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História Amigo Imaginário - Capítulo Único


Escrita por: PrimmadonaGirl

Capítulo 1 - Capítulo Único


Por muitos anos — mais de cem, para ser ultra—específico —, essas criaturas, se é assim que podem ser chamadas, foram estudadas intensivamente por psicólogos, psiquiatras, e tudo o mais que tratasse das peculiaridades da mente. Para os pais, aquele assunto era sempre algo sensível a se refletir sobre: como assim, de repente, seu primogênito, primeiro e único filho (com um futuro tão grande pela frente!), estava falando sozinho, sem mais nem menos? Era realmente algo preocupante. Alguma coisa definitivamente deveria ser feita.

Mas os médicos não concordavam. Eles os estudavam, claro, como dito anteriormente, mas não tão seriamente quanto outros distúrbios, se é que o assunto pode ser tratado desse modo. É claro que todas essas conclusões tinham uma descoberta em comum: todos concordavam que esses fenômenos ajudavam no desenvolvimento das crianças. Seja por se sentirem sozinhas, precisando de apoio e companhia emocional — para a mente e para o coração —, seja para a elaboração de seu ser no futuro.

Não havia nada demais, tirando aquelas histórias assustadoras que você pode achar fazendo uma busca rápida no Google. Mas isso é assunto para outro dia.

Hoje, contemos essa história. Como uma flor que não pode se impedir de desabrochar no primeiro raio de sol do dia, quando a primavera abre seus grandes braços junto a mãe da natureza. Era tudo simples e belo assim.

Talvez esse fosse, primordialmente, um dos fatos para os psicólogos de todo o mundo não se preocuparem com o assunto de modo tão exacerbado. Por conta de sua simplicidade, é o que todos eles queriam dizer para aqueles pais com caras de enfezados no escritório. A fase durava mais ou menos até os sete anos, e então, assim como as flores de pólen, ela se esvaia junto ao tempo.

A história de Riku estava indo bem assim.

Havia aparecido como um cometa de luz, nascido do sorriso mais simples porém bonito que ele acreditava que iria encontrar. Era inacreditável. Havia nascido do nada, da poeira daquele sótão imundo, para então se encontrar com alguma coisa tão bela quanto aquela.

Era um milagre. A porra de um lindo milagre.

— Eu estou, nesse momento, te batizando de Riku. — Batizar. Era uma palavra nova. Seus pais haviam o ensinado a pouco tempo, na última vez que eles foram na igreja. Significava dar nome, abençoar no nascimento. O garoto a sua frente parecia ter a mesma idade que a sua, mas já que ele havia aparecido literalmente do nada, constatou que ele merecia um batizado decente. Talvez ele tivesse vindo dos céus, certo? Talvez fosse um presente de Deus. Ele realmente estava se esforçando para ser um bom menino. 

Ele se aproximou, colocando na orelha do garoto uma folha de oliveira, a árvore sagrada. O verde fazia um contraste bonito com os cabelos brancos do garoto, quase transparentes, uma névoa sem fim.

Fez um pequeno biquinho com os lábios, decepcionado. Queria que as folhas fizessem uma espécie de tiara por toda a testa do menino, mas como havia poucas delas, teria que dar, até pelo menos a próxima vez que ele tivesse coragem o suficiente para roubar folhas e mais folhas do jardim da casa ao lado. Ele esperava que a Senhora Amélia não ficasse muito chateada.

— Agora que você tem um nome, tenho que te apresentar para o papai e para a mamãe! Eles sabem que eu sempre quis um irmãozinho... — Ele olha de relance para o outro garoto, que ainda não havia emitido um som sequer — ou melhor... um irmãozão! Acho que você é mais velho que eu, sim.

E então ele havia ficado devastado quando seus pais haviam voltado do trabalho, na noitinha daquela terça—feira sublime. Chorou. Gritou. Esperneou. Não conseguia entender o porquê de todos não conseguirem ver a graciosidade que era o seu novo melhor amigo, irmão.

Na hora do jantar, ficou olhando pela janela, observando as minúsculas gotinhas de água deslizarem pelo vidro. Sentia, no fundo de sua alma, que os anjos também estavam chorando junto a ele. As lágrimas eram grossas e quentes, assim como as suas. Cheias de sentimentos espalhados por todo o lugar. Era, quase que inevitavelmente, uma metáfora para a vida.

Quando finalmente foi levar os pratos para a cozinha, sua mãe estava triste por ele não ter comido o brócolis, algo que era desgostoso para a maioria das crianças, mas para o garoto, no entanto, era delicioso.

— Estou deprimido demais para conseguir imaginar que eu sou um dinossauro grande devorando árvores em uma grande floresta. Desculpe. — Ele abaixou a cabeça.

— Está tudo bem. — Ela disse, logo adicionando — Vai ficar tudo bem.

E então, naquele dia, mesmo sem saber, ela havia feito uma promessa. Uma promessa de mãe para filho, amigo para amigo. A de apenas tentar entender, não importassem as circunstâncias. Mas no fundo de sua alma, Sora sabia: tudo aquilo não eram nada mais nada menos que mentiras. Era um menino esperto, para ser modesto. Ele estava sozinho. Ele, ele, ele.

Ele e seu mais novo melhor amigo.

X

Os dias se passaram. A chuva parou. O mundo continuou girando. E naquela confusão toda que era a cidade em que moravam, Sora continuou vivendo sua vida como qualquer outra criança. Exceto que agora tinha um irmão invisível — era basicamente isso, para ser curto. Agora tinha um amigo para jogar bola todos os dias. Brincar de contos de fada, cabaninhas, até mesmo de boneca, uma vez que existiam meninos malvados demais que não entendiam que aquelas eram todas brincadeiras de meninos e meninas. Não haviam diferenças.

Quando voltou no colégio, no primeiro dia após o batizado — e consequentemente o que havia virado a data de nascimento do menino, posteriormente conhecido como aniversário —, se sentiu como uma estrela do pop. Todos queriam conhecer Riku. Queriam dar as mãos, brincar, conversar, perguntar de onde ele veio. Sora sempre explicava que ele era tímido, especial. Era a verdadeira estrela.

— Você tem que falar com eles, Ri—ku. — Sora soletrou, de modo baixinho, segurando a mão do menino de modo firme pelos corredores do colégio. Agora que havia o encontrado, não queria perdê—lo. Ademais, por mais que o outro fosse mais velho que sua pessoa, sentia que ele que merecia protegê—lo, e não o contrário. Aquela era uma missão em que não falharia. — Todos estão ansiosos por uma palavrinha sua, misera que seja.

— Eu não consigo, — Ele sussurrou de volta — não tenho forças.

Sora suspirou mais uma vez.

— Tudo bem. Leve o tempo que precisar.

Eles entraram na sala de aula, lado a lado, corpo a corpo, mente a mente, alma a alma. O garoto de cabelos castanhos separou uma carteira vazia bem ao lado da sua, gesticulando de modo a incentivar que o amigo sentasse.

Riku o fez. Não se passaram nem cinco minutos até que a Professora Samantha percebesse.

— Sora? — Ela indagou, chamando a atenção da turma. — Você está guardando lugar para alguém?

— Não, Senhora. O Riku está sentado.

O rosto da mulher mudou de expressão, como se ela bem entendesse o que estava acontecendo ali. Provavelmente já havia passado por aquela situação umas milhares de vezes.

Ela sacudiu os pensamentos da cabeça.

— Eu entendo. Mas eu tenho certeza que ele gostaria de ceder lugar para outro colega, hmmm, que tal? Ele pode sentar lá atrás, para não atrapalhar a aula.

Os garotos se entreolharam. Riku se levantou, caminhando até a frente da lousa negra e observando todos os outros alunos. Por dentro, se tremia todo, por mais que soubesse que os outros não conseguiam vê—lo. Como era possível alguém que nem ao menos existia, que nem ao menos era visto, ficar nervoso?

Ao olhar para o lado de soslaio, visualizou um assento perfeito na mesa da Professora, dando impulso para se sentar na mesma. Balançou os pezinhos, como uma criança perfeita e feliz. Trocou olhares com o amigo, agora um pouco longe de sua pessoa.

Era uma cena engraçada. Sora estava tampando a boca com as mãozinhas.

Ele retirou a mochila da carteira ao lado, sinalizando que havia deixado a mesma livre.

— Muito bem. — A mulher acenou com a cabeça. — Vamos começar a aula, sim?

— Abram seus livros na página doze, aquela que tem...

Mas Sora não estava mais prestando atenção. Em sua cabeça, todos os seus esforços estavam destinados a seguir o grande raio de sol que era Riku, iluminando cidades inteiras com seu sorriso. Junto a seus cabelos esbranquiçados, ele transformava toda aquela — agora chatice — de aula em algo totalmente novo e divertido.

Pelo resto daqueles cinquenta minutos, ficou com o olhar conectado ao do outro garoto, tentando segurar a risada enquanto o mesmo seguia a Professora de modo paspalho e desengonçado, fazendo gestos engraçados. Estranhamente, alguma coisa no fundo de seu ser o dizia que o resto do seu ano não seria muito diferente daquilo.

E aquela futura monotonia não o incomodava nem um pouco.

X

Sora havia ficado assustadíssimo quando percebeu que um de seus dentes estava molinho, quase solto. Havia sido de um dia para o outro. No final da tarde, estava praticamente desesperado. Será que ele estava apodrecendo por dentro?

— Não, eu não acho que isso seja o que está acontecendo, para ser sincero. — Riku coça a cabeça, acostumado a acalmar o outro. Havia se tornado uma espécie de trabalho, um que ele não se imaginava não exercendo — Acontece com as crianças da sua idade.

— Aconteceu com você?

Algo na mente do albino clicou. Suas memórias de repente haviam sido rearranjadas, como seu mestre queria.

— Sim. Há seis meses, mais ou menos.

Sora acenou com a cabeça.

— Muito bem. Isso foi um pouco antes de você aparecer no sótão.

— Jura? Já faz todo esse tempo?

— Acho que sim. É um pouco fofo, não acha? O tempo está passando: estamos crescendo. — O garoto abriu um sorriso — Será que eu vou ficar mais alto que você?

— Nem conte com isso, baixinho.

Sora o ignora.

— E então, o que iremos fazer sobre meu dentinho?

— A gente pode tentar arrancar.

O garoto arregalou os olhos.

— Arrancar?! Riku, você ficou doido?

— Não, eu realmente estou falando sério. — Ele rola os olhos, impaciente, pendendo a cabeça para trás, entre os travesseiros fofinhos e coloridos — Eu mesmo fiz isso.

— Jura?! — Os olhos de Sora estão brilhando, como os de uma verdadeira criança curiosa — E o que seus pais acharam? Eles brigaram com você?

Um, dois, três cliques. Mais memórias criadas e rearranjadas.

— Não, inclusive, eles até me ajudaram.

— Como assim?

— Foi bem normalzinho, entende? Minha mãe amarrou um fiozinho no meu dente, com a outra ponta na maçaneta da porta, foi na da cozinha, eu acho. — Ele pareceu ponderar sobre o assunto por alguns instantes — E aí foi só fechar a porta com muita força!

— Nossa, Riku! Isso parece horrível. — O garoto cruza os braços, desconfiado — Não doeu nadinha?

Mais cliques.

— Um pouquinho. Mas depois vem a melhor parte: você pode comer todas as coisas gostosas que quiser!

Sora sobe na cama, dando alguns pulinhos.

— Isso parece delicioso!

— Então vamos tentar, o.k.? — Riku indaga, Sora apenas acena com a cabeça em concordância — Vou procurar um barbante para te ajudar.

Após alguns poucos minutos, todo o esquema está pronto. O garoto de cabelos castanhos está ansiosíssimo, quase não consegue sentir seu estômago, uma vez que ele parece estar lá embaixo, como se estivesse em uma montanha—russa cheia de giros e piruetas.

— Vou puxar, tudo bem?

E então Riku empurra a porta com tudo que tem. Apenas uma vez é suficiente para todo o show se concretizar. Sora está paralisado; tudo passou tão imensuravelmente rápido que ele sequer consegue sentir dor. Na sua boca, apenas sente um gosto metálico. Mas ele não liga: está rindo demais para ficar preocupado.

O garoto de cabelos esbranquiçados logo se junta a toda aquela bagunça também, rindo como se tivesse escutado a piada mais engraçada de sua vida.

— Isso foi genial, Riku!

Mais risadas. Dessa vez, as mesmas são interceptadas por uma voz meio alta, que vinha lá do andar debaixo.

— Sora, está tudo bem aí em cima?

Os olhos do garoto se arregalam, pegando o dentinho caído no chão com as mãos trêmulas: queria mostrar o sucesso de sua operação.

— Meu dente, mamãe, meu dente! Preciso lembrar de botar embaixo do travesseiro, mamãe!

E então Sora está correndo pela escada de meias: Riku envia todas as forças positivas para que o pior não aconteça, ele sinceramente reza para que o garoto segure na droga do corrimão, e então está tudo bem, tudo o.k., o garoto está em plena segurança, ufa. Ele vai até a cozinha, não parando de gritar, não parando de rir por nenhum segundo sequer, com aquela recém feita janelinha em sua boca.

Por alguns instantes, Riku tem a plena consciência de que se sente completo e feliz. Ele sinceramente desejou que todos os restos de seus dias fossem assim.

X

— Eu só não consigo entender, sabe?

Sora está deitado no chão de seu quarto. Há um calor infernal do lado de fora, o que é suficiente para que os garotos fiquem convencidos a ficar dentro de casa olhando sutilmente na direção do ventilador, esperando por qualquer coisa, um milagre que fizesse a cidade toda de repente nevar — porque aquilo, afinal, seria deveras maneiro e divertido —, ou, pensando um pouco mais perto da órbita natural da Terra, um simples carrinho de sorvete.

— Por que tudo isso acontece tão de repente, Riku? — Ele continua, pensando em palavras para expressar o que sentia. Era tudo demais para sua pobre cabecinha — Eu achei que papai e mamãe se amavam muito.

— Sora... — Ele divaga, sem saber o que dizer — Eu tenho certeza que houve um momento em que eles se amaram. Mas agora, acho que as coisas estão difíceis, entende? Eles podem continuar se amando até agora, mas nem tudo dá certo.

— Então como eu vivo sabendo disso? Como vivo sabendo que, não importa o quanto eu ame alguém no futuro, tudo isso pode desaparecer em questão de segundos?

Riku balançou a cabeça em negação.

— Os sentimentos não desapareceram. Eles ainda estão lá. Mas desligadinhos, sabe?

— Congelados, talvez? — Sora tenta.

— Isso.

— Então como viver com isso?

— Talvez o fogo mais quente do dragão mais poderoso consiga derreter esse fogo. Ou talvez as chamas dessa fúria não sejam suficientes. Mas o que importa é que no futuro, Sora, você tente resolver esses probleminhas. Tudo é sobre tentar.

— Muitas vezes, a gente acaba pensando no fim de todas as coisas, né? No que vai acontecer no final daquela prova de matemática, depois de terminá—la, em como você vai jogar videogame até ficar fedendo demais, ao invés de apenas aproveitar o momento, o aprendizado que você teve enquanto estudava. — Ele continua — Acho que a situação é meio que assim. Por mais que tudo acabe, seja essas geleiras vivas ou não, o que vai importar é o que você viveu e ponto final.

Sora torce o nariz, fazendo uma carranca engraçada.

— Nossa, Riku, que exemplo mais previsível. Você é tão nerd.

Mais memórias.

Ele dá um sorriso pequenininho.

— É, talvez.

Há apenas silêncio por um tempinho, com a respiração dos dois garotos se tornando uniforme a calma. Os dois estão a beira do sono.

— Muito obrigada por ser o melhor melhor amigo que eu poderia ter. — Sora sussurra, temendo ser ouvido de verdade, ao se cobrir com o edredom. Porque às vezes crescer era difícil demais. Às vezes, demonstrar sentimentos verdadeiros era a coisa mais complicada do mundo, ele havia aprendido bem.

Mas parece que Riku não se importa com isso. Ele apenas continua sorrindo, se sentindo a pessoa mais pacífica do mundo.

Digo o mesmo, Sora. Digo o mesmo.

X

A cena é aterrorizante. Sora está deitado no chão do pátio atrás das arquibancadas da quadra poliesportiva, com pelo menos uns cinco garotos ao redor de si, o chutando, batendo, socando, gritando. O barulho é absurdo, as lágrimas estão por todo o lugar.

Riku está paralisado, estático. Não havia nada que podia fazer, e tudo era meio que, indiretamente, sua culpa.

Haviam achado que Sora estava a beira da loucura. Os meses estavam passando, todos estavam crescendo: a época de ter amigos imaginários estava, pouco a pouco, se esvaindo, o que acabou transformando a existência de Riku em uma chacota. Se antes o colega era alguém tímido mas que todos ansiavam por conhecer, como naquele primeiro dia, agora ele era apenas uma invenção da mente conturbada de Sora.

Ele sinceramente não duvidaria se mandassem seu melhor amigo para o psicólogo, ou até mesmo para o psiquiatra, algo assim.

— Isso é para você aprender a não ser mentiroso! — Um garoto com cabelos azuis chutou o outro com força, fazendo com que um gemido de dor deixasse os lábios do menino.

— Estamos indo para o ginásio, Sorazinho, será que você não se importa nem um pouquinho em ser um tremendo babaca mentiroso? É ridículo.

Mais socos. Dessa vez, Riku acha que um dos meninos cuspiu em Sora. Sua mente está nebulosa, seus punhos tremendo. A sensação de não poder fazer nada era arrebatadora, mas esse era o preço a se pagar por ser um menino imaginário, sem existência, sem importância. Irreal.

Olhando para o rosto dos garotos, sabe que aquela era uma tremenda covardia. Eles pareciam mais velhos, talvez já estivessem na sétima série. Tudo aquilo era uma baita injustiça. Riku soube desde sempre que o mundo era mau, e que humanos eram lobos procurando por cordeiros para devorar, mas ele quis fingir por alguns instantes que aquela não era a verdade.

Outrora, ele sente que ele e Sora sempre estiveram dentro de uma casa com vidros translúcidos, observando a chuva cair, mas nunca se molhando, nunca se preocupando com os raios e os trovões. Mas aquele momento prova que a teoria de tudo é contrária, que o universo era mau com tudo e todos, e que não havia escapatória. Ele agora está preso dentro da casa, observando seu melhor amigo, seu irmão, seu mestre, criador, gritar por conta da chuva que invade seu ser, e aquelas lágrimas, as lágrimas dos anjos são amargas — ah, como elas são.

Naquele momento, ele apenas consegue sussurrar um pedido débil de desculpas. O rosto de Sora está contorcido de dor, talvez estivesse cuspindo sangue. Se sente impotente. Se sente inútil.

Sente que não quer mais viver.

X

Quando chegam em casa, há toda uma barulheira. A mãe está estupefata. Seu primogênito está tossindo em tons de vermelho, sua testa está toda arranhada. Com certeza o mandaria para um psiquiatra, tomar uns remedinhos que certamente não preencheriam seu vazio interior, não do jeito que havia se sentido durante esses últimos meses, não do jeito que Riku o fazia ficar.

Ela é obrigada a ligar para o pai biológico do garoto, com quem havia se divorciado há algum tempo atrás. A ligação é curta, cheia de gritaria. Sora só querer chorar em silêncio, sair dali, voltar para a segurança que era seu quarto, quando os anjos choravam pela janela mas estava tudo bem, porque ninguém duvidava de sua sanidade mental. Ninguém o odiava, ninguém o batia, ninguém o queria morto.

Os tempos eram outros. Era o seu fim, o seu apocalipse, o ápice de sua não existência.

Riku não os acompanha até o médico. Está se sentindo demasiado inútil. Covardemente, deseja que seu mestre apague seu ser. Era a única solução. Não havia mais jeito.

Quando os três voltam para casa, ele está escondido no sótão, como naquele primeiro dia.

— Os médicos disseram que eu vou ficar bem. — Sora está com alguns band—aids ao redor do olho, nenhum sinal de gesso nos braços ou nas pernas.

— Eu sinto muito por não poder te proteger. — Riku sussurra, com a voz embargada.

— Não é culpa sua. — Ele responde, mas o outro sabe que a sentença é mentirosa.

— Você está crescendo, Sora. — O garoto de cabeços esbranquiçados limpa as lágrimas com as costas das mãos — Eu já estou desaparecendo faz um tempo. Meu cabelo está diminuindo, e agora só uso luvas, porque não resta nada no que um dia foi minhas mãos.

O garoto de cabelos castanhos está boquiaberto. Há uma ardência em seu nariz; ele sabe o que tudo aquilo significa. Já não bastasse todos os odiarem, agora ele ficaria sozinho. Para sempre, sempre, sempre.

Aquelas eram coisas que jamais teria percebido.

— Riku...

— Estou dizendo que isso é um adeus. Não é escolha minha, nem sua. Mas se eu pudesse escolher, também escolheria ir embora — Todo esse tempo, Sora era o anjo quem chorava pela janela. Tudo havia ficado claro agora, com aquelas lágrimas translúcidas indo de encontro ao chão — Não porque te odeio ou não gosto de você, na verdade, até aprendi a te amar, porque afinal, você é meu amigo, meu mestre, meu irmão.

— Mas a vida tem sido cruel, e eu sei que você ficaria melhor sem mim.

— Não é verdade, Riku, você não entende, o que aconteceu hoje não...

— Ouça, Sora. Eu sei que haverão tempos difíceis. Talvez você passe por coisas piores do que passou hoje, e eu não estarei aqui para cuidar de você depois, — Ele sussurra, cabisbaixo — se bem que nem consegui te proteger hoje.

Ele segura a mão do garoto a sua frente, a apertando como se aquela fosse sua última chance, seu último suspiro.

— Mas eu também sei que meu esquecimento é necessário para você viver.

Ele deposita um singelo beijo na bochecha do garoto.

— Você vive em mim assim como eu vivo em você, Sora. — Ele diz, por fim — Obrigada por tudo.

E então é assim que eles ficam, abraçados contra aquele armário imundo do sótão, assim como foi a primeira vez em que aquele milagre havia aparecido na vida do garoto. Dali para frente, Sora não fazia ideia de como sua vida seria, mas por enquanto, ele resolve não pensar no fim, como Riku havia pedido há meses atrás.

Ele aproveita cada último segundo ao lado do outro garoto, junto a seu calor e toda a sua prosperidade. Seus olhos pesam. Provavelmente não saberia dizer em que ponto da madrugada adormeceu.

Quando acorda, Riku não está mais lá.


Notas Finais


Olá xuxu, primeiramente quero agradecer todos que chegaram no final desse conto/crônica. Pra quem acompanhou minhas outras histórias sabe que eu falo isso sempre, mas mesmo assim, obrigada por terem lido cada linha.

Como sempre, por alguma razão, quando eu escrevo algo, tenho que ser rápida. A ideia vem de repente, né? Se eu não conseguir planejar tudo de uma vez só, com cada ponto amarradinho, não consigo terminar. Por isso tenho tantos rascunhos :p Mas acho que todo mundo é assim então nem me preocupo tanto dhskjs uma vez eu li que pra cada 10 histórias que um ser aleatório começava a escrever, só terminava uma ou duas. Então tá tudo bem, eu acho. Segue o bonde.

Enfim, to feliz de ter terminado isso aqui, obrigada @ deus e @ jesus. Espero que a história tenha sido explicativa, e que ela não tenha ficado muito confusa, to tentando melhorar nisso aí.

Em clima de dia das criançinhas, na minha interpretação (pode não ser a de vocês e tá tudo bem nisso) a história basicamente significa que Riku faz parte do Sora e vice-e-versa. Do tipo que ele sempre vai ter aquele reflexo da infância, não importa o quanto ele cresca, dentro dele. Acredito que todos nos sejamos assim. Tem uns momentos da vida fora aí que eu ando e penso "cacete, eu ainda tenho 5 anos, bicho".

Quando o Riku diz seu adeus, é basicamente Sora dizendo adeus a si mesmo. Acredito também que todos nós passamos por fases. Crescemos a todo instante, e esse desprendimento do Sora ao poder finalmente enfrentar o próprio futuro porque ele finalmente se sente apto a aceitar a parte Riku de si, significa crescimento.

Como dito, essa é a minha interpretação. Se vocês por acaso pensarem em outra coisa, por favor me falem :D Acho que seria interessante conversar sobre.

Pra quem tiver interessado, eu como sempre tento fazer ao máximo as histórias serem originais apenas com nomes de outros universos, pra já ficar mais fácil de imaginar traços físicos, assim como a interação dos personagens. Sora e Riku pertencem ao jogo (que também tem mangá, hihi) Kingdom Hearts, da Square Enix.

Por fim, a fanart da capa não é minha, e de modo algum pretendo me apropriar da mesma. A/o ilustrador (a) tem o nome de gratuaidong no DevianArt. Todos os créditos vão para a/o mesma/o.

Paz e amor pra vcs, xoxo

Feliz dia das crianças para o pupilo que ainda vive dentro de cada um.


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