Assim que toda a quimioterapia tinha acabado, a médica de Hermione retornara para a sala um pouco hesitante.
Para a sua surpresa, encontrou a paciente e o amigo abraçados no sofá, enquanto dormiam um sono calmo. Inconscientemente sorriu, mesmo sabendo que um futuro sem certezas para um possível envolvimento deles seria um caso a se pensar. Mas Hermione já tinha passado por tantas coisas - provações colocadas a vista do quanto conseguia suportar -, que a garota merecia sentir o que era aquele sentimento.
Talvez por causa da demora, Dra. Maria sentiu a presença de outra pessoa e se virou para ver a expressão no rosto de Mônica. O choque, aos poucos, foi dando espaço para um sorriso e um suspiro.
- Isso é ruim? - a Granger perguntou.
A oncologista negou com a cabeça, colocando as mãos nos bolsos do jaleco.
- Não totalmente - esclareceu. - A situação de Hermione é um pouco delicada. Mas nada que um grande amor não venha a dá uma ajudinha.
- Um grande amor? - repetiu Mônica descrente. - Hermione só tem dezessete anos!
- O verdadeiro amor nasce em tempos difíceis.
Piscando um pouco pelo peso das palavras, Mônica ajudou ela a acordar os outros dois. Como previsto, Hermione abriu os olhos lentamente e nem sentiu quando sua médica tirou a agulha de seu braço e colocar ali um pedaço de algodão para estancar o sangramento. Foi preciso mais uma bolinha do algodão para que o sangue parasse de sair e a morena permaneceu sentada, com a cabeça no ombro de Rony. Sua respiração estava fraca e ela tinha os olhos fechados.
- Está sentindo alguma coisa? - Dra. Maria perguntou próximo a ela. - Tontura, enjoo, dores?
- Parece que meu estômago está dando uma festa - respondeu, a voz fraca.
Rony escutava atentamente e um sentimento ruim, de não poder fazer nada que deixasse Hermione mais confortável, lhe cometeu.
- Sabe que isso é normal. Mesmo assim eu sugiro que coma alguma coisa. Nada pesado - a médica olhava para a mãe da garota.
- Adianta alguma coisa eu dizer que não estou com fome? - Hermione perguntou a médica.
- Não.
- Mas eu que sou a doente - argumentou outra vez. - Isso não vale nada?
- E eu sou sua oncologista a mais de cinco anos - a mulher retrucou. - Vai querer mesmo estrar em uma discussão por que não quer comer?
A cor quase chegou nas bochechas amarelas de Hermione e a garota desistiu, cruzando os braços de cara emburrada. Sua tentativa de fugir do jantar tinha sido falha e não seria responsabilizada se acabasse vomitando como a da última vez. Os efeitos colaterais eram horríveis nela e as vezes não consegui suportar a fadiga ou as dores, sem mencionar os constantes sangramentos do nariz e gengiva, que a deixavam paranoica na escola ao ficar checando se não estava vazando sangue por outra parte de seu corpo podre.
Pedia, em todas as vezes que a Dra. Maria entrava em sua casa, que a quimioterapia lhe curasse. Não queria mesmo voltar para uma cama de hospital, retornar a ser medicada e ficar com cara de idiota por causa dos remédios. Não queria voltar a ver as pessoas que gostava apenas por meia hora e esperá-las no dia seguinte; sem saber ao certo se suportaria mais um dia. Se fosse para ficar doente até morrer, o melhor era isolar-se, permanecer sozinha, esperando o alívio que a morte lhe proporcionaria quando as coisas estivessem complicadas o bastante - sem sequer ver um tipo de rota de fuga.
Já estava em seu limite.
- Fica para o jantar, Rony? - escutou sua mãe perguntar. Hermione notou que a Dra. Maria não estava ali e ouviu o motor baixo do carro dela fazer barulho do lado de fora. É, hoje ela não jantaria com eles.
- Se não for incomodo.
A mãe de Hermione sorriu e o pediu que ficasse fazendo companhia a filha. Rony cruzou os braços e os dois ficaram em silêncio - escutando vez ou outra uma cigarra cantar fora da casa e o tilintar de pratos e talheres na cozinha. O ruivo esperou. Alguma palavra birrenta, ou um pedido de que ele fosse embora. Qualquer ação seria melhor que aquele silêncio perturbador.
- Tenho certeza que agora está pensando em se afastar - Hermione enfim murmurou. Ela estava encolhida no sofá, abraçando as pernas e olhava para um ponto distante. - Vou entender se quiser isso. As pessoas costumam fazer isso depois de um tempo.
Rony não falou nada, avaliando o caso e querendo que a amiga olhasse para ele.
- Elas não aguentam, sabe - a morena continuou. - Isso vai ficar cada vez mais pior e não vai querer vir me visitar e eu está vomitando as tripas.
Ah, o ruivo pensou. Então Hermione só queria afasta as pessoas logo, apenas para poupá-las. Mas naquele momento o que ela mais precisava era de gente do seu lado e a incentivando para melhorar logo. Não estava conseguindo se concentrar com Hermione olhando para outro lugar.
- Hermione, olha para mim - pediu baixinho e depois de uma curta luta da garota decidido se fazia aquilo, Rony fitou os olhos castanhos da amiga, cheios de medo. - Não importa o que diga. Mesmo se você pedir para eu ir embora, eu vou dá um jeito de voltar e encarar isso junto com você, porque é isso que amigos fazem: ficam juntos até nas horas ruins.
Hermione colocou a culpa de está chorando na quimioterapia e sorriu. Com dificuldade, se levantou e abraçou o amigo.
- Cadê aquela versão babaca de Rony Weasley? - murmurou.
- Acho que ela morreu assim que conheci uma irritante - murmurou de volta e ambos riram. O ruivo balançou a cabeça, ainda com os braços ao redor da cintura da garota. Restava uma dúvida.
- Porque demorou tanto? - disparou. - Faz semanas que você aguenta isso sozinha.
Ela foi se soltando devagar e com um suspiro, retornou a sentar, agora na beirada do sofá. Se falasse o motivo, com certeza Rony riria ou ficaria furioso com ela. Mas não podia fugir do olhar acusador dele, que não desviava nem um segundo e suas orbes azuis eram convidativas demais.
- Não queria que ninguém sentisse pena de mim.
- Inclusive eu? - Rony elevou a voz.
- Especialmente você! - ela falou devagar, deixando o ruivo chocado. - Não é fácil ver os olhares de pena quando tenho que fazer exames no hospital e meus pais me levam para a área de oncologia!
- E também não é fácil ir para todos os lugares com as pessoas me encarando!
- O que quer dizer? - Hermione perguntou ficando furiosa. - Não pense que sua tetraplegia é pior que minha Leucemia! É totalmente diferente!
- Pelo menos eu não invento de querer afastar as pessoas - retrucou Rony. - Essa sua mania de querer ser sempre a que tem razão só a fez suportar o pior da sua doença sozinha! Não deveria ter ficado se lamuriando quando poderia me ter do seu lado!
- Não preciso da sua compaixão! - a morena gritou. - Nem da sua companhia e muito menos dos seus sermões idiotas!
A briga parou quando o celular do garoto tocou e ainda de face vermelha, ele o pegou, dirigindo-se até a porta da casa.
Hermione o acompanhou com os olhos e não conseguiu se mover quando escutou a porta batendo com força. Olhou pela janela e viu o ruivo falando ao celular, enquanto cutucava nos botões de sua cadeira. Quando seus pais voltaram da cozinha, a morena apenas apontou pela janela. Continuou calada quando sua mãe perguntou o que tinha ocorrido e naquele momento que estava sobre os olhos curiosos dos dois, só queria ter força e fôlego o suficiente para subir as escadas e se trancar no quarto como uma adolescente qualquer.
Infelizmente como não era e observando a altura da escada, concordou que o melhor era ir jantar.
Sem frituras, sem muito sal, comida totalmente orgânica, era o que a esperava na mesa. Sua mãe fazia um belo trabalho nas refeições, mas nem todo o tempero do mundo deixava aquela sopa apenas de legumes gostosa. Enquanto Mônica e Wendel comiam batatas cozidas no vapor com um generoso pedaço de lasanha feita com beterraba, a garota enfiava pela boca uma colherada de cada vez da sopa.
- Vou para o meu quarto.
- Querida...
- Eu consigo ir sozinha - interrompeu o pai e afastou a cadeira, arrastando os pés até a escada.
Caminhava pelo corredor até seu quarto quando se deu conta que a briga que tivera com Rony tinha sido totalmente idiota. Eram tão propensos a discutirem que a amizade deles sem aquilo é que ficava estranho. Caminhou mais rápido, mas sentiu um dos pés enrolar no outro, fazendo-a tombar a cabeça na parede sem chances de se segurar.
Segundos depois da queda, tentou se levantar, mas suas pernas não queriam obedecer; pareciam gelatina e franziu a testa para elas.
Algumas gotas de sangue pingaram em suas mãos espalmadas no chão. Checou os braços e a boca para ver de onde vinha o sangramento, mas quando uma pontada lhe assustou na cabeça, levou a mão até lá. O sangue escorria logo acima do canto de sua testa, encharcando o lado direito do rosto dela e sujando seus cabelos. Encarou as mãos encharcadas de sangue até que a inconsciência a fez desmaiar.
***
Hermione não apareceu na escola.
Na entrada e quando ficou esperando na porta da sala onde seria a primeira aula dela, Rony sentiu o estômago embrulhar quando o sino tocou e a morena não aparecera. Será que ela estava com raiva? Magoada? Ora essa, ela é que disse que não queria a pena dele. Mas ele não tinha pena dela, apenas não entendia o porque dela esconder sua doença por tantas semanas.
As horas foram passando e não conseguia ouvir o que os professores diziam. A preocupação crescia cada vez mais, tirando o pequeno espaço que a esperança de Hermione chegar na escola sumir.
Até o intervalo.
Enquanto escutava seus amigos conversarem no caminho para o refeitório, pelo o corredor que dava para a sala do diretor, avistou o pai da amiga. O que ele estava fazendo ali ainda não sabia, mas iria descobrir quando moveu sua cadeira contra os alunos que caminhavam em uma só direção.
- ...pedimos apenas um pouco de compreensão - falava o Sr. Granger ao lado do diretor. - Foi repentino e não tivemos um meio mais rápido para avisá-los.
- Avisar o quê, Sr. Granger? - exigiu Rony. Os outros dois homens o olharam e o ruivo viu as olheiras nos olhos castanho do pai de Hermione. - Por que a Hermione não veio a aula hoje?
- Houve uma emergência e Hermione está no hospital agora.
- Hospital? - guinchou o garoto. - Mas por que? Ela passou mal? Hermione estava bem quando fui embora ontem a noite...
- Vai devagar, Rony, Hermione está bem - Wendel aquietou o garoto e pediu com o olhar para ficar a sós com ele para o diretor.
- Mas o senhor disse que ela está no hospital.
- Minha filha sofreu um acidente em casa - o homem esclareceu, a voz baixa e cansada. - Não tem nada haver com a Leucemia, mas terão que fazer alguns exames nela. Por isso eu vir aqui.
Acidente? Mas que tipo de acidente? Queria vê-la para ter certeza que estaria realmente bem e foi quase que implorando que pediu ao pai da garota para ir visitá-la.
- Pode ir assim que a aula acabar. Hermione está internada no hospital do centro.
É claro que a ida dele ocorreu depois de alguns berros de Luna e Gina, que piraram quando souberam que a amiga estava hospitalizada. O carro de Molly ficou apertado para cinco pessoas e foi com alívio que chegaram ao hospital. Outra preocupação se juntou a Rony: e se Gina e Harry desconfiassem de algo quando se vissem na área da oncologia? Passando pelos corredores até o elevador, buscou com os olhos alguma placa que indicasse onde iam e puxava assunto com eles quando notava uma.
Hermione já estava brava o suficiente com ele e o ruivo achava que ela mesma que deveria contar a eles.
- Qual é mesmo o número do quarto, Rony? - perguntou Gina, olhando para as portas. - Ronald!
- Hm? Ah, é doze - respondeu.
- Então é essa - Gina sorriu e teve a mão parada no caminho da maçaneta pelo namorado.
- Estamos em um hospital, certo? - olhou sério para a ruiva e para Luna. - Portanto não gritem e nem berrem.
- Saia da frente, quatro olhos, quero ver minha amiga.
Foi totalmente inútil o aviso de Harry e quando Gina abriu a porta, ela e a loira berraram, sacudindo as mãos e correndo para Hermione. A morena estava sentada na cama com uma camisola azul hospitalar e uma faixa circulando sua testa. Olhava pela enorme janela do quarto quando foi surpreendida pelas duas amigas.
- Se vou receber toda essa atenção, então vou me acidentar mais vezes - brincou a garota.
- Não vai não - retrucou Rony e eles se entreolharam. Os outros ficaram em silêncio e Harry fez um gesto com as mãos em uma ação de um revolver atirando para a própria cabeça e Nevile riu. As outras duas estavam distraídas, mexendo nas gavetas do pequeno guarda-roupa do quarto.
- Desculpe - Rony e Hermione disseram juntos e riam.
- Não deveria ter dito aquilo.
- A quimioterapia me deixa maluca - adicionou a morena. - Brigamos a toa.
- Sei, sei, vocês brigaram e blá-blá-blá - Nevile reclamou. - Agora você pode dizer o porque de está nesse hospital?
- Eu cai - respondeu e o moreno arqueou uma sobrancelha. - Foi isso mesmo, viu? Estava indo para o meu quarto e acabei tropeçando. Bati com a cabeça na parece e de repente, PÁ! Minha cabeça estava sangrando e meus pais me trouxeram para o hospital.
Luna a olhava assutada.
- Foi isso mesmo? Jura, juradinho?
- De pé junto - Hermione fez esforço e fez as pernas se juntarem por baixo do lençol.
Eles pareceram acreditar e começaram a dizer as coisas que tinham acontecido na escola, falando das matérias, deveres de casa e sobre o intervalo. Rony permaneceu parado - perto da porta -, e ficou a olhar a garota rir das piadas de Nevile. Ela o olhou e estendeu uma mão.
A mão dela estava tão branca e com cuidado, a segurou, entrelaçando os dedos com os dela e entrou na conversa.
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