Uma Max de 10 anos olhava pela janela da casa na árvore em direção à imensidão da floresta que a cercava com sua primeira câmera em punho, um presente com o qual ela vinha sonhando há muito tempo e que finalmente havia convencido seus pais a lhe darem em seu último aniversário, em vez dos brinquedos de costume. Ela já tinha brinquedos demais. Pelo menos era o que acreditava. Max sonhou mais com aquela simples câmera analógica do que com a casinha de bonecas por qual todas as meninas de sua idade enlouqueciam.
Às vezes ela se sentia estranha por ser tão diferente. Na verdade ela se sentia estranha a maior parte do tempo, como uma extraterrestre que acabara de aterrissar em um novo planeta, mas isso não a incomodava, só a tornava distante da maioria de seus colegas, a fazendo manter apenas dois ou três amigos dentre tantos possíveis, dos quais só se importava realmente com um. Uma pra ser mais exata. A única que não a fazia se sentir tão alheia à tudo, tão alien no mundo. A única que a levava a se sentir como se pertencesse a algum lugar, como se fizesse parte de algo.
- Hey, Mad Max, eu te trouxe bolo.
- Valeu, Chlo. Como foi o aniversário?
Max perguntou apenas virando a cabeça ligeiramente para cumprimentar a garota que acabara de entrar e logo voltou sua atenção para a janela de novo.
- Foi legal, mas teria sido melhor, se você tivesse ido.
Desde que se conheceram, as duas garotas se tornaram inseparáveis rapidamente, fazendo tudo juntas, dormindo na casa uma da outra, decidindo inclusive dividir uma casa na árvore, que convenceram seus pais a construir longe de onde moravam, em meio à floresta, porque era um ambiente mais divertido e vasto para explorar.
Elas brigavam muito também, como quaisquer amigos, às vezes pelos motivos mais banais, mas nunca passavam mais do que um dia sem se falar. Chloe teve que aprender a ser menos teimosa e orgulhosa para pedir desculpas quando era a causadora inicial da confusão e Max a ser mais paciente e afetiva com sua amiga de cabeça quente. E assim elas levavam a vida.
- Eu não podia ir pra um aniversário para o qual não fui convidada.
- Cara, eu te convidei.
Max riu por um momento, se distraindo de sua observação pela janela, mas voltando a ela depois de alguns minutos.
- Você não pode me convidar para um aniversário que não é seu, Chlo.
- Que se dane, você iria comigo. Seria quase a mesma coisa.
- Eu ainda seria uma penetra. Além disso, eu não gosto de festas.
Chloe puxou um banco para sentar perto de onde Max estava, curiosa sobre o que tanto ela olhava, mas mantendo seu foco no assunto inicial.
- Como você não gosta de festas, se foi nos meus aniversários? - Chloe perguntou desconfiada.
- Porque eu gosto de você.
Max congelou temporariamente, surpresa com a própria resposta. Claro que ela gostava de Chloe, afinal ela era sua amiga, mas de alguma forma parecia muito diferente dizer aquilo em voz alta, como se tornasse tudo mais real, mais paupável. Era como se estivesse expondo a si mesma, uma sensação com a qual não estava nenhum pouco acostumada.
Chloe, por outro lado, estava agradecida que Max não estivesse olhando para ela naquele momento, pois seria muito fácil notar o vermelho que tomou conta de seu rosto após ouvir aquela frase, mas seria muito difícil explicar sua reação para Max, porque nem ela mesma entendia bem o motivo. Então apenas resolveu ignorar aquilo e continuar falando.
- Eu estaria lá, teria comida e brinquedos pra nos divertimos, como isso seria diferente?
- Porque eu não fui convidada, não conheceria quase ninguém que estaria lá, mas principalmente porque a aniversariante me detesta.
- O quê?! Por que você acha isso? - A expressão de Chloe se aproximava da de alguém que descobriu a existência de uma arma que destruiria toda a raça humana.
- Chlo, você é super inteligente, consegue resolver problemas de lógica que me deixariam com dor de cabeça só de pensar em tentar, mas não é uma pessoa muito observadora.
- Você sabe que pode me elogiar sem me zoar em seguida, né? Além do que, isso não responde minha pergunta.
Max suspirou profundamente e ficou calada por um momento antes de responder, tentando escolher as palavras certas ou simplesmente encontrar uma forma de fugir daquele assunto.
- Ela me olha atravessado todas as vezes que você me chama pra lanchar com o resto dos seus amigos, não dirige a palavra a mim, só balança a cabeça com desdém quando a cumprimento, revira os olhos quando você fala comigo, coisas assim. - Max olhou para Chloe tentando identificar sinais de que ela estava entendendo, então continuou - um exemplo prático: o que ela diz quando você deixa de ficar com seus outros amigos para estudar comigo na biblioteca?
- Ela sempre faz piadas a respeito, mas eu não levo a sério... nunca pensei que... merda! - Chloe deixou escapar se sentindo estúpida por não ter notado antes - por isso você passou uma semana me evitando na escola?
- Sim. Até eu decidir que não me importava se ela tinha um problema comigo. Desde então, apenas passei a ignorá-la.
- E quando você planejava me contar isso?
- Provavelmente nunca. - Max confessou envergonhada.
- Qual é, Max? Você é minha amiga. Não pode esconder essas coisas de mim.
- Ela também é sua amiga, Chlo. O que você faria no meu lugar?
- Cara, eu daria uma surra tão grande na pessoa que faria a bunda dela sair pela boca e ela nunca mais iria conseguir sentar de novo.
- Isso daria uma imagem bem bonita - Max falou rindo, pois sabia que era algo que sua amiga realmente faria. - Desculpa, Chlo.
- Sem problemas. Só não esconda mais nada assim de mim.
- Tá bom.
Chloe pareceu satisfeita com a confirmação pois logo se levantou e foi até Max, espiando por cima de seus ombros, curiosa sobre o que ela tanto observava pela janela.
- O que diabos você está fazendo aí tão concentrada?
Max não falou, apenas deu alguns passos para o lado, permitindo que a garota mais alta pudesse ver com mais clareza o espaço à sua frente.
- Não vejo nada...
- Atrás dos arbustos, perto da árvore à sua esquerda.
Agora Chloe podia ver o que tanto Max admirava. Havia um servo a apenas alguns metros de onde elas estavam, encoberto pela folhagem, apenas parte de sua cabeça visível. Chloe sequer imaginava que houvesse servos naquela região, mas Max conseguia enxergar um mesmo camuflado em meio à vegetação alta.
De repente, depois de toda a espera, o animal finalmente saiu de seu esconderijo, andando calmamente enquanto procurava algo para comer. Max colocou a câmera na frente de seu olho direito enquanto fechava o outro, preparada para tirar a foto, mas ainda sem apertar o botão.
- O que você está esperando, Mad Max? - Chloe perguntou num sussurro, como se tivesse medo que o animal a ouvisse e fugisse dali.
- Shhh.
Chloe só começou a entender a hesitação da amiga quando notou uma borboleta se aproximando do servo, pousando em seu focinho e o fazendo girar levemente a cabeça na direção delas, então Max finalmente tirou a foto. Uma fração de segundo depois, toda a cena se dissipou, o servo fugiu pra longe e a borboleta voou em direção às folhagens.
- Uau, Max! Isso foi insano. Quanto tempo você passou esperando pra bater essa foto?
- Uma hora, eu acho. Pra ser sincera, não estava prestando atenção.
- Cara, você é tipo uma sniper, só que tira fotos em vez de atirar.
- Esse foi um elogio bem incomum, mas até que eu gostei. - ela respondeu finalmente saindo de seu posto, sentando no outro banco e guardando sua câmera na mochila.
Chloe voltou a sentar em seu próprio banco e as duas permaneceram em silêncio até a garota mais velha decidir sanar a dúvida que estava pairando em sua cabeça.
- Max, o que faria ela não gostar de você?
- Não sei... - ela parou, cruzando os braços e olhando ao redor, considerando as possibilidades por um momento antes de concluir - Talvez eu ser a amiga nova, nerd e tímida que está consumindo muito do seu tempo e te afastando dela, que é sua melhor amiga.
- Ela não é minha melhor amiga. Você é.
- Oh!... Eu sou?
Max estava surpresa, eufórica, confusa, feliz e chocada com aquela revelação. Eram tantos sentimentos misturados que ela não sabia como descrevê-los, nem se tentasse. Ela sabia o que Chloe significava para ela, mas sempre ficava em dúvida sobre o que ela significava para Chloe.
Ela demorou quase o primeiro ano inteiro da amizade delas para acreditar que realmente tinham uma amizade, agora precisaria de mais algum tempo para se acostumar com seu novo status: Melhor amiga.
- Para alguém que se mostra tão observadora, você parece muito surpresa com algo extremamente óbvio. - Chloe riu consigo mesma.
- Eu só não estou acostumada a ter muitos amigos, Chlo. - Max respondeu tentando não soar tão depressiva, mas Chloe não pareceu ligar.
- Cara, nós passamos a maior parte do tempo juntas, praticamente moramos uma na casa da outra, dividimos uma casa na árvore e temos um lugar secreto na floresta pra nos encontrarmos em caso de emergência. Como pode ser mais óbvio que isso?
- Agora que você pôs dessa maneira... - ela respondeu sorrindo timidamente.
Chloe revirou os olhos sorrindo e, em seguida, se levantou para vasculhar a própria mochila.
- Posso comer um pedaço do seu bolo?
- Você está me pedindo o bolo que acabou de me dar? - Max perguntou arqueando as sobrancelhas.
- Não seja egoísta. Só quero um pedaço.
- Pode pegar. Até porque provavelmente está envenenado, se a aniversariante souber pra quem você trouxe.
- E você vai me deixar morrer envenenada? Que tipo de melhor amiga você é? - Chloe perguntou colocando a mão esquerda sobre o próprio peito fingindo choque.
- Do tipo que não come comida envenenada e não está te forçando a comer.
- Tô brincando. Na verdade, esse bolo era meu. É que saí mais cedo do aniversário e pedi pra levar meu pedaço pra casa.
- Você saiu mais cedo pra vir pra cá? - a garota loira confirmou com a cabeça enquanto enchia a boca com boa parte da fatia. - Ótimo! Agora sua amiga tem outro motivo pra me odiar.
- Que se dane! Ela não gosta de você, então eu não gosto dela. - Chloe soltou com a boca ainda cheia de bolo e o rosto sujo de chocolate, ao mesmo tempo em que contornava o ombro da garota mais nova com seu braço.
E Max adorou ouvir aquilo. Estava claro para Chloe pelo rosado de suas bochechas e pelo sorriso que ela deixou escapar automaticamente após a garota loira dizer aquela frase. O que fugiu à sua percepção foi que seu abraço fazia Max se sentir como se seu ombro estivesse em chamas mesmo que não entendesse o motivo.
- Você não deveria brigar com seus amigos por minha causa. - Max falou, embora estivesse lisonjeada pelas palavras da amiga.
- Não são meus amigos, é apenas um deles. Além disso, ela é meio chata. - Max arqueou as sobrancelhas esperando a justificativa daquela afirmação. - bem, ela só quer brincar de boneca o tempo todo. É entediante.
- Chlo, nós brincamos de boneca o tempo todo. Provavelmente estaríamos fazendo isso agora, se nossos brinquedos estivessem aqui.
- Mas é diferente.
- Me ilumine com sua sabedoria, Yoda.
- Bem, quando eu brinco com ela, é sempre Barbie casa com o Ken, eles compram uma casa, trabalham, fazem comida, tem bebês, etc. Quando brinco com você, eles são astronautas e lutam contra aliens pra salvar o planeta, ou caubóis tentando trazer justiça ao velho oeste, ou piratas desbravando o mundo em busca de tesouros, só então eles casam, tem filhos e todo o resto.
- Entendi seu ponto. - Max falou deixando escapar outro sorriso - mas talvez o jeito dela de brincar seja o certo.
- Que se dane. - Chloe respondeu, enquanto tentava limpar metade da sujeira do próprio rosto sem muito sucesso - Eu prefiro o nosso jeito.
- Eu também. - Max confessou e depois concluiu - E espero nunca te entediar a ponto de você querer deixar de ser minha amiga.
- Eu nunca vou te deixar, Max. - a força das palavras e a seriedade repentina no olhar de Chloe ao fazer aquela promessa deixaram Max sem palavras e sem saber como reagir - a gente está ligada pra vida toda, já te falei.
- Para essa ligação ser completa, eu precisaria te salvar também. - Max brincou tentando disfarçar o impacto que as palavras de Chloe tiveram nela.
- Talvez você salve um dia.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.