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História Anoitecer - Capítulo 1


Escrita por: SamSilva

Capítulo 2 - Capítulo 1


MAITE

Maite andava de um lado para o outro decidindo se devia entrar ou não. Era o que queria fazer, mas sentia-se insegura, com medo de como poderia se sentir lá dentro.

Fazia tanto tempo que não saía durante a noite, ainda mais sozinha, mas estava com tanta vontade de dançar, de extravasar e deixar seus problemas se perderem numa pista de dança. Mesmo que por algumas horas.

Tentou durante todo o dia convencer alguns amigos a acompanharem, mas todos se negaram, os mais distantes inventaram desculpas esfarrapadas envolvendo programas noturnos improváveis – ou ela estava sendo injusta? – e os mais próximos simplesmente confessaram a indisposição e falta de interesse e ela gostava de pensar que se eles soubessem o quanto aquilo significava para ela, teriam ido de qualquer forma, mas ela preferiu não se abrir dessa vez.

Há algum tempo ela vinha preferindo não dividir tudo que pensava e que lhe afligia, pois, as vezes, parecia que só ela tinha problemas e que as conversas sempre se resumiam em sua vida, embora seus amigos nunca tivessem reclamado ou dado a entender que se incomodavam.

Olhou para o relógio do celular mais uma vez, passava um pouco das oito horas da noite, parecia cedo demais para entrar em um local onde pretendia ficar até o amanhecer, mas o que mais podia fazer ali naquela calçada? Ficar pesando ainda mais os prós e contras da decisão de entrar?

Sempre fizera programas sozinha, ia ao cinema, museus, bibliotecas, ao shopping fazer compras. Realmente sabia aproveitar sua própria companhia e nunca se sentira solitária ou triste de alguma forma por não ter amigos sempre por perto, nem mesmo um namorado. Aprendera desde cedo a aceitar que os amigos estão vivendo suas próprias vidas e que de vez em quando têm tempo para ela e, que quando isso acontecia, era sempre maravilhoso e aproveitavam ao máximo cada minuto. Além de saber que, alguns deles, largariam tudo para estar com ela se houvesse algum problema, mas havia coisas mais importantes que acompanha-la em certos programas.

Mas naquela noite, e naquele lugar, ela sentia-se sozinha pela primeira vez, as pessoas chegavam em grupos ou pelo menos em duplas e entravam empolgadas com o que a noite lhes reservava. Não era preciso companhia para dançar ou para beber no bar, mas começou a imaginar que todos em volta veriam o quanto ela estava sozinha e desesperada.

Pensou em desistir, em dar meia volta, voltar para casa, tirar toda aquela roupa, se jogar na cama e colocar suas séries de televisão em dia.

Foi quando o celular apitou avisando de uma nova mensagem.

 

Dulce às 20:17:

Curtindo a balada ou procrastinando mais uma vez? Hahaha

 

Em outro dia, Maite teria rido daquilo e respondido que estava comendo até explodir, enquanto via algum programa sobre decoração, porque Dulce a conhecia muito bem e sabia que o papo de balada já havia rolado muitas vezes antes e nunca acontecia. Mas naquele momento não. Relendo aquela mensagem tudo que Maite conseguiu sentir foi raiva, um sentimento estranho e que pesou em seu peito, parecia até doer. Sentiu-se subestimada e com vontade de provar que Dulce estava errada daquela vez, que não a conhecia tão bem assim.

Olhou para a entrada da boate, não havia fila. Foi até a bilheteria e comprou uma entrada.

Menos de um minuto depois estava rodeada de pessoas, acostumando os olhos a iluminação de luzes pulsantes e sentindo o coração bater junto a música alta.

Pegou o celular para responder à mensagem de Dulce, o ergueu sobre a cabeça e tirou uma foto.

 

Maite às 20:22:

Segue imagens da minha procrastinação

Beijo

 

Não quis esperar a resposta, desligou o celular e o guardou na pequena bolsa que trouxera.

Foi até o banheiro, apenas para ganhar tempo. A pista de dança ainda estava vazia e o bar sem um banco vazio onde pudesse se sentar e esperar o tempo passar.

Olhou-se no espelho e percebeu que estava produzida demais. O contraste entre seu cabelo preto como petróleo e sua pele branca como leite, nunca pareceu tão grande.

Vestia uma minissaia preta, muito justa, e uma blusa de manga 3/4 também preta e justa, com um decote em V que lhe deixava exposta demais – todos diziam que ela tinha que exibir aquilo que tinha de melhor, mas seus seios fartos sempre pareciam vulgares demais, mesmo em blusas mais comportadas, ou talvez ela estivesse sendo injusta com o próprio corpo.

O sapato preto tinha um salto que iria lhe incomodar em pouco tempo, mas pareceu a única escolha apropriada quando se vestiu. A maquiagem era carregada, como nunca usara antes, havia até arriscado um batom vermelho sangue e os olhos estavam contornados de preto. Os cabelos estavam soltos e com algumas ondas que pareciam prestes a se desmancharem por completo, nada durava muito tempo naquele cabelo extremamente liso e pesado. Usava grandes brincos de argola e pulseiras metálicas que em lugares mais silenciosos deixariam qualquer um maluco com o tilintar.

Nunca se achou uma mulher muito bonita, mas sabia que tinha suas qualidades. Os olhos pretos e grandes e o sorriso eram sempre elogiados, ao contrário do nariz arrebitado demais. O corpo pequeno e magro – na maior parte do tempo, já que vivia brigando com a balança – era normal e sem grandes destaques, além dos seios herdados da família de sua mãe, mas ela aprendeu a amá-lo. De todos os problemas que tinha, baixa autoestima não era um deles. As coisas que tinha na cabeça lhe preocupavam muito mais do que sua aparência física.

Embora parecesse ter exagerado, estava se achando bonita de verdade e decidiu que faria do batom vermelho seu aliado dali pra frente, ele a enchia de uma coragem que ela não acreditava ter até então. Estava se sentindo poderosa, capaz de fazer tudo que quisesse.

Olhou-se uma última vez, respirou fundo e saiu do banheiro disposta a se divertir e fazer daquela noite a melhor de sua vida.

 

CHRISTIAN

O salário de bartender ajudava Christian a pagar a faculdade e os remédios da mãe, mas em momentos como aquele, em que tinha que aturar gente bêbada lhe dizendo desaforos e o provocando como se tivesse culpa dos problemas deles, se perguntava se não havia outras coisas que pudesse fazer durante o fim de semana para ganhar algum dinheiro.

Amava preparar as bebidas, observar as pessoas se divertindo e analisar aquelas que não pareciam se divertir tanto assim, que tentavam a todo custo se entregar as batidas da música e ao poder anestésico do álcool, mas que falhavam, em contra partida, os bêbados chatos, mimados e folgados eram um fardo.

Algumas pessoas se tornavam bem divertidas quando bebiam o suficiente para se soltarem e se divertirem, até mesmo alguns que passavam da conta, podiam ter seu encanto e dose de entretenimento, mas boa parte só se tornava insuportável e sempre sobrava para ele de alguma forma.

Nesses momentos ele pensava na mãe doente que sempre lhe abria um sorriso acalorado quando o via chegar em casa e no curso de direito que em dois anos terminaria. Distrair-se dos momentos de raiva mentalizando os motivos para suportá-los costumava funcionar quase sempre.

Naquela noite, enquanto via as pessoas entrando na boate e tomando seus lugares junto ao balcão e mesas do bar, desejava que fosse uma noite tranquila e sem grandes acontecimentos, pois tinha prometido a mãe que a levaria para o parque de manhã e não aguentaria as horas sem dormir, se ainda por cima estivesse esgotado mentalmente.

O bar contava com mais três bartenders e alguns atendentes que providenciavam as porções e demais pedidos. Embora estressante, pelo menos não havia trabalho além da conta. Entre um cliente e outro ele levantava os olhos para a pista de dança, a fim de observar as pessoas como gostava de fazer.

Foi quando a viu pela primeira vez.

A pista de dança não estava muito cheia, ainda era cedo e a maioria das pessoas só se atrevem a dançar depois de beberem algo que as desiniba. Mas lá estava ela, dançando de forma curiosa, como se tentasse ser a rainha da pista, mas falhando, pois seus movimentos eram pouco graciosos e inseguros. Mesmo que a dança fosse individual, era fácil notar que ela estava sozinha, talvez a amiga estivesse no banheiro ou ali no bar buscando uma bebida.

Não se lembrava de tê-la visto antes, apesar do fato de que outro pudesse tê-la atendido ali no bar, ao invés dele, mas ela parecia precisar de uma bebida. Desejou que ela fosse até ele pedir, sabia que drink prepararia para ela, algo doce, forte e com alguma cor marcante, servido em um copo bonito e com uma decoração divertida.

Teve apenas alguns segundos para olhá-la e pensar nisso, logo havia trabalho a ser feito. Com o passar das horas o lugar foi enchendo e a perdeu de vista.

Agora estava ali, ouvindo um cara bêbado lhe acusar de marcar bebida a mais em sua comanda.

- Eu não bebi tudo isso – alegou o tal cara.

- Marquei todas as bebidas que pediu, senhor.

- Provavelmente você não sabe contar ou marcou suas próprias bebidas na minha comanda, onde está o responsável deste lugar?

Carlos, o responsável, só devia ser chamado em casos extremos, mas Christian tivera um dia de merda, estava exausto e só pensava no passeio que prometera a mãe, não estava disposto a se estressar ainda mais com gente que não valia a pena.

Chamou Carlos e lhe explicou o caso, ele chamou o cliente com perda de memória conveniente e o levou para o caixa. Ele tinha um poder incrível de convencimento e sempre conseguia com que pagassem.

Mas é claro que aquilo não terminaria numa boa para ele, assim que conseguiu que o cliente pagasse o que devia e fosse embora, Carlos o chamou de canto e lhe repreendeu por não saber lidar com o problema.

- Ele começou a se alterar, Carlos – justificou Christian.

- Não foi o que pareceu, comigo ele foi bastante compreensível.

- Claro, vocês conversaram de igual para igual, eu sou apenas o bartender, alguém que os clientes julgam inferior e passível de ser insultado.

O olhar duro de Carlos mostrou que ele estava acostumado a ouvir aquilo e, embora soubesse ser verdade, nada podia fazer. Deu alguns tapas de consolo e camaradagem no ombro de Christian e o ordenou que voltasse ao trabalho.

Já devia passar da meia noite e a pista de dança estava lotada.

A dançarina solitária sentou-se ao bar algumas vezes, mas ele não teve oportunidade de lhe atender, estava na ponta oposta do balcão.

O que lhe intrigava mais era que ela de fato parecia estar sozinha, não havia qualquer amiga ou amigo. Algumas pessoas chegam sozinhas com a intenção de saírem acompanhadas, mas ela, mesmo tão atraente, mantinha uma atitude reservada que não parecia convidativa para que alguém se aproximasse.

Estava curioso, gostaria tanto de ter a oportunidade de trocar algumas palavras com ela.

Decidiu arriscar e pediu ao colega que servia a outra ponta que trocassem de lugar. Como não viu problemas, seu colega aceitou e, então, ele apenas esperou que ela não resolvesse tentar a outra ponta de repente e que se sentasse ali onde ele a aguardava.

Quando ele estava prestes a perder a esperança e acreditando que ela pudesse ter ido embora, ela apareceu, sentando esbaforida no banco próximo onde ele estava.

Ela não parecia mais tão disposta a ser a rainha da pista. Os cabelos estavam espetados e desgrenhados e seu rosto brilhava de suor.

Esperou que ela pedisse algo, enquanto terminava de servir outro cliente, mas parecia que ela levaria algum tempo para recuperar-se de tudo que devia ter feito.

Após alguns minutos ela o chamou e fez seu pedido.

- Pode me servir uma água, por favor?

- Água? – questionou evidenciando sua chateação.

Ela o olhou intrigado, como se tivesse percebido que ele esperava algo mais dela, mas repetiu o pedido.

Contrariado, Christian a serviu e aguardou que ela pudesse se aventurar mais depois que matasse sua sede e recuperasse a disposição.

Mas ela apenas bebeu a água demoradamente, em pequenos goles, enquanto olhava para a pista de dança, sem dar qualquer espaço para que Christian pudesse lhe dirigir a palavra.



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