“Quando você para de tentar forçar uma solução, ela aparece sozinha.”
- Supergirl.
***
— Joel!
Ele virou-se para a policial, que usava luvas brancas que a impossibilitava de enxugar o suor de sua pele morena, forçando-a a usar o antebraço.
— O xerife quer falar com você! — avisou.
Dito isso, ela saiu. Joel suspirou, segurando-se para não puxar a arma de sua cintura. Caminhou pisando nas folhas e cascalhos do chão da floresta, passando por alguns policiais e guardas florestais que interrogavam as testemunhas e cobriam o corpo da família morta. Uma família da cidade, lógico. Ninguém seria maluco de entrar naquela floresta.
Ele parou em frente à dois homens. Um era mais baixo que outro, com a diferença de poucos centímetros, meio gorducho e trajando uma roupa mais formal. Sua careca brilharia à luz do sol se este não estivesse atrás de uma nuvem. Era o delegado. Do seu lado estava um homem com porte físico musculoso, as cores dos olhos pretos iguais às do cabelo raspado. Vestia-se com o uniforme azul da polícia. O seu distintivo recentemente polido indicava ser o xerife.
— Joel Wood!
— Delegado Joseph — Joel cumprimentou de volta com um aceno. Ele olhou de volta para o xerife.
— Este é o xerife Kevin Schdimit! Vocês dois já devem terem se conhecido alguns dias atrás!
— Você de novo, Joel! — cumprimentou Kevin com um sorriso sem amostrar os dentes.
— Bom te ver também, Kevin!
Os dois se olharam um para o outro. Até o delegado sentia o clima entre eles, por isso se apressou em dizer:
— Ele vai investigar o caso das mortes e dos desaparecimentos na floresta! E como você conhece bem a floresta e o seu chefe preferiu escolher você para ajude na polícia!
— Eu pensava que nunca mais voltaria! Pelo que eu me lembre daquele dia! — provocou Joel discretamente.
— Mas você pode vestir a roupa da polícia por enquanto! — advertiu Kevin escondendo sua insatisfação com aquela ideia — Devia se sentir honrado de ter sido escolhido!
— É, muito! — resmungou Joel olhando a paisagem ao redor — Só faço isso porque eu realmente estou preocupado...
— Mesmo? Isso é novidade! — Kevin foi irônico — Eu também estou preocupado! Não há ataques e mortes assim há anos!
— E não pode ter sido um urso — comentou o delegado — Por hora, o xerife vai mandar nas buscas e vai instruir você...
— Me falaram que eu poderia agir por conta própria, já que eu conheço tão bem a floresta...
— Alguém como você agindo por conta própria? Nessa investigação?
— Já chega vocês dois! — o delegado os interrompeu — Não tive outra escolha a não ser escolher vocês dois! Haverão mais mortes se isso não for resolvido! Se eu ver vocês brigando de novo, eu tiro o distintivo de ambos!
Eles assentiram com a cabeça, não sem antes de se olharem.
***
Ela o encarava por um bom tempo, desde que se sentou na cadeira em frente à ela.
Fora milagre seus pais a deixarem ir para a cafeteria. Sua mãe fazia exigências para que Kim arrumasse o quarto dela e falava com Mack sobre o concurso de beleza. Pensariam que estaria sozinha, como ela gostava de estar. Mas ao invés disso, olhava com grande curiosidade para Jonas.
— O que foi? — depois de milênios, ele percebeu.
— Você me disse que amostraria! — insistiu com grande empolgação.
Jonas se deu por derrotado. Tirou de sua mochila uma pasta preta. Kim afastou seu caderno e seu copo com café, animada. Mas os olhos de Jonas foram para alguém atrás de Kim. Owen chegou até eles.
— Oi Jonas! — ele pegou seu caderno — Vai pedir algo?
Ele o olhou dos pés a cabeça, percebendo que ele vestia-se com o uniforme do lugar.
— Vai finalmente amostrar? — perguntou ele ao ver o que tinha em mãos.
Jonas suspirou mais uma vez e abriu a pasta. Kim folheou curiosa, e Owen se ajoelhou do lado dela. Jonas sorriu revirando os olhos. Pareciam que viam um diamante.
— Jonas... — Kim olhava todas as folhas de uma vez só.
— Eu sei... São bons, mas eu ainda preciso saber mais como desenhar as expressões no rosto — Jonas admite que os desenhos dele eram bons, mas não dignos de um concurso ou algo do tipo — Eu estou pensando em fazer um curso quando for para a cidade...
— Isso é incrível! — admirou Kim.
— Cara... Você sabe mesmo fazer grafite! — ele pegou um dos papéis, e estes eram grossos e um pouco maiores — Me amarrei nesse daqui! — Owen indicou rabiscos de um fantasma. — É assustador... E incrível!
— Falando sério, seria legal se você ajudasse — os olhos de Kim se aprofundou nos de Jonas — Praticamente ninguém sabe que você faz grafite!
Ele ficou meio indeciso.
— Kim, eu não faço desenhos aleatórios! — ele pegou seus desenhos, amostrando-os. A maioria com tonalidades escuras e com desenhos de criaturas assustadoras, e poucos eram coisas aleatórios — A maioria são de creepypastas!
— Mesmo assim, Jonas! Você sabe fazer... Isso! — ela indicou os desenhos. — Tudo bem que alguns são até que assustadores...
— Ah, por favor Kim! Quem não se amarra em coisas sobrenaturais? — contrariou Owen.
— Olha quem fala...
— Se eu não fosse um oráculo com certeza eu continuaria amando esse tipo de coisa! — falou Owen. Kim revirou os olhos. — Sabe, é uma boa para você relaxar! Vocês estão muito tensos por causa de... Dela...
Owen gesticulou com as mãos tentando falar.
— Só para descontrair!
— Eu tenho que concordar com ele! — Kim o apoiou.
— Por que você não faz? Também desenha!
Kim vasculhou sua mochila e pegou dela uma pilha dos seus desenhos.
— Aposto que todos iriam se interessar mais por grafite! — ela pegou o desenho de um deles. Era uma figura humana, mas com uma máscara azul e, no lugar dos olhos, um preto vazio e obscuro. Ele não tinha olhos — Por mais que sejam... Assustadores!
Owen olhou para os desenhos de Kim, dando tempo de Jonas ver de relance um deles.
— São esses desenhos que você...
Kim assentiu com a cabeça.
— Tentei deixar o mais próximo do que vi!
— Ver o quê?
— Eu estou tendo sonhos! — admitiu ela — Desde que tudo isso começou! Fico ouvindo vozes estranhas me chamando... E algumas coisas estranhas, tipo...
— De onde tirou isso? — Owen atraiu sua atenção para um desenho. Jonas o viu melhor e percebeu ser de uma mulher... Com capa.
— Esse foi de uma visão quando estava tomando banho hoje de manhã! — disse Kim — Eu não me lembro de muita coisa!
— Quanto mais você tem essas visões, mais elas se tornam reais! É o que minha mãe sempre me disse! Tipo, bem reais mesmo! Se você ver pessoas nessas suas visões, você pode vê-la parada do seu lado! — falava Owen — Acontecia muito com a minha mãe! Toda hora via meus avós, monstros...
— Quer dizer que eu posso ver alguma hora essa mulher?
Ele assentiu.
— Isso me parece familiar... — murmurou Owen — Vem tendo visões acordada?
Ela balançou a cabeça em sinal de afirmação.
— Se quiser eu te ajudo! Descreve as coisas que você vê! — se ofereceu Jonas — Acho que não deve ser tão difícil assim desenhar um campo de flores amarelas e... A Millenium Falcon?
Owen olhou para o desenho curioso.
— Não é bem uma Millennium Falcon! Tem uma estrutura mais... Diferente! — Kim explicou pensativa. — Pode ser uma nave espacial!
— Ou um... Avião? — supôs Jonas — Uma máquina do tempo? — brincou.
Kim sorriu. Antes que pudesse falar algo, ela sentiu calafrios. Não era algo bom. Olhou ao redor, preocupada, e uma mesa lhe chamou atenção.
Três pessoas liam o jornal — quem lê jornal hoje em dia? Eles abaixaram um pouco o jornal e olharam para ela. As vestes dos três eram pretas, o que trazia algo estranho para Kim. Uma delas era uma mulher. Seus cabelos loiros eram ondulados e os olhos tinham a mesma cor que os dela. Já os outros dois eram homens. Um com cabelos cor de areia e outro castanho. Os três olhavam para Kim e sorriram. Ela não sabia distinguir se era um sorriso macabro ou um sorriso nostálgico, pois ela sentia medo e surpresa naquela hora. O olhar da mulher não lhe era estranho, e podia jurar que viu os seus olhos.
Ela piscou diversas vezes e os esfregou. Ao olhar de novo, não havia ninguém ali. As três pessoas desapareceram.
Kim queria muito uma água benta.
***
Jonas nunca gostou de ver os corredores da escola vazios. Pois tinha a impressão de que a qualquer hora um mostrou brotaria do nada.
Depois de conversar ontem com Kim e Owen, no dia seguinte, no fim das aulas, procurava por Melanie. Apressou seus passos até chegar no ginásio do ensino médio, onde teria o comitê. Viu alguns alunos organizando tudo. Pintando, medindo e até arrumando as coisas fora do lugar e conversando entre si. Avistou o professor de artes de longe, ajudando a pintar a faixa.
— Jonas!
Olhou para o lado e viu Melanie se aproximando. Seu macacão jeans tinha algumas manchas de tinta. Seu cabelo encaracolado estava preso e exibia um sorriso.
— Você... Vai ajudar? — ele viu brilho nos seus olhos.
Ele assentiu relutante.
— É... Eu vou... Tentar!
Melanie abriu um sorriso de orelha a orelha.
— Ótimo! Vem comigo!
Ela o levou até o professor de artes, com quem ele marcou presença e o instruiu o que planejavam fazer. O jogo reuniria alguns ... da faculdade que deram uma chance para a escola situada em uma cidade pequena. Eram avaliadores de universidades da cidade grande. Seria uma grande oportunidade para os jogadores e era a primeira vez em anos que isso ocorre. Iriam espalhar um grande cartaz pelos corredores da escola e em um palco que ficará no canto do ginásio.
— Nós temos algumas latas de spray — avisou Melanie, guiando-o até um canto onde havia uma pilha de cartazes grandes que seriam colocados nos cantos da escola e, depois, expostos. Pelo que soube, viria também uma academia de artes. Jonas só soube daquilo naquela hora e seu estômago se remexeu. Pessoas de uma academia de artes veria suas pinturas de grafite — Até agora, você é um dos únicos que faz grafite. Só tem você, uma garota do primeiro e dois garotos do nono. Mas a garota saiu e os outros dois já fizeram a parte deles.
— E o que tenho que fazer exatamente?
— Bem, posso te ajudar a fazer o esboço de um desenho! — propôs ela — Mas na exposição, pode desenhar o que quiser de seu interesse!
Jonas fez uma cara pensativa, imaginando como seria desenhar um fantasmas simples.
— O que foi?
— Nada! É que... Meus desejos não são lá muito...
— Jonas, nas exposições não importa quem goste ou não! O que importa é mostrar uma obra sua e apresenta-lá ao mundo! Devia ver meus desenhos — ela sorriu — O que você costuma desenhar?
— Creepypastas... Quer dizer, coisas assustadoras! Digo, fantasmas, lobisomens...
As feições de Melanie mudaram.
— Até alguns dias atrás...
Ela abriu a boca e a fechou diversas vezes até conseguir falar:
— Owen já...
— Eu sei! Ele também me falou! — interrompeu — Bem, você está nesse ramo faz tempo! Então não deve contar para ninguém...
— Ele falou sobre mim? — Melanie desviou do assunto.
— Sim... — ele percebeu que ela ficou surpresa.
— Enfim... Nem todos sabem disso! Faça o que quiser! — impulsionou ela — Vamos começar?
Ele fez que sim com a cabeça.
E assim foi pelos próximos minutos. Melanie pegou uma prancheta para que Jonas assinasse seu nome, mas este percebeu que ela tinha alguma dificuldade de ler. Melanie depois desenhava o esboço e ela e Jonas debatiam o que podiam fazer até que ela soltou o lápis. Jonas olhou para ela confuso, pois ela ficou paralisada. Não se movia e nem piscava enquanto encarava o papel com o esboço.
— Melanie? — Jonas balançou a mão na sua cara, mas nem se mexeu.
Seu corpo começou a tremer e suas pupilas dilataram. Olhou para Jonas com rapidez e esbanjou no olhar um medo extremo. Levantou-se sem dizer nada e correu. Jonas franziu a testa sem saber o que dizer. Mas viu algo estranho nela e tinha um pressentimento ruim. Ela era telepata, e isso fez Jonas tomar a atitude de correr atrás dela.
Procurou-a pelos corredores nervoso. Aquilo podia ser algo ruim. Correu até a sala de artes, onde claramente estavam todos os materiais que ela sempre buscava. Ao chegar lá, sua teoria estava certa, mas ficou boquiaberto. Melanie estava lá, com o pincel em mãos com tinta vermelha, de frente para a parede. Boa parte da mesma estava com algo escrito. Jonas não sabia que língua era aquela, mas pela caligrafia tremida, supôs que Melanie estava tendo um ataque. Do quê ele não sabe. Ela o olhou de olhos arregalados, com o pincel na mão esquerda, tremendo. O medo presente no seu rosto.
— Melan...
— Vai embora! — gritou, em seguida soltando um grito e deixando o pincel cair.
Agarrou seus cachos castanhos e caiu de joelhos. Jonas correu até ela e se ajoelhou.
— Melanie! Melanie! O que foi?
— Ela quer... Fazer algo...
— Quem?
— Vindicta... — o nome soou sombrio vindo de Melanie — E-Ela está brava... Ela planeja algo...
— Se acalme! — Jonas segurou seus ombros. Melanie pegou seu braço.
— Meu bolso!
— O quê?
— Pílulas... Pegue! Eu preciso tomar... Quando eu tenho... Isso!
Jonas vasculhou os bolsos de seu macacão e achou o que ela pedia. Pegou uma e Melanie pegou de sua mão, pondo na boca e engolindo água.
— J-Jonas... — sua voz estava fraca. Deitou sua cabeça no ombro de Jonas. Ela tentou falar, ma sua voz falhou.
— Shh! Não fale nada! Está tudo bem — o corpo de Melanie relaxou.
— E-Ele atirou... Em você...
Ele franziu a testa.
— O quê?
— E-Em sua mente... — murmurou — S-Savage...
Melanie deitou sua cabeça no colo de Jonas. O mesmo a fez se deitar ao vê-la mais cansada.
— Eu vi algo! — afirmou ela.
— Na minha mente?
Ela balançou a cabeça.
— Não foi intencional... Você apareceu...
— Não se preocupe, Melanie! Está tudo bem!
— Savage... Foi ele — os olhos cor de âmbar olhou para os de Jonas — Ele atirou em você e... Na sua mãe...
Jonas ficou mais confuso ainda. Supôs que ela estivesse alucinando. Mas falar aquilo para uma telepata era total tolice.
Ela sorriu.
— Você... — sua voz mudou, ficando mais rouca — É corajoso como sua mãe? Ou um tolo como seu pai?
Melanie fechou os olhos lentamente.
Jonas estava confuso e tentava fechar o quebra-cabeça. Era a mesma coisa quando ele tentava entender a cronologia dos filmes da Era do Gelo.
***
Ela se perguntava sempre dos motivos de sua mãe a pegar tão tarde.
Não podia marcar o salão de beleza outra hora? Ela estava animada para o concurso de beleza, da qual Mack iria participar. Kim andava pelos corredores da escola á procura da sala da aula de ciências. Havia esquecido seu material e sua mochila lá, assim como seu celular. Ela se perguntava também de onde vinha tanta idiotice de sua parte.
Quando virou o corredor principal, ela estranhou haver algumas gostas vermelhas no chão. Estavam em fileiras, e Kim as seguia com o olhar. Ao levantar o olhar, ela viu algo entrando naquele corredor, virando a direita.
Era do dobro, talvez o triplo, de sua altura. Seu macacão jeans deixava aos poucos sua cor azul escura para a sujeira que era acumulada, assim como uma mancha vermelha. Usava uma blusa branca por baixo, extremamente grande, larga e suja, e também com a cor avermelhada. Em suas mãos enluvadas, estava uma espécie de serra. E o que mais a assustou era que o líquido vermelho era viscoso e claramente era sangue.
Se Kim achava que até aí já era estranho, ainda não vira a cabeça. Uma enorme cabeça de coelho cinza. Os olhos negros como a noite.
Ele ou ela olhava-a diretamente, e ergueu a serra estanha, dando passos até ela.
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