1. Spirit Fanfics >
  2. Alma Sonâmbula >
  3. O caloiro

História Alma Sonâmbula - O caloiro


Escrita por: vhopelovers

Capítulo 2 - O caloiro


Fanfic / Fanfiction Alma Sonâmbula - O caloiro

Entrei na cantina de rosto baixo, e logo pude sentir os olhares dos presentes recaírem sob mim.

Não demonstres fraqueza, idiota”, pensei.

Levantei o meu rosto e caminhei até à fila de espera. Ao aproximar-me reparei que vários homens se afastaram, quase como se pretendessem deixar o caminho livre para a minha passagem. Estranhei aquela atitude, não compreendi inicialmente.

- Líder Hoseok, hoje o prato é manduguk, o seu favorito. – disse Yoongi, um dos tantos membros do grupo de Kim Namjoon.

Foi então que respirei fundo, embrulhado num certo entusiasmo e num súbito acréscimo de auto-estima. Sorri disfarçadamente olhando em volta. Kim Namjoon tinha-me deixado no comando?

Passei por entre os reclusos e, pegando no meu tabuleiro, fiquei refletindo sobre a minha mais recente incógnita. O que estaria a acontecer?

- Sentamo-nos na mesma mesa de sempre? – Yoongi questionou, por detrás de mim.

- Ãhsim… sim…

Arrastamo-nos para a tal mesa, e atrás de nós seguiram outros. Sentei-me, ainda bastante reticente, e esperei alguém iniciar aquela constrangedora conversa.

- Kim Namjoon terminou a sua viagem. Foi um notável líder… Mas agora temos você.

- Eu?

Vi as sobrancelhas dos presentes se encolherem.

- Claro…  – continuei. Levei comida à boca, procurando pelo tempo necessário para uma resposta apresentável – Tentarei ser tão prestável quanto o líder Namjoon…

“Prestável”? Eu não encontrei um adjetivo melhor?!

- Nós confiamos nas escolhas do Líder Namjoon. – Yoongi disse.

- Líder Hoseok… – um deles pronunciou de forma chamativa – Há boatos de que teremos uns caloiros em breve. Provavelmente os Kkangpae tentarão os recrutar… O que tem a dizer?

Yoongi foi rápido a intrometer-se.

- Nós teremos de averiguar com cautela se os novatos realmente nos serão úteis. Após uma análise rápida, antecipamo-nos, e recrutámo-los nós! Concorda?

Eu não fazia ideia se concordava.

- Sim… Me parece o mais adequado.

 

 

Estava sentado no colchão que me pertencera desde que aqui cheguei. Perdido nas ranhuras da parede. Poderia dizer quantas a mesma continha caso me questionassem, e a distância exata em milímetros entre elas. E então ouvi os passos que me arrancaram à força daquele transe assustador e peculiar. Eles aproximavam-se… mais, mais e mais…

- Aqui está a sua cela, detento! Instale-se.

Rodei o rosto para a minha direita e pude vê-lo. Pressionei o meu olhar ao perceber o quanto aparentava ser jovem. Ele deu passos hesitantes na direção da porta, e, por ela adentrou.

Desviou o seu olhar ao perceber que o olhava. Pousou o cobertor no seu colchão e permaneceu de costas durante uns segundos. Permaneci imóvel, aguardando o que se sucedia. Até que o rapaz se virou, sentando-se na cama e abafando o rosto por entre os seus braços. Consegui ouvir os seus suspiros. Aquilo remeteu-me para o dia em que cá cheguei.

- É sempre assim no primeiro dia. – disse, e logo de seguida me deitei.

Pressenti ele retirar os seus delicados braços por entre o rosto e olhar-me de leve. Não me atrevi a retribuir o olhar e logo me virei contra a parede. Aparentemente, tinha ignorado o facto de ter alguém se instalando na cama de Kim Namjoon, mas interiormente, fiquei pensando no olhar aterrorizado que o mesmo continha estampado no rosto.

 

- SOOK, OUVE A MINHA VOZ! – supliquei.

Avistei suas mãos tremelicarem, o que me deixou mais nervoso. E então pude ouvir seus soluços. O meu coração estalou no momento. Vê-la chorar era, sem dúvida, dos cenários mais apavoradores a que alguma vez assistira.

“Não chores, Sook… Não chores…!”

Abri inesperadamente os meus olhos e virei o meu corpo. Vi-o choramingar, tentando abafar o choro no cobertor. Revirei os olhos e me levantando da cama, caminhei até ele.

- HEY! – sussurrei da forma mais alta possível – O que pensas que estás a fazer?! – bati-lhe no ombro.

Vi seus olhos inchados e avermelhados nascerem por entre o cobertor.

- Eu estou a chorar.

- Sério? E o que te leva a crer que o podes fazer aqui? Tu não estás em casa, caloiro!

Ele permaneceu me encarando de olhar carregado. Aquilo ter-me-ia assustado se eu não o estivesse vendo chorar.

- Por que eu não posso chorar se estou triste?

Sorri no momento, e de seguida gargalhei. A inocência do caloiro acabava – inesperadamente – de me proporcionar um riso sincero.

– Tu podes – respondi – mas não deves. Leis de sobrevivência.

 Virei-lhe costas, indo de novo até à minha cama, porém, antes de me voltar a deitar, ele interrompeu o meu ato, quebrando o silêncio.

- Leis de sobrevivência? Eu já estou morto.

Paralisei no momento ao ouvir tais palavras. Tornei a rodopiar o meu corpo, de forma a encararmo-nos.

- Que dizes?

- O que ouviste. O meu coração pode ainda bater, mas a minha alma está morta. – fez uma pausa, passando delicadamente a língua por entre os seus lábios secos  – Ficar aqui fechado… – olhou em volta  – É o fim. Eu nunca realizarei os meus sonhos… Não posso estar com quem amo… Agarraram no meu pássaro interior e prenderam-no numa gaiola, o impedindo de voar na direção das suas ambições, dos seus desejos… – suspirou – então sim, eu estou morto. E ficarei por uns longos anos.

Permaneci em silêncio durante uns largos segundos. Eu identificava-me. Tanto.  Balancei a minha cabeça de forma irónica, pensando no quanto eu também estava morto. Somente não tinha ainda sido enterrado.

 - É… a vida prega-nos partidas. – fixei o meu olhar no chão de forma um tanto desesperada – Resta saber se as tentamos  contornar ou se permanecemos presos na armadilha. Ambos estamos mortos. – levantei o meu olhar até ao dele – Temos de encontrar uma razão para voltar a viver.

Ele tapou o rosto com o cobertor. Pensei que tinha desistido daquela agoniante conversa. Mas não. Ele voltou a responder… e, eu voltei a identificar-me com a resposta.

- Eu nunca encontrarei uma razão aqui dentro. – voltou a destapar o rosto – Eu sei como isto funciona! Eu vou acabar num canto qualquer despido e ensanguentado.

Sentei-me na cama e senti a minha respiração acelerar devido ao rumo real que a conversa levava. Espalmei as minhas mãos, tentando – em vão – aliviar a pressão.

- Só tens de demonstrar a confiança que não tens, e isso, de alguma forma os intimidará.

Mergulhei nos cobertores e fechei os meus olhos. Não aguardei uma resposta. Não quis uma resposta. Aliás, nem eu mesmo tinha respostas. Era Kim Namjoon a falar no momento.

 

Agarrei na minha toalha, peguei na minha escova de dentes e, após um longo suspiro ao relembrar que sonhei com ela, caminhei até à saída. Cada sonho, cada recordação, cada lembrança era terrivelmente frustrante.

- Vais tomar banho?

Recuei um passo e o olhei.

- Sim…

- Levas-me contigo? Não sei onde ficam os balneários.

- Como não? Não te deram essas instruções básicas?!

Ele esfregou os olhos e bocejou enquanto respondia.

- Hum… não. Acho que os guardas tinham uma partida de futebol importantíssima.

Sorri disfarçadamente.

- Não demores. Te espero do lado de fora.

Encostei-me contra à parede enquanto aguardava a chegada do caloiro. Tentei afastar alguns pensamentos que insistiam a todo o custo adentrar pela minha mente, sem qualquer tipo de permissão. Apertei a minha toalha com força, tentando-me controlar. Aquele sítio estava alimentando o meu monstro interior duma forma estupendamente arrepiante. Este sítio construiu alguém que eu já não reconhecia, e esse “alguém” vivia dentro de mim, como um parasita.

- Vais bater em alguém?

Olhei para o lado e vi Yoongi com um sorriso um tanto irónico nos lábios e no olhar.

- Não se não me perturbares hoje.

Ele gargalhou, ficando com os olhos quase fechados.

- Prometo que hoje serei um bom menino.

- Olá! – uma nova voz surgiu por entre a conversa, seguida de uma vénia.

- Caloiro! – Yoongi “saudou” o puxando pela parte traseira do seu pescoço – Bem-vindo à melhor prisão do país! Aproveite a sua estadia. – ironizou.

O caloiro encarou Yoongi com um olhar um tanto assustado. Pude jurar que vi uma gota de suor escorrer pela sua testa.

- Conhecemo-nos? – questionou.

Yoongi voltou a gargalhar com a sua sinistra gargalhada.

- Não… mas vamos, não vamos?

- Eu… eu não sei.

Avistei as mãos do caloiro tremelicaram, e aquilo, de alguma forma, me ofereceu um déjà-vu.

- Yoongi! – chamei num tom sério – Larga-o!  

Yoongi perdeu o sorriso nos lábios, e encarando-o uma última vez, o soltou, sem sequer questionar a minha ordem.

- Eu vou acompanhar o caloiro aos balneários. Ele não sabe onde os mesmos ficam.

- Está a trabalhar, líder Hoseok?

Aproximei-me dele, o olhando bastante perto, ainda que o mesmo fosse mais baixo.

- Estás a questionar alguma das minhas atitudes?!

Yoongi baixou o olhar de imediato.

- Não, líder. Eu confio exatamente no que faz. Perdão.

- Perdoado. – respondi rapidamente lhe virando costas – Caloiro! Vem!

 Ele deu, imediatamente, passos largos para me acompanhar. Fomos em silêncio durante todo o percurso. Eu ocupado com os meus pensamentos e ele ocupado com os dele.

- Líder Hoseok?! É esse o teu nome?

Viramos a esquina e ficamos na entrada dos balneários.

- É aqui.

Ele visualizou o lugar da parte de fora e engoliu – desconfortavelmente – em seco.

- Eu vou ter de me despir diante os outros reclusos?

Aproximei-me do mesmo, após ouvir a pergunta e ver a consequente preocupação no olhar que esta trouxe.

- Caloiro…

- Taehyung! Kim Taehyung é o meu nome. – ele disse, apressado.

- Caloiro – insisti, ignorando o facto que o mesmo acabava de referir –, tu não estás em nenhum hotel! Vê se percebes isso. Aliás, – apontei o meu indicador diante o seu rosto – é importante que o percebas!

O caloiro encolheu-se no momento e, encarou medrosamente, uma vez mais, o interior do balneário.

Agora que acabava de ter espaço para ignorar a sua presença, adentrei apressadamente, deixando-o para trás. Ele surgiu segundos depois.

Comecei a despir aquilo ao que chamam “pijama” mas que se assemelha a tudo menos a um, e coloquei-me debaixo do chuveiro. Avistei por entre a água que escorria perante os meus olhos, o caloiro encostado a um canto, somente visualizando o cenário e ambiente do local.

Após fechar a torneira, enrolei a toalha em torno da minha cintura e fui ao seu encontro.

- Aproveita este horário, pois é o menos movimentado. Da parte da tarde será pior.

Agarrei na minha escova de dentes e fui até ao lavatório. Quando centrei a minha cabeça no espelho pude ver, através dele, o caloiro se despir lentamente. Carreguei o meu olhar ao tentar perceber se o que via diante o mesmo correspondia à realidade, e então tive de girar o meu rosto para me poder certificar.  

O seu corpo magro estava coberto de nódoas negras que fizeram o meu estômago revirar. E então a sua pele ficou totalmente nua, com cada marca exposta. Arreguilei os meus olhos perante a situação, e, ao perceber que o mesmo se iria virar, antecipei-me e fi-lo primeiro, para que não percebesse que tinha visto.

(...)

Estava a guardar as minhas coisas, junto à cama, quando pressenti a sua presença na cela.

- Vais tomar o pequeno-almoço? Eu desconfio onde fica a cantina mas não queria ir sozinho.

Levantei-me e ri.

- Calculo que não tenha cara de babyssiter. Mas se tiver, foi algum erro de fabrico.

Ele mergulhou os seus dedos por entre os seus cabelos ainda húmidos e então sentou-se na cama.

- Só queria companhia, líder Hoseok.

- Não sou teu líder! – berrei.

- Tudo bem. Eu posso fazer isto sozinho. – levantou-se e dirigiu-se à porta – Mas antes queria pedir uma última coisa – virou-se para mim num olhar obscuro – Pelo menos trata-me pelo meu nome. A minha mãe deu-me um.

- Não necessitamos de dizer o nome um do outro se não houver diálogos. – pausei para apertar os meus atacadores – Não tenciono que haja.

E então subitamente desapareceu.

Eu não queria que ele me visse como alguém capaz de o proteger. Eu não o podia fazer quando nem a mim mesmo eu era capaz. Eu não era tão forte como Namjoon, e talvez não tão altruísta. Eu só queria cumprir o meu tempo, no meu canto, e sem sofrer pelos problemas alheios. No fundo, eu próprio me poderia tornar num problema para o novato, coisa que – definitivamente – eu não pretendia.

Ele caminharia melhor sem uma pedra no sapato.


Notas Finais




Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...