História Lágrimas de São Pedro - Sol e Lua

Nas escrituras Hindus* vários objetos da natureza têm sido utilizados como símbolos para nos fazer compreender as realidades mais profundas da Vida Espiritual. O vasto oceano é um símbolo de Deus por parecer infinito. As ondas estão constantemente se elevando e desaparecendo; assim também, na infinita realidade que é o Criador, tudo neste universo aparece e desaparece. Do mesmo modo como o oceano é a fonte e o suporte para as ondas, O Senhor é o substrato. Tudo retorna para essa básica realidade. O oceano é, portanto, um símbolo adequado ao Criador.

Da mesma maneira, o Sol passou a simbolizar o conhecimento espiritual enquanto que a Lua passou a simbolizar a devoção. Quando Stela tinha quatro anos e Roberta dois, a mãe chamou-as de Sol e Lua. A senhora Joana Luz, devota a São Pedro, também é muito ligada à espiritualidade. 

Roberta é como o Sol, o mesmo oferece tanto calor que ocasionalmente provoca queimaduras como a luz que ilumina todas as coisas. A menina de cabelos louros é como o Sol que se levanta e as sombras da noite desaparecem, permitindo-os ver e agir. Com o alvorecer da Sabedoria Espiritual – ou seja, o conhecimento de Deus, a percepção de nossa verdadeira natureza e a compreensão deste universo. – nossa confusão desaparece. Sem este conhecimento vivemos na escuridão. Isto é muito enraizado no caráter da moça. Formada em diversos tipos de dança, incluindo a clássica, tem a corriqueira mania de ter fé na vida, nas pessoas. E como o sobrenome mesmo diz, a menina costuma levar luz a todos os lugares que se faz presente. É acolhedora por natureza. Sente prazer em cuidar e amar os demais. Contudo, é agressiva, assim como esquenta, pode queimar. Se traída, age como o fogo que traz queimaduras irreparáveis. 

Do mesmo modo que a estrela solar ilumina, Deus como a Luz de todas as coisas ilumina tudo – as estrelas, os céus distantes, este mundo, e nossos corpos, mentes e sentidos. Roberta que é carinhosamente chamada de Solzinho ilumina os passos daqueles que lhe pedem auxilio. 

Além de oferecer a luz, o sol também emite calor. Da mesma maneira como o intenso calor do sol queima tudo, o Conhecimento tem o poder de marcar com ferro rubro. O que ele queima? Nossos desejos nocivos, paixões e apegos errôneos, coisas que interferem em nosso progresso espiritual e material.

Em contraste ao sol do conhecimento, a lua é o símbolo da devoção, do amor de Deus. O calor da luz é essencial para a vida e a ação, mas também necessitamos da lua. O que a luz do luar faz por nós? Ela nos traz uma atmosfera de paz, de pureza e beleza; essas coisas também são necessárias na vida.

A devoção ao Criador nos traz a luz do luar  – ou seja, suavidade e amor. Stela é comparada a Lua. Dona Joana diz que o nascimento da menina de cabelos negros e pele clara é uma benção. A senhora Luz tivera um filho, este viveu apenas até os quinze anos. Foi morto num tiroteio em frente à Paróquia São Tiago em Inhaúma*. Dois anos após o ocorrido, engravidara uma vez e perdera nos primeiros meses. Por isso, vê a filha como pura bondade do Altíssimo. Sua menina é suave como a brisa da Primavera. É pura, bela e pacifista assim como o único satélite natural da Terra. Nascida no dia de São Pedro, um ato de amor do padroeiro da família. Apesar de sua personalidade plácida, consegue ser inconstante, poeticamente falando, como as fases da Lua.

[...]

Stela abre os olhos, vê a agulha na veia ligada ao soro. O clarão incomoda, ainda está demasiadamente tonta. Boceja, com muita dificuldade tenta levantar. Uma senhora bondosa sorri para ela.

– Como está se sentindo, querida?

– Dopada. – ri. – Onde está minha irmã?

– Então, você tem família! – um senhor com seus quarenta e poucos anos fala, sentado na cadeira no canto do quarto. – Quando trouxe você até aqui, me disse que estava sozinha no mundo. Será que agora pode me passar o número de algum familiar seu?

– C-claro. Você foi o homem que me pediu o isqueiro, certo?

– Certo! – se aproxima da moça. – Me chamo Richard, e para sua sorte trabalho aqui.

– Stela! – sorri. – Obrigada pelo que fez por mim.

[...]

– Sua irmã já está a caminho. – o médico diz sentando-se ao lado da moça. – Sei que não é da minha conta, mas no seu histórico hospitalar consta que toma medicações extremamente pesadas. Por quê?

– Depressão profunda, ansiedade e...

– Não estou falando das doenças ou dos diagnósticos. Falo sobre sua vida.

– Pode ser Karma, eu não sei! – ri. – A astrologia diz que é meu Inferno Astral. Alguns amigos do meu pai alegam ser falta de Deus. Tem gente diz que é castigo dos céus.

– E o médico diz que descanse! – levanta. – Vou receitar uma semana de repouso absoluto.

– Não garanto nada. – fita-o, sente um grande arrepio. – Tenho impressão que te conheço de algum lugar.

– Engraçado dizer isso, pois sinto o mesmo. Talvez, tenhamo-nos esbarrado em algum lugar. 

– Acho que é isso sim. – mente. – Mais uma vez, muito obrigada!

[...]

Roberta chega em quinze minutos, o médico dera ordens que Stela só fosse liberada acompanhada por um parente e/ou amigo. A loira chega sorridente, abraça a irmã, lhe enche de beijos.

– Como está se sentindo?

– Melhor. – sorri. – Eu deveria ter ficado em casa. Pode começar com o sermão!

– Se sermão ajudasse alguém... – ri. – Fica tranquila, Stelinha. Pedi uma folga amanhã e vamos passar o dia juntas! – outro beijo estalado na testa. – Não posso perder você. Somos nós duas contra o mundo, lembra?

– Claro que sim, solzinho!

– Ótimo! – dá pulinhos de alegria. – Vamos acender uns incensos, fazer chocolate e contar histórias de terror durante toda a madrugada!

[...]

No Uber de volta a casa, Roberta comenta que o doutor bonitão deixou o cartão dele, e que ligassem se precisassem de algo.

– Ele parece ser uma ótima pessoa! 

– Sim, mas há algo nele... Eu não sei dizer o que é, mas não confio nele!

– E como pode confiar? Acabaram de se conhecer!

– Não é isso, Solzinho! – ri. – Sabe quando você sente que alguém não possui um bom caráter?

– Então, vamos rasgar esse papel e...

A mais velha toma-o cartão da mão da irmã, quando lê, fica surpresa.

– O que houve?

– Aqui diz que ele é pediatra. Por que cuidou de mim e me receitou repouso?

– Porque você é um nenê! – volta a dar gargalhada. – Vai rasgar ou não?

– Por enquanto não.

[...]

Quando as meninas finalmente chegam em casa, encontram o pai fazendo churrasco e tomando cerveja com Francisco, o chefe de Stela. A garota é recebida com muito carinho, dentro do forte abraço que recebe de Joaquim, pede perdão pela grosseria que fizera.

– Eu é que peço desculpas, minha filha. – sussurra. – Mesmo não concordando com as coisas que vejo, ainda estou tentando dar o melhor pra você. Não estou indiferente a sua doença. – beija-a na testa. – Eu amo você, pequena lua.

Roberta une-se ao abraço, o progenitor agarra-se forte as filhas. Apesar de tamanha ignorância, sabe que têm em seu lar dois presentes vindos diretamente do Céu: O Sol e a Lua.

Depois da redenção, o chefe aumenta o som que toca Raça Negra.

– Opa! – a loira vibra. – Estamos comemorando o quê?

– A melhora da Stelinha. – Sr. Alencar responde rindo. – Tem coisa melhor que isso?

[...]

Na sala de pediatria da UPA*, Richard olha algumas fotos da falecida esposa. Mal sabe que há alguém lhe observando. Este é Victor, de braços cruzados, bufando de ódio. O espírito de uma mulher pára ao lado dele e diz:

– Você sabe que uma hora ou outra eles iriam se encontrar, certo?

– Não se eu matá-lo antes!