Capítulo 2
Os carros não paravam de chegar, os veículos estavam estacionados por toda a rua até onde a vista alcançava. Os familiares eram figuras fantasmagóricas, andando cabisbaixas em seus trajes pretos, abraçando-se e secando as lágrimas uns dos outros. Alejandro não saiu do lado do caixão da esposa em nenhum momento, a pequena Sofia segurava sua mão o tempo inteiro, transmitindo forças para seu pai. Era uma criança especial, mesmo diante daquela situação onde sua irmã mais velha estava completamente perdida, Sofi mantinha-se firme. Ela era o reflexo mais puro de sua mãe, Sinu sempre colocou os outros em primeiro lugar, ela sempre sabia o que dizer e Sofia herdou isso dela.
Eu me debrucei na varanda da minha casa, observando o vai e vem dos carros, era quase meio dia e o movimento na casa dos Cabello permanecia intenso. Minha mãe recebia os parentes mais emotivos na nossa casa, ela queria evitar um tumulto muito grande na frente de Alejandro e Sofi. Eu passei a madrugada com Camila e o resto da manhã sentada ao lado de Sinu, sua expressão pálida me quebrou inteira por dentro, eu podia entender porque Camila ainda não tinha conseguido sair do quarto, não havia maneira de se preparar para aquilo.
Chris surgiu de repente me abraçou de lado, deitei minha cabeça em seu ombro e respirei fundo.
– Tudo bem, Lo? – Meu irmão soava tão cansado quanto qualquer um de nós. – Mamãe pediu para que você fosse dar uma olhada na Camila de novo, ela continua no quarto.
De alguma maneira todos me faziam sentir responsáveis por ela, Taylor, Chris, minha mãe e até mesmo o sr. Cabello parecia contar comigo para confortar sua filha. Faria bastante sentido antes, mas agora que havia uma barreira entre nós toda essa pressão me deixava desconfortável.
Desci para a cozinha e preparei uma limonada, passei pela sala e pelas sombras chorosas na casa dos Cabello. Dinah e alguns amigos da escola estavam amontoados na escada, um pouco deslocados entre tantos parentes. De repente me dei conta de não tinha visto Shawn em nenhum momento, ele evaporou do clube na noite anterior e não ligou durante a madrugada, nem tinha aparecido no velório ainda. Ele e Camila já estavam namorando há algum tempo, era de se esperar que ele fosse o primeiro a aparecer, entretanto não havia sinal de seu topete ridículo.
Karla estava com a porta trancada, mas me deixou entrar logo que reconheceu minha voz. Perguntei-me se aquilo queria dizer que as barreiras entre nós estavam se enfraquecendo.
– Vim trazer um pouco de limonada e ver se você está precisando de mais alguma coisa. – Ela apenas balançou a cabeça e aceitou a bebida, em seguida voltou para a cama e cobriu-se por completo.
Fui até seu guarda roupa e sem me importar tirei um vestido preto do cabide e coloquei-o sobre a cama, procurei uma tiara com um laço bege e sapatilhas combinando com o vestido.
– Camila, eu sei o que você está sentindo, mas você não pode ficar deitada aqui o dia inteiro, lá embaixo está cheio de gente que se importa com a sua mãe e duas pessoas que precisam muito de você agora. – Afastei o cobertor do seu rosto, ela me olhava com os olhos mareados, ainda relutante. – A Sofi não saiu do lado do seu pai um segundo, ela está dando forças para ele, mas você precisa estar lá para ela. Ela precisa de você. – Sua expressão se tornou séria, por um instante achei que ela fosse gritar comigo, mas então sua expressão se suavizou.
– Sofi... – Ela se levantou e foi em direção ao banheiro levando o vestido, em alguns minutos já estava pronta, calçou os sapatos e colocou a tiara. Não pude deixar de notar o quanto ela estava bonita naquela roupa, tragicamente bonita.
– Obrigada. – Foi tudo que ela disse quando passou por mim antes de sair do quarto.
O cortejo foi rápido, nem todos foram ao cemitério, a maior parte dos familiares pertencia a família de Alejando, costumam dizer que os latinos são muito emotivos e estavam abalados demais para se manter de pé enquanto viam sua querida amiga ser engolida pela terra. Ao contrário do que se podia imaginar, Camila foi ao enterro e disse algumas palavras em homenagem a mãe. Eu observei tudo de longe segurando a mão de Scott.
Naquela noite de segunda feira, quando praticamente todos já tinham ido embora, eu subi para a varanda e me pus a tocar ‘Hurt’ como na noite anterior. Para minha surpresa Camila abriu as cortinas de seu quarto e sentou-se de frente para mim em sua sacada, eu evitei encará-la, mas não parei de tocar. Crescemos ouvindo Christina Aguilera, ela era uma de nossas maiores inspirações, ‘Hurt’ foi uma canção que ela escreveu para seu falecido pai, Camila sabia disso e a letra não poderia significar mais para ela do que naquele momento.
O motivo de tudo ter acabado entre nós era o medo que Camila sempre teve de acreditar em nós, ela não sabia como lidar com tudo que sentia, a insegurança a fazia vacilar, o medo de que Sinu a rejeitasse, o medo de arriscar tudo para dar voz ao que seu coração dizia. Ela queria segurança e tudo que eu pude dar foi o meu amor. De repente não sabíamos mais o que tudo aquilo representava e os dias foram nos afastando.
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Nos dias seguintes ao funeral Camila faltou todas as aulas, quase uma semana havia se passado e eu não tinha visto sinal dela, as cortinas do seu quarto permaneciam fechadas. Certa noite vi o carro de Shawn parado do outro lado da rua, mas ele não saiu, não tocou a campainha e depois de alguns minutos de indecisão foi embora.
Minha mãe havia se oferecido para tomar conta de Sofi enquanto Alejandro trabalhava, todos os dias depois da aula ela ficava conosco. Apesar da força que a garotinha demonstrava era possível notar como ela sentia falta de sua mãe, a ausência de Camila naquele momento apenas tornava as coisas mais difíceis.
Eu ainda passava todas as tardes tocando violão na varanda, minha mãe tinha ido ao mercado e Sofia estava comigo aplaudindo sempre que eu terminava uma canção.
– Você quer ouvir algo em especial? – Vi seu rostinho se iluminar ao ouvir minha pergunta. Ela se fez pensativa por um instante e sua escolha me surpreendeu.
Pode tocar I don’t want to miss a thing? – Perguntou timidamente – Você sempre cantava essa música com a Mila, é a minha favorita – Os olhos dela brilhavam – Queria que ela estivesse aqui para cantar com você.
– Está tudo bem com ela? – Tentei mudar o foco da conversa.
– Eu não sei, mas ela me conta histórias para dormir todas as noites. – Ela fez uma pausa e sussurrou a última parte – Às vezes eu finjo que estou dormindo, então ela me abraça e chora baixinho. – Sofi deixou uma lágrima escapar, mas logo engoliu o choro bravamente.
– Você pode cantar?
Eu cantei para ela tentando conter minhas próprias lágrimas, tudo mudou tão de repente, eu tentei me manter forte, traçar um plano sólido para o futuro, mas tudo me arrastava de volta para a garota da casa em frente.
Ouvi a buzina e corri para abrir o portão, Clara tinha voltado com as compras e provavelmente tinha esquecido a chave do portão de novo. Sofi e eu ajudamos a desempacotar as compras enquanto meu pai preparava o jantar.
– Lolo, chegou uma carta para você hoje de manhã. – Meu coração acelerou, quase deixei um copo cair.
– Uma carta?
– É, Lo, uma carta – Minha mãe pegou o envelope que estava pendurado na geladeira – Penduramos na geladeira para que você pudesse ver, mas parece que você andar completamente desligada.
Eu realmente não tinha notado o envelope, mas eu sabia exatamente do que se tratava: era uma carta de Juilliard. Eu podia escutar as batidas do meu coração martelando diretamente no meu tímpano. Eu havia me inscrito para pelo menos quatro universidades próximas de casa, as quais eu realmente tinha uma chance de entrar e para Juilliard. Eu sequer esperava que eles fossem me responder, muito menos que seria a primeira carta-resposta.
– Essa carta é muito ruim, Lauren? – Sofi perguntou preocupada, minha mãe riu da pequena que notara minha palidez e nervosismo.
Meu pai me abraçou e me deu um beijo na testa. – Pare de tremer, querida, vamos abrir essa carta depois do jantar e então poderemos conversar sobre. – Mike sempre sabia como me acalmar.
Coloquei a carta de volta na porta da geladeira e subi para tomar um banho antes do jantar.
No chuveiro deixei que as lágrimas caíssem, Juilliard era o meu sonho desde pequena, eu e Camila falamos sobre isso a vida inteira, mas não interessava o que estivesse escrito naquela carta, eu não poderia pagar por essa universidade. Tentei parecer otimista na frente dos meus pais, mas eu sabia o que eles iriam dizer caso eu fosse aprovada, eles iriam fazer de tudo para que eu pudesse ir, já tinham gastado parte das economias para que eu fosse para a audição em Nova Iorque, mas aquilo não era justo, endividá-los por um sonho meu, quando Taylor e Chris também tinham seus próprios sonhos, eu não poderia ser tão egoísta. Juilliard estava fora de cogitação.
Quando desci para o jantar Sofi estava encarando a carta presa na geladeira.
– Lauren, a Camila tem uma carta igual a essa na geladeira, eu acho que essas cartas são muito ruins, pois ela sempre fica nervosa quando meu pai fala dela.
Camila também tinha recebido uma carta de Juilliard.
– Juilliard?
– Exatamente! – Ela vibrou – Minha mãe falava sobre esse Juilliard com a Mila o tempo todo, ela estava muito animada, mas agora quando meu pai fala ela fica nervosa.
Eu estava atônita com a notícia de que Camilla tinha sido aceita em Juilliard. Arranquei a carta da geladeira com urgência e abri o envelope de uma vez, queria saber se eu também tinha sido aceita. Precisava saber.
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