História All My Blood Sweat and Tears - Mama

Nos recantos mais profundos das memórias de Suga, as recordações de sua vida humana ainda estavam presentes. Para a maioria dos demônios, a vida terrena pouco os importava, portanto, acabavam por esquecê-la com o passar dos séculos.

Para Suga, porém, o que vivera nos tristes anos de sua adolescência nunca poderia ser esquecido pelo demônio.

-Eu me apaixonei perdidamente seis meses antes de minha morte – meu Mestre sorriu, aquele gesto singelo fazendo com que as sensações de felicidade revividas chegassem até mim – Ele era mais novo do que eu, mas não tinha passado por todos os traumas que vivi na infância.

Assinto, recolhendo de seus pensamentos as imagens tristes do abandono familiar e da morte de um ente querido que abalara Suga.

-Nunca foi fácil para mim lidar com meus pais. Yoonsu, apesar de ser meu irmão gêmeo, era o completo oposto, sendo o brilho dos olhos do casal. Queria ser médico, assim como os dois e era extremamente cativante em suas palavras. Eu, por outro lado, estava mais interessado em fumar, transar e viver a vida. Tentaram me pagar algumas aulas de piano clássico, forçaram-me a aprender música, pensando que isso acalmaria minha alma rebelde, mas foi tudo em vão.

Mais uma série de imagens chegaram até mim. Algumas de alegria na presença do irmão, outras de curiosidade do menino que se aproximava de um piano, outras ainda de extrema mágoa, e estas se encontravam completamente borradas por contas das memórias de lágrimas do garoto.

-Yoonsu era um bom menino. E também era meu melhor amigo. Sim, apesar de tudo, nós éramos muito próximos. Quando nós tínhamos dezesseis anos, porém, o acontecimento mais marcante da minha vida tomou espaço. Eu era um garoto inconsequente que pegou o carro dos pais em um fim de semana para farrear, o que pode parecer até bem comum.

“Mas Yoonsu era um bom garoto, como eu disse, e ele sabia que eu estava completamente bêbado quando me sentei ao banco de motorista do carro. Ele quis ir comigo, apenas para se certificar de que eu estaria bem. Eu não me lembro de mais nada sobre meu irmão depois disso”.

Yoongi não parecia disposto a entrar em detalhes sobre o que aconteceu, mas ainda assim, as imagens podem ser bem interpretadas por mim. Um acidente aconteceu. Yoongi dirigia em alta velocidade, não pôde fazer a curva como deveria. Logo em seguida, o carro invade a vitrine de uma loja após capotar. Nada poderia ter sido feito pelos bombeiros, Yoonsu já estava sem vida antes mesmo de ter sido retirado das ferragens.

-Mas eu sobrevivi. Adquirindo um trauma e um início de depressão, mas sobrevivi – Yoongi ri alto e claro, como se realmente aquela parte da história não o fosse traumática – Não parece uma piada? Eu, o garoto vagabundo, sobrevivi. E meus pais tiveram que lidar com o enterro precoce do filho de ouro deles. É claro que eles não aguentaram a pressão, e se divorciaram meses depois. Eu fugi de casa logo após.

“Passei a viver em uma pensão na periferia. Os donos do lugar entendiam minha situação e tinham paciência com o meu atraso para quitar o aluguel do mês... Mas foi durante aquele período que conheci Jeon JungKook... Você sabe, meu fiel seguidor até hoje”.

Suga deixa sua cabeça se encostar à poltrona, e uma longa respiração toma conta de seu peito, junto com uma grande sensação de nostalgia.

-Ele era um garoto perfeito, perfeito como meu irmão era. E eu me apaixonei por ele, em partes, porque ele me lembrava Yoonsu. E tive a sorte de ter seu amor retribuído, afinal – ele sorri após sua fala, parecendo sereno como nunca estivera – Nós vivemos um romance perfeito durante seis meses, nossa química era ótima, nossas conversas eram ótimas, o sexo era ótimo... Mas os pais dele não pensavam isso. Pelo menos não pensaram quando JungKook os contou sobre mim.

Em sua mente, tornavam-se clara as imagens de uma briga. No meio do pequeno cômodo que presumi ser o quarto de Yoongi, os dois garotos discutiam acaloradamente. Pelo que pude perceber, Yoongi tentara convencer JungKook a sair de casa, como ele próprio fizera. E claramente, JungKook negou, e isto começara uma briga que terminou com objetos sendo arremessado contra paredes, xingamentos aos gritos e uma multidão de vizinhos curiosos e preocupados.

-Houve uma briga – suas palavras completavam as imagens como perfeitas legendas de seus pensamentos – E ele saiu daquela pensão levando consigo toda a minha felicidade. Você sabe como é amar uma pessoa ao ponto em que fica dependente dela, Namjoon? É como uma droga.

-Eu sei – concordei, pela primeira vez me manifestando durante o relato de Suga.

-Então, minha depressão piorou muito desde aquela briga. Eu sempre pensava que poderia cometer uma besteira e acabar com a minha própria vida a qualquer dia, mas eu estava apenas brincando com fogo quando acidentalmente aconteceu.

-Você... Incendiou?

As memórias de Yoongi não permitiram que ele mentisse. Ali vi as chamas e seu olhar petrificado perante o que causara por conta de um simples acidente.

-Era o meio da noite, ninguém pode ver o fogo chegando... Eu lutei contra as chamas, Namjoon, juro que lutei, mas havia um ponto em que questionei minha determinação em continuar vivo. Eu estava sozinho, estava sem futuro e sem amor. Preferi deixar-me embriagar pela fumaça antes que o fogo me consumisse de forma indolor. Um demônio me recebeu, é claro. Eu havia cedido à morte, e ainda causara o óbito de vários vizinhos com meus atos inconsequentes.

-Mas foi apenas um acidente! – quase gritei, alterado demais por conta da injustiça pelo garoto ter sido tomado pelas forças do mal.

-Eu nunca fui um bom garoto, Namjoon. E o que levou ao final de minha vida e o de tantas outras foi apenas o desenrolar de uma vida de muita tragédia, que me transformou no garoto amargo que eu era quando faleci. Por ter deixado os maus sentimentos tomarem conta de mim, eu apodreci por dentro de tal forma que pude me tornar o ser imerso em Trevas que sou hoje – ele sorriu.

-Mas JungKook? Não era um bom garoto?

-Ah, JungKook sempre foi um garotinho facilmente influenciável. Participou de pequenos delitos comigo, vivendo em um romance inconsequente. Ele ficou muito abalado com minha morte. Arrependeu-se de ter brigado comigo e pensou que eu havia me suicidado por conta do que acontecera conosco. O que de todo, não é mentira. Eu deixei de lutar pois não tinha mais ele ao meu lado.

Percebo toda a inquietação que tomava conta de Suga enquanto ele revivia os acontecimentos após sua morte. Ele caminhava sobre a Terra naqueles dias, ocultado pelas sombras enquanto mantinha o garotinho Jeon sob sua vigilância. Mas é claro que ele não pôde impedir seu amado de tomar as mesmas decisões que ele próprio tomara.

-Ele, assim como eu, deixou-se levar – Suga continuava – O carro que o atropelou naquela noite não parou para prestar-lhe ajuda, mas JungKook agradeceu por isso. Deixou-se ser levado pelos braços de um demônio simplesmente porque desistira da própria vida ao render-se tão facilmente. E a vontade de ter-me ao seu lado novamente foi tão grande que ele se tornou meu companheiro nesta dimensão.

-E vocês estão juntos desde então? Romanticamente falando? – apenas percebo que a pergunta é pessoal demais quando já a havia feito. Portanto, contento-me em aguardar a resposta do outro.

-Não da mesma forma como éramos antes. Mas ainda assim, podemos dizer que nos amamos deste jeito meio torpe, já que o amor é um sentimento puro demais para que nós dois possamos senti-lo. Mas este não é o ponto pelo qual o chamei até aqui em meus aposentos, Namjoon...

Apenas aguardei, novamente amedrontado de que ele pudesse me dispensar daquele mundo sem que nem ao menos me despedisse de Jimin. Mas, ao contrário do que eu o imaginava, ele não o fez.

-Eu quero propor algo a você... Algo que vá redimir minha alma e a alma de JungKook para o resto da eternidade. O fim dos tempos está próximo, e tenho uma chance de salvar a mim mesmo e a meu amado se eu satisfizer um desejo seu. Portanto, Namjoon, pense em seu desejo mais aguardado, eu poderei torná-lo realidade.

Meus olhos se abrem em pura descrença, fitando o ser imortal à minha frente, que pela primeira vez em décadas eu vira parecer tão atencioso comigo. Meus lábios se abrem e confesso meu pedido, vendo-o ser prontamente acatado pelo outro.

Sorrio. Tudo estava bem agora.