Renascimento
II
Amy e Rory tropeçam, metafóricamente falando obviamente, num cadáver carente de qualquer líquido vital, elemento tão precioso para todos os seres vivos. A ruiva, agacha-se e move os longos cabelos loiros da falecida, vendo um ferimento extremamente peculiar.
― Vampiros! ― exclamou Amy aos saltinhos. ― Vampiros, Rory… Vampiros… Vampiros de verdade…
― A sério, Amy? Vampiros? Em Veneza? Quase parece o título de algum filme barato: “Vampiros em Veneza” ou “Os Vampiros de Veneza”! Algo do estilo…
A ruiva ignorou o sarcasmo do marido, tal era a sua emoção. A jovem vibrava com a simples possibilidade de comprovar por si mesma se existiam ou não, de facto, vampiros.
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O Doctor caminhava pelas ruas, evitando os encontrões das pessoas atarefadas, rumando até ao Palazzo Ducale, residência de Nicolò da Ponte, Doge de Veneza. Ao chegar, apresentou-se como um enviado da Autoridade Papal. Foi tiro e queda, crentes católicos, os mais fáceis de contentar! Não são tão desconfiados…
O Doge perdera o seu filho Antonio, que falecera a escassa idade e a sua filha Paolina estava comprometida com um nobre estrangeiro, deixando-o sem herdeiros aparentes, motivo pelo qual nomeou o seu sobrinho, também Nicolò como seu único e legítimo herdeiro. E era este que o Doctor pretendia encontrar naquele palácio, a versão veneziana medieval de Ianto Jones.
O Décimo Primeiro Doutor logo pôde confirmar, com os seus próprios olhos, a semelhança entre Ianto e Nicolò, quando este último entrou no escritório do seu tio ancião. Dizer que eram parecidos, seria amenizar os factos… Eram cópias, nem uma única diferença, tirando o comprimento do cabelo, que era ligeiramente mais comprido, mas nada por aí além.
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Rory ainda se lamentava de não ter alcançado a convencer Amy a mudar de ideias. Agora ali estavam eles, a investigar um caso sobrenatural ou alienígena, fosse lá o que fosse, sem o Doctor e a desperdiçar a sua preciosa Lua de Mel, que tanto ansiavam. O argumento de Amy, fora que se lidassem com aquilo sem o Doctor, ainda poderia ser considerado uma Lua de Mel, pois ainda seriam apenas eles os dois, sem o Time Lord para os atrapalhar.
O homem suspirou ao ver a suposta irmã afastar-se com as estranhas, mas belíssimas mulheres da Academia Feminina, fundada por Rosanna Calvierri, onde tudo se parecia conectar. Afinal, todos os caminhos levam a Roma ou à fundação educacional, neste caso em particular.
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Nicolò guiava o Doctor pelas ruas abarrotadas da bela cidade, orientando-o na sua “vistoria”, “ordenada” por Sua Eminência, o Papa Gregorio XIII. Conforme o diálogo fluía, o Time Lord constatou que o jovem veneziano não tinha ligação aparente a Ianto Jones. Não reconhecia os nomes Jack Harkness, Toshiko Sato ou sequer a palavra Torchwood, o que riscava a hipótese de ter viajado no tempo, pelo que não era o Ianto que conhecera no Hub. Ainda assim, a semelhança era avassaladora e de certo modo até mesmo perturbadora. Os gestos eram os mesmos, a forma como caminhava, como falava, como sorria…
Por um momento, o Time Lord tinha pensado que era pura e simples coincidência, mas Nicolò não era o primeiro doppelganger de Ianto Jones com o qual se cruzara. Sempre o mesmo rosto, com os mesmos tiques e voz, mas sem memória alguma da vida do Tea Boy. A razão pela qual estas versões se espalhavam pelo Universo e mais além, era ainda um mistério por solucionar e o Doctor estava mais do que disposto a investigar aquele evento único.
O Doctor foi arrancado dos seus pensamentos ao ver os seus companheiros correrem rua acima, empurrando quem se interpusesse entre eles e o seu objetivo. Mais atrás, o homem pôde finalmente vislumbrar o motivo da fuga repentina dos recém-casados. Um grupo de mulheres de afiados caninos, portando longos vestidos manchados de sangue, perseguia-os num furor homicida.
Esquecendo-se momentaneamente de que estava acompanhado, o Doctor empreendeu uma corrida a par do casal em direção ao canal.
― Então? Como está a “correr”… a Lua de Mel? ― perguntou o Doctor, cujos os brilhantes e volumosos cabelos eram vítimas das brincadeiras travessas do vento, recorrendo a um engenhoso trocadilho.
― Muito bem, Doctor! Fenomenal, na verdade! ― respondeu Rory com sarcasmo ― Aliás, acho que melhor é impossível!
― Vampiros, Doctor! Vampiros de verdade… Ah! ― gritou de alegria a ruiva ― Isto é demais…
― Amy querida, podes fazer a festa quando estivermos a salvo e com o sangue todo nos nossos corpos…
― Lamento estragar as tuas ilusões, Amy… Não são vampiros, são aliens…
― Aha! Eu sabia, os vampiros são aliens! ― exclamou Amy vitoriosa, olhando para o esposo.
― Não Amy! É uma ilusão, aquela não é verdadeira aparência delas…
O grupo parou ao ver que haviam ficado sem saída, vampiresas assassinas sedentas de sangue de um lado e água do outro.
― Poderíamos nadar!
― Má ideia, Rory! Na água estão os machos ou melhor dizendo os futuros maridos delas. ― O Doctor apontou para as mulheres de vestidos brancos manchados de carmesim.
― O que é que elas são exatamente?
― O meu melhor palpite… saturnyns!
― Baseado em quê? ― perguntou Amy virada de frente para o Doctor, sem querer dar o braço a torcer ― São vampiros, Doctor! Não entendo porque não queres admitir que existem. Estão mesmo à tua frente!
― Fiz o meu palpite baseado nela! ― Apontou para o espécime alienígena aquático, que desativara o seu filtro de perceção, atrás da ruiva. ― A Rainha Saturnynian! Se a minha teoria estiver correta, as fêmeas não sobreviveram à viagem e estiveste a converter mulheres humanas em Sisters Of The Water para que desposem os teus filhos, estou correto Sua Majestade? ― interrogou o Doctor, realizando uma vénia cerimonial, como gesto de respeito pelo título real da fêmea alienígena.
― Correto! Os meus filhos estão sozinhos há muito tempo, precisam de companhia…
― Mas nem todas as mulheres da cidade serão número suficiente para arranjar uma esposa para cada um deles, não é mesmo? Como tal, peço que pares. Essas raparigas já não possuem um lugar entre os humanos e serão bem-vindas entre os teus filhos, mas deixa as mulheres deste planeta em paz.
― Não! Os meus filhos terão as suas merecidas noivas, incluindo essa ruiva que fugiu da conversão.
― Em minha defesa, pelo que estou prestes a fazer… Eu tentei recorrer primeiramente à diplomacia!
O Doctor levantou o braço, revelando a chave de fendas sónica e confundiu o filtro de perceção da Rainha, prendendo-a na forma humana de Rosanna Calvierri.
― Que farás agora, Sua Santidade? Se ficares nessa forma por muito tempo, os teus filhos poderão pensar que és comida.
― Comida? ― exclamou Amy alarmada.
― Essa foi a razão pela qual disse que não era boa ideia atravessar o canal a nado. Os saturnyns são uma espécie aquática carnívora, para eles nós somos comida, assim como Sua Majestade. Já decidiu o que fazer?
― Não posso negar esposas aos meus filhos! Esperaram por muito tempo…
― Mas se morreres, levarás contigo todos os teus dez mil filhos ― O casal olhou estonteado. ― Ah! Tinha-me esquecido de mencionar esse pequeníssimo pormenor? ― Os Pond assentiram lentamente com a cabeça, incapazes de pronunciar uma única palavra.
― Não temos para onde ir. O nosso planeta natal está perdido.
― Perdido? Como assim perdido? Gallifrey também está perdido, por muito tempo pensei que o meu mundo tinha sido destruído. Mas se está perdido e não destruído, podemos voltar a encontrar os nossos lares, juntos!
― Gallifrey dizes… És um Time Lord! É culpa da tua raça que nós, saturnyns e tantas outras raças ao longo do Universo tenhamos perdido os nossos mundos, porque deveria acreditar em ti? Se o nosso destino jaz nas tuas mãos, estamos melhor mortos! ― A Rainha saltou para o canal sendo consumida pelos seus próprios filhos, marcando a extinção de mais uma raça alienígena, da qual o Doctor sempre se culparia.
― Não! ― gritou o Doctor em agonia ― Porque fizeste isso? Porque não confiaste em mim? Desde quando as palavras “Time Lords” equivalem a uma sentença de morte? O que é que fizemos meus irmãos? ― O alien com fantástico cabelo caiu de joelhos, ponderando se as suas boas ações alguma vez contrastariam as horrendas decisões dos seus contemporâneos.
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