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História Allegro - Read to me


Escrita por: sankdeepinside

Notas do Autor


Olá!
Demorei, mas enfim cheguei com o prometido spin off do Jongin de Sonata. Era pra ser uma one shot, mas eu me empolguei mkadhfnajsdfa vão ser dois capítulos, vou me esforçar pra publicar o outro em breve.
Não é preciso ter lido a sonatinha pra entender essa história, eu explico bem os motivos do Jongin estar onde está, mas pra quem não leu: CONTÉM SPOILERS DO FINAL DE SONATA.
Espero que gostem!
PS: Jongin é mais velho que Junmyeon na história.

Capítulo 1 - Read to me


Fanfic / Fanfiction Allegro - Read to me

Junho de 1842

Londres, Inglaterra

 

A vida nunca havia sido sinônimo de justiça para Kim Jongin. Desde os cinco anos de idade, havia aprendido que não importava se seu coração fosse bom e sua intenção sempre a melhor, sempre havia alguém para superá-lo em inteligência, beleza e até mesmo em sua bondade.

O fato de ser primogênito da família Kim fizera com que a dor de não ser o filho mais brilhante ou mais amado fosse ainda mais dolorosa. Não importava o quanto ele se esforçasse para aprender a matemática que o tutor duramente lhe ensinava, Junmyeon sempre aprenderia a mesma lição duas vezes mais rápido e a aplicaria de forma muito mais eficiente.

Ele crescera sob o olhar constante de reprovo do pai, que em determinado momento de sua vida, apenas decidira passar toda as responsabilidades, posses e documentos para as mãos do filho mais novo que, obviamente, administraria tudo com maestria.

Apesar da preferência explícita do pai pelo irmão mais novo, Jongin não odiava ou invejava Junmyeon. Portanto, quando ele percebera que o irmão se casaria com a mulher que amava e se mudaria para outro continente, tudo o que fizera fora parabenizá-lo e fugir para o bordel mais próximo, afogando todas as mágoas e dessabores com muita bebida e entre os seios de belas prostitutas.

Ao invés de ser o primogênito fracassado, preferiu ser o filho inconsequente e libertino, irresponsável demais para assumir as posses da família, a viver gastando parte de sua fortuna em esbórnia. Para ele, era melhor ser visto dessa forma do que como um pobre coitado.

Entretanto, muito tempo se passara desde que o irmão se casara com Sojin, seu único amor, que fora levada cedo demais para o mundo dos mortos, deixando o irmão mais novo viúvo e o coração de Jongin em um luto secreto e incurável.

Para a surpresa de todos, um ano mais tarde, Junmyeon teve seu coração preenchido com alguém novamente, alguém completamente inesperado, alguém pelo qual não era certo se apaixonar: um homem, um músico.

Quando o irmão confessara para si aquele amor completamente fora dos padrões, ele não julgara, embora muitas dúvidas tivessem surgido em sua mente. Era mesmo possível amar tão intensamente um homem quando se devia amar uma mulher? Jongin nunca questionara o irmão sobre aquele assunto, mas sempre se via indagando sobre as diferenças daquele tipo proibido de amor pelo qual o irmão dera tudo de si para proteger.

- Hora de acordar, lorde Kim! – O carcereiro o acordou com o barulho insuportável da caneca de metal batendo contra as barras de ferro da cela.

Jongin estremeceu e se encolheu sobre o colchão fedorento. Estava frio e o barulho das gotas de chuva ecoavam alto sobre o teto do pequeno cubículo.

- Eu já lhe disse que não sou nenhum lorde.

- Mas seu irmão se foi, significa que agora o senhor é lorde no lugar dele, não é mesmo? Isso se não acabar na forca... – Jongin não respondeu, não gostava da ideia de que o irmão fugira do continente e todas as suas posses agora deveriam ficar a seu encargo – Levante-se logo, o delegado deve chegar em breve com informações do seu julgamento, vai querer estar bem desperto para ouvi-lo.

Numa tentativa desesperada de ajudar Junmyeon a fugir e protegê-lo da cólera de Kim Yongha, pai dos dois, Jongin acabou atirando na mão de seu próprio pai, que estava decidido a acabar com a vida daquele que Junmyeon tanto amava.

O pai, que fora preso, acabou tendo seu julgamento e sendo levado a forca por ter assassinado uma jovem grávida em sua tentativa de atingir Zhang Yixing. Jongin também fora preso por também ter atirando em meio às civis, mesmo que para evitar que o Yongha colocasse em fim em mais uma vida inocente.

Estava preso em uma delegacia pequena próxima ao porto de Tillbury, onde o incidente havia acontecido. A proximidade com o rio tornava a cela fria e úmida e Jongin passava todas as noites encolhido de frio. Em breve seria julgado no Old Bailey e teria apenas duas opções: ser solto ou enforcado em Newsgate, assim como o pai.

O delegado Do Kyungsoo chegou quinze minutos após Jongin se levantar. Como todos os dias, ele parecia sempre exausto, mesmo que ainda fosse cedo da manhã. Apesar de não ser a mais doce das criaturas, Kim gostava de observar seus hábitos peculiares e imaginar os caminhos que levaram um estrangeiro a comandar um departamento de polícia na Inglaterra.

Kyungsoo era um homem sisudo, de poucas palavras e olhares substanciais. Embora não fizesse o tipo explosivo, que grita e humilha os seus subordinados, todos os policiais daquele departamento temiam profundamente seus olhares duros e buscavam seguir completamente cada uma de suas ordens.

Era comum vê-lo trocando turnos diurnos pela madrugada, fazendo uma vigília severa sobre os presos enquanto lia um livro qualquer sob a luz do candeeiro. Aquele era outro detalhe que Jongin sempre observava: Do Kyungsoo amava livros.

O delegado sempre carregava algum livro em mãos e logo que suas obrigações burocráticas eram finalizadas, ele rapidamente afastava os documentos para o canto da mesa e abria algum volume com capa de couro, lendo silenciosamente enquanto vez ou outra erguia os olhos para monitorar os presos.

- Kim – A voz grave e profunda do delegado fizera com que Jongin parasse de caminhar em círculos na cela e o fitasse imediatamente – Fui informado hoje cedo que seu julgamento será em dois dias, no Old Bailey, já pedi que avisassem sua família.

- Obrigado por avisar, senhor.

- Não fique tão nervoso, muitas testemunhas estão a seu favor.

- Só deixarei de ficar nervoso quando tiver minha liberdade de volta, senhor.

Kyungsoo assentiu em silêncio, por mais que tivesse muita confiança na inocência de Jongin, a Inglaterra vivia em tempos muito obscuros, em que até mesmo o menor dos crimes podia levar um homem a ser pendurado na forca.

Por algum motivo, os enforcamentos se tornaram verdadeiros atos de entretenimento para a população londrina. O sistema penitenciário já não tinha condições de abarcar a quantidade crescente de criminosos, tornando a forca a solução mais prática para lidar com os presos e dar certa diversão para a população mais sádica.

Kyungsoo não confortou Jongin, apesar de internamente torcer pela justiça com o novo jovem lorde. Girando nos calcanhares, o delegado caminhou os poucos metros que distanciavam o cárcere de Kim de sua mesa, se sentando e colocando livro de lado para conferir os documentos do dia.

- Senhor... – A voz de Jongin soou tímida alguns poucos instantes após o delegado começar a leitura de seu trabalho.

- Sim, Kim?

- O senhor realmente lê muitos livros.

Um sorriso involuntário se abriu no rosto de Kyungsoo. Não era de seu feitio ser simpático com seus prisioneiros, mas seu hábito pela leitura era algo pelo qual se orgulhava e sentia prazer em ser reconhecido por aquilo.

- Sim, eu leio.

- Sei que isso pode soar inconveniente, já que estou preso, mas será que pode me emprestar um? Os dias na cela podem ser realmente entediantes.

O sorriso de Kyungsoo rapidamente se esvaneceu.

- Me desculpe, Kim, mas eu não empresto livros. Nunca. Para ninguém.

- Oh... – Jongin ouviu aquilo com desapontamento. – Entendo.

Ele havia juntado coragem por dias para pedir um livro emprestado ao delegado, que sempre aparecia com um volume novo e de título curioso, do tipo que não se encontraria na biblioteca do irmão, repleta de livros de cálculos e administração. Aquilo despertara sua curiosidade pelo conteúdo daqueles volumes, que poderiam ser o passatempo perfeito para alguém que passava o dia fitando as paredes da prisão.

Desolado, Jongin voltou a caminhar em círculos pela cela, pensando que daqui a dois dias ele poderia ter sua liberdade para deitar sobre a cama de dossel do irmão, ou se livrar de uma vez por todas daquela vida que só lhe trouxera infelicidades e morrer de uma vez. Qualquer uma das duas possibilidades seria muito bem vinda.

 

 

A noite caiu e com ela também veio uma chuva ainda mais forte do que a que caíra pela manhã, causando um frio de gelar a espinha de qualquer um. Jongin nem sequer se esforçara para tentar dormir, pois sabia que não conseguiria, tanto pela baixa temperatura, quanto pela inquietude de seus pensamentos.

Esticado sobre o colchão úmido, ele fitava a penumbra da luz do candeeiro do delegado Do. Ele estava lendo, Jongin sabia.

O Kim soltou um muxoxo, pensando no egoísmo do delegado, que não se compadecera de si em suas horas de tédio mais críticas. O preso da cela ao lado da de Jongin havia sido transferido na tarde daquele dia para Newsgate, o que fazia de si o único preso restante daquele pequeno departamento.

Ainda não estava certo se já era madrugada, mas a noite já caía escura há muitas horas. O tédio nunca lhe parecera tão sufocante quanto naquele momento. Imaginava que apenas o delegado e mais alguns poucos guardas ainda estavam ali, fazendo vigília e dificilmente algum deles se interessaria em manter uma conversa consigo.

Em função disso, acabou optando por importunar um pouco mais o delegado.

- Senhor... – Falou alto o suficiente para que Kyungsoo o ouvisse de sua mesa, a poucos metros dali.

- Sim, Kim?

- Já que não empresta seus livros, poderia ao menos ler em voz alta? Desta forma eu teria com o que me entreter, ouvindo a história sem por minhas mãos sujas em seus preciosos livros.

Jongin fez troça e como resposta ouviu algo que se parecia com uma risada, mas não tinha como saber se era uma risada amigável ou hostil.

- Quer que eu leia uma historinha para você, Kim Jongin? Isso por acaso é algum tipo de piada? Não sou sua babá.

Jongin suspirou. Não, aquilo não era piada.

- Eu não vou implorar por isso, apenas pensei que poderia ser um pouco simpático e ajudar um amigo entediado.

- Desde quando somos amigos? Eu não lhe dou liberdade.

Jongin sorriu de leve. Kyungsoo não era a mais amigável das criaturas, ele sabia, entretanto se havia uma habilidade que o Kim mais velho dominava, certamente era a habilidade de importunar pessoas.

- Tudo bem, é um direito seu querer ler na paz do silêncio, não cabe a mim, um criminoso, importuná-lo com minhas vontades. Entretanto, eu posso muito bem ser condenado à forca daqui há dois dias. Espero que meu espírito não atormente suas leituras futuras com a culpa de ter negado os últimos desejos de um homem à beira da morte.

- Não faça drama, você não será enforcado.

- Como pode ter tanta certeza?

Kyungsoo desviou o olhar para a luz do candeeiro e o comprimiu os lábios. Por mais otimista que fosse, ele não tinha certeza que o primogênito dos Kim seria poupado. O sistema penitenciário inglês estava um caos e muitos homens morriam por crimes insignificantes.

O delegado certamente não conseguiria seguir em paz caso negasse um pedido tão bobo como aqueles para um homem que considerava inocente e podia acabar morto.

Um suspiro pesado escapou de seus lábios grossos e logo em seguida ele limpava a garganta, voltando os olhos para o começo do capítulo em que estava e começando a lê-lo em voz alta.

Jongin abriu um sorriso imenso ao ouvir o que parecia a aventura de dois jovens imprudentes em alto mar. Ao mesmo tempo que a história parecia algo completamente diferente do que estava acostumado a ouvir, também se viu surpreendido pela eloquência e suavidade de Kyungsoo com as palavras.

O delegado era, sem sombra de dúvidas, um excelente leitor, dando ritmo e entoando vividamente as falas dos personagens de acordo com a situação. Para Jongin, aquilo foi algo completamente impressionante, a ponto de questionar silenciosamente se o delegado não tinha interesse pelo teatro.

Kyungsoo se incomodara com a ideia de ler em voz alta, contudo, como havia apenas ele e o preso ali, não demorou para que esquecesse o incômodo e logo deixasse a leitura fluir tão naturalmente quanto quando ela fluía apenas em sua mente. Intercalando os capítulos com largos goles em seu chá, o delegado entrou pela madrugada lendo em voz alta. Já havia avançado dois terços do livro, quando enfim se dera conta do horário. Ele fez uma pausa.

- Kim?

- Por que parou, senhor? Está cansado? – Kyungsoo viu Jongin encostar a face morena nas barras de metal e buscar um vislumbre de si.

- Não acha que está tarde? Devia dormir.

- Não quero dormir, não consigo, minha mente sempre acaba vagueando para coisas ruins. Prefiro ouvi-lo ler, se isso não o incomodar.

O delegado assentiu em silêncio. De alguma forma não conseguia ser grosseiro com Jongin, talvez porque no fundo de seu coração, ele acreditava na inocência e no caráter do jovem lorde. Desde o momento que fora preso, Kim não mostrara nenhuma resistência, era como se algo dentro dele acreditasse que merecia tudo aquilo.

- O que está achando da história? – Perguntou.

- Oh, hum... – Jongin pousou o dedo sobre os lábios cheios, analisando brevemente o que havia sido lido.

A obra que o delegado escolhera narrava as aventuras de dois jovens como clandestinos de um navio baleeiro em alto mar, ele havia achado tudo muito rico e bem escrito, ganhando tons ainda mais interessantes na voz de Kyungsoo, que parecia acrescentar vida às palavras com sua voz grave.

- Acho que é um bom livro, é uma história interessante, nunca li... quer dizer, ouvi, algo do tipo.

- Não acha que perde um pouco do calor no decorrer dos capítulos?

Sim, Jongin concordava. Os incidentes do início do livro que fazem o protagonista se interessar pela navegação eram bem mais envolventes do que sua aventura de clandestino, embora ainda acreditasse que o livro fosse excelente.

Kyungsoo continuou lendo, fazendo pausas para comentar pequenos trechos com o preso. Por outro lado, o jovem lorde descobriu que o delegado era um homem muito sábio e se animava facilmente ao discutir opiniões divergentes da sua. As horas acabaram voando e com o passar delas, veio o fim das páginas.

- Acabou? – Questionou com uma ponta de tristeza ao delegado.

- Sim. – Kyungsoo fechou o livro em sua última página e passou a palma sobre a capa de couro. – É um bom livro.

- Sim...

- O sol deve nascer em breve, devia tentar dormir.

Jongin sabia que não dormiria, mas se sentiu extremamente grato pela companhia que o delegado lhe fizera naquela noite.

- Obrigado, senhor. Não me esquecerei de sua bondade.

Kyungsoo sorriu gentilmente.

- Apenas prometa que não irá me assombrar caso morra.

- Eu não vou morrer. – Jongin respondeu com outro sorriso, embora, em seus pensamentos, prometesse que não o perturbaria após a morte.

 

 

Dois dias depois, o tribunal do Old Bailey declarou Kim Jongin como inocente. Apesar das fervorosas críticas à ameaça que o jovem lorde causara, ficou comprovado que ele apenas se posicionara contra o pai, maior ameaça aos cidadãos de bem naquele momento. Além disso, uma carta de lorde Kim Junmyeon em defesa do irmão mais velho fora de grande valia para a decisão da corte.

Depois de uma semana em cárcere, Jongin enfim dormiria sobre um colchão macio e perfumado, poderia enfim voltar a usufruir dos luxos que sempre foram seu passatempo em sua vida libertina, entretanto, quando o delegado destrancou a grade de ferro que o separava da liberdade, ele se sentiu um tanto melancólico.

- Anime-se, Kim. O sol o aguarda.

- Mas está chovendo, senhor. – Jongin brincou – Aqui, sempre chove.

- Então aproveite o frescor. Em Londres, nós aprendemos a abraçar a chuva tanto quanto o sol, também há algo bom sobre ela.

Sorriu minimamente para o delegado, evitando pôr em palavras que sentiria falta de sua companhia e de sua voz profunda.

- Sou grato por tudo, senhor, espero poder retribuir tudo um dia.

- Eu apenas fiz meu trabalho, não há nada para retribuir. – Kyungsoo bateu suavemente nas costas de Jongin, forçando-o a se mover para fora dali. Se por um lado o delegado estava feliz pela liberdade de Kim, por outro, também deixava se preencher com tristeza pela falta que aquela companhia faria.

O primogênito dos Kim voltou para casa, sendo recebido de forma calorosa pela mãe, que chorou copiosamente ao ter o filho de volta aos braços. Para ela, tudo havia sido duplamente doloroso, tanto a fuga do filho caçula, quanto a morte do marido e o futuro incerto do filho mais velho na prisão.

Toda a casa se encontrava em luto, mas a maior falta sentida pelos criados e por Jongin certamente era a do dono da casa: Junmyeon. Após se lavar e dormir muitas horas de sono na cama de dossel de seu quarto, ele se viu obrigado a encarar o que parecia a parte mais assustadora de tudo aquilo: teria que assumir a vida que o irmão deixara para trás.

- Tem certeza que sou eu quem devo fazer isso? Sabe que não sou bom nisso, nunca fui. – Confessou baixo para a mãe ao abrir a porta do escritório de Junmyeon.

- Acho que você levou as humilhações de seu pai muito a sério, Jongin. Você pode ser tão bom quanto seu irmão, basta querer.

- Sabe que não é tão simples.

- Faça isso por ele, sim? Não quer ver nossa família falida, ou quer? – Jongin negou com a cabeça e recebeu tapinhas de encorajamento da mãe. – Então dê o seu melhor, meu querido.

Soltou um longo suspiro e enfim concordou, ocupando a cadeira do irmão e passando os olhos pela pilha de documentos. Antes de imergir completamente naquele ofício, ergueu os olhos para a mãe, que ainda se mantinha de pé no centro do escritório, olhando para as coisas do irmão.

- Acha que um dia ele irá voltar? – Perguntou em voz baixa.

- Eu realmente não sei.

- Por que...? Eu não entendo, por que ele decidiu fugir com aquele homem. Junmyeon nunca foi assim, eu jamais imaginei... um homem! Eu não compreendo.

Jongin também não compreendia. Para si, a ideia de amar um homem do mesmo modo que se ama uma mulher ainda parecia um conceito turvo em sua mente. Entretanto, ele compreendia minimamente do que se tratava o puro do amor. Fora por amor que deixara o irmão se casar com sua amada no passado e fora por amor que ele empunhara uma arma contra o próprio pai, por amor ao irmão.

- Eu também não compreendo, mãe, porém sei que Junmyeon apenas fez o que seu coração pedia. Ele se foi porque queria ser feliz, portanto creio que devemos tentar aceitar sua vontade e esperar que ele consiga o que tanto quer.

Ela não esboçou nenhuma resposta, era evidente que ainda sentia a falta do filho, mas tentou aceitar aquele fato da melhor forma possível.

Os dias seguintes foram de extrema dor de cabeça para Jongin. Administrar definitivamente não era sua especialidade, tampouco algo que lhe desse prazer. Em outras palavras: ele odiava.

O irmão possuía muitos bens e negócios com grande parte dos comerciantes da cidade. Era difícil calcular e articular tudo aquilo, ainda mais para alguém que não pegava um caderno de cálculo há quase dez anos. Mesmo que se esforçasse ao máximo, ele ainda se sentia incapaz de coordenar tudo aquilo.

Em uma das tardes de completo desespero diante das finanças, Jongin se debruçou desgastado sobre todos os papéis. Gemendo em agonia enquanto sonhava com uma boa garrafa de vinho. Decidiu esticar as pernas por alguns instantes e se levantou, estalando a coluna e os braços, resvalando seu olhar pela larga estante cheia de livros de Junmyeon.

Como ele suspeitava, ali haviam apenas livros ligados a negócios, cálculos, administração e todo aquele tipo de coisa que interessava ao caçula. Desanimou ao ler os títulos dos volumes, sentindo naquele momento uma certa saudade das histórias fantásticas narradas pela voz do delegado Do.

Mais do que isso, gostava de como discutir a trama com Kyungsoo o fazia se sentir esperto e articulado, mesmo que sua opinião divergisse da do delegado, as palavras nunca pareciam vazias ou tolas, tudo parecia interessante, diferente de todos aqueles papéis sobre a mesa de Junmyeon.

Sem pensar duas vezes, Jongin decidiu sair. Ordenou que selassem seu cavalo e, mesmo que o sol já começasse a se por, partiu. Antes de chegar ao se destino, parou diante de uma pequena livraria na qual o dono já começava a se recolher.

- Nós estamos fechando, caro lorde. – Falou educadamente assim que Jongin perguntou se poderia entrar para olhar os livros.

- Por favor, senhor, garanto que não irei demorar e que comprarei algo.

O vendedor não resistiu à promessa de mais uma venda e acabou permitindo que ele olhasse os volumes. O mais velho dos irmãos Kim nunca se considerara um grande leitor, mas ele certamente possuía um grande respeito pelos livros e mais ainda pelas histórias.

Depois de folhear alguns poucos livros, acabou escolhendo o que acreditou ter o título mais interessante e pagou por ele, dando um pequeno agrado extra ao vendedor pela gentileza. Logo após montou sobre seu cavalo e galopou rapidamente em direção ao último lugar em que esperaria voltar contente: a delegacia de Tillbury.

 

 

Antes que Jongin pudesse pensar em algumas apresentações para explicar seu retorno à delegacia, foi surpreendido pelo próprio delegado, que saía para ir casa.

- Kim? O que faz aqui? – Perguntou.

Kyungsoo parecia absolutamente cansado, os cabelos escuros já haviam perdido o penteado impecável e bolsas escuras habitavam a parte inferior aos seus olhos. Jongin imediatamente sentiu que o momento era inoportuno para pedir que o delegado lesse para si.

- Ahm... e-eu... – As palavras de repente pareciam se embolar em sua boca e o jovem lorde lentamente se sentia mais constrangido sob o olhar curioso do delegado.

- Isso é um livro? – Era óbvio que, para ser um delegado, Do Kyungsoo era um homem observador e o livro sob o braço de Jongin foi a primeira coisa que prendeu sua atenção.

- É. – Lorde Kim riu sem jeito. – Eu o vi em uma livraria e achei que gostaria de tê-lo. – Estendeu o livro para Kyungsoo que o aceitou com um sorriso no rosto.

- Está me dando esse livro? – Leu o título e seu sorriso se estendeu um pouco mais. – Um romance?

- Romance? Achei que fosse uma história sobre castelos...

Kyungsoo riu sonoramente e pegou o lorde de surpresa com sua risada gostosa. Jongin achou que ele parecia incrivelmente mais jovem quando ria daquela forma.

- Eu não me importo com isso, obrigado pelo livro. – Por um breve momento, o delegado ficou estático, com o livro em mãos e um pouco depois questionou. – Quer que eu o leia para você?

Sim, Jongin queria, ao menos antes de saber que o livro se tratava de um romance. Aquilo o constrangeu um pouco mais.

- Se isso não for ocupá-lo demais...

O delegado continuou a lhe sorrir com gentileza.

- Não posso prometer que o lerei todo de uma vez, mas posso ler alguns capítulos. Gostaria de tomar um chá? Podemos começar.

Kyungsoo tinha ciência de que estava sendo muito direto, aquele não era um programa comum entre dois cavalheiros. A verdade é que ler havia se tornado uma atividade muito vazia sem a companhia do lorde para argumentar sobre a escrita dos autores, escolhas dos personagens e desenrolares da trama. Ele sentira falta de ler com seu antigo prisioneiro e de alguma forma estava feliz em ter outra oportunidade de repetir a atividade, mesmo que com um livro de romance.

Completamente exausto de calcular sem ter precisão, de olhar para documentos de imóveis que ele sequer sabia onde ficavam e se frustrar sozinho, Jongin teve certeza que aquele havia sido um convite irrecusável.

 

 

Kyungsoo já não morava na residência de sua família em Paddington, o delegado preferira morar sozinho em uma casa modesta, mas aconchegante nos arredores de Tillbury. Após o casamento das irmãs, acreditou que continuar morando com os pais seria apenas para ser frequentemente perturbado com propostas de noivados com as damas da sociedade.

Apesar de ser ainda muito jovem e ter condições que atrairiam damas de boas famílias, ele não tinha o menor interesse no matrimônio. Era casado com o trabalho e apenas a ideia de abrir parcialmente mão de seu ofício para se dedicar à esposa e filhos era suficiente para lhe causar calafrios. Estava bem com seus livros e seu trabalho, se mantivesse distância de sua mãe casamenteira, conseguiria prosseguir com sua vida em paz.

Ele revelou tudo aquilo rapidamente enquanto colocava a água quente no bule, logo após Jongin questionar sobre sua família. Apesar do cansaço evidente, Kyungsoo parecia animado em conversar, aquilo deixou o lorde um pouco mais à vontade.

- Então, disse que o livro se trata de um romance, como sabe? Por acaso já o leu?

Kyungsoo agitou a cabeça em uma negativa enquanto pousava o exemplar sobre as pernas.

- Não, mas minha irmã mais velha possui um desses, ela prefere ler apenas romances, então foi o que deduzi ao vê-lo.

- Oh, sinto muito. Achei que fosse leitura gótica.

- Eu realmente não me incomodo, contanto que seja uma boa história, o resto é irrelevante.

- Parece cansado, se quiser posso vir outro dia...

- Não, não, eu não estou tão cansado.

O livro contava a história de uma donzela apaixonada por livros e heroínas de romances góticos, mas que não nutria nenhum interesse romântico pelos jovens de seu convívio. Ela sonhava alto e ninguém parecia corresponder sua expectativa.

Após cinco capítulos, Kyungsoo fez uma pausa para discutir o livro com Jongin. Os dois apontaram os aspectos marcantes da obra, que incluíam o estilo sarcástico da autora e a visão mais fortalecida da personagem feminina. Embora o livro tratasse de tópicos de preferência do publico feminino, como intrigas familiares e amores proibidos, os dois concordaram em prosseguir na obra até o fim.

Jongin percebeu que os bocejos e coçadas de olhos do delegado haviam aumentado de frequência e, por mais que desejasse ficar para ouvir o restante da história, sugeriu que continuassem em outra ocasião, de preferência quando Kyungsoo estivesse mais descansado. Ele não se opôs, pois realmente sentia os olhos pesarem.

Marcaram outra leitura para dali a dois dias, em que Jongin o visitaria novamente.

Enquanto cavalgava de volta para casa, o lorde se viu pensando sobre a personagem e um pouco mais profundamente em um tópico que sempre voltava à sua mente: amor. E, como sempre acontecia quando pensava no assunto, novamente surgiam as dúvidas sobre o relacionamento que fizera seu irmão desistir de tudo.

Era possível que um homem amasse outro do mesmo modo que se ama uma mulher? Olhar seus lábios e sonhar com sabores? Fitar o fundo de seus olhos e sentir as mãos suarem? Jongin se viu refletindo que pouco sabia do amor romântico e por mais que tentasse entender suas razões, o sentimento sempre lhe parecia uma profunda incógnita.

Enquanto percorria as ruas devagar em sua montaria, Jongin se viu curioso: teria Kyungsoo se apaixonado alguma vez?

 

 

Toc

Toc

Toc

Jongin se viu mais concentrado no som de sua testa batendo contra a mesa de madeira do que na pilha crescente de cobranças e cartas endereçadas ao irmão. Àquela altura todos os seus contatos estavam cientes de seu sumiço e questionavam sobre o rumo que todas as negociações tomariam dali para frente.

Junmyeon talvez tivesse presumido que o pai ficaria encarregado de lidar com tudo aquilo, mas para o infortúnio de Jongin, o ofício acabou sobrando para ele mesmo. Era estressante e frustrante não saber como agir e ele internamente questionava se a forca não teria sido uma solução mais prática.

Naquela tarde, uma chuva irritante despencara e ele se viu impossibilitado de visitar Kyungsoo para ouvi-lo lendo para si. Aquilo o deixou imensamente mais carrancudo do que em qualquer outra tarde de trabalho.

Por causa de sua impaciência, Jongin decidiu largar tudo aquilo por ora. Estava exausto e sentia a cabeça palpitar. O chá que lhe trouxeram mais cedo havia esfriado, seus ossos tremiam de frio sob a carne, tudo parecia horrível.

De pé diante da janela, suspirou fundo enquanto fitava a chuva escorrer pelo vidro. Kyungsoo provavelmente estaria lendo sozinho no conforto de sua sala amornada pelo calor da lareira, tomando um chá quente e doce. Jongin podia imaginá-lo perfeitamente e de repente aquilo deixou com inveja, embora também lhe tenha feito sorrir.

Era reconfortante imaginar o delegado lendo, o lorde não sabia bem porque, mas era uma visão agradável. Talvez fosse pelo fato de Kyungsoo amar tanto aos livros e aquilo transparecesse uma calmaria e tranquilidade que não se encontrava em meio aos papéis administrativos.

Jongin se viu indo um pouco mais fundo e imaginou o delegado caindo no sono no conforto de sua poltrona, com o livro escorregando sobre seu colo e seus lábios grossos se entreabrindo durante o ressonar. Sim, era bom imaginar.

Contudo, diferente do que esperava, o delegado Do Kyungsoo não estava no calor de sua sala adormecido, muito menos se sentindo quente e aconchegante. Estava debaixo da torrente, com um guarda-chuva empenado, água penetrando o couro de suas botas e os dentes rangendo de frio, a ponto de fazer Jongin soltar uma exclamação de espanto, ao vê-lo correr do outro lado da rua em direção à porta de sua casa.

- Senhor, o que veio fazer aqui nessa chuva? – Questionou tão logo Kyungsoo foi acolhido pelos criados no hall de entrada.

Estava ensopado da cabeça aos pés. O cabelo preto grudava sobre a testa, assim como suas roupas. Os olhos escuros de Kyungsoo se ergueram em sua direção, olhando bem fundo nos do lorde. Ele não sabia. Não sabia o que o levara a enfrentar aquela chuva forte até ali, mas algo inconscientemente o conduzira até Jongin. Vontade de ler? Solidão? Ele não fazia a menor ideia.

- Nós combinamos de ler hoje. – Ainda tremendo, o delegado buscou algo no bolso interno do sobretudo e fez uma expressão de completo pânico ao perceber que o livro que trouxera estava completamente encharcado e com as letras borradas. – OH NÃO!

Jongin tomou o livro de sua mão.

- Senhor, com todo o respeito, isso foi muito estúpido de sua parte! Está tremendo! – Jongin se virou para a criada que recolhera o guarda-chuva empenado do delegado e pediu que providenciasse um banho quente e roupas secas para ele. 

- Não precisa disso, eu vim apenas para ler e agora meu livro está arruinado! Devo ir embora.

- Não, irá pegar um resfriado desse jeito! Vá logo se secar, homem! – Jongin segurou o delegado pelo antebraço, sentindo a frieza de sua pele úmida sob os próprios dígitos. – Eu o levo de volta quando a chuva passar, até lá, aproveite a falta de graça das minhas paredes. – Disse sorrindo, sendo retribuído com a risada tímida de Kyungsoo.

Mesmo com o infortúnio, eles secretamente estavam contentes de estar na presença um do outro. Aquele tipo de imprudência era a última coisa que esperaria de alguém como Do Kyungsoo. Ele não aparentava ser o tipo de pessoa que enfrentaria uma chuva para ver alguém, mas descobrir que estava enganado, causou algumas sensações desconhecidas no jovem lorde, apesar da principal delas ser muito evidente: felicidade.

O delegado logo foi conduzido pelas criadas para o interior da casa e Jongin ficou parado no hall, com o livro destruído pela água da chuva em mãos. Ele abriu em uma página e, mesmo que as letras ainda estivessem borradas, encontrou um pequeno trecho intacto entre os poucos que se salvaram:

“Havia boa dose de bom-senso nisso tudo; mas há situações da alma humana sobre as quais o bom-senso tem muito pouco poder”.

Jongin fechou o livro e guardou para si a frase, considerando que aquela talvez fosse uma peça para compreender aquilo que mais lhe intrigava.

 

 

- Posso lhe fazer uma pergunta, Kim? – Os olhos de Kyungsoo percorriam a estante repleta de livros de cálculo, enquanto Jongin o observava atentamente alguns poucos passos atrás.

Fora realmente uma sorte que as roupas que Junmyeon deixara para trás servissem perfeitamente no delegado, pois Jongin tinha certeza que as suas não serviriam, uma vez que era mais alto que ele.

- Faça quantas perguntas quiser. – Respondeu com um sorriso adornando seus lábios, como sempre fazia quando estava na presença do amigo.

- Por que seu irmão fugiu? Digo, ele era um lorde muito querido, não se metia em confusões e possuía muitas riquezas. Não consigo imaginar suas razões.

Jongin fez um instante de silêncio, gostaria de compartilhar a verdade com Kyungsoo, mas não estava certo de como ele reagiria.

- Se eu for honesto com o senhor, promete manter segredo?

Os olhos castanhos do delegado se voltaram com curiosidade para si. Internamente, Jongin pensou que o delegado tinha belos e expressivos olhos.

- Não contarei para ninguém, prometo.

Jongin caminhou até o delegado e parou ao seu lado, ambos ficaram encarando a lombada dos livros sobre a estante enquanto o lorde contava a história do irmão, desde sua esposa falecida à paixão proibida pelo músico chinês e sua posterior fuga para viver longe dos julgamentos da sociedade londrina.

- Senhor... você acha que é realmente possível para um homem amar outro? Sabe, como se deve amar uma mulher? É realmente verdadeiro?

- Eu não sei... nunca pensei sobre isso.

- Sinceramente? Eu penso sobre isso o tempo todo.

- Por quê?

Jongin deu de ombros. Não sabia explicar exatamente porque aquele amor lhe despertava tanta curiosidade. Talvez fosse porque ele não compreendia completamente a natureza daquele sentimento, mas desejasse poder entendê-lo, poder senti-lo tão profundamente como o irmão sentira a ponto de fazê-lo ir tão longe.  

Não era como se Jongin nunca tivesse amado, ele amara, mas nunca tivera a chance de ser correspondido, tampouco experimentara beijos de paixão, ou as mãos suadas e cócegas no estômago que diziam que se sentia. Tudo o que havia provado foram os beijos frios e os toques lascivos das prostitutas, todos sempre borrados pelo álcool.

- Gostaria de saber como é.

- Quer se apaixonar por um homem? – Kyungsoo lhe questionou um tanto surpreso.

- Não, quero me apaixonar, apenas. Mas mais do que isso, quero ser amado de volta, desse modo que faz as pessoas se entregar completamente, gostaria de saber como é sentir isso. – Jongin fez uma pausa para olhar para o delegado. – Senhor, por acaso já se apaixonou alguma vez?

Kyungsoo negou com a cabeça.

- Como eu já lhe disse, sou casado com meu trabalho e meus livros, esse tipo de emoção só viria para atrapalhar minha vida. Diferente de você, eu não busco por isso, estou bem como estou agora.

- Não sei se o invejo ou se o chamo de tolo, senhor. – Jongin sorriu e agitou a cabeça em reprovo à resposta do delegado.  

- Não há nada de interessante para ler na estante do seu irmão, que desperdício! – Kyungsoo rapidamente mudou de tópico e aquilo fez Jongin sorrir de forma mais ampla.

- Concordo, há volumes muito mais valiosos na estante em sua casa, senhor. Mas é compreensível, já que meu irmão sempre se interessou mais por música do que por literatura. – Jongin deixou seu olhar cair sobre Kyungsoo. – Está confortável com as roupas que lhe emprestaram?

- Sim, obrigado. Embora me sinta estúpido por ter estragado o livro que me deu.

- Não sinto pelo livro, mas pela história. Gostaria de saber o final.

- Eu também, mas se tratando de um romance, podemos esperar um casamento, não acha?

- Eu não sei, senhor, nem todo romance é previsível.


Notas Finais


Algumas coisas relevantes (ou não):
1) Allegro é um tipo de sonata;
2) Os livros que o Kyungsoo leu nesse capítulo foram "A narrativa de Arthur Gordon Pym" de Edgar Allan Poe e "A Abadia de Northanger" de Jane Austen.
Espero que tenham gostado!
Vejo vocês em breve!


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