História Apenas Amigos? - Sobre amigos e deuses do amor

                —Ok. –  Erza me encarava com olhos semicerrados, recostada ao batente da porta de seu quarto. Já passava das 11 da noite e o corredor do dormitório da Fairy Tail estava escuro. A única luz vinha de dentro do quarto, atrás de Erza. – Vamos ver se eu entendi bem. Eu saio pra uma missão. Por uma semana. Nesse meio tempo, você começa a namorar Lisanna e...

                — Eu não estava namorando Lisanna! – Protestei. – A cabeça doente dela achava isso, mas não é verdade!

                — Tá bom, tá bom. – Erza umedeceu os lábios com a língua e continuou falando em seu tom de voz calmo. – Nesse meio tempo a Lisanna acha que você esta namorando ela, a Lucy fica chateada, vai para uma missão sozinha, é sequestrada por traficantes de mulheres, derrota os traficantes, leva uma bola de fogo na cara, conhece um policial gatinho, a Lisanna diz algo ruim a ela, você fica com ciúmes, ela fica com ciúmes, os dois brigam, estão sem se falar e agora, você me pede para que eu o ajude a arrumar isso?

                — Bom, é basicamente isso. – Gray deu de ombros, com uma risada seca.

                — O policial não era “gatinho”. – Resmunguei.

                — Aye, o policial era bonitão, Natsu! – Happy rodopiou acima de minha cabeça.

                — Happy!  Seu gato traíra! – De que lado ele estava afinal de contas?

                — Deixa disso, fogaréu. O cara era boa pinta sim, Natsu. Tanto que você ficou morrendo de ciúmes dele. – Gray comentou e desviou de meu punho a tempo de evitar um soco no nariz.

                — Calado, Gray! – Ele revidou meu golpe com outro soco, do qual eu desviei com a mesma facilidade.

                — To tentando ajudar você, seu bostinha! – Ele gritou.

                —Os dois parem já! – Erza se pôs entre nós, segurando meu braço com uma força que não aparentava ter. Não estávamos brigando de verdade. Era só força do hábito. Gray estava realmente tentando me ajudar a arrumar essa confusão. Foi dele a ideia de procurar Erza, que havia, literalmente, acabado de voltar de viagem. A ajuda dela seria de muita utilidade. Quer dizer, se ela topasse.  – Vamos, entrem. – Ela nos empurrou para dentro de seu dormitório, contrariando uma das regras dos quartos femininos da Fairy Tail: Nada de homens.

                — Não é permitido que a gente entre. – Gray disse, já se sentando na cama de Erza.

                — Não se ninguém ficar sabendo. – Eu retruquei. Gray sacudiu a cabeça sorrindo.

                — Muito bem. – Erza falou animadamente, com as duas mãos na cintura. Era levemente ridículo considerando que ela estava de pijamas de flanela e pantufas. – Qual o plano de ataque?

                — Quê? – Eu a olhei sem entender direito.

                — O plano. A tática. O que vamos fazer. – Ela disse, dando uma pausa entre cada palavra.

                — Então você topa? – Gritei, dando um High Five com Happy.

                — Me diga o que vamos fazer, então. – Ela disse, impaciente. – Estou cansada, acabei de chegar de viagem. Estava indo para cama quando vocês chegaram.

                — Foi mal por isso. – Disse Gray por obrigação. Deitado na cama de Erza, brincando com as almofadas, ele não parecia nem um pouco culpado por interromper o sono da Titânia. – Explica pra ela seu plano, Natsu.

                Happy deu uma risadinha e eu sentir meu rosto arder de vergonha. Ah não... Repetir aquele plano todo de novo não... Já não bastava as gargalhadas de Gray e Happy na primeira vez que contei a eles... Mas por Lucy... Valeria a pena.

                — Bom... – Respirei fundo, me soltando em uma cadeira. – É o seguinte. Antes de toda a... Briga, eu convidei a Lucy para sair. Então, basicamente, o que quero é...

                — Fazer um encontro super romântico e especial. – Erza veio correndo até mim, com os olhos marejados, e segurou minhas mãos. – Natsu, eu não sabia que você tinha esse lado tão doce, romântico e sensível.

                Gray e Happy explodiram em gargalhadas. Mas Erza continuava a me encarar com aquele olhar e aquela expressão sonhadora no rosto.

                Assustadora.

                — Quer dizer que você gosta mesmo dela, não? – Erza parecia a ponto de chorar, porém sorria muito. Assustadora. Muito. Assustadora.

                — Eu... – Pigarreei, sentindo-me corar cada vez mais. – Eu a amo. Amo Lucy.

                A expressão de Erza mudou no mesmo segundo. Ela soltou minhas mãos e deu  três passos para trás, atônita. Até mesmo Gray e Happy pararam de rir para olhar.

                — Erza. – Chamei. – Você est...

                O conhecido som do circulo mágico se abrindo me calou e, com uma luz, Erza invocou sua magia, que a envolveu por inteiro. Por um momento, Gray, Happy e eu fomos cegados pela extrema claridade. E no segundo mais tarde, vimos Erza emergir em uma nova armadura.

                Aliás, não era bem uma armadura.

                Não era quase nada como uma armadura.

                No lugar de sua calça e camisa do pijama ela usava agora um vestido rodado que ia até o meio da coxa. Ele era branco, forrado de pequenos corações vermelhos e dourados. Um par de botas que iam até o joelho, com de ouro e uma espécie aureola, da mesma cor, presa logo acima de sua cabeça, completavam o traje. Fora isso, Um enorme par de asas brancas estava preso as costas.

                — Mas o que, em nome de... – Gray olhou para mim, depois para Happy, e depois voltou para Erza. Suas sobrancelhas se uniam no centro, com incredulidade.

                Erza ignorou o comentário e, estendendo os braços, invocou sua magia novamente. Um arco e uma aljava cheia de flechas, ambos ricamente adornados em tons de ouro e rubi, surgiram em suas mãos.

                — Cupido? – Eu sussurrei para Happy, torcendo para que Erza não escutasse.

                — Aye, eu não sei o que é isso Natsu! – Happy berrou, chamando o olhar mortífero de Erza para nós dois.

                — Cupido, Happy. – Ela disse, triunfante, retestando a corda do arco. – O deus do amor. Ah, eu esperei tanto para usar essa roupa... Não encontrava uma ocasião adequada!

                — Acho que nenhuma ocasião é adequada para isso aí. – Gray cochichou para mim, e nós dois rimos baixo. Quando voltamos a olhar para Erza, ela estava, literamente, com o rosto a centímetros de nós. Em seus olhos, sede de sangue.

                — O que. Vocês. Disseram? – Ela disse, agarrando Gray pela gola da camisa e a mim pelo cachecol.

                — Nadanadanadanada! – Gritamos os dois em uníssono.

                — Ora, seus...

                — Eu gostei da roupa, Erza! – Happy flutou até atrás dela. – As asas parecem com as minhas. Bonita.

                — Oh, você acha mesmo, Happy. – Imediatamente ela nos soltou e voltou sua atenção ao exceed.

                Gray e eu nos entreolhamos. Não dissemos nada, mas eu sabia que pensávamos o mesmo: Maluca.

                Erza era maluca. Destemida, forte, corajosa, companheira e nossa grande amiga. Mas mesmo assim, maluca. De um jeito até adorável, mas maluca.

                — Pois bem. – Erza pigarreou, voltando a fazer uma pose de triunfo, com as mãos na cintura. – Vamos começar isso logo! Temos muito, muito o que fazer para o encontro perfeito. Vocês tem sorte de que eu seja uma assídua leitora de romances! Ficará tudo como num sonho! Só que... Precisaremos de mais mãos para ajudar.

                — Mas agora? – Gray disse, consultado o relógio de parede. – Você disse que estava com sono...

                — Nada pode se interpor entre o amor de dois apaixonados! – Ela rodopiou, fazendo seus cabelos vermelhos dançarem no vento. – Nem mesmo o sono! Temos que correr para que possamos fazer tudo!

                — Aye. – Happy concordou, abrindo a porta.

                Erza saiu e Gray e eu ficamos para trás.

                — Mano. – Gray riu. – Ela ta empolgada.  Eu não sei mais onde isso vai dar. Acho que você só deveria ter convidado a Lucy pra jantar. Seria o mais normal.

                — Acho que ser anormal meio que já faz parte de mim. – Eu dei de ombros. – Eu fui criado por um dragão, afinal de contas.

                — Criado por um dragão e tem o bafo de um. – Gray provocou.

                — Ah seu lazarent...

                — Ei! – Erza gritou da porta. – Vocês vem ou não?

                — E aí? – Gray estendeu a mão em punho para que eu o cumprimentasse. – Vamos?

                Eu soquei o punho dele com o meu, sentindo um frio na barriga que não há como por em palavras. Eu só esperava que Lucy gostasse. Eu só esperava que desse tudo certo. Que nós déssemos certo. Eu a amava. A ela e unicamente ela. E agora que eu conhecia a imensidão desse sentimento, eu queria poder dizer a ela. Eu esperava conseguir dizer.

                E esperava que ela quisesse ouvir.

                — É. – Disse sentindo minha voz tremer. – Vamos lá!