História All My Blood Sweat and Tears - First Love

Há inúmeras maneiras em que Deus pode fazer-nos solitários e nos levar de volta para nós mesmos.

Esta foi a maneira como Ele lido comigo naquele momento.

-E se eu quisesse ficar aqui para sempre? – considero, mais como uma brincadeira do que uma real hipótese para o momento. Ao meu lado, Jimin divertia-se ao trazer para suas mãos uma quantidade infinita de doces que se desprendiam do céu, que agora jaziam aos montes a seus pés.

-Eu gostaria que ficasse aqui para sempre – Jimin sorri, parecendo sinceramente feliz ao me forçar a mascar um chiclete que me oferecera. O sabor de morango nunca me parecera tão real.

-Eu acho que poderia ficar – insisto no assunto, como se precisasse de mais confirmações de Jimin.

-Não pode – ele diz, agora desviando-se de sua tarefa para me encarar com os olhos tristes – Porque quando as Trevas me tomarem ao amanhecer, você será separado de mim, e não há nada que possamos fazer para impedir.

-Então durma para sempre.

-Não é simples assim – Jimin sorri, agora parecendo animado ao puxar-me para um abraço – Mas agradeço por sempre se preocupar comigo, como nenhum outro. Sabe... Eu conheço pouco sobre você, e nem ao menos sou capaz de me lembrar de você fora de meus sonhos, mas você já é muito importante para mim, porque sei que esteve me protegendo durante todo este tempo.

Meu coração se aperta. Queria dizer o quanto meus sentimentos eram muito mais profundos do que uma simples missão de protegê-lo, mas nada disto foi necessário.

Porque no instante seguinte, ele estava juntando seus lábios aos meus, de maneira tímida e inexperiente, mas cheia de suas boas intenções.

Retribuí-o com igual afeição, tentando transmitir a ele todo o meu amor através de meus atos naquele beijo, que por mais que tivesse durado, ainda era breve demais.

-Eu te amo, Nam – o pequeno diz com uma risada tímida, enquanto se afasta e enterra o rosto em meu ombro – Eu nunca soube o que eu senti por você... Ou por JungKook. Mas eu sinto que você é o único que me faz sentir bem de verdade.

“Ninguém será capaz de te amar, Kim Namjoon... Nunca mais” as duras palavras de Yoongi, que sempre o assolavam em desgraça no último século, agora pareciam completamente distantes, como todo e qualquer acontecimento que ocorria fora daquele pequeno pedaço da mente de Jimin.

Alguém é capaz de me amar, sim.

E enquanto aquele amor me purificava, lava minhas dores e me torna livre, retribuo a ele minhas palavras, que há muitos anos já tive certeza de serem verdadeiras.

-Eu também te amo, pequeno. Sempre te amei e não será diferente daqui em diante.

Ao nosso redor, a paisagem começa a escurecer. As pequenas gavinhas das Trevas estendem-se sobre a vegetação rasa do pátio, secando-a.

O garoto ao meu lado treme, apertando-se mais contra mim enquanto entoa uma prece baixa, que pouco pode ajudá-lo. Porém, há algo mais forte do que toda a fé de Jimin.

-Nada pode fazer mal a você. Pois o amor é a arma perfeita contra o mal. Ele é o único sentimento que pode nos purificar, e você o tem dentro de si. Apenas deixe que esse sentimento lute contra toda a escuridão.

Como de praxe, sou expulso da mente de Park Jimin assim que seu despertador soa, exigindo a atenção do garoto que agora acordava. Desta vez, porém, algo surpreende o jovem sonolento assim que ele senta-se sobre a cama, após desligar o alarme estridente.

Desabando de sua face para repousar sobre suas pernas esticadas, ali jaz a fita negra que cobria seus olhos até então.

-Nam! – sobressaltado, o garoto pula em pé e encara o vazio de seu quarto, o sorriso luminoso rapidamente perdendo seu brilho após perceber que estava sozinho. Diferentemente das outras vezes, agora ele era capaz de se lembrar de seu sonho de forma completa – Eu tenho certeza de que é real... – ele sussurra, subitamente entristecido.

Não havia nada que eu poderia fazer, porém. E nem mesmo as feições chateadas do garoto poderiam conter minha alegria ao dar-me conta da bela aura perolada que agora se acumulava em seu ser. A dualidade de sua antiga aura não estava mais presente. Agora, tudo o que pairava sobre o garotinho era a aura da mais pura bondade.

O pacto fora rompido. E fora rompido pelo amor mais sincero entre Park Jimin e eu mesmo. Eu conseguira salvar meu garoto, ao final das contas.

E a aura de puro branco que se movimentava alegremente acima de Jimin deixava óbvio que este não se tratava de Abraxas.

O que nos leva diretamente à situação seguinte, em que Suga parece mais mal-humorado que o usual ao me encontrar em seus aposentos após o café-da-manhã dos alunos.

-Não o mantenho por perto para que fique observando Park Jimin – Suga range os dentes em descontentamento, e agora rezo para que ele não note tão cedo a aura misteriosamente imaculada de seu alvo – Mantenha o foco, Kim Namjoon, por acaso se esqueceu de que é o seu Mestre?

-Não, Mestre – sussurro, descontente – Não o trarei mais problemas.

-É bom que não traga – a advertência no olhar de Suga era evidente. Eu sabia muito bem o que aconteceria caso meu Mestre sentisse que eu estava sendo inútil a ele. Ele poderia me mandar ao Inferno se simplesmente enjoasse de minha companhia.

E eu ainda não estava pronto para abandonar Park Jimin. Aliás, eu nunca estaria pronto para tanto.

Sendo assim, acatei minha sina, retirando meu garoto do foco de minha atenção por ora.

~*~

Novamente eu era apenas um espectador diante da cena à minha frente. O casal sentava-se lado a lado em um dos bancos do pátio do colégio, e aquela cena me trazia borboletas ao estômago ao me lembrar dos sonhos de Jimin, que eram protagonizados sempre naquele mesmo local.

-Algo o incomoda, Jinnie? – Taehyung estreita seus braços protetores ao redor de Jin, este que apenas suspira em descontentamento.

Tomado de uma ideia súbita, Jin checa rapidamente as proximidades, certificando-se de que os dois estavam realmente sozinhos naquele canto do pátio. Virando-se rapidamente para Taehyung, aproxima-se de seu rosto, e as intenções do garoto logo são percebidas pelo falso anjo, que se desvia de um beijo da forma mais delicada que lhe é possível.

-Tae... – Jin solta um grunhido de frustração e afasta as mãos do namorado de cima de si – Você tem nojo de mim ou algo assim?

Taehyung parece preso em um dilema. Por um lado, poderia mentir e inventar uma desculpa qualquer que provavelmente magoaria Jin e por outro lado, poderia dizer a verdade e encarar as consequências de um namorado completamente chocado.

-É claro que não! Eu amo você – Taehyung sorri, mas ainda assim mostrando preocupação – É apenas que este gesto, por mais simples que seja, pode te destruir, Jin.

O humano de feições delicadas apenas aguardou, tentando conciliar aquelas palavras de forma que fizessem sentido à sua mente.

-Eu não sou como você – Taehyung começou, tentando amenizar a situação – Na verdade, desde seu nascimento, eu recebi a missão de protegê-lo com minha vida, se fosse preciso. Isso porque você é um garoto muito precioso para nós.

-“Nós”?

-Sim, os anjos! Eu e Hoseok temos feito de tudo para protegê-lo da influência dos demônios que tentam roubar sua alma para o Mal. Tudo parecia ir bem, até nos encontrarmos com os nossos inimigos naturais aqui.

Jin permaneceu estático, apenas balançando sua cabeça em conformidade, sem ao menos dar-se conta do que aquelas palavras significavam.

-Então Hobi também é...?

-Sim – ele sorriu – Nós somos os anjos mais poderosos da contemporaneidade, e por isso recebemos sua guarda como nossa mais importante missão.

-Então só está comigo porque é sua obrigação? – Jin afasta-se ainda mais do namorado, que segura seus pulsos em um claro pedido para que não se afaste. Para o humano, as explicações de Taehyung ainda lhe eram complexas demais e pareciam não se aplicar à realidade.

É verdade que sempre vira Taehyung como seu guardião e protetor, já que ele estava sempre presente ara auxiliá-lo quando mais precisava, seja nas coisas simples como um dever de matemática aparentemente sem solução até em coisas realmente graves, como na vez em que os dois se safaram de um assalto graças à lábia de Taehyung.

Lábia agora que Jin descobria ser fruto de suas habilidades celestiais.

-Não seja bobo! Eu nunca mentiria a respeito de meus sentimentos por você. É verdade que isto começou como apenas um trabalho para mim, mas você não é apenas meu protegido, eu prometo, você é mais que isso.

-Então por que não me beija? – o garotinho estava à beira das lágrimas. As explicações de Taehyung o eram cada vez mais confusas e ele não sabia até que ponto poderia confiar nos sentimentos de um garoto-anjo que mentira para ele durante toda a sua vida.

-Nunca ouviu falar sobre o beijo dos anjos?

Jin respirou fundo algumas vezes, tentando recuperar na memória as vezes em que passara longas madrugadas lendo assuntos mitológicos em seu computador. Não podia negar que o assunto o atraía, e seu conto favorito era aquele em que os anjos, ao acolherem em si as almas cheias de bondade, livravam os humanos da vida terrestre através de um beijo.

Agora as lágrimas de Jin transbordavam através de seus olhos brilhantes. Ele não sabia até que ponto poderia confiar nas palavras de Taehyung, mas preferiu ceder ao instinto sempre presente e aninhar-se nos braços fortes de seu protetor.

Era realmente uma pena que Taehyung fosse sua própria ruína.

A alma antes pura de Taehyung fora corrompida pelo ódio, e isto era bem fácil de ser entendido.

A vida de Kim Taehyung, quando humano, nunca fora fácil. Tendo perdido a mãe ainda muito jovem, o garoto sempre sentira falta de uma figura materna com que pudesse contar. Mas mais avassalador do que isso, era a personalidade completamente desregulada e alcoólatra de seu pai.

E não era de se espantar que o alvo de toda a fúria e descontrole do homem bêbado sempre recaíssem sobre Taehyung e sua irmã mais nova.

O ser de Taehyung estava completamente tomado pelo ódio que este nutria por seu pai. O amor apenas podia ser encontrado em sua irmã, a única que de fato providenciava o apoio emocional que Taehyung necessitava para não acabar com aquela situação e simplesmente dar voz a seus desejos mais latentes, que diziam para que matasse o pai o mais rápido possível.

Porém, em um dia de fúria, as coisas fugiram do controle do jovem.

E quando viu o corpo agora sem vida do pai a seus pés e o choro compulsivo de sua irmã a seu lado, foi quando percebeu o quanto havia agido irracionalmente.

O trágico fim da vida de Taehyung consistiu em diversas idas à delegacia para longos interrogatórios do delegado, na presença apenas de um advogado que Taehyung contratara às pressas com as economias que juntara de seu emprego de meio-período em um supermercado.

O tempo de Taehyung estava se esgotando, e a oportunidade de responder ao processo criminal em liberdade estava quase se esvaindo das possibilidades para o jovem, já que era cada vez mais evidente que fora ele próprio quem matara o pai.

Então, ouvindo os conselhos de seu advogado, Taehyung fugiu.

Sem o amor da irmã, que voltara-se contra si, e recebendo a recusa do amor de qualquer outro, Taehyung pôs fim à própria vida, tendo sua alma tomada pelo ódio e culpa do mundo e de si próprio. Fora recebido prontamente pelos braços de um demônio, tendo seus pecados sendo tão graves ao ponto de transformarem-no em um ser cheio de Trevas.

Mas aquilo não era suficiente para Taehyung. De que o adiantava a eternidade se ele não tinha como exercer poder sobre seus semelhantes?

Foi então que ele selara um pacto com o demônio mais antigo existente: o próprio Lucifer.

E neste pacto, a troca era clara: o poder apocalíptico como anticristo em troca de suas asas.

Taehyung cedera de bom grado, acatando aquela punição como um fator quase irrelevante diante dos benefícios que recebera.

E desde então, ele contenta-se em esconder sua identidade ao misturar-se em meio aos anjos, conquistando sua confiança ao ponto de ser designado a ter em sua guarda o próprio Abraxas.

Era o desfecho ideal para seu plano bem elaborado. O que Taehyung não esperava, porém, era que mais alguém soubesse de suas pretensões.

Jung Hoseok sempre fora um ser essencialmente observador. E tendo se identificado com Taehyung através de seus próprios traumas, Hoseok começara a perceber o pensamento repleto de ódio do suposto anjo em relação à sua vida terrestre.

Da mesma forma que seu colega, J-Hope perdera a mãe cedo e enfrentara problemas semelhantes em seu lar. Porém, ao invés de aquele sentimento corrompê-lo para o mal, aquilo apenas enraizou-se em seu ser, arrastando-o para o perigoso vício em medicamentos. Morrera como uma vítima de overdose, mas a bondade em sua alma o fez ser acolhido por um anjo em seus momentos finais na vida terrestre.

Como percebem, a vida é cheia de reviravoltas. E um novo capítulo desta história está prestes a começar.

Surgindo por entre os ladrilhos espessos do grande pátio, J-Hope espreita o casal ao longe, suas mãos trêmulas apertando-se em torno do arco de cobre que este levava nas mãos.

Colocando-se metros atrás de seu traidor, o anjo encaixa uma flecha por entre o arco e coloca-o em posição de disparo contra a cabeça do anticristo. J-Hope está pronto. Observo seus pulmões se encherem de ar em expectativa e seus dedos dedilharem o arco em busca do momento perfeito...

Momento este que não chegou, uma vez que Taehyung pareceu dar-se conta da presença de seu inimigo antes mesmo que este armasse o arco contra si.

-Pode até me matar, garoto, mas não pense que será fácil assim.