry aparecer na tela do computador de Erick.

Meu Deus, você está uma merda! – exclamou Henry, rindo. Realmente ele estava. Todo sujo e suado por causa do jogo, mas não se importou. A felicidade que inundou seu peito quando viu Henry fazia com que Erick não se importasse mais com nada.

Erick apenas ficou olhando para Henry. O sorriso do amigo lhe trouxe tantos sentimentos nostálgicos que chegava a doer. Lembrou-se de quando eles foram assistir ao primeiro jogo da vida deles, de quando Marge bateu em alguns meninos do prédio de Henry que estavam enchendo o saco dos dois, de quando, aos treze anos ele viajou com os dois para a casa de praia de Marge em Vila Velha. Todas aquelas lembranças vieram como um golpe de taco de beisebol em seu peito.

O sentimento de vazio era devastador. Olhar para Henry era torturante e confortável. Confortável porque sabia que o melhor amigo estaria com ele até à distância. E torturante por fazê-lo sentir saudades de Belo Horizonte, o lugar que ele considerava sua real casa. Erick sabia que seu lugar era ao lado de Henry, de Marge, de seus amigos do colégio e até mesmo de Rayssa.

Ei, cara! – a voz alta de Henry tirou Erick de seus devaneios – O que aconteceu? Porque você está chorando?

Então Erick notou que estava realmente derramando lágrimas. Sua expressão foi tomada por uma tristeza muito grande e ele cobriu o rosto com as duas mãos.

Eu odeio esse lugar, Henry – ele disse com a voz embargada – Eu não quero ficar aqui. Aqui é horrível, as pessoas são estranhas e... Meu Deus... – Erick soluçava, a respiração ficando ofegante a cada palavra que falava.

Mas você nem conhece aí direito – argumentou Henry – Você vai fazer novos amigos e...

Eu não quero novos amigos! – exclamou Erick, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto já vermelho – Eu quero você, Marge, Rayssa, os caras do Arsenal... Eu quero voltar pra casa, Henry...

Henry ficou uns minutos estagnado com o que ouviu. Erick percebeu que seu amigo estava tenso, pois ele começou a morder o lábio inferior e parecia estar torcendo os dedos no colo. Erick apoiou os cotovelos na mesa, abaixando sua cabeça até suas mãos e passando-as pelos cachos loiros que tinha deixado crescer nas férias.

Me tira daqui, Henry... – sussurrou – Por favor...

Eu sei que você sente falta daqui – disse Henry, a voz um pouco triste também – Mas você tem que pensar que é só uma fase. Você só precisa aguentar um pouco até poder voltar para cá. É isso que sua mãe quer, não é? Voltar para Belo Horizonte depois que seu pai completar o resto do período que ele tem que ficar no exército, certo?

Mas isso vai demorar muito... – resmungou Erick. Henry sorriu.

Não pense assim – pediu ele – Aproveite o que o Rio tem de bom. Vai passar em um instante. – ele fez uma pausa, olhando para Erick através do computador. – Você tem que deixar o tempo agir. O que tiver que acontecer, vai acontecer, certo? Não adianta ficar sofrendo dessa forma.

Era estranho ouvir aquilo da boca de Henry, uma vez que ele mesmo sofria por antecedência sempre. Mas Erick sabia que sempre era mais fácil falar do que fazer. Ou deixar de sentir.

É, acho que você tem razão – sussurrou Erick. Ele limpou as últimas lágrimas que tinha nos olhos e sentou-se ereto na cadeira.

Eu sempre tenho razão – Henry deu de ombros, o que fez o amigo rir e revirar os olhos.

Você é um idiota, isso sim!

Ah não – Henry balançou a cabeça – Esse cargo já é seu.

Erick deu língua para Henry e eles começaram a rir.

Henry sempre tinha as palavras certas para dizer a Erick quando ele estava triste. Era uma coisa rara de acontecer, mas quando acontecia, Erick sabia que podia contar com o amigo para lhe dizer a coisa certa e palavras reconfortantes. E Henry tinha razão. Era apenas uma fase que iria passar rápido se ele não pensasse muito no assunto.

Ele tinha apenas que aceitar e esperar para voltar para sua verdadeira casa.

 

 

* * *

 

Atualmente - 20 de julho de 2016

Desde que reencontrara Henry, tudo que Erick queria era morrer.

Depois de tudo que tinha lhe acontecido, aprendera a esconder seus sentimentos muito bem. A verdade era que ele estava totalmente confuso e surpreso por ter reencontrado Henry depois de tudo que aconteceu ano passado.

Ele sempre participara de todos os Jogos que eram promovidos pelo sistema Colégio Militar e nunca imaginou que encontraria Henry justamente no seu último ano de colégio. Antes de tudo acontecer, costumava se chatear por nunca encontrá-lo nos Jogos. Entretanto, depois do ocorrido, estava contando com a ausência dele. Não sabia o que sentiria ao vê-lo e, afora a surpresa, agora ainda não sabia o que sentir.

Mas as coisas estavam bem diferentes agora, e isso ele tinha sentido.

Erick não soube exatamente a época em que tudo começou a mudar, mas, quando viu, tudo estava fora de seu alcance e controle. Todas as coisas que importavam estavam escorrendo pelos seus dedos sem ele ao menos ter percebido. Não soube quando seu mundo começou a ruir de verdade, levando-o para um inferno do qual ele não conseguia se livrar.

O que passou pela sua cabeça e o que sentiu quando viu Henry foram coisas que ele mesmo não sabia explicar. Era uma mistura insana de tantos sentimentos... Parecia que sua cabeça iria explodir a qualquer momento.

Mas uma coisa ele tinha em mente, clara como água: a culpa era toda de Henry. Se não fosse, de quem mais seria? Ele já se sentia culpado por diversas coisas, não queria que aquilo fosse mais uma delas.

Até pouco tempo atrás, não sabia ser capaz de sentir uma raiva tão forte a ponto de consumir todos os seus ossos. A queimação em suas entranhas era incômoda, e Erick sentia vontade de quebrar tudo o que via pela frente ou chorar desesperadamente até perder todo o ar dos pulmões.

Toda vez que via Henry, ele lembrava... Uma voz masculina penetrando em seu cérebro, esganando cada um de seus sentimentos. Não era a voz de Henry, mas era igualmente inesquecível. Aquele tom cheio de ódio era algo que ele nunca iria sair de sua mente. A fúria contida naquelas palavras chegava a ser tão palpável quanto um toque em uma bola. Sempre que pensava nisso sua mente rodava, tentando se convencer de que nada daquilo era verdade, que tudo o que ouvira eram apenas mentiras. Se ele se convencesse de que não era verdade, talvez tudo pudesse voltar ao normal. Mas as lembranças eram intensas e furiosas demais para ele simplesmente ignorar.

Todas as palavras ditas, e até mesmo as não ditas, sufocavam Erick. Ele teve que erguer barreiras para se proteger do que não era capaz de evitar. Teve que se tornar outra pessoa para suportar o peso de tudo que lhe fora dito e arruinado. Detestava que fosse tudo daquela forma, mas era inevitável. Era isso ou ruir de uma vez.

– Estamos indo almoçar, você vem? – uma voz masculina familiar lhe tirou de seus devaneios.

Erick olhou para o lado, vendo o cara alto perto de sua cama. Danilo era um dos poucos caras com quem conversava no time do colégio deles. Erick tinha mudado tanto nos últimos anos que todos se afastaram dele. Todos o viam como o egoísta que só pensava em vôlei e que não se importava com mais nada. Além de outras coisas que ele preferia não se lembrar. Erick sabia que só o mantinham no time por ser bom, porque, se não fosse, teria sido expulso há muito tempo.

Era um fato que ele tinha se tornado agressivo no jogo. Gritava com seus companheiros quando erravam, estava sempre dizendo que eles eram inúteis por não conseguirem acompanhar levantamentos simples que ele fazia e quase chegou a agredir um de seus companheiros por perder uma bola importante num jogo. Ele tinha escolhido o vôlei como forma de descontar sua raiva e frustração.

Mas ele não ligava para o que achavam. Que as outras pessoas que se fodessem. Ele não precisava delas, não precisava de ninguém. Podia ser arrogante e egoísta, mas pelo menos levava a vitória para o CMRJ sempre, e era isso que importava. Apenas isso.

Talvez fosse por isso que Danilo ainda conversava com ele. O garoto nunca se importou em ganhar ou perder. Também não estava preocupado em ser julgado por errar. Para falar a verdade, ele nem se importava com o vôlei. Jogava apenas por terem implorado para que ele entrasse no time, já que tinha uma coordenação e habilidades motoras excelentes. Conseguia executar qualquer movimento e aprendê-lo com uma facilidade absurda. Então, ele realmente não se importava se Erick era egoísta ou se só pensava em vôlei. Não era algo importante para ele.

– Por que você ainda se dá o trabalho? – perguntou Erick, a expressão fria em seu rosto.

– Eu gosto de te irritar – disse Danilo, dando de ombros – E gosto do modo como você finge ser forte o tempo todo, mas está totalmente quebrado por dentro.

Erick franziu o cenho, encarando Danilo de maneira mortal. Tinha que admitir que o garoto era extremamente observador. Isso, na verdade, irritava muito Erick. A última coisa que ele queria era ser um livro aberto.

– Imbecil.

– Babaca.

Erick revirou os olhos e desceu da cama de cima, acompanhando Danilo para fora do alojamento até o refeitório. Trocaram algumas palavras no caminho até o local, mas nada de muito importante. Pegaram o que queriam comer e sentaram-se junto na mesa onde se reuniam o resto de seu time e o time de basquete. Outros dois caras, que, assim como Danilo, ainda se davam ao trabalho de falar com Erick, foram os únicos a cumprimentá-lo. O resto das pessoas simplesmente o ignorou, cumprimentando apenas Danilo. Erick não se deu ao trabalho de se importar, mas ficou escutando a conversa de seus colegas enquanto comia.

– Hoje vai ter o jogo do CMBH contra o CMJF. – disse Oliveira, o capitão do time deles e um dos que ainda conversava com Erick esporadicamente. – Estão dizendo que o time de Belo Horizonte está bem forte esse ano, apesar de não terem feito o jogo de estreia ainda.

– O que te faz pensar que eles são bons então? – perguntou outro.

– Alguns caras de Porto Alegre me falaram de um cara alto e moreno que joga como central deles. – respondeu Oliveira.

Erick imediatamente soube de quem se tratava. Lembrava-se do rosto do garoto moreno, seu nome era Christian, se não lhe fugia a memória. Henry o tinha apresentado no ano anterior. Mas o que lhe incomodava era que esse mesmo cara, Christian, esteve no aniversário de Henry, aquele mesmo aniversário em que ele não pode comparecer e, por isso, ele e Henry ficaram separados. Lembrou-se de como se sentiu trocado, substituído. De como seu coração acelerou ao imaginar Henry sendo melhor amigo daquele cara.

– E outros viram o treino deles ontem, que foi antes do nosso. Disseram que o líbero deles é insano de bom. – continuou o capitão.

Erick não precisou de mais informações para saber que começaram a falar de Henry. Lembrava-se de como Henry era um pouco desengonçado para atacar as bolas que ele levantava no início, mas sempre soube que ele era ótimo na defesa. Ele sempre se jogava no chão para pegar toda e qualquer bola. Não era novidade de que o garoto continuara treinando e estava se especializando naquela posição defensiva.

– Ouvi dizer que ele foi o Zero Um da série dele – comentou outro cara – E provavelmente vai ser nomeado coronel-aluno esse ano.

– Foi ele que fez oito minutos e pouco no biathlon né? Tão achando que ele vai ganhar alguma medalha nessa prova.

– Eu acho que seria uma boa nós vermos o jogo deles – sugeriu Oliveira – Se eles são fortes candidatos a estar nas finais, temos que ficar de olho.

– Sem contar que são nossos maiores rivais.

A rixa entre CMBH e CMRJ era antiga e parecia nunca ter fim. Ambos os colégios levavam a competição muito a sério e estavam sempre pau a pau na maioria das modalidades. Era bem difícil dizer quem iria ganhar aquele ano, a competição estava verdadeiramente acirrada.

– Eu consegui uma quadra para a gente treinar desde agora depois do almoço até umas duas horas. O jogo deles começa por volta desse horário. Talvez a gente perca o primeiro set deles, mas não tem problema – disse Oliveira. – Não se atrasem, esses treinos são importantes.

Os outros assentiram e continuaram conversando. Agora falavam sobre como foi fácil derrotar o CM de Manaus no dia anterior. Erick tinha que concordar que o jogo de estreia deles não tinha sido nada difícil. Porém foi um dos momentos em que mais se sentiu irritado, pois os caras de seu time não pareciam estar jogando sério e sim levando na brincadeira. Erick sabia que o jogo estava ganho, mas queria dar o seu melhor, queria extravasar da melhor maneira possível.

Queria massacrar todos os seus adversários.

E Henry não estava fora de sua lista.

[…]

Oliveira estava certo quando disse que acabariam perdendo o primeiro set do time de Henry. O treino tinha sido intenso e eles chegaram à área onde estava sendo aquela competição quando o CMBH fez os últimos pontos daquele set.

Chegaram perto do time de vôlei feminino do CMRJ e sentaram-se ali na grama, junto com as meninas. As quadras que tinham naquela área eram cercadas por morros pouco íngremes, os quais estavam servindo de arquibancada para os espectadores dos jogos realizados ali. Eles estavam um pouco distantes, mas tinham uma vista muito boa da quadra abaixo.

Não deu para ter muita noção de como eles jogavam, pois conseguiram os últimos pontos com facilidade. Porém, ver Henry ali lhe fazia sentir-se estranho. A dualidade de sentimentos que preenchiam seu íntimo era extremamente agoniante, como se fosse uma tortura interna pela qual seu corpo desejava passar.

Ele estava em uma constante batalha interna. Ora sentia-se bem com o que dissera para Henry no jantar da noite passada, ora sentia-se culpado por falar aquelas palavras tão duras. Toda vez que se sentia arrependido, aquela mesma voz cruel e ríspida, que tanto o atormentava, voltava e dizia novamente todas aquelas palavras que Erick não podia interpretar como nada além de verdadeiras, e ele parava de se sentir culpado.

Erick sabia que estar ali significava estar se torturando. Mental e emocionalmente. Ao mesmo tempo em que queria esmurrar a cara de Henry e dizer que ele estragara sua vida, que se não fosse por ele aquelas coisas horríveis não teriam acontecido; queria também sentar e conversar, expor coisas que deixava trancadas a sete chaves dentro de si. Queria deletá-lo da sua vida ao mesmo tempo que queria despejar seus sentimentos, sabendo que Henry iria entender e lhe dizer palavras acolhedoras. Queria testar as coisas que estavam na sua cabeça ao mesmo tempo em que desejava mantê-las para si.

Mesmo que tenha sido um completo babaca, no fundo Erick queria ter o melhor amigo de volta. Desejava que nada daquilo tivesse acontecido. Ele só queria que a vida continuasse normal, que não tivesse que aceitar coisas nas quais não acreditava e passar por problemas que não desejaria para ninguém.

Erick ignorou seus colegas e ficou observando o time de Henry, as pernas dobradas perto do peito, seus braços apoiados sobre os joelhos e a cabeça sobre os braços. Observava aquela garota, a mesma que tinha dado em cima dele no ano passado, falando muitas coisas, provavelmente motivando-os, e via outra garota distribuindo garrafas de água entre os jogadores.

Mantinha sua visão focada em Henry. Vê-lo com o bico de uma garrafa na boca, a água escorrendo pelo seu queixo, fez com que Erick sentisse seu corpo se contorcer. O modo como ele levantou a barra da camisa para enxugar o suor, mostrando a pele branca e com algumas sardas fez o coração de Erick falhar uma batida.

“Por favor, não...”, pensou e fechou os olhos, respirando fundo.

Quando os abriu novamente, viu que Henry estava olhando em sua direção. Desejou que ele estivesse mirando outra pessoa, mas, no fundo, ele sabia que estaria sendo observado. Sua expressão foi tomada por um leve desgosto: o desgosto de saber que estava sendo um tremendo babaca e, pior: que não conseguia lutar contra isso.

Mas logo esse pensamento se dissipou de sua mente, que se encheu de preocupação quando viu que Henry começara a respirar com mais dificuldade, os punhos cerrados ao lado do corpo. Erick não precisou de mais nada para saber que Henry estava tendo uma crise de ansiedade. Foi quase que automático levantar-se e querer ir ao encontro dele, mas a voz em sua mente o parou.

Erick ignorou seus amigos perguntando por que ele tinha se levantado. Tentava com todas as forças afastar a voz de sua mente e, com isso deu um passo, mas parou novamente ao ver as ações de Henry. Ele vasculhava sua bolsa a procura de alguma coisa que Erick não fazia ideia do que pudesse ser. Depois de uns segundos, Henry correu para o garoto alto e moreno, Christian. Não demorou muito para Henry receber dele uma cartela de comprimidos, da qual pegou dois e colocou na boca, tomando-os com a água logo em seguida. Erick viu Christian o repreender, pegando em seus ombros e olhando-o com uma sincera preocupação.

A preocupação que ele reconhecia no próprio rosto quando se tratava de Henry.

Porém aquela cena mexeu com ele de alguma forma. Teria Henry encontrado mesmo um substituto, alguém que fizesse o papel que ele costumava fazer? Teria ele arrumado outra pessoa para lhe tirar das crises? Aquela preocupação no olhar de Christian era mais do que preocupação. Erick soube que havia algo além de amizade entre aqueles dois. Soube pelo modo como ele tratou Henry e soube pelo modo como Henry reagiu.

A raiva foi inevitável. A fúria foi descontrolada. A vontade de sumir veio logo em seguida. Foi então que percebeu. Percebeu o que desencadeara aquela crise em Henry: a sua presença. Percebeu e não acreditou, principalmente depois de tantos anos sendo aquele que as acalmava ou as evitava.

Percebeu também que aquilo doía.

[…]

Erick deixou tudo de lado. Ignorou as vozes em sua mente, ignorou o sentimento de raiva que vinha às vezes, ignorou o coração pesado e acelerado. Queria apenas saber se estava tudo bem com Henry. A saudade foi maior. O sentimento de cuidado que tinha com Henry desde que eram pequenos foi maior.

Então foi até o vestiário perto das quadras, onde os times que acabaram de jogar estavam tomando banho. Erick disse a Danilo e Oliveira que iria ao banheiro e ficou na porta do vestiário esperando que Henry saísse para que pudesse falar com ele.

Não sabia exatamente o que falaria. Sua mente estava uma confusão, a única coisa de que tinha certeza era de que precisava verificar se Henry estava bem.

Os minutos foram passando. Erick mexia em seu celular para matar o tempo. Não se sentiria a vontade de entrar no vestiário, com toda aquela gente, e chamá-lo no canto. Preferia esperá-lo sair, mesmo que ele estivesse acompanhado de algumas pessoas. Não tinha um motivo real para sentir-se assim, apenas sentia.

Então ficou lá encostado a parede, esperando e esperando e esperando. Viu algumas pessoas saindo, mas nada de Henry. Lembrava-se de quando eram pequenos e iam sair. Na opinião de Erick, Henry sempre demorava mais que o necessário para se arrumar. Ele deu um sorriso mínimo. As coisas não tinham mudado completamente.

Em algum momento, ele se sentou no chão ao lado da porta, encostando a cabeça na parede e dobrando as pernas para perto do peito para apoiar os braços e mexer em seu celular. Para a sua infelicidade, a bateria acabou em alguns minutos de uso, fazendo-o morrer de tédio. E nada de Henry aparecer.

Depois de mais alguns minutos, viu o time do CMBH saindo do vestiário. Falavam alto e riam, mas Erick notou que Henry não estava no meio deles, e também percebeu que ninguém o notou ali sentado. Pensou em perguntar para eles onde Henry estava, mas algo o impediu. Então perdeu a chance, vendo os garotos desaparecerem prédio a fora.

Apoiou a cabeça sobre os braços e só notou que tinha cochilado quando alguém o sacudiu pelo ombro. Ele acordou, levantando a cabeça ao mesmo tempo em que falava o nome de Henry. Mas a imagem que viu a sua frente não era do melhor amigo (será que ainda era?) e sim de Danilo.

– Achei que tinha morrido afogado na privada – comentou Danilo de maneira indiferente.

Erick fez uma careta e se levantou, batendo a poeira da roupa.

– Por que se deu o trabalho de me procurar? – perguntou Erick, cruzando os braços.

– Não me dei. Apenas queria usar o banheiro. – disse Danilo, dando de ombros – Esse era o mais perto de onde eu estava.

– Hm...

Olhou para a porta do banheiro. Como tinha cochilado, as chances de Henry ter passado por ali e o ignorado eram grandes. Então apenas desistiu, pensando se poderia chamá-lo mais tarde ou algo assim.

– Vai logo, vou te esperar. – disse Erick, desviando o olhar de Danilo.

– Beleza.

Ouviu Danilo entrando no banheiro e se encostou novamente na parede, olhando para cima e pensando... Será que tinha sido babaca o suficiente para Henry ignorá-lo ali no chão? Não. Henry poderia ficar puto, mas não era do tipo que o abandonaria assim. Ou será que era? Ele próprio tinha mudado, Henry poderia ter mudado também.

Seus pensamentos foram interrompidos pela porta ao seu lado batendo e Erick viu Danilo ao seu lado com uma cara estranha.

– Vamos? – perguntou Erick, não se dando o trabalho de perguntar sobre a careta. Desencostou-se da parede e se levantou. Começou a andar para fora do prédio.

– Eu... É... – começou Dan, alcançando-o com cenho franzido em dúvida – Você não era amigo daquele líbero do CMBH?

Erick franziu o cenho, estranhando a pergunta.

– Sim. Por quê?

– Bem, desde quando ele está ficando com o central do time deles?

Erick parou de andar ao ouvir aquilo. Sabia que algo estava acontecendo entre aqueles dois, o intervalo deixou claro isso. Mas Erick não queria acreditar naquilo. Ele não queria acreditar em nada ultimamente.

– Você está me zoando. – concluiu Erick. Dan franziu os lábios.

– Por que eu mentiria sobre uma coisa dessas? – perguntou Danilo – Bom, eles estavam na maior agarração no vestiário e... Ei, Erick! Onde você vai?

Erick tinha saído andando apressado, uma fúria tomando conta do seu ser rapidamente. Danilo estava mentindo. Estava fazendo aquilo para ver Erick irritado. Mas como ele poderia saber que algo assim o irritaria se ele mesmo não sabia exatamente por que estava irritado?

“É tudo culpa dele. É tudo culpa de Henry”, ele pensava.

Danilo se aproximou dele, tocando-lhe no ombro, e se assustou quando Erick agarrou seus dois braços, olhando fixamente em seus olhos claros.

– O que exatamente você viu? – Erick perguntou de forma autoritária. Nunca tinha visto uma expressão de medo no rosto de Danilo, aquilo era novidade. – Desembucha logo, porra!

– O líbero... Ele... Bem, ele estava... – Danilo se enrolava ao falar, as bochechas tomando um tom leve de vermelho – Ele estava sentado no colo do central e bem... Eles estavam sem camisa e se beijavam e o seu amigo rebolava no colo do outro... Eu não fiquei para ver o resto, apenas saí um pouco desnorteado...

Erick largou Danilo com um empurrão e continuou seguindo a direção que tinha tomado antes. Não queria imaginar a cena, mas ela veio mesmo assim. Imaginou Henry sentado em cima de Christian. Imaginou os lábios de Henry beijando os do central. Imaginou a cena claramente em sua mente e sentiu raiva, a queimação subindo pela sua garganta. O coração apertado, com se estivesse sendo esmagado.

– Erick, por que tudo isso? Para onde você vai? O que aconteceu? – perguntava Danilo, indo para perto dele e passando a mão nos cabelos loiros escuros. Erick nunca tinha visto o colega daquela forma.

Geralmente Danilo não se preocupava com ninguém ou pelo menos não demonstrava se preocupar. Mas Erick, mesmo estando cego de raiva, podia ver a preocupação na expressão do outro. Podia ver o modo alarmado como estava sendo encarado.

– Só me deixa em paz – disse Erick, sentindo lágrimas se formando em seus olhos.

“Culpa de Henry. Tudo culpa dele.”

– Mas Erick, você...

– Me deixa em paz, porra! Some da minha frente! – Erick gritou para o menino e saiu correndo.

Soube que Danilo não tinha lhe seguido, pois não escutou mais a voz do colega. Não notou para onde estava indo, mas, quando viu, estava em uma área deserta com árvores e um declínio a poucos metros. Ele parou de correr e sentou-se embaixo de uma árvore, as costas apoiadas no tronco duro.

Tentava segurar as lágrimas. Sabia que, no fundo, tinha esperanças de nada daquilo ser verdade. Queria acreditar que era tudo uma mentira. Mas saber que Henry estava mesmo ficando com o central – e, pior que isso, sentir que a informação o fazia se sentir queimando por dentro – dilacerava Erick por dentro de uma maneira inexplicável. Ele já havia se sentido assim antes, horrível. Vulnerável. Fraco.

Deixou algumas lágrimas caírem para ver se se sentia mais aliviado, mas não se sentiu.

Ele só queria acordar daquele pesadelo constante.

[…]

A dor era praticamente insuportável. O líquido escorrendo era a única coisa agradável naquela situação, mas Erick não conseguia pensar naquilo como uma coisa boa. Até porque, não era de forma alguma. Os gritos lhe eram confusos aos ouvidos, mas ele sabia exatamente o que as vozes falavam, pois não era a primeira vez que as escutava. A essa altura, ele já nem sabia se eram seus próprios gritos ou de outra pessoa.

Se eu mandei, você vai fazer.”

“Por favor, pare!”

E então o som do chicote, a dor lancinante. Erick sentia a carne de suas costas aberta em diferentes lugares. Pulsava. Doía. Ardia. Sentia o sangue quente e pegajoso escorrendo por elas, manchando o lençol branco da cama. Seus dedos apertavam algo que ele não via, mas tinha uma leve ciência do que era. E se odiava por isso. Tentava manter as mãos fora de alcance, mas não conseguia. Era obrigado a mantê-las ali.

Faça agora, Erick!”

O rosto da outra pessoa estava fora de foco. As lágrimas de Erick embaçavam sua visão, mas ele conseguia ver as manchas de sangue por toda parte. Eram manchas vermelhas numa imensidão branca. O contraste não era difícil de se distinguir. Seria bonito, se não fosse numa situação como aquela.

A dor que Erick sentia o fazia pensar se estava imaginando aquelas vozes ou se estava realmente ouvindo o “Faça, Erick! Isso tudo vai acabar se você fizer!”. Seria sua consciência para fazer com que aquela dor parasse?

– Não... – ele resmungou com dor – Pare, por favor...

Quanto mais negava, mais sentia o couro do chicote tocar suas costas. A cada “não” que dizia, a dor lancinante e aguda era inevitável. Mas Erick não conseguia fazer uma coisa daquelas. Não podia, por mais que a voz, imaginada ou não, lhe dissesse que tudo passaria. Toda a dor e sofrimento passariam se ele fizesse o que estavam lhe mandando.

Erick, faça!”

“Não!”

E o estalo do chicote. A dor.

Faça!”

“Não!”

E de novo.

Tudo vai acabar quando você fizer.”

“Não...”

Dessa vez houve mais de uma chicotada. Erick estava contando-as desde que aquilo começou. Estava se prendendo àqueles números para se manter consciente. Sentia que poderia desmaiar a qualquer momento e provavelmente o faria se levasse mais algumas chicotadas fortes daquelas.

Dez. Onze. Doze.

“Tudo bem! Eu faço!”

As lágrimas quentes desciam pelo seu rosto. Sua respiração estava desregulada e ele sentia que aos poucos o ar deixava seus pulmões para não mais voltar.

“Me desculpe”

Uma música tocou e Erick acordou, assustado, sentando-se na cama de supetão.

Sua respiração estava ofegante. O local estava escuro e ele demorou alguns segundos para notar que estava em um alojamento. Ele sentiu algo escorrendo pelas costas e entrou em desespero. Passou a mão freneticamente pela pele, sentindo-a completamente molhada. Soltou um suspiro quando viu que era apenas suor.

– Um sonho... – ele sussurrou aliviado e voltou a se deitar, o local completamente em silêncio.

Mas não conseguiu dormir novamente. O sonho ainda estava impregnado em sua mente. Era só fechar os olhos que via novamente o sangue, o branco dos lençóis, o rosto da outra pessoa mesmo que estivesse embaçado. Ouvia as vozes entranhadas em sua mente.

Sentiu as lágrimas escorrendo pelos seus olhos. Queria apenas esquecer aquilo tudo, mas não dava, seria algo que o perseguiria para sempre. Já tivera esse sonho antes e sabia que não seria a última vez que o teria. Era inevitável o sentimento de culpa, aversão e raiva. E isso era o que ele mais sentia ultimamente.

Tudo que queria era paz.

[…]

Erick se sentia quebrado. Haviam acabado de ganhar mais um jogo de seu grupo na competição e depois de ter acordado no meio da noite e não ter conseguido mais dormir, teve que sofrer as consequências durante o jogo.

Errou alguns levantamentos e deixou algumas bolas passarem enquanto estava na zona de defesa, mas, mesmo assim, teve um bom rendimento geral no jogo. O seu time tinha massacrado o adversário e era isso que importava. Seus colegas não falaram nada com ele, então, se tivessem estranhado seu comportamento, Erick nunca ia saber. Oliveira apenas o advertiu algumas vezes, dizendo que ele estava muito distraído e que precisava se concentrar no jogo, mas nada além disso.

Ele agradeceu profundamente por essas atitudes.

Também notou que Danilo o evitava desde que acordaram e foram tomar café naquela manhã. Às vezes sentia os olhos verdes do garoto sobre si, mas, sempre que olhava na direção do colega, este desviava o olhar ou fingia que não tinha notado.

Apenas ignorou a situação, mesmo que às vezes pegasse Danilo o fitando de maneira preocupada. Nunca foram tão amigos, então nada justificava essa preocupação. Eles basicamente se toleravam e se mantinham perto apenas por conveniência.

– A premiação do biathlon e do atletismo vai ser daqui a pouco – comentou um de seus colegas – Vamos ver? Acho que ganhamos algumas medalhas. Você competiu no biathlon, né Schneider?

Erick apenas assentiu. Naquela competição, ele foi pego totalmente de surpresa pela presença de Henry. Erick não sabia que o amigo estava participando daquela prova, mas não podia culpá-lo por não ter lhe contado algo assim, já que ele mesmo o tinha afastado desde o que aconteceu no ano anterior. Percebeu que Henry tinha evoluído bastante nos últimos anos. Aparentemente, não era mais o garotinho que odiava esportes e ficava socado dentro de casa jogando videogames.

– Não conseguiu pegar alguma quadra pra gente treinar, Oliveira? – perguntou Danilo.

O capitão negou com a cabeça.

– Estão ocupadas. Outros times chegaram antes de mim – comentou – Mas vai ser bom para descansarmos um pouco. Já estamos nas quartas de finais mesmo.

– Isso aí! – comemorou outro – Então vamos assistir a premiação?

– Façam o que quiserem – Oliveira deu de ombros – Só não se desgastem muito. Mas eu topo ir na premiação.

Então a conversa começou. Alguns disseram que iriam à premiação e outros falando que prefeririam assistir algum jogo do CMRJ que estaria ocorrendo naquela tarde. O time se separou e Erick acabou indo ver a premiação do biathlon e do atletismo, já que participara da competição. Além de que queria falar com Oliveira.

– Eu quero pedir desculpas pelo jogo de hoje – disse Erick ao chegar perto do capitão. Oliveira arqueou uma sobrancelha escura.

– Isso é novidade.

Erick bufou. Talvez fosse mesmo novidade. Erick raramente pedia desculpas ou se achava o errado da história. Talvez o sonho e os acontecimentos dos últimos dias estivessem abalando a muralha de seu interior.

– Eu só me senti culpado por alguns pontos que nós perdemos. – justificou Erick, sem querer olhar para o capitão. – Eu estou sempre exigindo que os outros tenham atenção, mas eu mesmo estava fora de mim naquele jogo.

– Não se preocupe com isso – respondeu Oliveira, calmo. Sua expressão estava tranquila – Erros acontecem e você não precisa sentir que tudo está sob sua responsabilidade.

– Eu sou o levantador. Sou o pilar do time – disse Erick. Oliveira riu.

– Todas as posições tem um nível de importância. Não se ache especial só porque é o que mais toca na bola.

Erick franziu as sobrancelhas claras.

– O que quer dizer?

– Quero dizer que todos somos importantes – disse o capitão. Andavam um pouco a frente do grupo que decidiu assistir à premiação – Um líbero não é nada se não tem para quem passar. Assim como um levantador não é importante se não tem alguém para atacar as bolas levantadas. E um atacante não tem função se não houver alguém para passar a bola para ele. Somos uma equipe. Cada um é um pilar, a sua maneira, para sustentar o jogo.

Erick ficou em silêncio. Confessava que nunca tinha pensado por esse lado. Sempre achou que o levantador era o jogador mais importante do time. Talvez fosse o que guiava mais o jogo por conta das decisões que tomaria para conseguirem marcar um pouco. Mas não adiantava nada ser o guia se não tinha ninguém para ser guiado.

– Olha, a premiação já vai começar. – disse Oliveira, quebrando o silêncio entre os dois.

Chegaram à pista de atletismo, e Erick notou que as arquibancadas que ficavam perto de um dos lados da pista, onde eles estavam no caso, estava até que cheia. Ele e os seus companheiros de equipe desceram as escadas da arquibancada, Oliveira acenando para as meninas do time feminino que estavam ali. Eles se juntaram a elas e começaram a conversar, Erick não se importando muito com o que falavam.

A premiação começou, Erick não prestando muita atenção no que estava acontecendo lá embaixo. Tinha saído a lista de colocação, e ficara sabendo pelo treinador que não tinha ganhado nenhuma medalha por alguns décimos do tempo. Simplesmente não se importou com a informação.

Conversava com Amanda, uma de suas poucas amigas do CMRJ, pelo celular, uma que não era nenhuma atleta e consequentemente não podia estar ali. Erick tirava algumas fotos e mandava para ela, rindo de vez em quando, enquanto a garota respondia com mensagens exageradas em caps lock.

Mesmo sua visão não estando voltada para a premiação, ele ouvia os nomes e seus respectivos colégios sendo anunciados, assim como a medalha que o aluno ganhara. Pelo o que ouviu, o CMRJ tinha ganhado duas medalhas de ouro: no 100 metros feminino e no 400 metros masculino. Uma de prata no 200 metros feminino e três de bronze: salto em altura feminino e masculino e arremesso de peso masculino.

Uma grande parte das medalhas de ouro e prata estava indo para o CMBH, então as vaias ao seu lado, vindas de seus companheiros de equipe, eram inevitáveis. Depois de terminarem a premiação do atletismo, foram para o biathlon feminino, modalidade na qual o CMRJ conseguiu ganhar apenas medalha de bronze. Erick continuava desinteressado, mas, assim que ouviu um certo nome ser anunciado nos alto-falantes, rapidamente levantou a cabeça.

– E em primeiro lugar, no biathlon masculino, com 8 minutos e 20 segundos: o aluno Henrique Diniz, do Colégio Militar de Belo Horizonte.

Erick não deixou de ficar surpreso com o anuncio. Lembrou-se de que Henry tinha ficado bem perto dele durante a corrida inteira e foi o primeiro a chegar em sua bateria na natação.

Os sentimentos e pensamentos do dia anterior vieram em sua mente, e Erick teve que se controlar para não esmurrar a primeira pessoa que aparecesse na sua frente. Porém, ao ver Henry com uma expressão de surpresa e sorrindo enquanto subia no pódio mais alto, tudo aquilo que sentia foi substituído por uma estranha felicidade.

O sorriso branco de Henry era o mesmo de quando eram pequenos, Erick bem se lembrava. Naquela época, o melhor amigo dificilmente sorria, então Erick fez questão de gravar os momentos em que ele o fez na memória. E aquilo foi suficiente para que todas as suas barreiras caíssem. Naquele momento, nenhuma voz ou lembrança, por pior que fosse, impediu Erick de se sentir orgulhoso de Henry, seu único, eterno e melhor amigo.

No final de tudo, era isso. Erick sempre estaria feliz se Henry estivesse também.


Notas Finais


Então minhas amoras? O que acharam? Quero muito saber a opinião de vocês, até pq, muita gente ta odiando o Erick kkkkkkkkk Mesmo que não tenha sido tudo explicado, dá pra ver que a coisa não é muito fácil para ele, né? Espero que tenham pelo menos repensado um pouco sobre esse bolinho que é o Erick ♥
PREVISÃO PARA O PRÓXIMO CAPÍTULO: 17/12
Como eu sou muito legal, nesse mês eu vou postar um capítulo a mais como presente de natal para vocês, então já podem me amar nos comentários ♥
Espero que tenham gostado e lembrando que a opinião de vocês é muito importante!
Ghost Kisses
~Marceline


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