Chloe nunca sentiu vontade de beijar ninguém, nunca sequer cogitou a possibilidade. Muito menos perdia horas de seu dia conversando sobre isso ou imaginando como seria seu primeiro beijo, como a maioria das garotas de sua idade fazia. Uma Chloe Price de quase 14 anos nunca pensou em como seria beijar ninguém, mas ultimamente pensava muito sobre como seria beijar Maxine Caulfield.
Ela não tinha certeza de como ou porque começou a sentir aquilo, mas sabia que coincidiu precisamente com o momento em que começou a achar Max bonita e a pensar sobre tudo o que a fazia bonita.
Seu cabelo castanho, agora mais curto e com uma franja cobrindo parte de sua testa quando não usava tiara; seus olhos grandes e azuis como os seus próprios, só que de um tom diferente, mais escuro, quase enigmático; suas sardas, que preenchiam cada linha de suas bochechas e nariz, como pequenos pontilhados de pincel na arte final de uma pintura; seu sorriso, que por mais tímido que fosse, sempre curvava ligeiramente o contorno de sua boca; o jeito que ela franzia a testa quando estava preocupada, como segurava o próprio braço quando estava nervosa, como mantinha uma expressão séria quando concentrada, ou como seu rosto ficava completamente vermelho e seus olhos se enchiam de lágrimas quando ela ria descontroladamente.
Mas o que Chloe mais reparava era em como a boca da garota mais nova era bonita, de uma cor rosada, na proporção certa, moldada perfeitamente como todo seu rosto. Então ela se punha a imaginar como a boca de Max se encaixaria na sua, qual seria seu sabor.
Ultimamente a única coisa em que Chloe pensava tanto quanto em beijar Max era no quanto tinha medo que a garota mais nova descobrisse isso. Como ela reagiria? Ela ainda ia querer ser minha amiga? O que eu estou falando? Claro que não. Afinal quem iria querer ser amiga de uma garota esquisita que fantasia esse tipo de coisa?
Ela tentava parar de pensar, trancar aquele sentimento no canto mais isolado dentro de si e esquecê-lo para sempre, mas simplesmente não conseguia. Especialmente quando elas estavam lado a lado, tão próximas, com apenas alguns centímetros a separando de seu objetivo. Às vezes Chloe nem sequer conseguia prestar atenção no que Max falava e a garota tinha que repetir, vez após vez, até se cansar e perder a paciência, então Chloe tinha que se desculpar. E o pedido de desculpas era só um pretexto para que ela conseguisse um abraço e um beijo. Não do tipo que ela desejava, mas um próximo. No rosto.
Recentemente ela havia transformado a ação de beijar o rosto de Max num hábito. Da primeira vez, tudo aconteceu espontaneamente quando as duas estavam jogando Zelda e ficaram empacadas numa fase difícil, até Max conseguir passar depois de quase uma hora e de dezenas de tentativas frustradas. Elas ficaram tão eufóricas que começaram a pular na cama abraçadas até Chloe, impulsionada pela situação, resolver lhe dar um beijo no rosto. O beijo da vitória.
Mesmo tendo ficado totalmente vermelha na hora, Max não pareceu se importar, principalmente por nunca ter questionado quando os beijos no rosto se tornaram mais constantes, virando um tipo de tradição. Sempre presentes em pedidos de desculpa, momentos de tristeza, euforia, felicidade e depois em ocasiões triviais como despedidas, desejos de boa noite, bom dia e cumprimentos em geral.
E, ao contrário do que Chloe pensou, os beijos no rosto não aplacaram o desejo de seus lábios pelos de Max, apenas o tornaram ainda maior.
- Che, no que você está pensando?
Sobre o quanto quero beijar você.
- Beijos.
Ótimo, Chloe! Bem sutil. Você não poderia inventar nenhuma desculpa, né?
- Hum... Você está interessada em algum garoto da escola?
- Não, Max, nada a ver.
- Se você não está interessada em ninguém, então eu não tô entendendo nada.
Não foi bem isso que eu disse, mas estou aliviada que você tenha interpretado dessa forma.
- É que não temos nenhuma experiência nisso.
- Essa parte é meio óbvia, mas e daí?
- Bem, quando você for beijar algum garoto, vai querer ter alguma experiência pra não fazer feio.
- Não estou pensando em beijar nenhum garoto num futuro próximo, Che.
Aquela resposta tornaria ainda mais esquisito o que Chloe estava prestes a dizer, mas ela se sentiu bastante satisfeita porque, só a imagem mental de Max beijando algum garoto, já fazia seu sangue borbulhar, sentir calafrios pelo corpo e vontade de bater no desgraçado, mesmo que ele nem sequer existisse.
Qual o meu problema?
- Mas um dia vai acontecer e precisamos estar preparadas. - Max ficou em silêncio, imaginando que aquela frase teria um complemento. E ele demorou, mas veio. - A gente deveria treinar.
- Você diz tipo beijar o espelho ou algo assim? Porque acho que não deve ser nada parecido e vai ser...
- Não... Quero dizer uma com a outra.
Chloe terminou de falar e sentiu seu coração, que antes já estava acelerado, bater ainda mais rápido contra seu peito e agradeceu internamente por já estar anoitecendo e o forte de travesseiros e lençóis que haviam construído em seu quarto tornar ainda mais difícil para Max, que estava deitada ao seu lado, ver seu rosto na penumbra. Chloe permanecia na mesma posição, deitada olhando para o teto, enquanto movia um dedo contra o outro nervosamente, aguardando a reação da amiga e ainda sem acreditar que teve coragem de propor aquilo.
Enquanto o silêncio pairava no quarto, Chloe não conseguia parar de pensar se Max iria rir de sua cara pela proposta esquisita, passar a sentir nojo e evitá-la ou simplesmente sair correndo porta afora assustada e nunca mais falar com ela. Ela torcia muito pela primeira opção.
O que Chloe não sabia era que Max também pensava sobre ela, sobre o quanto seus cabelos loiros e ondulados brilhavam na luz do sol e quantas belas fotos dariam as ocasiões em que ela corria quando brincavam na rua, ou como não conseguia encontrar um sorriso tão bonito quanto o dela mesmo que procurasse em cada uma das pessoas da cidade. Como seus olhos eram de um azul tão claro, que na luz do dia lembravam lagos congelados no inverno, como ela poderia gastar um filme inteiro de sua câmera tirando diferentes fotos dela, todas igualmente incríveis, mas só tirava duas ou três, aparecendo em pelo menos uma, para que aquilo não soasse tão suspeito.
Houve uma época em que Max passou a procurar o tom de rosa dos lábios de Chloe insistentemente pela cidade, tirando fotos sempre na mesma gama cromática, mas nunca encontrando a tonalidade exata. Quando reparou no padrão das novas fotos da amiga, a garota mais velha começou a brincar, chamando-a de Maxcasso, lembrando de alguma aula que teve sobre pintura e a fase em que um cara chamado Picasso usava predominantemente a cor azul em seus quadros.
Um dia Max propôs fazer um desenho de Chloe só para poder ter uma desculpa para olhar cada detalhe de seu rosto sem que a amiga percebesse suas intenções, já que ela tinha cada vez mais receio de que a garota mais velha notasse quando ela passava mais tempo que o normal a encarando. E ela a olhava muitas vezes, mas nunca mais do que 3 segundos. Mas Max nunca suspeitou quando Chloe propôs que elas se desenhassem ao mesmo tempo com a justificativa de que depois pudessem comparar os resultados.
Chloe não fazia ideia, mas a vontade que Max passou a sentir de beijá-la começou quase no mesmo período que a sua, se tornando quase insuportável quando a garota loira beijou seu rosto pela primeira vez e piorando quando ela tornou isso um fato recorrente, aumentando a frequência com o passar do tempo.
Ela adorava sentir os lábios da garota mais alta em contato com sua pele, sempre aguardando o momento em que Chloe faria aquilo de novo, porque ela sempre fazia, quase religiosamente, mas Max sabia que poderia senti-los ainda melhor se, em vez de tocarem seu rosto, estivessem em contato com os seus próprios lábios. Só que aquele pensamento a assustava demais e a fazia se sentir ainda mais estranha que o normal.
Por não saber de nada daquilo, a reação de Chloe ao ouvir um "ok" em resposta à sua proposta foi de absoluta perplexidade. Ela inclusive piscou os olhos várias vezes para ter certeza de que não estava sonhando, de que não tinha dormido enquanto esperava Max selar seu destino. Mas não. Ela tinha ouvido aquilo mesmo, o que foi confirmado pela frase que a veio a seguir.
- Você quer fazer isso agora?
Eu quero isso há meses, mas agora está bom.
- Se estiver tudo bem pra você... - ela finalmente falou, criando coragem para olhar para Max, o que só fazia sua ansiedade aumentar mais ainda.
- Está - Max devolveu com um sorriso nervoso, se levantando e sentando com as pernas cruzadas de frente para Chloe. Esta não demorou para fazer o mesmo e as duas ficaram em silêncio se encarando por um bom tempo, como se aquele momento fosse surreal demais para ser interrompido por palavras.
Depois de alguns minutos, foi Max a responsável por retomar o diálogo.
- E então? Nós fechamos os olhos e vamos uma em direção à outra ao mesmo tempo? Quer dizer, não sei se daria certo, acho que poderíamos bater a cabeça.
Chloe riu porque era o que provavelmente aconteceria, se fizessem daquela forma, mas ela já tinha em mente como fazer, pois havia sonhado com aquele momento por muito tempo.
- Você fecha os olhos e eu vou em sua direção.
- Por que você decide? - Max questionou erguendo uma das sobrancelhas.
Porque eu quero olhar seu rosto antes de fechar meus olhos e te beijar.
- Porque eu sou mais alta.
Chloe falou como se aquela fosse uma justificativa extremamente plausível e Max concordou porque estava nervosa demais para se dispor a tomar a iniciativa. Então ela fechou os olhos e respirou fundo, tentando não prestar muita atenção às batidas aceleradas de seu coração e esperando não desmaiar antes do momento derradeiro.
Uma mão esquerda fria e suada segurou a sua direita igualmente fria e suada e uma voz a trouxe de volta de seus pensamentos.
- Você tá pronta?
- Es-tou.
Ela respondeu sem ter certeza se realmente estava, mas desejando aquilo mais que qualquer coisa no mundo, por mais nervosa que estivesse.
Chloe se aproximou lentamente, usando o tempo a seu dispor para analisar cada centímetro do rosto de Max, tentando decorar suas feições como fórmulas matemáticas. E ela se esforçou para não se perder naquele momento, tentando não pensar na respiração da garota de cabelo castanho tão próxima de seu rosto, finalmente fechando seus próprios olhos e extinguindo totalmente o espaço entre elas até tocar os lábios de Max com os seus.
1 segundo: Os lábios das duas se tocam; 2 segundos: eles se movem levemente; 3 segundos: eles pairam etéreos como plumas no ar; 4 segundos: eles pressionam um ao outro com mais firmeza; 5 segundos: eles queimam como fogo e se partem. Então elas se afastam com os olhos semicerrados, tocando a própria boca como se não acreditassem no que acabara de acontecer. Havia tanto sentimento naquele simples beijo, que as garotas temeram que uma pudesse ler as emoções escondidas da outra através daquela conexão. Foram apenas 5 segundos, mas segundos que mudariam a forma como se viam para sempre, segundos com os quais ambas sonhariam por muito tempo e que transformariam suas vidas.
Já de olhos abertos, mas ainda de mãos dadas, as duas garotas se olhavam como se estivessem em transe, sem ao menos conseguir formar palavras para comentar aquele momento. Dessa vez foi Chloe a tomar a iniciativa.
- Foi bom, né? - ela perguntou ainda eufórica, mas ao mesmo tempo insegura sobre a opinião da amiga
- Foi. - Max confessou com um sorriso tímido e o rosto bastante vermelho, fazendo Chloe deixar escapar um suspiro de alívio.
Elas então voltaram a deitar no chão lado a lado, olhando o teto em silêncio, apenas relembrando tudo, até o mundo externo as trazer de volta ao quarto.
- Meninas, está na hora do jantar. Desçam logo antes que a comida esfrie.
Ela se levantaram rapidamente e correram escada abaixo, se sentando lado a lado e, com quase nenhum apetite, acabaram comendo pouco, embora Joyce tivesse feito a refeição favorita delas.
A comida quase intocada e o silêncio das duas assustaram os pais de Chloe, mas esta assegurou que tudo estava bem, que elas não tinham brigado, nem comido nada estragado ou roubado vinho outra vez para experimentarem escondidas.
William pareceu satisfeito com as palavras de sua filha, pois logo deixou as duas subirem de volta para o quarto, apenas as advertindo a dormir cedo, já que teriam aula na manhã seguinte.
Então elas subiram, colocaram o pijama e se deitaram na cama lado a lado, ainda no mais absoluto silêncio. Chloe já estava segura de que passaria outra noite sem dormir, agora pensando nas consequências do que tinha feito e em como aquilo provavelmente tinha ferrado a amizade delas, quando Max finalmente falou, atrapalhando seu interminável monólogo interno.
- Che?
- O que foi, Maxaroni?
- Nós vamos fazer isso de novo? Digo... treinar beijos?
Chloe não esperava aquilo. Na verdade ela não esperava nada do que aconteceu naquele dia. Ela tinha certeza que acordaria a qualquer momento com o despertador tocando, mas não era o caso. De repente ela estava se achando sortuda demais e resolveu aproveitar o momento, já que talvez nunca se repetiria.
- Claro, afinal todo treino exige prática. - ela pensou um pouco e resolveu acrescentar - mas só se você quiser.
- Eu quero. - Max respondeu quase imediatamente.
Chloe abriu um sorriso maior do que deveria e estava grata novamente pela penumbra do quarto ajudar a disfarçá-lo.
- Nós podemos fazer amanhã de novo depois da aula. - Max apenas olhou para o lado onde Chloe estava e balançou a cabeça afirmativamente.
Chloe não pôde mais conter o sorriso, nem a vontade que a impulsionou a fazer o que fez a seguir, se virando de lado e beijando Max no rosto antes de lhe desejar boa noite. Mas a surpresa maior veio em seguida, quando apenas alguns segundos após seu boa noite, Max se inclinou em sua direção, beijando seu rosto e desejando seu próprio boa noite. Era a primeira vez que ela tinha devolvido o beijo e Chloe mal podia acreditar.
Definitivamente é um sonho.
Ela apenas fechou os olhos, fingindo dormir, assim como Max fazia do seu lado. Então, como seu último teste de sorte da noite, esticou a mão procurando a de Max e a segurou. Depois ela sorriu consigo mesma porque Max nunca fez menção de soltá-la.
Definitivamente não é um sonho.
Elas permaneceram assim, imóveis e de olhos fechados até finalmente pegarem no sono horas depois.
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