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História Almas Trigêmeas - Quem é essa garota?


Escrita por: jord73

Notas do Autor


Mais um capítulo. As coisas começam a esquentar. Boa leitura!

Capítulo 5 - Quem é essa garota?


Fanfic / Fanfiction Almas Trigêmeas - Quem é essa garota?

Anteriormente:

— Nossa, tio, mas graças a Deus você está bem! – disse aliviada. Estava sentada no sofá da sala diante dele depois de ouvi-lo por um bom tempo.

— Bem? – perguntou ele com escárnio

— Sim, senhor. Bem. O senhor está vivo.

— Vivo pela metade, você quer dizer.

— Que seja! Mas ainda bem que eu não perdi você também.

(...)

Victoria parou no meio do cruzamento do caminho. Olhou para os dois lados: à direita, vinha o Loirão, e à esquerda, o Gigante. Ainda estavam longe, porém, ambos a viram também. Collins olhava ora para um, ora para outro com um crescente terror. Estava abismada! Aquilo era inadmissível! Os dois juntos! Não poderiam aparecer ali! Eles nunca apareciam juntos em seus sonhos. Por que desta vez? Olhou para a muralha à sua frente, pois não tinha mais coragem de encará-los, embora o fizesse de soslaio. Um medo tomou conta da moça, uma sensação por algo que havia ocorrido antes e que não queria que acontecesse de novo.

Quanto aos dois homens, a princípio, não se deram conta da presença um do outro por estarem à distância; apenas olhavam para Victoria sem prestar atenção a mais nada. No entanto, quando chegaram próximos a ela de lados opostos, ambos se perceberam e encararam-se. Os homens estavam espantados pela presença um do outro como se nenhum deles devesse estar ali, como se o outro fosse um intruso e..., estranho, como se já se conhecessem.

(...)

– Eu não estava por perto quando vocês se conheceram, mas pelo que soube, vocês sentiram uma conexão desde o primeiro momento em que se viram. É o que nos "romances baratos" chamam de amor à primeira vista. – o Winchester se mexeu no banco um tanto desconfortável – É claro que vocês dois tentaram negar tal sentimento – Cass deu uma risadinha – Cara, vocês no começo discutiam por qualquer coisinha feito cão e gato. Mas era palpável pra qualquer um que os visse juntos a ligação forte entre vocês. Eram muito parecidos. Tinham os mesmos gostos pra várias coisas, o gênio dela era igual ao seu em muitos aspectos.

– Espera aí! – interrompeu Dean - Como a gente se conhece?

– Não vem ao caso – desconversou – Basta saber que as circunstâncias do Apocalipse acabaram unindo vocês pra trabalharem juntos.

(...) 

– Nunca mais em tempo algum se atreva a falar qualquer coisa contra a Victoria. – falava baixo, mas continha uma fúria reprimida. Seu corpo até tremia.

– Vá em frente – desafiou Dean – Assim vai nos poupar de dores futuras.

O Dean futuro o soltou e guardou a arma. Ainda estava sob forte emoção, porém, não demonstrou em seu tom de voz:

– Vejo que Cass te distraiu falando sobre mim… e ela.

– Acredite, não foi um romance que eu tenha gostado de ouvir.

O outro soltou um riso curto.

– Pode desdenhar o quanto quiser, mas quando descobrir quem ela é... não vai ficar com essa pose toda. Você vai me entender.

Capítulo 4

Quem é essa garota?

Bobby estava na sala de sua casa e olhava pela janela. Victoria havia saído para fazer algumas compras a pedido dele, pois calculava que Dean e Sam deveriam chegar no máximo à noite.

O velho caçador meditava sobre a ideia que teve de reunir sua sobrinha e os Winchesters naquela batalha contra o fim do mundo. Dean havia telefonado na tarde do dia anterior.

– 0 –

– Bobby? – chamou o loiro

– Diga – respondeu

– Como estão as coisas?

– O de sempre. Continuo na minha cadeira de rodas.

– Er... certo... Estou só te ligando pra informar que... Sam e eu... a gente resolveu voltar a caçar juntos.

– É mesmo? Folgo em saber. Até que enfim uma boa notícia! – exclamou com satisfação – E como vocês dois... estão?

– A gente tá levando.

– Entendo.

– É isso, vou desligar. Se você souber de alguma novidade que tenha a ver com o Apocalipse, pode nos ligar. A gente também vai ficar atento e ir atrás de qualquer coisa que nos leve ao diabo.

– Pode deixar, garoto, que eu... – súbito, Bobby se calou.

– Bobby... Alô, Bobby – Dean chamou preocupado do outro lado da linha – Bobby, tá me ouvindo?

– Ah, er... sim. Dean, acabo de me lembrar de uma coisa muito importante!

– O que é?

– É meio complicado de explicar por telefone. Antes de vocês começarem a caçar, podem dar um pulinho aqui?

– Ahn, OK. Mas um pulinho vai ser meio difícil porque a gente está em Illinois. – zombou – A gente ia por uma cidadezinha aqui perto investigar uma pista da Colt, só que acho que não vai dar em nada. Então a gente vai aí sim. Mas acho que só chegamos de noite.

– Não se preocupe. Não vou a lugar nenhum. Espero sentado.

– Certo – riu – Então... até logo.

– Até.

– 0 –

O pensamento lhe havia ocorrido de repente; mataria dois coelhos numa só cajadada.

Bobby se preocupava muito com Victoria. A moça era como uma filha para ele, o único consolo que lhe restou depois da morte de sua meia-irmã.

Samantha Anderson era fruto do segundo casamento da mãe de Bobby. Ele tinha doze anos quando a mãe contraiu novas núpcias.

No começo, Singer não gostou nem um pouco da ideia. Sua experiência com um pai alcoólatra e violento não lhe deixou uma boa impressão sobre a figura paterna.

Todavia, Jefrey Anderson, seu padrasto, mostrou-se um homem completamente diferente de seu pai: detestava bebida alcoólica, era avesso à infidelidade e todos os domingos frequentava o culto dominical numa igreja evangélica. Também era bastante trabalhador e competente no que fazia: era dono de uma oficina de carros onde trabalhavam diversos mecânicos, além de administrar um ferro-velho

Foi com ele que Bobby havia aprendido tudo sobre automóveis e também sobre o negócio com ferro-velho.

Jefrey, a princípio, insistia para que o enteado se dedicasse aos estudos e progredisse numa carreira mais promissora, porém, o adolescente não tinha a menor paciência para ficar atrás de uma carteira ouvindo explanações teóricas ou fazendo contas embora fosse bastante inteligente. Encontrou seu caminho e nele trilharia.

Anderson entendeu e apoiou o jovem. Podia ser um homem exigente consigo mesmo na conduta, entretanto, jamais agia com severidade para com o enteado ou mesmo com qualquer um de seus empregados.

Singer, por sua vez, respeitava e admirava muito seu padrasto não só por tratá-lo bem como à esposa. A mãe de Bobby sempre foi uma mulher dependente e sem iniciativa e tal comportamento piorou depois do casamento com o pai dele. Por esse motivo, também tinha uma total dependência financeira e sentimental pelo segundo marido. Este a tratava com muito amor e carinho, às vezes de uma forma exagerada, mais parecendo um pai do que um marido.

Três anos depois desse enlace, nascia a meia-irmã de Bobby, Samantha Anderson, uma criança linda: tinha os cabelos da mãe e os olhos como os do pai.

Ah! Samantha! Samantha!

Como sentia sua falta! Foi ele que, na verdade, criou a irmã.

Jefrey morreu cinco anos depois do nascimento da menina, vítima de um atropelamento causado por um motorista bêbado e irresponsável. A mãe de Bobby ficou arrasada com a tragédia e passou a sofrer de depressão. Não mais se interessava pelos afazeres domésticos e nem em cuidar de sua filha ainda pequena. Era Bobby quem tomava conta da criança, quem lhe alimentava. Muitas vezes, levava-a para o ferro-velho que herdou do padrasto e deixava-a num canto com seus brinquedos; ele teve que se desfazer da oficina porque não tinha tempo, nem condições de administrar dois negócios, já que sendo ainda muito jovem tinha que tomar conta de sua mãe e irmã.

Mesmo depois que entrou para a escola, Samantha sempre corria para o ferro-velho e lá ficava com o irmão. Aos dez anos, enfrentou sua primeira prova de fogo ao lidar com o suicídio da mãe; foi no irmão mais velho que buscou amparo.

Felizmente, ao contrário da mãe, Samantha havia adquirido um caráter forte e independente. Em vez de se entregar à própria dor e lamentar-se, passou a ser quem consolava o irmão da perda que compartilhavam e sempre o incentivava com seus projetos. Ela, inclusive, o apoiou em se casar com uma linda e simpática moça chamada Karen. Passou a viver com o casal até se tornar maior de idade.

A esposa de Singer foi como uma verdadeira mãe para Samantha: com ela, aprendeu sobre as transformações de seu corpo quando chegou à adolescência e ficou menstruada e também tudo sobre sexo e o universo masculino. Eram assuntos que a garota não podia tratar com o irmão, por mais companheiros que fossem. Além disso, Karen era quem acalmava o marido quando este tinha que lidar com os pretendentes da irmã. Samantha era cortejada por muitos rapazes da região em que morava e Bobby espantava a todos com seu caráter genioso e feroz: sua "pequena" era preciosa demais para qualquer um chegar e achar que podia namorá-la.

Depois de algum tempo, Samantha embora fosse muito apegada ao irmão mais velho, não admitia mais suas interferências. Assim, logo que completou seus dezoito anos, contra a vontade de Bobby, teimou em se casar com um sujeito chamado Jack Collins, um homem bem mais velho do que ela, pouco mais do que Singer.

Parecia um homem decente e trabalhador que lidava com o ramo imobiliário, porém, havia qualquer coisa nele que fazia Bobby ficar com a pulga atrás da orelha. Mesmo assim, acabou concordando com a união. Sabia que se impedisse, Samantha era capaz de fugir com o indivíduo. É claro que também sua mulher o convenceu.

Somente anos mais tarde, depois que enviuvou e se tornou caçador, Bobby descobriu que Jack Collins também era do ramo de caçadas e que, inclusive, Samantha já o sabia. A princípio, não gostou nem um pouco disso. Não queria esse tipo de vida para a irmã, porém, o cunhado deixou aquele estilo de vida desde que se havia se casado. Por outro lado, Singer desfez sua primeira impressão de Jack e passou a gostar dele, um indivíduo de caráter firme e bastante amoroso com a esposa e o primeiro filho do casal.

Muitas coisas aconteceram depois: a vinda da pequena Victoria para a família, a mudança dos Collins... e, finalmente, a morte de sua querida Samantha. De todas as perdas que sofreu, aquela foi a mais dolorosa, era como perder uma filha.

Bobby suspirou. Eram raras as vezes em que se entregava a esses momentos nostálgicos que só lhe serviam para abrir velhas feridas da alma.

Ainda bem que lhe restava Victoria. Se havia um Deus com um mínimo de piedade, Ele o teve pelo bode velho. Ainda que seu contato com Vic houvesse se aprofundado mais no final da adolescência dela, tinham uma relação muito forte e cúmplice que se estabeleceu durante o tempo em que Collins morou com ele.

Victoria era muito parecida no caráter com Samantha, embora também se assemelhasse em outros aspectos com Jack. Era forte, independente, responsável, corajosa e muito inteligente. E também, generosa, justa, doce, terna e amorosa. Porém, estas últimas qualidades poucos tinham oportunidade de conhecer, e, felizmente, ele era uma dessas pessoas.

Ah! Pobre garota! Gostaria que ela não tivesse passado pelas coisas que passou, aliás, ninguém merecia algo assim. Ele mesmo se tornou caçador para salvar as pessoas de dores como aquelas, como a sua própria pela qual ainda se culpava: ter matado Karen por desconhecer o fenômeno da possessão.

A vida era tão injusta! Pessoas como sua sobrinha mereciam ser amadas, felizes e viverem na ignorância da existência de todos os males e monstros.

Assim como sempre foi muito protetor com a mãe dela, também o era com a moça. Por isso, não passava um só dia em que não telefonasse para ela querendo saber notícias e, muitas vezes, insistindo para que voltasse a morar com ele.

Não duvidava da força e capacidade de Collins. Não era à toa que tinha a alcunha de Indomável. Muitos comparavam sua eficiência com a do pai, afirmando ser tão boa quanto ele. Outros até admitiam que ela superasse a lenda Jack Collins. Seja como for, por mais que Singer soubesse da competência da sobrinha, no final das contas, era como um pai para ela. E como todo pai, quando se trata da filha-mulher, é todo cuidado e proteção. Ninguém poderia culpá-lo depois de tantas perdas.

O Apocalipse estava à solta e o mundo se tornaria mais perigoso a partir dali. Por isso, aumentavam suas preocupações com Victoria. Na verdade, haviam aumentado desde o ano anterior, com a quebra dos selos por Lilith. Especialmente com o selo das testemunhas em que vários caçadores foram mortos por pessoas que não conseguiram salvar em suas caçadas. Ele ligou com o coração na boca para saber se ela estava bem. Por sorte, Victoria escapou porque não tinha nenhuma vítima de alguma caçada, a quem não houvesse conseguido salvar.

Mesmo assim, ele cogitou na possibilidade de chamá-la para trabalhar com ele, ficar um bom tempo em sua casa enquanto toda aquela confusão dos selos não passasse. Infelizmente, não passou e resultou no que agora começavam a presenciar: a ascensão de Lúcifer. Por isso, decidiu reuni-la com os irmãos Winchesters.

Ficou contente em saber que os dois trabalhariam juntos de novo. Contudo, sabia que ainda havia um muro na relação entre eles que precisava ser derrubado. Conhecia o caráter do mais velho: não que fosse do tipo que não perdoasse, entretanto, demorava a esquecer. E, nesse meio tempo, poderia trocar algumas farpas mal resolvidas com o irmão. Uma terceira pessoa seria essencial para equilibrar as coisas entre aqueles idiotas. Ele próprio se prontificaria se não estivesse naquele estado deprimente.

Victoria era a pessoa certa para colocar aqueles dois na linha e, ao mesmo tempo, estaria protegida ao lado deles, melhor do que ficar sozinha com se sabe lá o quê. Talvez a sorte não a protegesse mais.

É claro que ele tinha ressalvas em deixá-la com aqueles dois, principalmente, Dean. O Winchester ficaria de queixo caído ao vê-la e não seria capaz de perder uma oportunidade de ter uma linda e desejável caçadora em sua cama.

Por outro lado, conhecendo a sobrinha, ela colocaria o Winchester em seu devido lugar. A esse pensamento, Bobby riu.

De qualquer forma, quando os dois chegassem e conversassem, deixaria bem claro para ambos que Victoria não estava à disposição de nenhum. Apesar de não ter um comportamento como Dean, não colocaria Sam de fora dessa recomendação; afinal, o mais novo não deixava de ser homem e não seria indiferente aos encantos de Collins.

Isso se eles topassem mais uma pessoa na equipe. Bem, convencê-los não seria problema; ele sabia como dobrá-los. O mais difícil fora convencer Victoria e ele se felicitava pela proeza.

Da janela, avistou a sobrinha chegando com as compras. Então retornou às suas pesquisas sobre eventos relacionados ao Apocalipse.

– 0 –

Victoria foi se banhar no pequeno banheiro do quarto de hóspedes em que dormia. Estava com os olhos fechados e procurava sentir a água escorrendo por seu cabelo e corpo. Não queria pensar em mais nada, somente naquele ritual diário em que desfrutava o prazer de se lavar. Porém, os pensamentos que tentava abandonar teimavam em se fixar em sua mente.

Estava assim desde o sonho que tivera com o Loirão e o Gigante. Por que apareceram juntos? Não encontrava resposta para a sua dúvida. Besteira! Provavelmente estava fazendo uma tempestade num copo d'água. Ora, desde quando sonhos têm alguma explicação? É verdade que nunca ocorreu antes, entretanto, por que haveria algum motivo para seus amigos imaginários não aparecerem juntos em algum deles?

Repetia esse mesmo argumento umas quinhentas vezes para si, contudo, ainda não estava convencida; para piorar, aqueles Winchesters estavam vindo. Não estava nem um pouco ansiosa em conhecê-los, pelo contrário, preferia nunca ter que cruzar o caminho deles. Tremia de pensar em vê-los, era um medo sem explicação.

Novamente, estava sendo uma boba. Que mal havia em dois meros caçadores? Bem, não poderia dizer que eram meros caçadores: escutou histórias sobre eles, algumas inventadas e outras verossímeis. Uma ou outra tão fantasiosa que se não fosse seu tio confirmar, jamais acreditaria. Por exemplo, o fato de o mais velho ter morrido e voltado dos mortos; pior, do próprio inferno após quatro meses. Se bem que no mundo anormal e cheio de monstros em que vivia, semelhantes coisas não deveriam lhe impressionar.

O fato é que Victoria não queria ter que trabalhar ao lado de ninguém. Além de Bobby, não havia nenhum outro caçador ou caçadora que lhe inspirasse confiança. Certo, não era uma questão de confiança; era mais uma questão de envolvimento fosse por amizade ou algo mais. E ela não queria ter que se importar com mais ninguém; não queria ter que lidar com mais perdas.

Ainda se perguntava como deixou Bobby convencê-la do contrário, ela que tinha um caráter obstinado. Lembrou-se da conversa na noite do dia anterior:

– Vic, estive pensando numa coisa e gostaria que você me ouvisse – Bobby começou a falar com certa cautela.

Estava na cozinha com a sobrinha preparando uma salada enquanto ela fazia um strogonoff de frango para o jantar.

– Ih, lá vem bomba – respondeu a moça levantando os olhos para o alto.

– O que foi? O que eu disse de errado?

– Quando você começa falar com esse jeitinho de menino que aprontou alguma que sabe que eu não vou gostar, pode saber que é mesmo algo que eu não vou gostar.

– Poxa, que mau juízo você faz de seu tio, hein!

– Humpf. Quem não te conhece que te compre – sorriu – Mas tudo bem, tio, pode falar que estou ouvindo.

– Er... você nunca pensou na possibilidade de caçar com mais alguém?

Victoria largou os ingredientes na mesa e colocou os braços na cintura. Voltou-se com desagrado para Singer:

– Muito bem, com quem você andou combinando coisas nas minhas costas?

– Com ninguém! Eu só estou perguntando.

– Tio...

– Não se pode nem fazer uma simples pergunta?

– Tio... – elevou o tom de voz

– Nossa, Victoria! Você também cisma com tudo.

– Tio! – gritou

– Tá bom, tá bom. Me processe se quiser, mas… tomei a liberdade de pedir para... uns caçadores virem aqui amanhã. Pensei em perguntar a eles se não poderiam aceitar alguém na equipe.

– Ótimo! E pensou em mim como uma possível candidata. Só que se esqueceu de me perguntar se eu estaria disponível. O senhor sabe muito bem a resposta: não. Não quero trabalhar com ninguém. Pode inventar alguma outra desculpa pra justificar aos seus amigos por que os chamou aqui.

– Você nem me escutou direito e já está com essa atitude teimosa e precipitada! Não sabe os motivos que me levaram a ter essa ideia e nem quem são os caçadores.

– Olha, tio, quanto aos seus motivos, eu sei muito bem. O senhor se esquece de que sou uma caçadora com bastante experiência e ainda me trata como se eu fosse uma garota incapaz de se defender. Não quer mais que eu more aqui com você porque cismou que vai ser um peso na minha vida, mas quer dar outro jeito de "me proteger" – balançou os dedos indicadores para enfatizar as últimas palavras – Que coisa!

– Olha como fala, mocinha! – elevou o tom de voz – E não é bem assim como você tá dizendo.

– Ah, tá bom! Como seu eu não soubesse.

– Tem visto o noticiário dos últimos dias? Lido os jornais?

– Tenho. E daí?

– Notou alguma coisa?

Depois de pensar por alguns segundos, Collins respondeu:

– Agora que você falou, tenho notado uma sucessão de catástrofes naturais e eventos muito estranhos. Mais do que nós estamos acostumados a lidar.

– Pois é. Adivinhe o que é.

– Um tipo de deus do tempo? Algum demônio muito poderoso?

– Passou longe. Última tentativa.

– Ah, sei lá. Pra mim parece coisa de fim do mundo – fez piada, mas como Bobby permanecesse calado, Victoria o olhou espantada – Está brincando, não é? É o Apocalipse?

– Por que se espanta? Lembra dos selos da Lilith?

– Mas eu achei que tudo estava sobre o controle... Você não me falou mais nada depois. Falou que os seus queridos Winchesters tinham resolvido tudo – Bobby permaneceu calado. Victoria o fitou intrigada – O quão grave é a situação? Você disse que... Lúcifer poderia até vir – ela arregalou os olhos diante do silêncio de Bobby – Ele... está à solta?

– Sim, mas...

- Meu Deus! – ela colocou a mão no coração e até precisou se sentar – O Diabo! Minha nossa! É muito até mesmo pra mim.

- Calma, por enquanto não há nada a temer.

- Como não há nada a temer? E como você pode estar tão calmo assim? Tio, é o Diabo!

– Eu sei. Também fiquei atônito, mas as coisas podem ser arrumadas. Dean e Sam sabem mais da situação e vão te explicar melhor quando chegarem.

– Como? – ela pensou ter escutado mal – São os Winchesters que estão vindo pra cá?

– É. Ok? Sei que você não gosta deles... e até hoje não entendo. Mas peço que espere e os ouça. Quero explicar o que está acontecendo somente na presença deles.

Victoria perdeu a fala, no entanto, não demonstrou a Bobby. Não queria deixá-lo perceber como se sentia inquieta sempre que ouvia qualquer coisa referente aqueles rapazes. Ficou alguns minutos em silêncio tentando processar a vinda deles, bem como aquela revelação do Diabo à solta. A menção dos selos no ano anterior haviam lhe perturbado com essa possibilidade, mas ficou tranquila quando Bobby disse que estavam se resolvendo. Pelo visto, ele havia lhe escondido talvez para não assustá-la. Por fim, disse mais refeita:

– Você não pode me adiantar nada do que eles estão para contar?

– Preciso saber se você vai aceitar trabalhar com eles e também tenho que perguntar a eles se te aceitam.

– E por que não me aceitariam? Eu sou Victoria Collins, filha de uma verdadeira lenda e a melhor caçadora de que já ouviram falar.

– E a mais modesta também – Bobby deu uma risadinha – Então você está considerando a possibilidade?

– Não! De jeito nenhum! Tanto faz que sejam "os seus garotos". Não vou trabalhar com eles, especialmente com eles!

– Victoria...

– Tio, eu sei que você gosta muito deles, sei que são grandes caçadores e isso eu ouço de muitos outros, mas... eles são encrenca. – desabafou sua opinião – Basta olhar o que aconteceu com você por causa deles.

– Que isso? Está insinuando que é culpa deles eu estar nesta cadeira de rodas?

– E não é?

– Claro que não! Fui eu que me esfaqueei pra um demônio sair do meu corpo.

– Um demônio que queria matar esse tal de Dean e que usou o senhor pra isso. E esse Sam nem estava por perto para evitar.

– Victoria Collins! Estou pasmo com a senhorita! Você sempre procurou ser justa e imparcial nas situações com que se depara quaisquer que sejam. Pode ser teimosa, mas nunca injusta. Então, como pode pensar uma coisa dessas daqueles garotos? E falar algo contra eles que nem estão aqui pra se defender? Eles são uns idiotas, mas ainda assim são bons garotos.

– Tá, tio, tá. Retiro o que eu disse – não queria discutir – Mas, voltando ao início da conversa, não estou com o menor interesse em trabalhar com os Winchesters ou qualquer outro caçador.

– É sua última palavra?

– É.

– Então nesse caso, vai ter que ser eu mesmo – disse com ar de derrota.

– O que você quer dizer com isso?

– Eu preciso lutar com esses dois pra vencer o Apocalipse. Eles precisam da minha ajuda.

– Olha, tio, ignorando a parte de o porquê dos Winchesters serem tão importantes nessa questão do Apocalipse, que história é essa de lutar ao lado deles? O senhor perdeu o juízo!

– Por quê? Sou um caçador.

– Ah, isso eu já sei. Só que não tem a menor condição de você lutar nesse estado!

– Está querendo insinuar que sou um imprestável?

– Não coloque palavras na minha boca que eu não disse.

– Pois quer saber? Agora é que estou decidido a eu mesmo lutar com os meus garotos.

– Há, tá! Só passando por cima do meu cadáver que eu vou deixar você lutar ao lado daqueles dois malucos! Você tá caducando, tio?

– Olha, menina, você pode ser Victoria Collins, a Indomável, maior e vacinada, mas ainda me deve respeito.

– Então aja como um adulto! Tio, você não é nenhum imprestável, já disse. Só que querendo ou não, tem coisas que não pode mais fazer – seu tom mudou para súplica - Por favor, estou te implorando! Tire essa ideia da cabeça.

– Os meninos precisam de mais uma pessoa com eles, mesmo que não queiram admitir. E já que você não quer, então serei eu.

– Arre! Está bem, tio! Eu aceito! Não sei no que vai adiantar eu me unir com esses caras contra o fim do mundo, mas eu aceito se você diz que é tão importante. Mas, ó, nem pense em sair desta casa para qualquer tipo de caçada! Nem mesmo se for pra espantar algum fantasma do porão do vizinho.

– Bem, se você realmente está disposta a fazer esse favor no meu lugar, então... acho que posso ficar mais sossegado quanto aqueles dois.

– Uf! Aleluia! – ergueu os dois braços para o alto – Então encerramos a questão. Amanhã eles chegam aqui, eu converso com eles... e se me aceitarem, luto ao lado deles.

– OK.

– Mas , olha, senhor Bobby, é só até impedirmos esse negócio do fim do mundo. Não invente mais nada depois disso!

– Acho justo.

Vic estava aborrecida, no entanto, não queria saber de mais discussão e voltou a preparar seu strogonoff. Singer também voltou ao preparo da salada, todavia, esboçou um discreto sorriso de vitória.

Aquela raposa velha!

Foi só depois que Victoria percebeu que caiu na lábia do tio. Nunca pensou que ele se utilizaria de chantagem emocional para convencê-la. Ele sabia exatamente o seu ponto fraco e usou-o ao seu favor. Que malandro!

No entanto, era tarde demais para voltar atrás: era uma mulher que costumava cumprir com suas palavras. E se tinha uma coisa que detestava era desapontar Bobby.

- 0 -

Eram oito horas da noite quando os Winchesters bateram na porta da casa de Bobby. Passou-se um bom tempo até que ele fosse atender.

– Já não era sem tempo – disse e deu passagem para os irmãos

– E aí, Bobby, como você está? – perguntou Sam entrando junto com Dean

– Do jeito que você vê – replicou Singer com certa amargura – Fizeram boa viagem?

– Ahn, alguns solavancos aqui, umas espremidas aqui, sem tempo pra pegar uma mulher, mas... foi legal – respondeu Dean

– Então vamos direto ao assunto que me fez chamá-los até aqui. Sentem-se – Bobby indicou o sofá – Estou contente que vocês tenham decidido voltar a caçarem juntos, mas... eu conheço vocês dois muito bem. Sei que em algum momento vão jogar um na cara do outro coisas mal resolvidas e não vai dar coisa boa.

– Olha, Bobby... – o mais velho tentou protestar

– Shhh! Não terminei, Dean! Pareço que terminei? – interrompeu o homem, esperando que o Winchester se calasse – E de qualquer jeito, esse negócio do Apocalipse é algo grande com que estamos lidando. Não bastam só vocês dois pra combater tudo o que vamos enfrentar daqui em diante. Toda ajuda é bem-vinda.

– O que você está querendo dizer?

– Acho que ele pretende caçar junto com a gente – concluiu Sam

– Errado. No estado em que estou não sou de muita ajuda pra vocês no momento. Mas... pensei numa outra pessoa.

– Peraí, Bobby! Você está querendo que a gente trabalhe com mais alguém? Uma terceira pessoa? Sem chance! – protestou Dean – Somos lobos solitários e não quero nenhum estranho se metendo nos nossos assuntos.

– É, Bobby. Nisso, eu concordo com Dean. Ia ser... meio complicado ter mais uma pessoa com a gente.

– Vocês dois realmente são uns verdadeiros idiotas – falou num tom jocoso – Eu nem falei de quem se trata e vocês já estão se recusando.

– E quem seria? O Rufus, a Jo, a Ellen? – continuou Dean – Já trabalhamos com eles em algum caso, mas é diferente. Não dá pra ficar o tempo todo com eles na nossa cola.

Bobby suspirou tentando manter a paciência.

– Posso falar quem é ou tá difícil?

– Claro, Bobby, diga – tornou Sam com mais solicitude – Acho que dependendo da pessoa, podemos considerar.

– Tenho uma ideia melhor. Vou chamá-la até aqui.

– Quê? Quer dizer que você já tratou com a pessoa antes de nos consultar? – Dean ficou boquiaberto – Claro, era de se esperar! Você não queria falar por telefone porque já estava de caso pensado e não queria uma recusa logo de cara. Por isso, nos fez viajar quilômetros até aqui. – bateu palmas com ar irônico – Grande, Bobby!

– Dean, chega – cortou Sam – Tudo bem, Bobby. Pode chamar a pessoa. Nós esperamos.

– Não vão esperar muito. Ela já está aqui em casa – antes que um dos dois replicasse, chamou – Vic! Vic! Está pronta?

Logo uma voz feminina respondeu em voz alta de um dos aposentos da casa:

– Só um momento, tio! Já estou indo!

Sam ficou intrigado e perguntou a Bobby:

– Tio? Como assim?

– É a minha sobrinha Vic. É uma caçadora, uma grande caçadora.

– Eu não sabia que você tinha uma sobrinha.

– Há muitas coisas que vocês não sabem de mim.

Dean estava em estado de alerta desde o instante em Singer gritou o apelido da moça. Algo dentro dele começou a tremer. Seria possível?

– Espera aí. Você tem uma sobrinha que é caçadora? – indagou com cautela

– É o que eu acabei de dizer – respondeu Singer

– E você... você a chamou de Vic?

– Dean, está tendo problemas de raciocínio?

– Me responda, Bobby!

– É!

– E Vic...é apelido de Victoria... não é? – temia a próxima resposta

– Sim. Minha sobrinha se chama Victoria. – o homem estava intrigado com as perguntas – É a Victoria Collins. Acho que vocês devem ter ouvido falar.

O Winchester caiu de costas no recosto do sofá em que estava sentado e colocou a mão na testa enquanto fechava os olhos.

– Dean! Dean! O que você tem? – perguntou Sam assustado

Antes que o caçador pudesse dar qualquer resposta, ouviram uma voz de mulher se anunciar na sala:

– Sim, tio?

- 0 –

Victoria havia terminado de tomar banho, enxugava-se e estava se vestindo quando a campainha tocou. Parou de se vestir. Sentiu uma apreensão no peito; eram os Winchesters. Não sabia como, mas estava segura.

Deus, o que faria? Seu coração acelerou. Por que estava sentindo aquilo? Não entendia suas reações sempre que ouvia falar de Dean ou Sam Winchester. Se ao menos o Gigante e o Loirão fossem reais e estivessem ali para lhe dar segurança!

Victoria passava a imagem de uma mulher segura, destemida e independente para os outros, entretanto, era a própria insegurança quando se deparava com uma situação nova. E aquela era uma situação muito além do que estava acostumada a lidar. Finalmente, conheceria os Winchesters. Começou até a suar.

Respirou fundo e tratou de se acalmar. Voltou a se vestir: colocou uma calça marrom, cinto marrom, uma blusa de alcinhas bege quadriculada e meias e tênis pretos. Terminou de secar seu cabelo com a toalha e penteou-os rápido com um pente. Era vaidosa, entretanto, não pretendia se produzir toda só para conhecer os homens.

Borrifou um pouco de sua colônia e ouviu a voz de Bobby:

– Vic! Vic! Está pronta?

– Só um momento, tio! Já estou indo!

Deu uma última olhada no espelho e respirou fundo mais uma vez. Saiu. A inquietação dentro dela não diminuiu. Caminhava pelo corredor.

Ela chegou à porta do corredor que se comunicava com a sala onde estavam seu tio e os "famosos" irmãos Winchester. Não tinha coragem de adentrar o recinto; respirou fundo uma última vez. Bobby estava na porta de costas para a moça; Victoria se dirigiu primeiro a ele.

– Sim, tio? – perguntou

– Ah, Vic! – ele virou parcialmente a cabeça para ela e movimentou a cadeira de rodas para o lado a fim de dar passagem – Quero que conheça Dean e Sam. Meninos, esta é minha sobrinha Victoria Collins.

Mal havia acabado de falar quando Victoria entrou na sala; por fim, olhou para os Winchesters. Congelou: ali estavam os dois homens com quem havia sonhado durante toda a vida. Os irmãos a encaravam tão perplexos quanto ela.

Os três pensaram que estavam em mais um daqueles sonhos; apenas o cenário era diferente, mais real do que o campo de flores e havia ainda a presença de Bobby. Suas respirações falharam por instantes e nem piscavam direito. O silêncio pareceu durar uma eternidade e foi quebrado quando Singer se manifestou:

– Ué, pessoal! O Castiel passou aqui por acaso?

– Castiel? Não, Castiel não. Acho que não – Sam falou abobalhado ainda sem desprender os olhos da moça

– Não sei... Quem é... Castiel? – Victoria não raciocinava direito e olhava alternadamente para os irmãos

– O Anjo... – falou Dean, mas não se referia a Cass, e sim à mulher à sua frente.

– Gente, que bicho mordeu vocês? – Bobby estava muito intrigado com a reação dos três – Alô? Vocês não vão se cumprimentar?

Victoria foi a primeira a esboçar uma reação:

– Ah... Er... Desculpem... Meu nome é Victoria Collins. – aproximou-se deles e estendeu a mão sem direcioná-la a um dos dois em especial. – Prazer.

– O prazer... é meu – respondeu Sam ainda meio apalermado, levantou-se do sofá e adiantou-se em apertar a mão dela. Ambos sentiram uma eletricidade percorrer seus corpos naquele simples contato – Me chamo... Sam Winchester.

Não queria largar a mão de Vic, porém, o fez com relutância ao sentir que ela forçava a soltura. A moça sorriu sem graça e desviou os olhos; não se sentia à vontade com o olhar abrasador do mais novo dos irmãos. Dirigiu sua atenção para o mais velho que ainda se encontrava em estado de choque. Ela tampouco se sentia confortável com a maneira com que este lhe encarava, porém, disse:

– Então... você deve ser o Dean.

– Você fala – respondeu aéreo.

– Ahn? Como?

– Ah... quer dizer... desculpa.... Eu...– começou a voltar a si e também se pôs de pé ao lado de Sam – ...er... não entendi sua pergunta.

– Não foi bem uma pergunta, eu disse que você deve ser o Dean Winchester... já que ele é o Sam. Bobby fala muito de vocês.

– É... eu... eu sou o Dean – tentava manter a voz firme, mas gaguejava contra à vontade. A boca estava seca; custava a acreditar que aquela mulher era a mesma com quem sonhava. – Então você que é... a Victoria Collins.

– Sim.

– A Indomável?

– Dean! – Sam repreendeu baixinho enquanto cutucava o irmão

– Tudo bem. Sim, sou a própria.

A moça não pode deixar de sorrir abertamente. Os dois homens acharam encantador o sorriso dela. Era como em seus sonhos.

– Muito prazer!

Dean estendeu a mão com rapidez. Victoria não podia se negar a cumprimentá-lo. Sentiu no contato dele a mesma eletricidade com Sam. E outra vez, fez força para soltar sua mão. Dessa vez, este Winchester não parecia disposto a largá-la. Foi preciso a moça dizer:

–Er... Dean, eu preciso da minha mão.

– Ah, claro, desculpe – soltou-a por fim.

Até então Bobby assistia aquela estranha cena sem nada comentar, intrigado. Sua sobrinha causava impacto nos homens quando a viam pela primeira vez, contudo, a reação dos irmãos era mais intensa. Porém, o que o mais intrigava era a estranha reação de Victoria; nenhum homem provocava nela, o que aqueles dois pareciam fazer. Teve a ligeira impressão de que eles tinham uma ligação muito forte e até se conheciam. Balançou a cabeça, impossível. Assim mesmo, perguntou:

– Por acaso, vocês já se conhecem?

Os três acordaram do seu devaneio, voltaram-se para Bobby e falaram ao mesmo tempo:

– Não! – disse Victoria

– Sim! – responderam os irmãos por sua vez

– Sim ou não? – o homem parecia confuso

– Não, tio. Claro que não. – tornou Vic sem a intromissão dos Winchesters – É...é a primeira vez que nos encontramos. Como poderíamos ter nos conhecido antes?

– 0 -

Já eram duas da madrugada e não conseguia dormir. Virava-se e revirava-se na cama de casal no quarto de hóspedes mais espaçoso da casa, porém, o sono não vinha. Desistiu e levantou-se; foi até a janela e abriu-a um pouco. O vento frio atingiu seu rosto. Suspirou.

Victoria ainda não conseguia acreditar que seu Loirão e seu Gigante eram ninguém menos que os irmãos Winchesters. Eles eram reais! Seu coração disparava e sentia uma vontade enorme de gritar para o mundo: eles são reais! Eles existem! Todavia, seu ânimo voltava à estaca zero ao se recordar de suas próprias experiências, de suas perdas.

Queria tanto falar com eles, comentar sobre seus sonhos, mas não podia. Seria admitir um laço, um relacionamento que poderia terminar de modo doloroso e trágico assim como todos os outros. E ela não suportaria perder os homens de seus sonhos.

Os homens. Havia esse problema também: eram dois. Como poderia lidar com eles? Ela não podia simplesmente chegar e dizer: Olha, eu sonho com vocês dois desde quando eu era uma menina pequena. E sinto uma coisa muito forte por vocês. Acho que temos uma ligação. Vocês sentem o mesmo a meu respeito? Loucura! O que pensariam dela? Não chegaria a nenhum particular para dizer tal coisa, quanto mais para os dois.

Estava muito intrigada. O que significava tudo aquilo? Não encontrava uma explicação racional. Não poderia alegar para si que começou a sonhar com eles depois que escutou Bobby comentar sobre seus garotos. Afinal, os sonhos começaram muito antes dela sequer ouvir o nome Winchester pela primeira vez. E nem poderia afirmar que nada mais eram do que uma captação dos pensamentos de Bobby, uma espécie de telepatia, que se reproduziu nos sonhos dela: já sonhava com os dois bem antes de seu primeiro contato com Singer. Não. Não havia desculpa. No íntimo, algo dentro dela sabia que tinha uma ligação com os Winchesters e que ia além do fato de os três serem caçadores e afeiçoados a Bobby.

Porém, ela não queria refletir sobre tal ligação; não queria e nem deveria. Decidiu que assumiria sua máscara de Indomável perante eles também: a caçadora prepotente, indiferente, mal-humorada, ríspida, destemida, de poucos amigos e fechada em si mesmo. Nos sonhos, mostrou-lhes sua fragilidade e ternura, porém, teria que esconder tais sentimentos por trás daquela fachada conhecida pelos demais caçadores, mesmo que eles estranhassem a sua rápida transformação.

Horas antes, pouco depois que se apresentou a eles, pediu licença para cozinhar o jantar. Sugeriu a Bobby que deixasse os rapazes descansarem; não aguentava ficar na presença deles e sentir seus olhares profundos e interrogativos. As mesmas perguntas que se passavam na sua cabeça também deveriam se passar na deles; pareciam tão confusos e perplexos quanto ela.

O jantar foi silencioso. Ela mal ousava levantar os olhos para os Winchesters, entretanto, podia sentir os olhares deles. Estranhou também o fato de Bobby permanecer silencioso; não que fosse homem de tagarelar sobre vários assuntos, principalmente nas refeições. Contudo, costumava tecer algum comentário relevante de vez em quando. A única coisa dita por ele antes de se sentarem à mesa foi que seria melhor tratar o assunto do Apocalipse na manhã seguinte, pois Dean e Sam deveriam descansar da longa viagem.

Ao se relembrar do jantar, um calor tomou conta de Collins. Todos os detalhes lhe passaram pela cabeça: a gentileza de Sam em puxar a cadeira para que se sentasse à mesa da sala de jantar; a prontidão de Dean em lhe servir o prato de comida e o oferecimento de ambos em lhe ajudar na limpeza da cozinha. É claro que ela recusou a última oferta, porém, agradeceu com muita doçura. E o tempo todo, permaneceu com a cabeça abaixada e sem encarar os dois homens.

Como pôde ser tão tímida e insegura? Os dois deveriam achar que era uma mulher submissa e frágil cuja fama de Indomável não correspondia à realidade. Bem, no dia seguinte, trataria de dissipar tal impressão.

Partiria junto com eles na batalha contra o Apocalipse, não somente porque havia prometido a Bobby, mas também porque era seu dever. Era uma caçadora para evitar que o mal atingisse pessoas inocentes tal como aconteceu com ela.

Nessa jornada, não seria nada amigável com os Winchesters; limitar-se-ia a lhes falar o estritamente necessário. E depois que cumprissem a missão, ela se separaria deles sem nada que os ligasse e nunca mais os encontraria. No processo, pensariam o pior dela e nunca mais teriam gosto de revê-la. Talvez nem se sonhassem depois disso, gostariam de algum contato. Mais: talvez nem sonhassem e rompessem aquela ligação, qualquer que fosse.

Não seria tão fácil; doía-lhe imaginar a possibilidade de falar ou agir com rispidez e indiferença para com seu Loirão ou seu Gigante que lhe deram forças nos momentos em que mais precisou. Além disso, os dois homens lhe faziam perder a estrutura de suas emoções. Só de olhar para eles, o coração batia acelerado.

Por que tinha que ser assim? Por que tudo era complicado na sua vida?

Era preciso. Deveria se dominar e fazê-los conhecer sua face mais severa, não para lhes provar que era uma mulher independente e forte. Faria para o bem deles mesmos, para lhes proteger dela, uma mulher amaldiçoada que só fazia com que as pessoas que amava morressem.

E o faria para proteger a si própria da dor.

– 0 –

Primeiro, a boca; depois, o pescoço; em seguida acariciaria e sugaria os seios. Por fim, chegaria às pernas. E então...

Argh! Desisto.

Jogou o travesseiro para o alto. A imagem da mulher não lhe saía da cabeça e lhe tirava o sono.

Levantou-se do sofá da sala onde dormia e foi até a cozinha beber um copo d'água. Na verdade, precisava de outra ducha para refrescar a cabeça. As duas.

No momento, Dean estava muito excitado. Entretanto, ora sua excitação dava lugar ao choque, ora ao deslumbramento.

Se lhe contassem essa história como sendo de outra pessoa, não acreditaria. Ele ainda pensava que estava sonhando ou que talvez fosse outro truque de Zacarias para mexer com sua cabeça.

Meu Deus! Ela era real e estava ali perto a apenas alguns metros separados por um corredor e uma parede! O loiro estava dividido entre a alegria e a angústia.

Ela era seu Anjo. A mulher dos seus sonhos. A moça que conhecia desde criança e que tanto amparo lhe trouxe nos momentos mais tenebrosos de sua vida.

E também era Victoria Collins, a Indomável. A mulher que morreria dali a cinco anos e destruiria o resto de humanidade de seu Eu futuro. A caçadora por quem ele jurou nunca se apaixonar.

Como poderia lidar com sentimentos tão conflitantes?

Do momento em que escutou sua voz até se despedirem para dormir, tudo lhe pareceu tão irreal. Não se reconhecia; parecia um adolescente inexperiente que conheceu seu primeiro amor. Bom, não deixava de ser.

Não! Não! Isso não podia. Ele não a amava e não poderia; foi apenas uma doce ilusão de criança. OK, não tinha explicação dos sonhos com ela, porém, não significava algo. Talvez fosse coincidência o fato de ela ser a imagem exata da sua amiga imaginária. Ou talvez a houvesse visto por aí quando eram pequenos e impressionou-se tanto com sua beleza que sua mente infantil moldava aquelas viagens. Podia ser qualquer explicação razoável, mas não aquela que uma vozinha dentro dele teimava em insistir de que havia uma ligação forte entre eles. Não! Necas! Never!

Nunca acreditou em amor e nada disso de "feitos um para o outro" ou "almas gêmeas". Isso era para os iludidos, os que viviam num mundo de contos de fada e que não sabiam da existência de monstros.

Claro que havia se apaixonado: sentiu algo forte por Cassie e também por Lisa, porém, não ousava definir como amor. E mesmo que fosse não era para ele: já eram dolorosas por demais as perdas por sua família; acrescentar a perda de alguma mulher na sua vida era o que menos precisava. Viu o sofrimento que acompanhou seu pai a vida inteira por causa da mãe. E Sam? Nem se falava! Primeiro, Jessica; depois Madison. Mesmo que com a segunda o período de interação tenha sido curto, foi o suficiente para deixar outro vazio em seu irmão, quando este conseguiu que seu escudo de proteção em voltar a se relacionar com alguém se arranhasse.

Então não. Não passaria pelo que seu pai e irmão passaram e continuaria seu velho estilo de vida e lema: “Ame-as e deixe-as”.

Era melhor amar a todas as mulheres, a melhor coisa do mundo que Deus criou (uma das poucas), mas não se prenderia a nenhuma. Muito menos à tal de Victoria Collins, por mais linda e gostosa que fosse. E não importava se ela fosse seu Anjo: era um perigo.

Lembrou-se do que seu Eu futuro lhe disse:

– Pode desdenhar o quanto quiser, mas... quando descobrir quem ela é, não vai ficar tão indiferente assim. Você vai me entender.

Na hora, ele não se atentou para as palavras do outro, mas agora faziam sentido. Ele não disse "quando a conhecer" e sim "quando descobrir quem ela é". Claro, o sacana não lhe revelou que era ninguém menos que o Anjo porque sabia que ele lutaria contra aquele sentimento. E talvez o Dean futuro achasse que ele fosse mudar de opinião para dizer sim a Miguel e salvar o mundo da destruição, inclusive a vida dela.

Enganou-se: nada mudava; nem a respeito de Miguel e tampouco sobre a Indomável. Estava decidido em manter sua decisão inicial. Não pôde evitar aquele encontro com Collins, pois nunca imaginou que fosse sobrinha de Bobby, mas podia evitar um envolvimento de qualquer tipo.

Seria mais fácil se na conversa da manhã seguinte, se recusasse a deixá-la caçar com ele e o irmão alegando qualquer desculpa, entretanto, teve a forte impressão de que Sam não compartilharia da sua opinião. Notou que Sammy ficou encantado com a moça.

Ele que não ousasse se aproximar de seu Anjo! Ela era sua e de mais ninguém!

Droga! Tinha que parar de pensar nela daquela forma. Talvez devesse concordar realmente em deixá-la entrar para a equipe; duvidava que Bobby aceitasse uma recusa de sua parte. O bode velho sempre conseguia dobrar a ele e a Sammy.

Além disso, não queria se afastar dela; doía-lhe tê-la longe depois de acreditar por tanto tempo que era apenas uma fantasia. Merda!

Sentiu o corpo estremecer ao relembrar da eletricidade que sentiu quando apertou a mão dela ao cumprimentá-la ou quando a tocou levemente nos dedos ao servir o prato dela no jantar.

E se a beijasse, seria tão maravilhoso quanto os beijos que lhe deu nos sonhos?

Pare com isso! Foco, foco, foco.

De qualquer maneira, estava preparado. Faria exatamente o contrário do que seu Eu futuro fez. Não brigaria com Victoria em hipótese alguma, mesmo que ela lhe provocasse e nem tentaria seduzi-la como as outras mulheres. Procuraria enxergá-la apenas como uma colega, ou melhor, tentaria vê-la quase como um homem. Um homem de lindos olhos de gata, uma boca sensual e carnuda, cabelos longos e sedosos, uma cor linda de pele, seios avantajados e um bumbum firme.

Deus! Aquilo ia ser um páreo duro! E como estava duro!

– 0 –

O aroma da colônia de Victoria ainda ficou em sua mão depois de apertá-la. Era uma fragrância suave e envolvente como ela. Pelo menos assim lhe parecia até aquele momento.

Sam estava sentado na cama de solteiro em outro quarto de hóspedes da casa, um bem apertado (e que ganhou na sorte com papel, tesoura e pedra contra Dean para ver quem dormia ali). O cômodo era todo entulhado de móveis e quinquilharias, mal dava para uma pessoa ficar ali, mas não era por isso que não conseguia dormir. Não parava de evocar a imagem de Victoria Collins em seus pensamentos.

Ele ria baixinho feito um bobo alegre. A Indomável era sua Fada! Quem diria?

Escutou muitas histórias sobre a misteriosa mulher e, ao contrário do irmão, interessava-se por tudo que dizia respeito a ela. Victoria era como uma espécie de lenda, quase um ídolo para ele.

Não entendia o motivo de tal mulher – a quem diziam ser uma lésbica e quebradora de narizes –, lhe impressionar tanto. O moço admirava mulheres independentes e seguras de si, porém, não dispensava um toque de ternura e suavidade. E, apesar de ouvir comentários que evidenciassem um caráter nada feminino em Collins, mesmo assim, sua figura exercia fascínio sobre ele.

Agora entendia o motivo. No fundo, talvez soubesse que ela era a sua Fada: suave, doce e terna. Realmente, as pessoas exageravam ao falarem das outras. E ele não era homem de julgar sem antes comprovar por si mesmo.

Surpreendeu-se em saber que Bobby era tio de Victoria; pensando bem, recordava-se de ter ouvido comentários de alguns caçadores a respeito de terem visto Singer caçar algumas vezes ao lado da moça ou de a terem visto na casa dele. E diziam com certo espanto e um quê de malícia, afinal, como alguém conseguia trabalhar ao lado de uma fera arisca como aquela? Se Bobby conseguiu, das duas, uma: ou soube como argumentar com a caçadora ou deu um trato legal na mulher. Essa última hipótese era a mais aceita, ainda mais pelo fato de o velho caçador se recusar a falar do assunto.

As pessoas tendem a pensar o pior e o que pensam, muitas vezes, está longe da verdade. Victoria não era nem uma coisa nem outra. Não fora nem amante de Bobby e nem era o bicho-de-mato de que tanto falavam.

Sobre o caráter dela, Sam comprovou não somente por conhecê-la através de sonhos, mas pelo que observou nas horas anteriores depois de sua chegada. Collins parecia mais uma corça assustada do que uma leoa selvagem. Evitava olhar para ele e tremia ao menor toque casual como quando foram jantar e puxou a cadeira para ela. Sem querer, tocou no ombro da mulher assim que ela se sentou. Sentiu o tremor do corpo dela bem como as ondas elétricas que também passaram por seu próprio corpo.

Nossa! Que mulher! Ela era mesmo uma fada! Podia não ter asas nem pó mágico, mas era tão fascinante e encantadora! E parecia nem se dar conta do quanto.

Ela é real!

O pensamento mais uma vez o fez rir de felicidade.

Será que ela tinha os mesmos sonhos desde a infância? Certamente; bastava olhar para ela e ver como se sentia desconfortável na presença dele.

Bem, ele não queria deixá-la desconfortável. Queria que se sentisse segura ao seu lado. E queria provar os lábios daquela mulher, saber se os beijos dados em seus sonhos eram, de fato, maravilhosos.

Podia ser uma precipitação de sua parte e até loucura, mas era como se sentia; era mais forte que ele. A vontade que tinha era de sair do quarto de hóspedes em que estava ( e bater na porta do outro quarto onde estava a moça para conversarem e poder dizer tudo o que se passava na mente dele. Graças a Deus, era um homem sensato e prudente! Acabaria assustando a mulher.

Calma, Sam! Calma! Você terá muito tempo pela frente para chegar nela e discutirem o assunto em alguma oportunidade.

E como teriam! O Apocalipse estava à solta e muitos obstáculos viriam. E ela estaria com ele nessa batalha. Não estava mais preocupado com o que viesse e nem mesmo a ameaça de Lúcifer em possuir seu corpo o amedrontava mais. Não naqueles instantes de sua descoberta da Fada ser uma mulher de carne e osso.

Havia o medo de passar pela mesma dor da perda que teve tanto com Jess quanto com Madison. Todavia, aquele sentimento forte dentro de si – fosse deslumbramento, fascínio ou algo maior – o impelia a se arriscar. Talvez fosse a lei da compensação; ele perdia duas grandes mulheres para encontrar Vic, a mulher com quem sempre sonhou e desejou que fosse real. Não que faria tal escolha se soubesse o que aconteceria, entretanto, talvez fosse uma maneira positiva de encarar os fatos ruins de sua vida.

Não acreditava muito em coincidências, pelo menos não daquela magnitude. Seus sonhos com Vic não eram produto de sua imaginação como antes pensou, nem telepatia e nem outra teoria científica. Ele era sensato e pensava bastante antes de tirar qualquer conclusão precipitada, porém, também dava um crédito para coisas além de seu entendimento. E algo dentro dele – e que não ignoraria – dizia que devia dar vazão aquele sentimento.

Não forçaria as coisas com Victoria, é claro. Sua intuição lhe aconselhava a ir com calma e tato, entretanto, não lutaria contra o curso natural dos acontecimentos que lhe permitissem um envolvimento com a moça. Mesmo que isso lhe custasse um confronto com o irmão.

Notou o interesse de Dean e não lhe agradava. Se ele estava pensando em conquistar Victoria para usá-la a seu bel prazer e depois dispensá-la como as outras, Sam não permitiria. Victoria não era uma qualquer!

Ele a protegeria de qualquer um que a ameaçasse. Protegê-la-ia até de Lúcifer!

– 0-

Na manhã seguinte, Victoria se levantou cedo como de costume e preparou um delicioso desjejum: torradas com geleia de uva, ovos mexidos com bacon, suco de caju, bolo de laranja, croissants, queijo, frutas variadas e um café de ótima qualidade. Sam foi o próximo a se levantar e encontrou-a na cozinha se preparando para levar aquelas iguarias para a sala de jantar.

– Bom dia – disse todo animado por vê-la

– Bom dia – ela o cumprimentou seca e com cara de poucos amigos.

– Opa! Deixa que eu te ajude – o rapaz ia pegar a jarra de café e o prato de torradas

– Pode deixar. Sei muito bem me virar – replicou Victoria com rispidez

– OK - o moço parou onde estava e olhou-a com estranheza

Que bicho a mordeu?

Victoria foi até a mesa da sala de jantar e estendeu a toalha. Logo tratou de colocar o café na mesa. Ignorou a presença de Sam o tempo todo; este ficou na cozinha pouco à vontade pelo modo como o tratou.

– Bom dia, Vic! – disse Bobby ao chegar

– Bom dia, Bobby! – a moça abriu um sorriso

– Ah... bom dia, Bobby – respondeu Sam entrando na sala de jantar.

– Bom dia, Sam – viu a expressão sem graça do homem – Ué, que cara é essa? Algum problema?

– Ahn... nada.

– E nem pra ajudar a Vic a pôr a mesa...

– Eu falei pra ele que não precisava– cortou a moça enquanto continuava a trazer as coisas. – . Eu sei me virar

– Ah! Isso explica tudo – Singer dirigiu um olhar reprovador à sobrinha.

Ela o ignorou. Sabia bem o que Bobby pensava.

– Nossa, tava sentindo o cheiro lá da sala! – foi logo dizendo Dean ao entrar e se sentar à mesa. Esfregou as duas mãos uma na outra – A mesa tá farta do jeito que eu gosto – levantou os olhos e percebeu que Victoria o fitava. Sentiu um calor invadi-lo ao encarar aqueles olhos verdes. Deu o seu sorriso mais charmoso – Bom dia, Victoria... Er... Dormiu bem?

Victoria estava morrendo de vontade de rir: o loiro ainda estava em roupas de dormir (uma camisa e calça com cordão folgados), o cabelo todo bagunçado, o rosto amassado pelo recente despertar, a voz rouca e os olhos remelados; até mesmo o modo pelo qual havia chegado a divertia. No entanto, ela disfarçava numa expressão de total desagrado.

Quanto a Sam, pôs a mão no rosto e abaixou-o um pouco. Queria enfiar a cabeça num buraco pelos modos nada educados do irmão.

– O que foi? – estranhou Dean por Collins não responder ao seu cumprimento e o olhar aborrecida.

Antes que a sobrinha viesse com uma de suas tiradas, Bobby respondeu por ela:

– O que acontece, Dean, é que minha sobrinha não terminou de pôr a mesa e você já se sentou dominando. E também podia ao menos ter lavado o rosto e tirado essa meleca dos olhos. Se você não fizer isso, ela não vai conseguir comer nada.

O loiro que prestara atenção a Bobby, voltou a olhar para Victoria. Ela fez um pequeno sinal de assentimento com a cabeça e um imperceptível sorriso irônico.

Sam segurou o riso.

– Ah, tá. Então... então já volto– respondeu Dean envergonhado e levantou-se para ir ao banheiro se lavar.

– 0 –

Após o café – que também foi silencioso pelo constrangimento dos irmãos perante Victoria –, foram todos para a sala. Dean dobrou as cobertas que usou para dormir e colocou-as num canto do sofá junto com o travesseiro.

– Bem, crianças, e então? – começou Bobby

– Então... – Dean procurava entender o que Bobby queria dizer.

– O que Bobby quer saber é se nós três podemos e queremos trabalhar na mesma equipe contra o Apocalipse – respondeu Victoria como se falasse com um menino – Olha, da minha parte é o que eu já respondi a ele. Estou dentro. Se for pra combater o mal de qualquer tipo, estou pronta pra o que der e vier.

– Só que não é qualquer mal, é "o Mal", é o próprio Lúcifer – tornou Dean – E não é um simples sujeitinho de chifres, rabos e tridente.

– Obrigada pela informação muito pertinente – ironizou a moça deixando o loiro desconfortável mais uma vez.

– Bem, meninos, Victoria está dentro. – tornou Singer – E quanto a vocês. Aceitam ela na equipe? –

– Sim! – responderam os dois ao mesmo tempo sem titubear.

A moça os intrigava cada vez mais e os desconcertava, todavia, estavam decididos a tê-la junto a eles e não era propriamente por causa da batalha contra Lúcifer.

– Ótimo – respondeu Collins sem emoção embora por dentro seu coração palpitasse em se ver ao lado daqueles homens – Mas antes de qualquer decisão, eu preciso de detalhes. Preciso saber exatamente como tudo isso começou e por que agora o fim do mundo está acontecendo. Bobby me falou que era melhor vocês mesmos me contarem.

– Bom, é meio complicado. Não sabemos por onde começar... – Dean principiou a falar

– Comecem do começo. É assim que se inicia um relato.

O loiro sentiu uma vontade enorme de responder na mesma moeda aquela nova tirada, porém, Sammy o interrompeu:

– Foi por minha causa.

– Por sua causa? – estranhou a moça

– Sim, fui eu que provoquei o Apocalipse.

– Sam... – Dean ia interrompê-lo, porém, Sam o deteve

– É, Dean, temos que falar a verdade. Já que seremos uma equipe, a gente tem que colocar as cartas na mesa.

– Pessoal, eu acho melhor vocês começarem desde muito antes do Apocalipse – tornou Singer – Acho que deveriam começar a falar da morte da mãe de vocês.

Os dois se entreolharam. Hesitavam em expor sua vida para aquela mulher que mexia com eles. Se bem que de certa forma, já tinham se exposto em seus sonhos.

– A morte da mãe deles? – cada vez mais Victoria ficava intrigada – Como isso pode ter relação com o Apocalipse?

– Deixe que eu explico – Sam tomou a palavra – Só que a história é longa.

– Sem problemas. Todo detalhe é importante, não importa quanto tempo se gasta – a moça disse num tom mais receptivo.

– Então tá. – respondeu com um leve sorriso se sentindo mais confortável. Vic estremeceu por dentro.

Que sorriso!

Sam contou todos os acontecimentos que os havia levado até ali sem ocultar nenhum detalhe: as mortes de Mary e Jéssica pelo demônio Azazel; a caçada de John por toda vida ao demônio e sua morte por este; os poderes de Sam adquiridos pelo sangue de Azazel em suas veias; sua breve morte e volta dos mortos; o pacto de Dean e sua ida ao inferno; a ressurreição do loiro por Castiel; a guerra entre anjos e demônios; a aliança de Sam com Ruby e a volta de seus poderes através de sangue demoníaco; o rompimento dos selos até culminar no último que era a destruição de Lilith; e, por fim, o destino marcado de Dean ser o receptáculo do arcanjo Miguel e Sam ser o de Lúcifer para travarem uma batalha final pelo domínio sobre a terra.

– Meu Deus... – sussurrou Collins sem esconder seu assombro. Não tinha palavras para descrever tudo o que escutou. – E eu que pensei que já tinha visto ou ouvido de tudo.

Estava impressionada e muito comovida pela história dos irmãos. Lembrou-se como num flash dos sonhos que teve com eles e agora que sabia não ser produto de sua imaginação, compreendia todas as sensações e os sentimentos que ambos lhe transmitiram: as suas angústias, as suas dores, as suas perdas. Ela podia entendê-los melhor do que ninguém; sua própria história se assemelhava a deles em alguns pontos, embora não houvesse todo aquele peso do fim do mundo nas costas.

– Então, Senhorita Indomável? – provocou Dean – Está pronta pra encarar essa bagunça toda que eu e Sam fizemos?

– Sem dúvida, Winchester. Sou muito boa em fazer limpeza, principalmente arrumar a bagunça dos outros – retrucou a moça

– Bem, então está resolvido – replicou Bobby. – Já que vocês vão trabalhar juntos, precisamos começar por alguma coisa. Andei pesquisando alguns eventos e podemos escolher...

– Bobby, me permite? – interrompeu Victoria – É que também andei pesquisando.

– Ah, é? E encontrou alguma coisa mais específica?

– Sim. Só um momento. Vou buscar.

Levantou-se prontamente. Dali a alguns segundos, voltava com um laptop cor-de-rosa. Sam não pôde deixar de exclamar:

– Uau! Você também tem um laptop?

– Como você pode ver, sim – replicou Vic e sentou-se – Por quê?

– É que meu mano também tem um. Ele adora pesquisar – intrometeu-se Dean meio que zombando daquela particularidade de Sammy.

– Bom saber que além de mim, mais alguém da equipe não tem só um rostinho bonito – replicou Collins com desdém

Sam teria se sentido lisonjeado com o comentário se não houvesse aquele tom desdenhoso. Quanto a Dean, tinha a impressão que aquela fala o excluía da consideração da moça. Ele estava começando a se irritar com aquela mulher e imaginado se não foi precipitação em aceitá-la na equipe, porém, limitou-se a fechar a cara e a ficar calado tal como o irmão.

Bobby deu um pigarro para desfazer o clima. Victoria ligou a máquina e esperou. Acessou a internet e alguns arquivos pessoais. Mostrou uma página da web que indicava uma notícia em letras garrafais:

ESTRANHOS CASOS DE DECAPITAÇÃO EM NORTH TARRYTOWN

NAS ÚLTIMAS DUAS SEMANAS, FORAM REGISTRADOS DEZ CASOS DE ASSASSINATO POR DECAPITAÇÃO, QUATRO DELES DE MEMBROS DA TRADICIONAL FAMÍLIA VAN TASSEL. A POLÍCIA AINDA NÃO TEM NENHUMA PISTA.

– Van Tassel? Esse nome não me é estranho – Dean tentou puxar da memória

– Este sobrenome aparece num famoso conto que virou até filme com o ator Johnny Depp – respondeu Victoria

– Qual?

– Dean, a leitura lhe faria muito bem, garoto – dessa vez, Bobby quem o tirou – Tanto o conto como o filme se chamam Sleepy Hollow¹.

– Exato, tio. E acho que se trata do mesmo fantasma - continuou Victoria

– Tá de brincadeira, não é? – o loiro deu um riso curto

– Esses assassinatos não são brincadeira, Winchester.

– Olha, como o próprio nome do filme diz, a vila que tinha o cavaleiro sem cabeça se chamava Sleepy Hollow. E sim, eu leio, Bobby, não muito, mas leio – virou-se para Singer. Depois, voltou a olhar Collins – Isso pode ser apenas coisa de algum serial killer que curte arrancar umas cabeças.

– Na verdade, Dean, é a mesma vila do conto. Desde 1997, Sleepy Hollow passou a se chamar North Tarrytown – esclareceu Sam – Mas concordo com Dean. Essa história do cavaleiro é apenas uma lenda inspirada num mito de tradição germânica e algum maluco pode ter se inspirado pra fazer sua marca. E o fato de ter uma família no mesmo local que se chama Van Tassel talvez seja mera coincidência.

– Brilhantes deduções, meus caros Watsons, mas tem um pequeno detalhe que é mencionado na notícia: o sangue dos corpos decapitados foi completamente drenado sem restar uma única gota nem mesmo no corte dos corpos. Acho que é alguma coisa a se considerar. Eu voto para que comecemos por aí.

Os dois homens se entreolharam e assentiram mutuamente.

– Tudo bem, podemos ir pra lá. – respondeu Sam.

– Então vamos nos aprontar – Dean foi o primeiro a se levantar do sofá.

– Mas já? – perguntou Collins – Eu tinha me prontificado a ficar uma semana com Bobby… e só estou aqui a quatro dias

– Pode deixar, menina. Vocês têm um trabalho a fazer. Não podem perder tempo.

– Mas...

– Vamos! Vamos! – bateu palmas – O que ainda estão fazendo aqui?

– 0 –

Enquanto Victoria aprontava sua bagagem, Bobby chamou os Winchesters para uma última conversa. Sua expressão não era nem um pouco amigável.

– Muito bem, vocês dois: o que está havendo?

– Como assim, Bobby? – perguntou Sam

– Desde ontem, vocês dois estão parecendo que nunca viram mulher na vida, até mesmo você, Sam. Ontem não quis falar nada porque vocês estavam cansados e resolvi deixar passar. Mas não pensem que não reparei nas suas atitudes com a Victoria.

– Mas o que a gente fez de errado? – protestou Dean – Eu mal troquei palavras com a Indomável ontem!

– Em primeiro lugar, Dean, não permito que se refira à minha sobrinha assim. Já bastam os outros caçadores. Em segundo lugar, vocês dois sabem muito bem do que estou falando. É, das suas pequenas gentilezas com a Vic. Primeiro, o Sam todo atencioso em puxar a cadeira para ela. Depois, você, Dean, que quase arrancou o prato da mão dela ontem só pra servi-la, coisa que eu nunca vi você fazer por nenhuma mulher. E aí os dois se oferecendo pra ajudar a lavar a louça.

– Bobby, o que há demais em querer ser gentil com uma moça? – protestou Sam. Estava envergonhado de Singer ter percebido suas emoções e não queria deixar transparecer – Eu sou assim com qualquer mulher, você sabe disso. Não significa que eu esteja com segundas intenções com a... Victoria. Quanto ao Dean...

– Opa, opa, opa! Quanto ao Dean o quê? Tá insinuando que eu tô de olho na Indo... na Collins? Por que eu também não posso ser gentil com uma mulher?

– Ah, tá, eu te conheço. Você sempre pretende alguma coisa quando começa a bancar o cavalheiro com alguma mulher. E você tava babando por causa da Victoria que eu vi.

– Olha só quem fala! Você não parava de olhar pra ela. Nem mesmo piscava de tão vidrado. E não faça essa pose de "bom garoto" pra cima de mim não.

– Escuta aqui, Dean...

– Chega! Calem a boca vocês dois! – vociferou Singer – Eu não sou cego! Eu percebi claramente a reação de cada um. Os dois... É! – apontou para ambos – Os dois ficaram de queixo caído pela Victoria Me deu até vontade de pegar um babador pra vocês.

– Olha, Bobby, não é bem assim... – Sam tentou explicar

– Não quero saber de nada! Eu só quero lhes dar um aviso: fiquem longe da Vic. Não pensem em nenhuma gracinha com ela. Ela não precisa de nada disso. Não tenho que explicar nada sobre ela pra vocês, mas quero esclarecer que a Vic já penou muito na vida e o que menos precisa é de mais sofrimento. Eu só resolvi juntar vocês porque como eu disse, os dois precisam de toda ajuda necessária e ela é tão boa caçadora quanto vocês e tem muito conhecimento. Isso eu posso garantir que é uma das poucas verdades das coisas que contam sobre ela – fez uma pausa – E também, devo admitir, me preocupo com ela, não a quero sozinha por aí com esse monte de complicações que vão vir por causa do Apocalipse. Mas não pensem em ter qualquer tipo de envolvimento com ela seja apenas um caso... – olhou para Dean –... seja um compromisso mais sério – olhou para Sam – Vocês são bons garotos, eu gosto de vocês, mas não são o tipo de homem que eu quero com ela, ainda mais por estarem no meio dessa batalha de Lúcifer e Miguel. Pode ser machista da minha parte, mas eu espero que a Vic um dia abandone essa vida de caçadas, encontre alguém normal, se case e tenha uma vida segura, longe de problemas. Não quero que... que ela termine como a mãe dela.

Os dois irmãos ficaram surpresos com as palavras de Singer. Não imaginavam o quanto de sentimento o velho caçador tinha pela sobrinha. Depois de alguns segundos, Sam foi o primeiro a falar:

– Está certo, Bobby. Pode ficar tranquilo. De minha parte, pretendo respeitar a Victoria não só por ser sua sobrinha, mas também porque deu pra perceber que ela é uma mulher séria e profissional.

– E de minha parte, eu também garanto que não vou dar em cima dela – tornou Dean. Porém, tanto Singer como Sam olharam incrédulos para o loiro. – Qualé, gente? Me deem um voto de confiança. Eu falo sério quanto a isso.

De fato, Dean pretendia cumprir suas palavras não tanto por causa de Bobby, mas por sua própria resolução de não se permitir um envolvimento com Collins. Quanto a Sammy, este decidiu respeitar o que garantiu a Singer, embora quisesse muito uma aproximação com Victoria.

Bobby olhou firme para ambos os irmãos e sentiu sinceridade em seus rostos e em suas palavras.

– Bem, então é isso aí – encerrou.

Victoria entrou na sala puxando uma grande mala e carregando outra um pouco menor.

– Vamos? – chamou os rapazes

– Deixa que eu ajudo! – os dois se levantaram e falaram quase ao mesmo tempo

Bobby revirou os olhos.

– Não, podem deixar. Posso muito bem carregar eu mesma a minha bagagem – não perdeu tempo em ser ríspida outra vez

– Ah, claro – disse Sam em tom aborrecido.

– Pode deixar que eu vou me lembrar disso na próxima vez que você tiver carregada de coisas – devolveu Dean reprimindo a irritação com um sorriso amarelo.

– Ótimo, porque eu não gosto de explicar a mesma coisa mais de uma vez – tornou a moça

Antes que o irmão replicasse aquela outra tirada, Sam anunciou:

– É melhor a gente levar as coisas pro carro. Temos que partir.

– Vão vocês dois na frente. Quero só dar mais uma palavrinha com a Vic.

Os dois homens se despediram de Bobby e deixaram-no a sós com sua sobrinha.

– Pode falar, tio – disse com expressão resignada – Eu até sei o que você vai me dizer, mas pode falar assim mesmo.

– É, senhorita, ainda bem que você já sabe. Precisava mesmo tratar os rapazes assim?

– Sou assim com qualquer um dos caçadores. Com eles não tem porque ser diferente.

– Certo. Só que vocês três a partir de hoje serão uma equipe. E pra isso funcionar tem que ter harmonia no grupo.

– É só um relacionamento profissional. Não tem porque eu me envolver mais do que o necessário.

– Ninguém aqui disse que não seria profissional. Pelo amor de Deus, Victoria! Eu adoro aqueles garotos, mas eles seriam os últimos homens que eu recomendaria pra você como pretendentes. Só que também não precisa atacá-los com quatro pedras. Você não tem que bancar a Indomável pra eles também.

– A Indomável já é minha marca registrada e com ela tem funcionado muito bem. Acredite em mim, tio, sei o que estou fazendo.

– Tudo bem – Bobby suspirou. Não adiantava discutir com a sobrinha, por isso, mudou o assunto – Você pretende incluí-los também no programa?

– Sim, eu até queria ter feito isso antes mesmo sem conhecê-los, mas... eu achava que não fossem merecedores.

– Tsc... vamos colocar em pratos limpos? Você sempre implicou com eles desde a primeira vez que os mencionei... e até hoje não entendo. Às vezes, penso que é ciúmes.

- E se for? – Ela deu de ombros Era preferível que Bobby acreditasse nisso do que ter que explicar sobre sua inquietação antes de conhecê-los – Qual o problema?

- Bobagem, menina. Como eu disse, eles são ótimos garotos, como filhos para mim, mas jamais tomariam seu lugar – ele balançou a cabeça – Eu sempre te falei da capacidade e integridade deles. Eu só não te sugeri antes que os incluísse no programa porque... você sabe... não gosto de tocar nesse assunto porque você acaba tentando me convencer a aceitar e sabe que não vou.

– Porque é um teimoso e orgulhoso. Só por isso.

– E sou mesmo. Com muita honra – estufou o peito. Victoria riu. – Então... agora mudou de ideia a respeito deles? Por isso, vai inclui-los?

– Não é que eu tenha mudado minha opinião... apenas... apenas é porque já que vou trabalhar com eles, é o mínimo que eu deveria fazer.

– Humpf – Singer arqueou a sobrancelha

– O que foi?

– Nada.

– Tio, o que você está pensando, hein?

– Nada, menina. Vá, vá, você está perdendo tempo.

Ele pensava em lhe questionar a respeito sobre a própria reação dela aos Winchesters e até aconselhar a não dar vazão a qualquer interesse deles... ou dela. Porém, mudou de ideia. Não, sua sobrinha jamais se envolveria com eles... embora não pudesse ignorar a sensação de uma forte ligação entre eles. Não. Não diria nada.

Vendo que Bobby não falava o que estava em mente, Victoria deu um leve beijo em sua testa.

– Até mais tio. Se cuida – balançou o dedo para ele.

– Você também. E vê se pega leve com os meninos.

– OK – arregalou os olhos e exagerou o sorriso numa careta – Te mando notícias.

– 0 –

Dean e Sam haviam terminado de colocar a bagagem no porta-malas do Impala; Victoria parou ao lado do carro e observou-o admirada. Dean notou o olhar vidrado da moça e não pôde esconder o sorriso de satisfação. Ficava orgulhoso quando alguém admirava "sua querida" e perceber que Victoria era uma dessas pessoas o deixava mais satisfeito. Aproximou-se da moça, encostou o braço no vidro da porta do carro e fez pose de gostoso.

– E aí, gostou? – perguntou ele

Ao perceber que o Winchester notou seu fascínio pelo carro, ela respondeu com certo desdém:

– É, nada mal.

Todavia, sua tentativa de parecer indiferente dessa vez não funcionou e fez o moço rir.

– Qual é a graça? – perguntou ela

– Você.

– Por acaso eu tenho cara de palhaça?

– Não, longe de mim querer insinuar isso – ele levantou os braços em sinal de trégua – É que você... você...

– Eu o quê?

Pela primeira vez, o Winchester não tinha palavras que pudesse utilizar para lisonjear uma mulher como costumava fazer. Victoria o encabulava, deixava-o sem palavras. Parecia que havia duas mulheres dentro dela: uma, doce e terna, como em seus sonhos, e a outra, implacável e agressiva, tal como era conhecida.

– Incompreensível – por fim, achou a palavra.

Victoria não soube o que retrucar de imediato. Os dois ficaram se olhando intensamente por alguns segundos até Sam os interromper:

– Victoria, quer que eu coloque sua bagagem no carro ou você mesma prefere fazer isso?

– Ah, não...não precisa – estava sem graça – Não vou colocar minhas malas aí.

– E aonde você pretende pôr? – tornou Dean – No banco de trás vai ficar meio sem jeito.

– Eu tenho... meu próprio carro. Esperem um momento que eu só vou pegá-lo.

Collins deixou as malas perto do Impala e foi aos fundos do ferro-velho onde estava estacionado seu carro; os dois irmãos aguardaram curiosos. Logo um Impala 67 de cor branca parava atrás do carro de Dean. Collins saiu do veículo enquanto os Winchesters, especialmente o mais velho, ficavam boquiabertos.

– Você... você também tem um Impala! – Dean exclamou

– Parece, né? – disse enquanto colocava sua bagagem no porta-malas – E então? Vamos ou vocês dois vão ficar aí parados? Eu vou na frente.

Entrou no automóvel sem esperar resposta.

– 0-

Depois de quatro horas de viagem, finalmente estacionaram numa lanchonete no meio da estrada. O local estava cheio, não tinha um aspecto muito agradável e havia alguns tipos mal encarados.

Os três entraram no estabelecimento e conseguiram achar uma mesa desocupada; ainda havia pratos com restos de comida dos últimos ocupantes. A maioria dos clientes era composta de homens e nenhum deixou de reparar na bela figura de Victoria: alguns assobiavam e outros, mais descarados, arriscavam piscadelas ou beijos de longe sem se importarem de ela estar acompanhada pelos Winchesters. A moça nem se importava; aquilo era uma rotina constante. Quanto aos dois homens, estavam incomodados com o atrevimento daqueles sujeitos. Como ousavam mexer com a sua mulher?

Collins estava sentada de frente para os Winchesters. O silêncio entre eles era constrangedor. Ainda bem que as mãos da mulher estavam sobre as pernas, pois os moços não poderiam ver que tremiam. Se era difícil para ela encarar um, imagine os dois ao mesmo tempo?

Seus perfumes se misturavam aos odores de sanduíches, salgados, café, fedor de bebida e dos banheiros daquele lugar.

Por fim, Dean quebrou o silêncio:

–Er... não sei quanto a vocês, mas estou faminto – as palavras eram tanto para o irmão quanto para Collins, porém, seu olhar continuava preso na figura feminina – Vou pedir pra garçonete. O que vão querer?

– Eu vou querer... – Sam e Victoria falaram ao mesmo tempo. Deram uma rápida troca de olhares. Não puderam conter o breve riso.

– Você primeiro – disse Sam mantendo o sorriso

– OK – ela também manteve o sorriso - Eu quero um cheeseburguer com bacon e uma salada.

– Cheeseburguer com bacon? – Dean arregalou os olhos

– Salada? – Sam ficou espantado

– É. Eu sempre como isso nas viagens ou quando estou com pressa. Por quê? – estranhou Vic – É proibido?

– Nãoooo ... é... é que... – tornou Dean

– É que Dean sempre pede cheeseburguer com bacon e eu, salada – completou Sam

– E daí? Tem muitas pessoas que devem pedir isso – Vic demonstrou pouco caso, embora incomodada com mais pontos em comum com os Winchesters.

– Bem, eu... eu vou falar com a garçonete – tornou Dean

Levantou-se e foi até o balcão; esperou um bom tempo até ser atendido. Uma mulher magra e alta de cabelos loiros presos num coque e de uniforme o atendeu com expressão mal-humorada; anotou os pedidos num caderninho e chamou o próximo. Nesse meio tempo, Vic e Sam ficaram sozinhos na mesa. Estavam pouco à vontade um com o outro e desviavam os olhares, entretanto, uma atração muito forte fazia com que voltassem seus olhos. Até que Sam resolveu introduzir uma conversa:

– Então... você é sobrinha do Bobby.

– É – respondeu Vic lacônica

– Por parte de mãe, não é?

– É, seria por parte de mãe.

– Engraçado que... ele nunca falou de você. Bem, ele não costuma falar da família e sempre imaginei que fosse filho único. Não pensei que tivesse uma irmã.

– Na verdade, minha mãe era só meia-irmã dele.

– Era? Significa que... – hesitou em concluir ao ver a moça fechar a expressão – Ah, desculpa. Não é da minha conta.

– Tem toda razão.

– Certo... me desculpe! – virou o rosto não escondendo seu aborrecimento com aquela nova tirada

– Não... me desculpe você – arrependeu-se de ter sido muito ríspida. Era difícil para ela manter aquela postura com seu Gigante – Os meus pais estão mortos – suspirou – E eu não gosto de falar do assunto. Você deve entender isso pelo que me contou dos seus pais.

– Entendo – fitou-a com compreensão – Infelizmente, entendo.

Continuou a olhá-la profunda e intensamente e ela correspondeu. Dessa vez, sem constrangimento entre eles. Havia uma dor em comum que os tornavam cúmplices. Assim ficaram alheios de tudo até Dean voltar e se sentar ao lado do irmão.

– Uf! Foi um custo, mas consegui! É claro que levei uma patada da mulher. É bom saber porque eu não vou dar gorjeta – brincou.

Depois, fechou a cara ao perceber que quebrava um clima entre Sam e Vic, o que o incomodou mais do que gostaria.

Enquanto esperavam, um silêncio incômodo voltou a reinar entre eles: Dean tamborilava os dedos na mesa, mas com o rabo de olho observava Victoria; Sam ora olhava para o lado de fora da janela, ora disfarçadamente buscava o olhar de Vic; quanto à moça, fingia estar interessada no movimento da lanchonete.

– Posso fazer uma pergunta? – o loiro disse depois de um bom tempo

– Ahn? – a moça se espantou ao ser intercalada de repente – Bom, depende.

– Depende do quê?

– Se não for uma pergunta idiota, pode fazer.

Sam disfarçou o riso, porém, estava curioso, em saber o que o irmão perguntaria.

– Esquece – desistiu o loiro

– Pergunte – insistiu Collins colocando os cotovelos sobre a mesa e apoiando o queixo sobre as mãos.

– É que...você é sobrinha do Bobby por parte de mãe, não é?

– Sim.

– Curioso – Dean fez uma expressão intrigada

– O quê?

– É que você é negra, o Bobby é branco e pelo que eu já ouvi falar, o Jack Collins era branco...

– A mãe dela era só meia-irmã do Bobby – Sam se intrometeu achando que encerrava a questão.

– Ah, bom, isso explica... – continuou Dean, mas foi interrompido

– Por quê? Você tem algum problema em eu ser negra?

– Qualé? Claro que não – o Winchester se espantou com tal conclusão da moça e negou veemente – Eu só estou tentando entender...

– Não tente entender nada do que não te diz respeito. Da próxima vez que for perguntar algo pessoal pra alguém, pense duas vezes antes de fazer.

Dessa vez, Dean não ficaria calado com mais uma daquelas, mas Sammy o puxou pela gola da jaqueta e com um gesto da cabeça, fê-lo se calar. A chegada da garçonete com os pedidos dos três foi providencial para dissipar o clima tenso. Os Winchesters resolveram não mais comentar nenhum assunto com aquela mulher: tudo era motivo para lhes dar uma cortada.

Victoria se sentia mal pelo que disse a Dean; sabia que não foi com má intenção que ele fez aquela observação da cor de sua pele. Entretanto, a moça achou melhor usar como pretexto para desviar o assunto sobre sua origem. Não era justo, ela sabia; os dois praticamente revelaram o segredo da vida familiar deles e ela, escondia o seu. Era para o bem deles; quanto menos soubessem sobre sua vida, melhor.

Após o lanche, pediram a conta e cada um pagou a parte que lhes correspondia. Collins pediu licença para ir ao banheiro. Enquanto a aguardavam, os irmãos comentaram entre si:

– Mas que mulher é essa? – desabafou Dean – Não se pode falar nada que ela vem com quatro pedras pra cima da gente! Agora entendo porque a chamam de Indomável.

– Esqueça, Dean. Não vale a pena.

– Esquecer o escambau! Olha, eu só não falei umas verdades pra essa metida naquela hora porque você me segurou, mas da próxima...

– Da próxima você vai ficar calado do mesmo jeito.

– Até parece! Eu não levo desaforo pra casa, não. Se ela pensa que por ser sobrinha do Bobby, pode pisar na gente, tá muito enganada!

– Ela quer manter a distância.

– Quê?

– Ela quer nos manter longe, não deixar que a gente entre no mundo dela.

– Que papo é esse?

– Ela está fazendo de tudo pra não ser agradável conosco. Acho que a Indomável é apenas um disfarce. Você se lembra como ela ficou sem jeito na primeira vez que a vimos? – Dean permaneceu calado – Ela parecia tímida, meio recatada e... doce. Acho que ela é daquele jeito na verdade.

– Ah, é? E por que tem agido como uma megera pra cima da gente?

– Vai ver quer evitar uma aproximação. Sei lá... deve ter algo a ver com os pais dela. Você sabe, ouvimos da morte do Jack Collins pelos outros caçadores e quando você foi fazer nossos pedidos, eu já tinha perguntado sobre a mãe dela e ela me contou naquele "tom delicado" que a mãe também está morta.

– Sério? Pôxa... Mais uma...

– Mais uma coincidência – completou Sammy – Mais um ponto em comum com a gente.

Dean não retrucou. Incomodava-o que Sam também notasse aqueles pormenores. Era a primeira vez que falavam da Victoria um para o outro. Durante o percurso de quatro horas pela estrada, não trocaram uma palavra sobre Collins, pois temiam revelar os sentimentos que cada qual tinha em seu íntimo.

– A gente vai trabalhar junto – continuou Sam – Eu também não gosto desse jeito dela, mas acho que a entendo. Ou, pelo menos, estou tentando. Temos uma longa batalha aí pela frente contra o Apocalipse e temos que permanecer unidos.

Dean assentiu com a cabeça e não trocaram mais nenhuma palavra a respeito. Logo Victoria saiu do banheiro e dirigia-se à mesa onde estavam os Winchesters quando foi barrada por um motoqueiro que estava encostado no balcão. O sujeito era um gordo troncudo, careca, de cavanhaque e usava óculos escuros. Tinha um mau hálito tão forte que fez Victoria desviar o rosto.

– E aí, beleza? Tá a fim de dar umas voltas por aí na minha garupa?

– Não, obrigada. Já estou de saída. Pode me dar licença?

– Que isso? – continuou a barrando – Não me diga que você vai dispensar o papai aqui pra ficar com aqueles dois moleques?

Ele apontou para Dean e Sam. Àquela altura, os dois haviam percebido o que ocorria e levantaram-se da mesa atentos aos movimentos do sujeito e prontos a enfrentarem-no se fizesse qualquer gracinha com Victoria. Metade da lanchonete tinha parado para presenciar a cena.

– E se for, é da sua conta por acaso? – continuou a moça

– Olha como fala a gatinha. É brava, hein? Acho que a mocinha tá precisando aprender boas maneiras e umas coisinhas mais. Eu terei prazer em te ensinar.

Collins riu e aproximou sedutoramente seu rosto ao do homem. Levou sua mão ao queixo dele.

– E eu acho que você devia escovar os dentes primeiro. Vê se te enxerga, balofo – falou num tom doce, mas bem ofensivo

Deu-lhe as costas, entretanto, o sujeito ficou furioso e agarrou-a pelo braço esquerdo. Dean e Sam correram para acudi-la, entretanto, foram barrados por mais quatro motoqueiros, colegas do indivíduo.

– Vem cá que eu te mostro quem é balofo! – vociferou enquanto a puxava para si.

Contudo, gemeu alto e forte quando Victoria o agarrou nas partes baixas com a mão do braço que estava livre. Ele soltou o outro braço dela e curvou-se para frente com a dor; Collins aproveitou para lhe dar um golpe nas costas com as duas mãos juntas e derrubou-o no chão.

– Da próxima vez, aceite quando uma mulher lhe disser um não – disse o olhando caído

Todos da lanchonete ficaram boquiabertos, até mesmo os Winchesters. Os outros motoqueiros foram ajudar seu colega, mas não tentaram fazer nada contra a moça e deram-lhe passagem para chegar aos dois irmãos.

– Vamos, rapazes – nem olhou para eles e caminhou até a saída esperando ser seguida – Não temos tempo a perder.

– Ela é tímida, meio recatada e doce? – sussurrou Dean caminhando ao lado do irmão. – Sério?

Victoria Collins era realmente um mistério para eles! Não sabiam como defini-la: ao mesmo tempo a Fada de Sam e o Anjo de Dean. E também aquela fera arisca, brava, indomável como a própria alcunha lhe designava. Afinal, quem ela era?


Notas Finais


Sleepy Hollow¹ - O título traduzido em português do filme é A lenda do Cavaleiro sem cabeça. Aqui mantive o original em inglês porque se refere ao nome da localidade para fazer sentido com a fala do Dean. Mas o próximo capítulo terá o título da tradução.

Bem, o título deste capítulo se refere a um filme com a Madonna e também a tradução da música do mesmo "Who's that girl?".

E aí? O que acharam da Indomável? Finalmente, um pouco de ação no próximo capítulo.


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