- Capítulo Doze
“Sentimentos”
Várias horas tinham se passado.
O enterro de Milena já havia sido feito do lado de fora do condomínio, perto do muro, e todos compareceram.
Isaac preparou uma cruz de madeira e colocou no túmulo da menina e, desde então, não falou mais nada e passou o resto do dia no quarto, sozinho.
O clima era fúnebre.
Ninguém ainda conseguia acreditar no que ocorreu e a maioria não falava disso.
Os últimos a saber de tudo foram Paulo e Cláudio, que finalmente acordaram e tentaram manter a maior distância possível um do outro.
Já era noite, e Amanda e Carla estavam sentadas ao redor da mesa da área gourmet com um caderno de anotações.
Luiz, Gilberto, Sarah e Paulo conversavam amigavelmente no terraço da casa enquanto que Maria e Carlos não tinham saído do quarto ainda.
E, por fim, Alana, Júlia e Luíza estavam reunidas no sofá, jogando baralho para passar o tempo.
- Eu não imaginei que em tão pouco tempo as coisas tinham piorado tanto... – falou Paulo, sentado em uma das cadeiras do terraço e vestindo um short preto com uma camisa básica roxa.
- As coisas atualmente estão assim... você pisca e os problemas aparecem! – disse Luiz Araújo, deitado na rede do terraço, vestindo uma calça comprida da Adidas preta com branco e uma camisa simples azul escuro.
- É uma pena o que aconteceu com aquela garotinha... tão meiga, tão doce... isso deve ter magoado muito o Isaac. Ele aparentava ser o mais próximo dela. Não só ele, como a Carla também! – citou Gilberto, sentado na cadeira ao lado de Paulo e Sarah, trajando short verde escuro e camiseta preta.
- Tenho certeza que Deus está cuidando dela agora... creio que nós estamos somente de passagem nessa vida. Não é o fim... – completou Sarah, de calça e camisa para dormir.
- Eu não sei. A única coisa que tenho certeza é que Deus abandonou esse planeta. Se é que ele existe! – comentou Paulo, demonstrando sua descrença.
- Ele existe. Tem que existir. Se ainda estamos vivos é por que o senhor tem planos para nós. Pelo menos penso assim... – finalizou Luiz, balançando de leve na rede.
- Respeito seu ponto de vista, mas... não mudo o meu. Enfim... precisamos conversar seriamente, Luiz... – pediu Paulo, despertando a curiosidade de Sarah e Gilberto.
- É algo que possa se dizer na frente de todo mundo?
- Digamos que seja...
- Então diga!
Paulo respirou fundo, se ajeitou na cadeira e olhou diretamente para Luiz.
- Cláudio é um perigo para nós. – disse ele, finalmente.
- Eu sei que é... mas não posso tomar uma atitude dessas sozinho! Entenda: eu não mando em nada aqui, todos têm que estar de acordo!
- Luiz... Daniel era um psicopata. Nós não tivemos como agir, pois ele tava “mascarado”. Ninguém imaginava o que aquele filho da puta era de verdade, mas sobre Cláudio... Cláudio é uma bomba ambulante que vai explodir a qualquer instante. Ele tentou me MATAR! Isso é sério! Precisamos agir enquanto é tempo! – afirmou Paulo, passando a mão no cabelo ao terminar de falar.
- Eu concordo com ele. Ninguém aqui tem coragem o suficiente pra tomar alguma atitude mais séria. Eu creio que expulsá-lo seria uma boa. Temos poucos integrantes nesse grupo, e a segurança de todos tem que prevalecer! – concordou Gilberto, jogando mais pressão ainda sobre Luiz Araújo.
Ele sabia que deveria agir o quanto antes.
Mas era muito fácil falar.
A situação não era simples.
Banir um homem do grupo era pior que matá-lo.
- É sério que vocês vão fazer isso? Expulsar alguém? É melhor matá-lo do que jogar à própria sorte nesse inferno! Eu sei que Cláudio errou... mas poderíamos dar uma segunda chance para ele! Quem sabe não começa a cooperar! – falou Sarah, preocupada com o boxeador.
- Não. Sem segunda chance. Cláudio merece ser punido, e eu vou pensar em um jeito disso acontecer. Ele tentou matar um dos nossos durante uma briga, e admitiu outros assassinatos, o que prova que não é peça boa! Amanhã eu irei resolver esse problema, mas hoje não quero fazer mais nada além de descansar. Apanhei muito nessa semana e passei por mais riscos de vida do que nunca antes, então mereço relaxar um pouco... – argumentou Luiz, visivelmente abatido pelos ocorridos.
Paulo não gostou nada de ouvir daquilo de Sarah.
Ele nunca imaginou que ela apoiaria Cláudio pelo o que fez.
- Estou indo, qualquer coisa me encontre na sala. Preciso ocupar a mente com algum livro ou então vou morrer de tédio! – afirmou Paulo, levantando da cadeira.
- Acho que farei o mesmo! Espero que ainda tenham velas sobrando! Vou levá-las para a varanda! – disse Sarah, sendo acompanhada por Gilberto.
Enfim sozinho.
Luiz estava ali, deitado na rede, tentando descansar.
A chuva ainda caía com força e os relâmpagos iluminavam toda a casa repentinamente, superando as velas espalhadas por todos os cantos.
Carla e Amanda passaram pelo terraço, e ao ver que Luiz estava na rede, Carla decidiu ficar e sentar em uma das cadeiras.
Ela vestia um short jeans preto e uma camiseta sem mangas.
Amanda se despediu de Carla e subiu para os quartos, com seu pijama azul escuro.
- Luiz? – chamou Carla, tentando puxar assunto.
O rapaz, que antes descansava a vista, abriu os olhos repentinamente, sentiu uma pontada de adrenalina se espalhar pelo corpo e direcionou os olhos para a mulher.
- Oi... tudo bem com você? – perguntou ele, completamente sem jeito.
- Não... estou me sentindo um caco desde o que aconteceu ontem. É incrível, mas acho que ainda não caiu a ficha pela morte de Milena. Perdemos tantos familiares, mas não chegamos a vê-los morrer. Já com ela... nós... vimos acontecer... eu... – Carla havia chorado quase que o dia inteiro, e quando estava se recompondo, voltou a lacrimejar.
Luiz também estava muito abatido, mas por algum motivo ele tentava não chorar na frente dos outros.
Sentia-se envergonhado, e tentava esconder suas emoções ao máximo.
Em todo aquele tempo, a vez que mais sentiu vontade de cair no choro foi aquela.
A noite escura e chuvosa contribuía com isso também.
- Eu realmente gostava muito dela, mas a vida segue. Não podemos nos abalar, ou então seremos derrotados. Milena morreu, eu sei, porém, tenho certeza que honraremos ela. Precisamos fazer isso. Lutar e tentar sobreviver ao máximo, a cada mísero dia que passa. Então não deixe se abalar, ou então pode enlouquecer, e isso está cada vez mais fácil nos dias atuais! – falou ele, acalmando ela.
- Verdade... verdade... eu gosto de você. Eu realmente gosto de você. Me sinto segura contigo. É uma pessoa legal, inteligente e sabe lidar bem com certas situações... – elogiou ela, fazendo Luiz ficar sem jeito novamente.
- Obrigado. Eu também gosto muito de você... sério.
A expressão de Carla mudou repentinamente e um pequeno sorriso de tranquilidade se abriu na boca dela, camuflado pela escuridão.
Era tudo o que a moça precisava ouvir.
- Você quer... hm... como posso dizer isso? – começou a falar Luiz, pensando em convidá-la para entrar e conversar.
- Quero. Está muito frio... e com essa chuva toda, eu... aceito sim ficar na rede com você! – falou ela, levantando da cadeira.
Não era aquilo o que Luiz Araújo tentava dizer, mas ele não iria recusar.
O rapaz sorriu de leve e deu espaço para a mulher deitar ao seu lado.
A escuridão era quase total.
As únicas coisas que iluminavam o terraço eram os relâmpagos e uma fraca vela quase no fim, colocada ao pé da porta da sala.
- Eu odeio solidão.
- Eu também...
- Me sinto segura com você.
- Obrigado...
Luiz definitivamente não sabia o que dizer.
Dentro de si tinha uma confusão terrível de sentimentos.
Ele estava triste e abalado por ter perdido Milena, assustado por não saber quais seriam os próximos problemas e começando a gostar de Carla, que sempre tentava agradá-lo com pequenas coisas.
Pequenas coisas que no final se transformavam em grandes feitos.
- Espero que tenha mais cuidado da próxima vez... você é o elo que mantém todo o grupo ainda unido. Sem você aqui... acho que teríamos uma confusão generalizada! – opinou ela, deitada na frente dele.
Luiz passou o braço esquerdo ao redor de Carla e encostou o queixo na cabeça dela gentilmente.
Ela segurou na mão dele e deu um beijo de leve.
- Eu sei que é errado, pois acabamos de perder uma pessoa, mas eu tenho que admitir que quero ficar com você hoje. Não quero sair de perto... você me faz se sentir segura... – admitiu a bela mulher, encantando ele cada vez mais com o cheiro agradável de seus cabelos pretos.
- Eu não planejo sair de perto de você hoje à noite. De jeito nenhum!
Luiz puxou os longos cabelos dela para o lado e beijou seu pescoço.
Aos poucos a pele de Carla foi se arrepiando e a moça virou de frente para ele.
- Como se eu fosse deixar você sair...
O rapaz trouxe a cabeça dela para perto e beijou seus lábios.
A mulher fechou os olhos e deixou o beijo rolar.
Eles tinham a noite inteira para ficar juntos.
Deveriam aproveitar aquele momento raro, pois as coisas estavam para piorar.
E como iriam piorar...
...
O sol já tinha raiado e a maioria dos sobreviventes estavam de pé.
Amanda dormiu no mesmo quarto que Isaac, Sarah e Gilberto.
Todo mundo levantou e foi tomar café ou realizar outros afazeres, menos Isaac.
O militar continuava abatido.
Ele sentava no colchonete em que estava, lia algum livro ou comia alguma coisa e ficava olhando para o nada, calado.
Amanda, ao perceber que o rapaz estava se prejudicando, sentou ao seu lado.
- Bom dia, Isaac! – cumprimentou ela, vendo que o homem estava cabisbaixo.
- Bom dia.
- Dormiu bem? – ela sabia que não, porém precisava puxar assunto.
- Sim.
- Eu preciso que você saia um pouco, venha comigo! Nós tomaremos café juntos e depois você conversa com Luiz... ele está muito preocupado! – disse a mulher, apoiando-se no ombro dele.
- Não quero. – respondeu ele, quase como um cochicho.
Amanda começou a sentir pena do militar.
Isaac tinha passado por muitas situações desagradáveis até ali, e a morte de Milena havia afetado ele por demais.
- Olha... eu sei que ela morreu. E que era somente uma criança, mas... precisamos seguir em frente. A vida não para, você está vivo, eu estou viva, precisamos nos certificar de que a morte de Milena não foi em vão, entende? Eu sei que foi trágico, e isso afetou a todos aqui! Mas precisamos de você! Mais do que antes... você e Luiz são os dois maiores pilares do grupo, se um cair... o outro vai junto e por último o grupo todo! Então levante essa autoestima e vamos batalhar por um mundo melhor! – falou Amanda, pegando a mão do militar e colocando no seu colo.
Os olhos tristes do homem encontraram os olhos dela.
Naquela hora Amanda percebeu que Isaac não era mais o mesmo de antes.
- Você não sabe, né? – indagou ele, referindo-se à morte de Daniel, que foi narrada ao grupo por Luiz e ele, só que de uma forma mais amena.
- Não sei o quê?
- Eu e Luiz... nós... matamos o Daniel. Na verdade, EU matei o Daniel. Sei que todo mundo sabe que ele morreu, mas ninguém sabe COMO foi que ele morreu... foi horrível... eu sou um monstro. – afirmou Isaac, abaixando a cabeça.
- Não me importa como você o matou. Ele mereceu. Ele definitivamente mereceu. Você fez o certo. Agora deve esquecer disso e levantar essa cabeça. Luiz Araújo está lá fora, de pé. Ele vai sair para buscar mais suprimentos nas casas restantes e tentar melhorar as defesas do condomínio junto com Paulo e os outros. Então erga-se! Você é um grande homem! – elogiou ela, segurando a ponta do queixo dele.
Isaac sentiu uma faísca ser acendida dentro de seu corpo.
Ele estava muito abatido, mas naquele momento, sentiu-se feliz por ter alguém que se importasse com ele tanto quanto Amanda.
- Todo grande homem... precisa de uma grande mulher ao seu lado. E você é uma grande mulher... muito obrigado, Amanda Nakamura! – disse o militar, segurando firme as mãos dela.
Amanda corou.
- Não... há de quê...
Isaac esboçou um pequeno sorriso, aproximou-se do rosto branco como porcelana da médica e a beijou timidamente.
Aquela atitude fez com que Amanda sentisse calafrios na barriga, e o que ela mais queria fazer naquele instante era gritar e extravasar toda aquela alegria de ter conseguido o que queria.
Foi um beijo rápido, mas agradável.
Os poucos segundos que durou fez com que os dois relaxassem e deixassem toda a tristeza e preocupação ir embora.
Aquilo fez bem tanto para ele quanto para ela.
Isaac, tímido como de costume, afastou-se aos poucos e levantou da cama.
- Eu vou... comer alguma coisa... e depois sei lá.
“E depois sei lá?” Pensou Amanda, achando engraçado e ao mesmo tempo fofo o jeito tímido e enrolado com o qual ele tentava sair de situações embaraçosas.
- Ok... – disse ela, sorrindo.
“CRAAASH”
Um barulho imenso de vidro quebrando chamou a atenção dos dois que estavam no quarto.
Alguma coisa estava acontecendo na varanda.
Isaac e Amanda correram até a porta e a abriram para ver o que era.
- SOCORRO! MEU DEUS! – gritava Maria, desesperada e chorando, perto do parapeito.
Amanda pôde perceber tudo em questão de milésimos de segundo.
O vidro do parapeito da varanda estava quebrado em uma parte, como se alguém tivesse caído dali, porém não era só isso: tinha sangue pelos arredores.
- O QUE HOUVE? – perguntou Isaac, assustado.
- CARLOS, ELE... ELE ENLOUQUECEU E ATACOU GILBERTO! O COITADO SÓ QUERIA AJUDAR, MAS... ELE TÁ FORA DE SI! – respondeu Maria, completamente nervosa.
Então Amanda tinha razão: a doença se transmitia pela mordida.
E o Carlos estava infectado.
Isaac e Amanda correram até o parapeito e viram o que temiam: Gilberto e Carlos jogados no chão do térreo.
O militar precisava arrumar um jeito de ajudar os dois, mas antes que se movesse, percebeu uma coisa: a pele de Carlos estava estranha, com veias saltadas de cor escura e vários arranhões pelo corpo.
Definitivamente Carlos estava infectado.
- PORRA! ELE SE TRANSFORMOU! – exclamou Isaac, sem saber o que fazer.
A queda do primeiro andar poderia ter sido fatal para os dois.
Agora a questão prioritária era saber como Carlos se infectou e porquê ninguém contou antes.
Amanda sabia que deveria se explicar aos outros depois, por saber que havia risco de Carlos se transformar em um dos monstros.
Mas naquele momento o que mais importava era salvar Gilberto, que tinha se machucado na queda e corria risco de vida ao estar perto do recém infectado.
Várias pessoas tentaram apartar a confusão, achando que era uma briga entre os dois, porém ninguém sabia o que estava realmente acontecendo ali.
E o grupo adquiriu novos problemas.
Como de costume.
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