Quase não consigo responder. Começo a suar e dou um passo para trás, colando meu corpo na estante. Olho para ele, sua feição está tão carregada quanto o normal. Fico sem saber se devo ter ou não medo.
— Você namora aquele cara? — Indaga impassível.
— Não. — Respondo veemente.
— Mas ele te beijou. — Dessa vez, não falo nada, espero ver onde ele quer chegar. — Não gosto dele. — Seus olhos parecem tão sérios, que é impossível não rir.
— Desculpe — digo quando consigo conter o riso — e o que você espera que eu faça? Afaste-me dele, porque você não gosta? — Não consigo me manter sério e torno a rir.
— Nada, não sei nem o porquê vim aqui e te disse isso. Só... vim, já que falei, vou indo. — Ele começa a se virar para ir, mas seguro sua mão. Ele olha para meu aperto, e a solto rápido.
— Desculpe. Não acho que você iria vir aqui só para falar do Christian. — Ele parece considerar o que falo.
— Está certo, minha namorada me traiu, eu os peguei no flagra, quando perguntei o que era aquilo, ela disse "é o fim do nosso namoro". — Conta baixo, para que ninguém escute.
— Vadia! Espere, "os peguei"?
— Sim, ela e meu melhor amigo.
— Cacete, não tem sorte né. — Aproximo-me dele e o abraço forte, no começo ele não retribui, porém quando começo a soltar, ele me aperta contra si, encaixa seu rosto entre meu pescoço e ombro e continua com o abraço firme, quente e repleto de seu cheiro. Sinto-me vazio quando ele se afasta desconcertado.
— Desculpa, não deveria ter feito isso.
“Concordo, por que se afastou?!” Penso sorrindo de leve.
— Relaxa, você está triste com isso, eu entendo — deixo as palavras no ar por alguns instantes antes de falar novamente — sabe, se quiser conversar, fazer algo para se distrair ou qualquer coisa do gênero, pode me chamar. — Rabisco meu número na borda de uma folha, corto com os dedos e lhe entrego.
Ele guarda o papel no bolso, murmura uma resposta monossilábica e se vai, deixando-me sozinho com dezenas de livros e uma sensação inexplicável.
Os minutos correm enquanto eu trabalho, surpreendo-me diversas vezes à procura do olhos verdes. Quando estou perto do balcão principal o busco com o olhar, ao me aproximar das mesas, assim como quando entro na ampla sala onde ficam os computadores, pelos corredores e até na pequena cafeteria. Não o encontro em lugar algum.
— Will... Will? Will! — Bianca me desperta de meus devaneios com um chacoalhar. — Está apaixonado? — Ela indaga bem-humorada.
— Que? Hã? Apaixonado... Eu? Por quê? — Digo atrapalhado e ela ri suave.
— Estava brincando, é que você está aéreo desde que voltou do almoço, aconteceu... alguma coisa? — Solta em tom sugestivo.
— Talvez, acho que sim. Vou te contar, acho que estou ferrado. — Ela se debruça sobre o balcão de madeira maciça, seu rosto transborda curiosidade. Começo baixo — hoje fui almoçar com o irmão do Lucas, aquele menino tímido do encontro da leitura, e com o próprio Lucas. Fomos ao MC e o tal irmão, Christian, não parou de soltar frases de duplo sentido, só que quando saímos, antes de eu voltar para a biblioteca ele me puxou e roubou um beijo... — Mal termino a frase e ela solta um gritinho.
— Você é gay! Que fofo! Ele beija bem? Você gosta dele? — Coloco minha mão em sua boca para cessar o fluxo de palavras.
— Quieta, não grita e ainda não terminei.
— Desculpa? — Diz ao tirar minha mão de sua boca.
— Então, ele me beijou e eu recuei. Só que quando o fiz, esbarrei em um cara que está sempre aqui na biblioteca, alto, forte, olhos verdes e cabelos pretos. — Ela abre a boca para falar, mas não lhe dou espaço. — Vim direto para cá e comecei a devolver os livros para as estantes, nisso, o olhos verdes apareceu do nada perguntando se o outro é meu namorado.
— Triângulo amoroso, que tudo! Conta, conta, e depois?
— Neguei e entre uma coisa e outra, ele contou que a namorada dele o traiu com o melhor amigo, e para piorar, ele pegou os dois juntos e ela terminou com ele. — Finalizei, esperando algum comentário dela.
— Que vagabunda! É aquela vitrola ambulante que anda atrás do moreno alto, um bem bonitão e gostoso, não é? — Confirmo com um movimento de cabeça. — Que desgraçada, tipo, o cara é todo quieto, mas cara, que rapariga, ainda por cima com o melhor amigo do cara, é muita sacanagem. Depois que ele disse, o que você fez?
— O abracei... no começo ele não fez nada, mas depois ele me abraçou forte, como se precisasse daquilo. Quando me soltou, pediu desculpa e foi embora. E eu fiquei...
Ela me olha com uma cara que é ao mesmo tempo esquisita e fofa, depois sorri e dá a volta no balcão para me abraçar.
— Ai que lindo Will, com um cara gato te querendo e você querendo um outro cara ainda mais gato, só que hétero. É quase poético, como se o próprio Shakespeare estivesse escrevendo sua história. Você está muito fodido.
— Eu sei, o que eu faço? — pergunto quase suplicando por uma resposta, por algo que me livre do peso da decisão. — Não quero magoar o Chris dando esperança a ele, mas não quero me machucar criando falsas esperanças com o mais alto.
— Siga o que seu coração lhe falar, não importa o que for, apenas seja honesto consigo e com os dois. Will, se você quiser o gato dos olhos verdes, você tem que fazer algo e estar preparado para aceitar que ele possa não querer nada do tipo com você.
— Você está certa, obrigado. Acho melhor eu ir trabalhar antes que o Marcos me veja parado aqui.
— É, vai lá.
A deixo trabalhando no balcão e vou fazer qualquer coisa, só para me manter ocupado e desocupar a mente por hora. Com a graça divina, o resto do expediente transcorre sem mais nenhum porém e realizo meu trabalho como sempre.
No trajeto para casa, lembro de que preciso reabastecer a dispensa de casa e paro no mercado para comprar o que quero, aproveito também para comprar um pote grande de sorvete de chocolate para ajudar a aliviar a alma. São sete e quarenta quando o táxi me deixa em frente da minha casa com as sacolas de comida. Entro, guardo tudo, troco de roupa, colocando uma bermuda velha e uma camiseta de manga longa. Vou para a cozinha e como se fosse sua deixa, Dylan aparece miando.
— Agora você aparece, não é seu interesseiro. Acho que vou ter de comprar um pouco de ração para você, não posso simplesmente te dar sardinhas toda vez que vier aqui e não vou cozinhar para você sendo que nem pra mim o faço direito. — Digo abrindo uma outra lata de sardinha para ele, também coloco água numa vasilha e a deixo perto para se caso ele tiver sede.
Levo o pote de sorvete para o sofá comigo e zapeio os canais até achar um que esteja passando um desenho qualquer. Afundo a colher so sorvete no mesmo instante que o celular toca repetidamente. Faço a senha revelando a tela inicial, duas mensagens. Uma é do Christian e a outra de um número desconhecido, abro primeiro a do narcisista.
[Narcisista Oportunista]: Noite, pq só seria boa c vc aki.
[Wil]: Boa noite.
Entro na agenda do celular e mudo, mais uma vez, o contato dele para Christian.
[Número Desconhecido]: Tá ocupado?
[Will]: Depende, quem é?
Chega outra mensagem do Christian.
[Christian]: Estava pensando no bjo, quando vai ser o prox?
[Will]: Não vai, somos somente amigos Christian. Não gosto de você desse jeito.
[Christian]: Ainda n gosta, mas vai. ;-)
Chega outra mensagem do número desconhecido.
[Will]: Ta.
Saio da conversa dele e entro na do número desconhecido.
[Número Desconhecido]: Sou eu, Gabriel, o corno da biblioteca.
[Will]: Você não tem culpa de que sua ex é uma vadia burra. Quem trocaria você por qualquer outro? Eu que não.
[Olhos Verdes]: Isso foi uma cantada???
[Will]: Só se você quiser.
[Will]: Brincadeira, foi só um modo de mostrar como ela foi idiota
[Olhos Verdes]: Eu gosto de você.
[Will]: Você está bem? Onde você está?
[Olhos Verdes]: Posso ir na sua casa?
[Olhos Verdes]: Disse que podia contar com você!
Coço a cabeça, desconfortável. Algo não está certo. Ainda assim, o respondo.
[Will]: Sim, eu disse. Vou te enviar o endereço.
Envio o endereço e ele para de me responder. Algo ainda está me incomodando, logo chega uma mensagem do Christian.
[Christian]: Está com alguém? Você está gostando de algum cara e por isso não me quer? Will, eu quero você.
[Will]: Não, Christian. Agora, boa noite.
Não sei o porquê de não falar a verdade para ele. Algo me impede e só consigo responder a primeira das duas perguntas. A última parte da mensagem, não sai da minha cabeça, sei que alguma merda vai acontecer.
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