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História All coming back to me - O encontro com o Fantasma


Escrita por: Misu-Inuki

Notas do Autor


Falaeeeeeee pessoal!
Tô de volta depois de uns belos meses de hiatos forçado.
Forçado sim, porque na moralzinha estou precisando de umas sessões de descarrego anti-lei-de-Murphy.
Só para resumir: Meu computador caiu no chão e ferrou a tela, o Ipad “resetou” todas as minha notas e eu perdi mais de 10 capítulos entre fanfics novas e one-shot que só faltavam editar. Meu celular antigo deu pau e hoje fiquei o dia todo sem internet.

Mas para alegria geral da nação, achei esse capítulo pedido no computador do meu irmão, e estou postando para vocês só pra dizer que não morri... xP
Era para ser uma one mas já está absurdamente grande então dividi em duas para poupar a vista “dôces”. (Não quero ninguém reclamando depois que teve de usar óculos de tanto que a tia Misu postava fics grande no meio da madrugada).
Enfim, espero que gostem do dramalhão estilo novela-mexicana ou romance-de-banca-de-jornal. (Pois eu A-D-O-R-O! #NoRegrets #PaolaMelhorVilã)
Beijos e Borboletas Azuis.


Obs: Fanfic livremente inspirada na música e clipe All Coming Back to Me da Celine Dion. Recomendo muiiito dar uma passada no YouTube e dar uma olhada.

Capítulo 1 - O encontro com o Fantasma


Um relâmpago cruzou os céus, iluminando tão forte a noite tempestuosa que por um instante pensei que tinha caído perto da casa. 

Me levantei depressa da cama e preocupada com a velha árvore, caminhei até o peitoral da janela. 

Mesmo com a pouca iluminação, pude ver seus galhos altos e firmes. Como uma guerreira solitária, a árvore centenária resistia a tempestade com honra.

Um raio novamente rasgou o céu, como se zombasse da força de suas raízes já meio corroídas por cupins. Praguejei em voz baixa. Odiava tempestades. 

Me arrastei desanimada pelo quarto escuro. O susto me fizera perder totalmente o sono. E mesmo os confortáveis travesseiros de pena de ganso e lençóis de algodão egípcio espalhados em minha ampla cama não me atraíram. Fechei o robe de seda contra meu corpo, mas o frio que eu sentia nada tinha a ver com a chuva que rugia lá fora.  Vinha de dentro, subindo pela minha garganta seca, um misto de gelo e amargor. Praguejei mais uma vez.

“There were nights when the wind was so cold

That my body froze in bed

If I just listened to it

Right outside the window”

(Houve noites em que o vento era tão frio

Que meu corpo congelava na cama

Só de ouvi-lo

Do lado de fora da janela)

Abri a porta de meu quarto me assustei com o barulho da rangido ecoando no corredor vazio.

As velas continuavam acessas, e aliviada, peguei o pequeno castiçal dourado para seguir até a sala.  Caminhava com cuidado - segurando a barra do vestido em uma mão e o castiçal em outra - para não deixar que respingos de cera quente me queimasse ou sujasse o chão de madeira tão cuidadosamente polida. Detestaria dar mais trabalho aos sempre ocupados empregados da mansão e sabia que Kagura era perfeccionista o bastante para faze-los esfregarem até as mãos doerem como castigo por deixar a menor das manchas.

Suspirei desanimada. A anos tentava impedir as pequenas crueldades da governanta, porém nada surtira efeito. A maldade parecia estar impregnada nas paredes como tinta à óleo.

 Virei à esquerda sem hesitar no que parecia ser labirinto de corredores. Seguir confiante aquele caminho foi resultado de muito tempo de tentativa e erro. Uma curva errada e teria de passar a noite deitada no chão frio, esperando ser resgatada. Balancei a cabeça, tentando expulsar o pensamento. Não queria pensar passado. Mas antes que pudesse evitar, uma onda de lembranças começou a cruzar minha mente. Era como tentar deter um vazamento apenas com a palma das mãos. Cenas e eventos desagradáveis me inundavam em ondas, e eu tive de usar toda minha força de vontade até que a última gota teimosa desaparecesse. Mas inda sentia um arrepio gelado, subindo pela minha espinha e erriçando os pelos de meu corpo.

A cada passo dado, podia sentir a temperatura aumentando gradativamente. Sinal que a enorme lareira ainda queimava plenamente. Estranhei pelo fato de serem altas horas da madrugada, e mesmo os empregados já teriam se retirado para seus aposentos. Quando me aproximei do corrimão de ferro fundido, descobri surpresa havia não uma, mais duas pessoas na sala.

“Visitas assim tão tarde? ”- pensei enquanto seguia em direção as escadas de marfim.

Não estava vestida adequadamente, usava apenas uma fina camisola comprida de algodão. Era possível ver parte de sua manga de renda aparecendo por baixo do robe creme. Meus pés estavam descalços e meus cabelos soltos numa bagunça de ondas negras. Mas meu coração estava apertado, pois se alguém tinha se dado ao trabalho de enfrentar uma tempestade de madrugada era por algum motivo muito importante.  Temendo que algo ruim tivesse acontecido com meu avô ou com meu irmão, resolvi rejeitar a vergonha e os bons costumes e desci as escadas. Não seria a primeira, nem a última vez em que eu engolia meu orgulho. Fazia o que precisava ser feito e pronto. A vida me tornou uma mulher prática e aparentemente insensível. A cada passo, preparava meu coração para a pior hipótese possível. Assim, não seria pega de surpresa por lágrimas inconvenientes. Aparência é tudo. E sim, mesmo estando desalinhada, sem maquiagem ou perfume, eu sabia me comportar como uma verdadeira dama. Altivez estava em meus ombros retos, meu sorriso educado e olhar sereno. 

Inabalável.

Acima de tudo, sobrevivente.

"There were days when the sun was so cruel

That all the tears turned to dust

And I just knew my eyes were

Drying up forever"

(Houve dias, quando o sol era tão cruel

Que todas as lágrimas se transformavam em pó

E eu achava que meus

Olhos secariam para sempre)

As poltronas estavam viradas de frente para a fogueira, e de onde estava nada poderia ver além das costas de veludo dos moveis. O carrinho de bebidas entre os dois assentos me indicava que a visita era masculina. Afinal, se fosse o contrário, teria o bule de porcelana chinesa com chá fumegante no lugar das garrafas de whisky e licores. Novamente uma lembrança desagradável passou como um flash em minha mente. E antes que eu pudesse evitar, ouvia a voz rouca que jurara esquecer me explicando em tom brincalhão as muitas diferenças entre homens e mulheres numa noite distante. Tão distante quanto outra vida. Pelo menos era o que meu me esforçava para acreditar. 

Resolvi anunciar minha presença e acabar com aquilo de uma vez. Então inventaria alguma desculpa e voltaria direto para meus aposentos. Encolhida em meu quarto poderia praguejar, ler ou mesmo quebrar alguma coisa. Poderia, e iria cobrir as brechas em minha fortaleza. 

Eu estava absolutamente bem durante todo o dia. Não conseguia entender o porquê de meu coração estar descompassado e ansioso. E muito menos sabia o motivo das lembranças do meu passado voltarem a minha mente. Achei que tinha deixado tudo enterrado, esquecido para sempre junto da vida em que deixei para trás. E de fato tinha conseguido. Por muitos anos, pude dormir e acordar com o travesseiro seco. E seguiria assim, prometi a mim mesma.

“I finished crying in the instant that you left

And I can't remember where or when or how

And I banished every memory you and I had ever made”

(Parei de chorar no instante que você partiu

Não me lembro onde, quando ou como

E eu bani cada lembrança do que houve entre eu e você)

 

-Querido? – Chamei em voz alta.- Aconteceu alguma coisa?

Os dois homens se levantaram quase no mesmo instante. Meu marido se virou e sorriu. 

Seu olhar subiu e desceu pela minha roupa, e eu pude sentir a repreensão silenciosa. Mas meu olhar preocupado, lhe pareceu ser uma desculpa aceitável. No mais, ele sabia o quanto eu detestava dormir sozinha numa noite tempestuosa. Me aproximei, desviando com cuidado do carrinho.

Apenas quando estava diante da lareira ergui os olhos para o visitante.

Meu sangue gelou em minhas veias num choque tão grade que deixei o castiçal escorregar de minhas mãos caindo ruidosamente no chão. 

Diante dos meus olhos lá estava o fantasma do meu passado. 

O rosto que eu prometi esquecer.

Era ele.

Mal me mexi enquanto meu marido pegava o castiçal do chão, impedindo um possível incêndio na casa. Meus olhos estavam presos em íris ambares que eu jurava que nunca mais veria novamente. A tensão era tão grande, que ousaria dizer que mesmo que as paredes desabassem e fossemos cercados por chamas e fumaça não perceberíamos. 

Um misto de sentimentos passava pelos olhos do homem a minha frente. Por um instante me lembrei do tempo em que podia ler cada emoção e pensamento sem o menor esforço da mesma pessoa. E naquele instante, mal pude reconhecer algo além a surpresa inicial. Esperava qualquer coisa: uma explosão de raiva, ou ao menos um interrogatório silencioso. Mas não havia nada. Uma máscara de indiferença cobriu seu rosto, antes mesmo de meu marido colocar o candelabro apagado no carrinho. Me embrulhou o estomago aquela expressão vazia, mas eu também mantive as aparências. 

-Bem, meu caro amigo Taisho. -Meu marido colocou as mãos sobre meu ombro- Não tive a chance de lhe apresentar minha esposa antes. Creio que lhe mandei o convite de nosso casamento...

-Recebi a pouco tempo, na verdade.- O visitante falou e eu me esforcei para não me concentrar em sua voz, ou mesmo em seus lábios se movendo tentadoramente. – O correio não é dos melhores na Índia. 

 

Agradeci aos céus por isso. Encontra-lo enquanto caminhava para o altar vestida de noiva, seria dar vida ao mais cruéis dos meus pesadelos.

-É realmente uma pena. Foi uma festa maravilhosa. Mas antes tarde do que nunca, não dizem? Lhe apresento a senhora Kagewaki.

Respondi com um sorriso forçado, rezando para que fosse suficiente.

Mas o visitante indesejado estendeu a mão para mim.

Forçando todos os músculos do meu corpo a se mexerem, coloquei meus dedos me esforçando inutilmente para não tocar em sua palma. Seus dedos se fecharam rapidamente, capturando a minha mão como uma planta carnívora devorando um inseto.

 -Perdoe-me a falha na memória. Qual é mesmo seu nome, minha cara? - o homem perguntou e eu pude sentir uma pitada de cinismo em sua pergunta educada.

-Kikyou, senhor. Kikyou Kagewaki.- Respondi o mais altiva o possível.

Uma sobrancelha dele se ergueu por um instante, mas sua voz estava absolutamente normal quando ele respondeu polidamente.

-Sou Inuyasha Taisho. E é um prazer conhecê-la.

Cínico, pensei irritada.

Preferia que ele chegasse com um escândalo. Espumando de raiva, como o velho Inuyasha que conhecia. Mas esse homem era um total desconhecido. O Inuyasha que conheci não mantinha posse, não conhecia etiqueta. Mas toda a minha raiva, todas as diferenças, todo o mundo a minha volta dissolveu como neve exposta ao sol de uma tarde de verão, quando seus lábios tocaram minha mão.

Era um beijo respeitoso, de praxe a apresentações assim. Mas foi o suficiente para libertar de uma só vez todas as lembranças que mantive escondida durante tantos anos. Memórias de um tempo em que aquelas mesmas mãos me envolviam em um terno abraço. Em que eu provei daqueles mesmos lábios. E como naquele tempo, senti um borbulho se formar em meu estomago. Novamente me vendo impotente, enquanto um calor subia ao meu rosto, ridiculamente corando as maças de meu rosto.

"But when you touch me like this

And you hold me like that

I just have to admit

That it's all coming back to me"

(Mas quando me toca desse jeito

E me abraça assim

Eu tenho de admitir

Que tudo está voltando para mim)

 

Retirei rapidamente minha mão das dele. Mas apesar de ter escapado do toque, eu não poderia fugir do seu olhar que queimava como ouro líquido minha pele. Antes que pudesse evitar, me vi perguntando.

-O que o traz aqui?

“E por que não volta logo para o inferno de onde saiu?” – Tive que morder a língua para não completar em voz alta a sentença.

 -O carro parou de funcionar enquanto me dirigia à minha residência. Por sorte, a casa do meu velho amigo Naraku, não estava muito longe. 

Só então que eu reparei que seu longo cabelo prateado, assim como suas roupas estavam encharcadas. Mais uma vez praguejei contra a tempestade, mentalmente. 

-Quando você chegou, estava justamente indo chamar um dos criados para preparar um dos quartos de hospedes para Inuyasha. – Meu marido completou e eu tivesse que disfarçar meu olhar incrédulo.

Inuyasha. Na minha casa. Por pelo menos uma noite inteira.

Definitivamente, devia estar sonhando.

Ou minha alma era muito mais pecadora do que eu pensava, e os céus me mandaram o pior castigo que puderam inventar.

-Deixa que eu chamo a Kagura, querido. –Falei solícita, aproveitando a chance que tinha de sair dali. – Os senhores podem continuar conversando enquanto isso. 

Naraku concordou e eu me virei o mais rápido que pude para subir as escadas sem nem me despedir adequadamente. Que se danasse as aparências, não ficaria nem mais um instante naquela sala. Mas durante todo o trajeto até o quarto de Kagura e até mesmo enquanto marchava de volta aos meus aposentos, pude sentir seu sorriso e seu olhar me seguindo em silêncio. 

Tranquei a porta, e deixei meu corpo escorregar até que caísse sentada no chão.

Estava totalmente sozinha, mas eu podia sentir. Eu sentia como se estivesse se ele tivesse na minha frente, e não há cômodos de distância. Abracei meus joelhos e me permiti ser Kagome novamente, por um instante. A Kagome jovem, ingênua e completamente apaixonada por Inuyasha.

As lembranças me envolviam tão intensas, que como uma naufraga, desisti de lutar contra a correnteza e me deixei levar pelas ondas.

Era como flashes espaçados. A primeira lembrança, foi de mim mesma junto de um Inuyasha muito mais jovem dançando sob as estrelas. Apesar do esforço de seus pais, absolutamente nenhum professor conseguia ensinar boas maneiras ao rebelde jovenzinho. Nesta noite em particular, estávamos deitados na grama florido de uma casa abandonada. Inuyasha reclamava, totalmente rabugento, sobre sua última aula. Dizia que aprender a dançar era chato e inútil.  Em algum momento, me ofereci para provar que ele estava enganado. Sempre gostei de dançar, então nos levantamos e lhe ensinei o que sabia. Ajeitei sua postura, e coloquei sua mão na minha cintura. Demos alguns passos para lá e para cá totalmente desengonçados, antes de cairmos rindo de nossa total falta de jeito. Demoramos para perceber que tínhamos caído ainda abraçados. Nos separamos com os rostos corados, e totalmente envergonhados. Aquela seria apenas a primeira de muitas outras vezes que nos abraçamos. E estavam ali, de volta e sem censura, todas as memórias que eu me esforcei para esquecer, todas as emoções que eu jurei não mais sentir. Tudo voltando para mim de uma só vez, ali e agora.

 

"When I touch you like this

And I hold you like that

It's so hard to believe but

It's all coming back to me"

(It's all coming back, it's all coming back to me now)

(Quando o toco desse jeito

E eu o abraço assim

É duro acreditar

Mas tudo está voltando para mim)

(Tudo está voltando, tudo está voltando para mim agora)

 

Estávamos nós dois novamente no mesmo lugar, sob a mesma árvore alta, iluminados por nada além da lua e das estrelas. Mas não erámos mais criancinhas tímidas. Eu estava prestes a completar quinze anos. Era uma debutante, esperando apenas que o dia do baile chegasse para ser apresentada a sociedade como a mulher que acreditavam que eu era. Mas eu não me sentia nada além de uma menina-moleca insegura num vestido bonito demais para mim. Desde meu aniversário anterior, era obrigada a largar os vestidos confortáveis por peças mais encorpadas, e o temível espartilho passou a ser meu companheiro diário fiel. Inuyasha estava particularmente silencioso, e isso me incomodava. Puxei sua orelha, totalmente irritada. “-Se tem algo a dizer fale logo, que eu estou louca para arrancar esse troço do meu peito.”-exclamei deixando o rapaz tímido completamente envergonhado. “Não pode ficar falando essas coisas para mim, sua idiota. ” “- O que que tem demais? Eu uso espartilho e você ceroula que aliás deve ser bem mais confortável que barbatanas de baleia apertando seus peitos como limões para fazer uma limonada. ” Ele gritou meu nome, chocado e eu caí na gargalhada. Nos últimos tempos, percebi que Inuyasha ficava envergonhado quando eu falava sobre esse tipo de assunto, então como a moleca que era, provocava o máximo que podia. No começo, eu pensava que era pela diversão, mas no fundo, sentia uma pontada de orgulho feminino por ser capaz de mexer com ele. O que eu não sabia na época era que seu poder de mexer comigo era infinitamente maior, incomparável. Brinquei mais uma vez, dizendo que podíamos trocar de roupas para que ele soubesse o quanto “as pobres jovenzinhas sofrem”. Era claro que eu não faria aquilo de verdade, mas seus olhos se arregalaram assustados com eu levei as mãos as costas onde ficava o laço do espartilho. Ele segurou meus pulsos firmemente com as duas mãos, ficando a centímetros de distância de mim. O meu sorriso morreu nos lábios. Não havia mais brincadeira, não erámos mais duas crianças que nadavam no rio juntos sem roupa. Era uma sensação nova, desconhecida e sem nenhuma inocência. Eu o queria. E ele a mim. Seus lábios se aproximaram hesitantes dos meus. Nosso primeiro beijo foi cálido, breve, mas doce.

Seus olhos brilhavam num dourado tão intenso e belo, que se não estava antes, a partir daquele momento eu teria me apaixonado por ele. Rimos meio nervosos. Mesmo sem ninguém dizer nada, sabíamos que aquilo era errado. Mas era tão bom, que apesar de juramos de mindinho que isso não se repetiria novamente, nenhum de nós estava arrependido.

"There were moments of gold

And there were flashes of light

There were things I'd never do again

But then they'd always seemed right"

(Houve momentos dourados

E houve clarões de luz

Eu não faria outra vez

Mas na época sempre pareciam certas)

 

Abracei meus próprios joelhos, encolhida. Queria reprimir essas memórias, mais por mais que eu apertasse minhas pernas com tanta força que doía minhas costelas, minha mente continuava fugaz, me torturando com flashes ainda mais dolorosos. 

Estava de volta aos meus quinze anos. Vi imagens desconexas da noite do meu baile, fragmentos de lembranças como “o quanto eu me sentia ridícula naquele vestido gigante” e de rodopiar tanto de um lado para o outro que me sentia tonta. Lembrava também de ter passado toda a noite procurando um certo rosto entre os convidados, em vão. Inuyasha não estava lá, mas para minha surpresa encontrei o senhor e senhora Taisho e Sesshoumaru, que visivelmente era o mais entediado da festa. Nunca fui muito amiga do irmão mais velho de Inuyasha, mas até ele tinha vindo. Fiquei tão decepcionada por não ter encontrado meu melhor amigo, que quis logo voltar para meus aposentos na primeira oportunidade. 

Mas pouco antes de conseguir fugir da minha própria festa, encontrei um menininho ruivo acenando para mim do jardim. Ele me entregou uma carta amassada, tão curta que poderia ser considerada um bilhete.  Em garranchos quase incompreensíveis, Inuyasha me pedia para deixar a janela do meu quarto destrancada. Mesmo sem entender como ele conseguiria escalar até o terceiro andar, assenti para o menininho.

 Esperei pelo o que me pareceram horas, deitada na minha cama no fim da festa. Os convidados em sua maioria tinham ido embora, e as duas ou três famílias que pernoitariam conosco já estavam dormindo em seus aposentos. A raiva e a ansiedade aos poucos perdiam para o sono e em algum momento eu acabei cochilando. 

Acordei com alguém mexendo no cabelo e ao abrir os olhos sonolenta vi Inuyasha sentado ao meu lado na cama. Ele estava todo desalinhado, a camisa branca estava suja e rasgada em algumas partes. Seu cabelo comprido e prateado que ele normalmente mantinha preso como o pai, estava solto e bagunçado.  Sob a luz da lamparina no meu criado-mudo, dava para ver uma trilha de suor descendo pela linha do queixo mal barbeado, passando pelo pescoço e parando no colarinho entre aberto. Sentia minha garganta ficar seca ao seguir com os olhos a trilha pela pele bronzeada. Nunca o tinha visto tão ... selvagem. Corei ao perceber o quanto essa versão me atraia ainda mais. Puxei as cobertas até a altura da boca, envergonhada pelos meus pensamentos impuros e também por estar vestida de apenas com uma camisola fina. 

Inuyasha ainda me encarava sério quando fez uma pergunta totalmente inesperada: “Você... me ama?” Eu sabia que a reposta mais sensata era dizer não. Gritar que ele estava invadindo meu espaço pessoal, ou qualquer coisa do tipo. A partir do momento em que admitisse a verdade, não teria volta. Estava sapateando num campo minado, mas o poder daqueles olhos sobre mim... A vontade desesperadora de sentir o toque daquelas mãos tremulas sobre minha pele... Era proibido. Errado. Mas eu não dava a mínima. Deixando toda minha vergonha de lado, deixei que meus lábios sedentos dos dele respondesse por mim....

“There were nights of endless pleasure

It was more than any laws allow”

(Houve noites de um interminável prazer

Que foi mais que qualquer lei permitia)

 

Agarrei meus braços. Procurava desesperadamente a raiva. Vasculhava em minha mente delirante as lembranças dele me usando e enganando como fez. Me forçava a lembrar que por causa dele, tive que abrir mão de tudo, até mesmo de quem era. Mas a voz indignada era como a luz ínfima de um fósforo num oceano inteiro de escuridão. Minha mente e coração ignoravam a minha razão, saboreando cada lembrança, cada toque e cada beijo como se estivesse acontecendo ali. Como se não existisse Naraku, Kikyou, Kaede... Era apenas a Kagome adolescente redescobrindo sensações a muito tempo enterradas. E de repente eu me via, completamente consciente se sua presença a poucos quartos de distância. Se desejasse, bastava me levantar e em poucos passos, abriria a porta destrancada do quarto de hóspedes. Quase podia ver, com meus olhos fechados, ele encostado no parapeito da janela, de costas para mim. Imaginava que sua camisa molhada estaria desleixadamente jogada em algum canto do quarto. Os cabelos longos exatamente do jeito que eu amava, soltos e bagunçados. O prata dos fios contrastando com o dourado-bronze de sua pele.  Meus dedos percorriam sem rumo as linhas de seus músculos definidos. Talvez, ousasse um beijo, suave, perto de sua nuca. Ele riria. Sua risada exatamente igual a quando era adolescente. O som que eu mais amava nesse mundo. Ele viraria de frente para mim. Suas mãos firmes na minha cintura, me passando a sensação de segurança que só elas conseguiam me passar. Olharia bem no fundo de olhos, intensos como uma fonte viva de ouro líquido. Avassaladores como se o próprio sol dividisse sua luz e calor com eles. Não teria nenhum tipo de julgamento neles, nem raiva. Seriam os mesmos de antes, nada além de carinho, desejo e alguma coisa indefinida que eu um dia acreditei ser amor. Podia ouvir o som rouco que vinha de seu peito quando nossos lábios e línguas se encontravam depois de tanto tempo separados. Podia ouvi-lo sussurrar meu nome, meu verdadeiro nome enquanto se livrava de minha camisola amassada e suada. Podia sentir seu calor, emanando e domando cada pedaço de minha pele. Exatamente como antes. Exatamente como deveria ser.

 

“If I kiss you like this

And if you whisper like that

It was lost long ago

But it's all coming back to me”

(Mas se eu o beijo daquele jeito

E se você suspira assim

Isso foi perdido tempos atrás

Mas tudo está voltando para mim)

 

Uma batida na porta me fez despertar para realidade. Suor pingava pelo meu rosto, e eu ofegava completamente sem fôlego. Olhei para mim mesma, sentada no chão do quarto, acariciando-me por sobre o tecido fino da camisola. Me senti a criatura mais repugnante do mundo. Eu era uma mulher casada. Tinha feito votos perante a Deus e aos homens prometendo fidelidade eterna. E o que eu estava fazendo? Desejando estar na cama de outro? Alguém que meu marido muito gentilmente oferecera abrigo numa noite de tempestade? Com vergonha demais para confessar, coloquei toda culpa na maldita tempestade. Só então tive coragem para abrir a porta, para meu marido que sabendo o quanto eu detestava noites chuvosas, resolvera dormir em meu quarto comigo. Mas para meu espanto, não era Naraku que me esperava de braços abertos. 

-Como você ousa vir ao meu quarto, Inuyasha? – exclamei irada e constrangida na mesma medida.

O homem estava praticamente igual a minha fantasia de instantes atrás. O cabelo bagunçado e solto, a camisa branca molhada pela chuva parecia ter sido tirada e recolocada às pressas, muitos botões tentadoramente abertos. Seus olhos me encaravam intensos, mas sérios. Também não havia um traço de sorriso em seu rosto maduro. E foi exatamente isso que me deu forças para tentar fechar a porta novamente.

Sem se importar com meu esforço, ele facilmente segurou a porta com uma das mãos.

-Desculpe-me, Kagome. Mas eu preciso falar com você.- dito isso ele empurrou de volta e entrou no quarto tão rápido que eu colidi com a batente.

Ele me aparou com uma das mãos e eu pulei para trás como se tivesse sido mordida por uma cobra peçonhenta. 

-Meu nome é Kikyou. E acho que meu marido Naraku deixou bem claro para você que eu sou uma mulher casada.- Falei no tom mais frio e sério que minha raiva permitiu que eu fizesse- Então, o senhor, tenha a decência de dar a meia volta e sair dos meus aposentos antes que eu seja obrigada a gritar por socorro.

Ele estreitou os olhos, analisando minha ameaça.

-Você não faria isso, Kagome.

-Pela última vez, meu nome é Kikyou.-Sibilei.- Senhora Kagewaki. E recomendo que não duvide do que sou capaz.

Ele bufou irritado, seus braços cruzados firmemente sobre o peito. Ele não iria embora. Não moveria um único musculo até que dissesse tudo o que queria. “Mais teimoso que uma mula manca”, como costumava a me queixar na nossa infância infelizmente ainda se encaixa como uma descrição perfeita de Inuyasha. Bufei de ódio. Mesmo que eu gritasse até perder a voz, mesmo se Naraku subisse no quarto acompanhado de policiais aramados até os dentes, de nada adiantaria. O escândalo cairia sobre mim, mais uma vez. No fim, era eu que teria mais a perder se colocássemos todas as cartas na mesa. Entendendo meu silêncio como aprovação, sua postura relaxou.

-Eu... Você... Isso tudo é impossível de acreditar! – ele riu sem um traço de humor.- Passei todos esses anos imaginando... Pensando no que falaria quando nos encontrássemos de novo. Mas nem mesmo nos meus sonhos mais loucos poderia prever essa situação... O casamento eu até entendo, mas mudar de nome? Por que fingir ser uma outra pessoa e fazer todo aquele teatro lá embaixo?

 

-O que faço ou deixo de fazer da minha vida não é nunca foi da sua conta Inuyasha.-Balancei os ombros com uma indiferença.

 

-É da minha conta, sim!- Ele agarrou meu queixo me obrigando a encara-lo nos olhos- Sempre foi e sempre vai ser!

A onda de raiva parecia explodir do meu peito. Usando toda a força que tinha lhe acertei um tapa bem no meio da cara. Muito mais pelo susto do que pelo impacto, Inuyasha recuou no mesmo instante com os olhos arregalados. Mais minha ira acumulada estava longe de acabar. Parti para cima dele com socos e pontapés.

-Como ousa, seu depravado! – exclamei entre os golpes.-Com que direito acha que pode chegar falando desse jeito comigo?! Não lhe devo nenhuma satisfação Inuyasha, muito pelo contrário! Você é que foi o monstro! Você que acabou com tudo, absolutamente tudo que eu tinha!

Ele parou e segurou minhas mãos pelos pulsos com facilidade. Por mais que me debatesse era como brigar com uma coluna de pedra. Irritantemente inútil.

-Do que você está falando, Kagome?

A confusão em seus olhos parecia tão sincera que fez me sangue ferver ainda mais nas veias. Falso. Asqueroso. 

-Estou dizendo que por sua causa que eu tive que mudar. De nome, de vida, de absolutamente tudo. Por sua causa, Inuyasha, a Kagome que nós dois conhecemos está enterrada e esquecida. 

Ele me soltou como se tivesse levado um choque. Era verdade. Kagome estava morta.

Fria como um cadáver apodrecendo em uma tumba rasa. Esse encontro com o passado seria doloroso para os dois lados, afinal. Apesar de ser eu mesma obrigada a desenterrar memórias e reviver feridas era ele que seria obrigado a encarar a morta-viva que ele deixou para trás. 

-O que foi Inuyasha? Não queria conversar? Estou bem aqui.– Abri os braços espumando ironia- Uma zumbi e um fantasma. Foi isso que você sonhou nos últimos anos? Ou imaginou que o mundo se congelou no tempo esperando pacientemente para que você retornasse com o rabo entre as pernas para concertar as burradas que fez? Lamento ter de te dar essa má notícia, mas ainda não criaram uma maneira de ressuscitar os mortos. Se quiser conversar com alguém será com a Kikyou. Essa Kikyou bem aqui.

"If you want me like this

And if you need me like that

It was dead long ago

But it's all coming back to me"

 

(Se você me quiser deste jeito

E se precisar de mim como daquele jeito

Foi morto há muito tempo

Mas está tudo voltando para mim)

Não era de todo verdade. Por de trás do sorriso sarcástico e da expressão fria o coração de Kagome não estava totalmente morto. E teimava em dar seus fracos suspiros ao ver a expressão magoada de Inuyasha. Por mais que me esforçasse não era indiferente ao seu sofrimento por mais fingido que fosse. Ele voltou a se aproximar cabisbaixo, e sem que eu pudesse reagir me envolveu em seus braços num abraço forte e carinhoso.

-Me perdoe. -Ele sussurrou em meu ouvido.- Você é a última pessoa que eu queria magoar neste mundo, mesmo que você não acredite nisso.

-E não acredito mesmo.- respondi amarga, mas não lutei para sair do abraço. O coração de Kagome parecia pulsar cada vez mais vivo a cada palavra do rapaz.

- E também mesmo que você não acredite, eu senti sua falta. Todos os dias. Era um martírio toda vez que eu recebia cartas e nenhuma delas era sua. Nem mesmo um bilhete. Não houve um só momento em que eu não pensei em largar tudo e te procurar pessoalmente.

-E o que te impediu de fazer isso? – As palavras de Kagome escaparam de minha boca antes que eu pudesse evitar. 

-Muita coisa e nada ao mesmo tempo. Olhando para trás vejo que mesmo os maiores obstáculos poderiam ter sido vencidos por uma dose maior de coragem. Mas não tive nem mesmo um sopro de esperança que me desse fôlego para enfrentar o que precisava ser feito. 

-Você entrou naquele navio com as próprias pernas, Inuyasha. Poderia ter voltado quando quisesse com as mesmas. 

-Mas você não estaria lá no porto me esperando, não é? – Ele me sorriu tristemente e não consegui expressar em voz alta a confirmação do que ambos sabíamos. – Quando foi que mudamos tanto?

Havia uma melancolia agridoce no ar. Em silêncio, embalados pelos braços um do outro, imaginávamos um passado diferentes cheios de “e se” e de falsas esperanças. Esperanças perigosas que contaminavam minha mente e meu coração renascido com ideias incabíveis, e ao mesmo tempo irresistíveis. Me permiti por um instante respirar profundamente pela primeira vez desde o começo daquela agitada noite. Um delicioso erro. O mesmo perfume amadeirado quente e intenso emanava da sua pele exposta do pescoço. Fechei os olhos, e deixei minha cabeça tombar em seu ombro. Já que estava destinada ao inferno, porque não aproveitar um pouquinho a viagem? Então me permiti, essa pequena dose de pecado, sorvendo o quanto podia daquela lembrança viva.

"It's so hard to resist

And it's all coming back to me

I can barely recall

But it's all coming back to me now

But it's all coming back"

(É tão difícil resistir

E está tudo voltando para mim

Eu mal posso recordar

Mas está tudo voltando para mim agora

Mas está tudo voltando)


Notas Finais


Meo deous! O-O
Que bafão! O que será que aconteceu de tão ruim para separar o dois pombinhos?
Quem é a Kaede que a Kagome/Kikyo comentou em seus pensamentos?
Será que Naraku de aranha no anime vai virar boi nesta Fanfic?
Veremos no próximo capítulo!
Beijos e Borboletas Azuis!


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