História Apenas Palavras - Capítulo 4

PAIXÃO

substantivo feminino

1- grande sofrimento; martírio

2-sentimento, gosto ou amor intensos a ponto de ofuscar a razão.

3- ânimo favorável ou contrário a alguma coisa e que supera os limites da razão.

Depois de deixarmos o pequeno Saiko no apartamento e o alimentar, fomos andando lentamente até um restaurante perto de casa para que, finalmente, pudéssemos almoçar e voltar para casa. Assim eu espero, antes que o loiro possa inventar mais alguma coisa para fazermos. 

Todas aquelas pessoas juntas, conversando e demonstrando total felicidade em momentos como esses, de reunião com pessoas queridas, me deixava triste.  

Porque eu não consigo ficar dessa forma com Naruto ao meu lado? Me sinto tão completo com ele, mas mesmo assim é como se algo faltasse, se mesmo ele do meu lado não fosse o suficiente. Eu quero algo que não sei o que é, que se talvez eu tivesse alguma noção eu pudesse tentar ter, mas nem isso eu consigo. 

Mas o pior de tudo era olhar os casais felizes, mesmo com dificuldades eles se amavam e queria estar perto um do outro, nunca os abandonando, sempre cuidando. Eu nunca tive alguém que se importasse comigo dessa forma, que segurasse minha mão dessa forma ou me beijasse dessa forma. Sempre fui uma pessoa sozinha e achava que era normal, que a minha hora, algum dia, realmente iria chegar, que eu iria me apaixonar pela pessoa assim como ela por mim. Mas acho que esperei demais e agora tudo escorria por entre meus dedos, não me deixando a garrar a nenhuma oportunidade.  

Até Naruto já teve alguém dessa forma, e ele é um completo desmiolado. 

-O que foi? - Perguntou Naruto enquanto andava ao meu lado pela calçada larga demais. -Está triste? 

-Não. - Menti. - Só pensando. 

-Hum! Pensar é interessante. Vai me contar o que se passa ai dentro? - Me perguntou se referindo aos meus pensamentos. 

-Nada demais. - Dei de ombros, apenas querendo que o restaurante chegasse logo.  

-Qual é, Sasuke! - Disse alto, ele tinha esse pequeno problema de ficar gritando sem necessidade. Mas com o tempo eu já me acostumei e até acabei sentindo falta. - Somos amigos ou não somos?  

-Isso quer dizer que eu tenho que te contar tudo? - Perguntei direcionando me olhar para o loiro que parecia chateado , mas logo depois sorriu. 

-Apenas o que você quiser, não é como se eu fosse te obrigar. Mas poxa, você está tão triste, queria te animar. - disse ainda sorrindo e dizendo as coisas emboladas. Isso queria dizer que ele realmente estava chateado. 

Eu não consigo mais me controlar, as vezes eu digo coisas que o magoa mesmo, acho que perdi o dom da palavra, e agora só sei o machucar. Respirei fundo e tentei concertar a burrada que fiz. 

-Se eu não quero contar é porque não é importante, não se preocupe com coisas pequenas como essas. - Disse voltando a olhar pra frente e ouvir um fraco muxoxo no maior. 

-Sua tristeza pra mim nunca foi uma coisa pequena pra mim. - Saiu quase que em um sussurro me fazendo escutar com dificuldade, mas ainda sim conseguir entender. 

Olhei para ele novamente mas dessa vez de uma forma mais rápida, como se eu tivesse levado um susto. 

-O que disse? - Perguntei. 

-Nada. Ah! - Abriu o sorriso de novo. - É esse o restaurante que disse? - apontou uma loja mais a frente, bonita e simples. 

-Sim, sim, inaugurou alguns meses depois que você foi embora.  

-Não diga dessa forma! Parece que eu te abandonei quando você usa esse tipo de entonação! - Bronqueou se sentindo culpado, com certeza.  

-Mas você me abandonou, idiota. - Falei normalmente e indiferente, era verdade, mesmo que eu tivesse dito pra ele aproveitar a oportunidade não tirava o fato dele ter realmente ido. Não sou egoísta, então não disse nada. 

Não falamos mais nada depois disso. Entramos no restaurante e pegamos uma mesa mais afastada das outras, eu estou morrendo de dor de cabeça e meus olhos estão ardendo de tanto olhar para a tela do computador. Naruto se preocupou, claro que ele se preocupou. Quase saiu correndo até a farmácia mais próxima pra me comprar um remédio se eu não tivesse o impedido. Ele é meio extremo, não é como se eu fosse morrer, mas gostei da iniciativa dele. Esse tipo de ações me dão uma pontada boa no coração, ser querido por alguém é realmente muito bom.  

-Vão pedir o que? - Chegou um menino magro, alto, pálido e de cabelos escuros perto de nós do nada me fazendo ter um pequeno ataque cardíaco.  

-Ahm...- Naruto olhou para o cardápio um pouco desnorteado assim como eu e no final, decidimos pedir por uma macarronada com almondegas.  

-Sasuke. - Naruto cochichou me chamando se debruçando sobre a mesa e colocando o cardápio na lateral do rosto. Me chamou com o dedo indicador, parecia querer me contar um segredo. Me debrucei sobre a mesa assim como o loiro e olhei em seus olhos. 

-O que é? - Perguntei sentindo novamente nossas respirações se misturarem me deixando nervoso e até um pouco assustado.  

-Sabe o menino que acabou de sair daqui? - Perguntou tentando conter um sorriso. 

-O que que tem ele? - Perguntei revirando os olhos e bufando. 

-Você tem algum gêmeo? -Questionou do nada me fazendo franzir os cenhos em confusão. 

-Você está brincando comigo? - Perguntei achando aquela conversa muito absurda para o meu gosto. 

-Não. - Sorriu, do mesmo jeito que ele sorri quando quer paralisar o meu coração. - É que você são idênticos! Ainda mais agora que você perdeu peso. 

-Eu não pareço com ele. -Ditei. Levantei minha cabeça um pouco mais, para poder deixar apenas meus olhos aparecendo, me dando a visão do moreno. Puta merda, ele realmente se parecia comigo. Voltei para encarar Naruto com o rosto completamente quente. - I-Idiota. 

Naruto soltou uma leve gargalhada fazendo com que ele abaixasse a cabeça indo um pouquinho mais para frente, sem querer. Quando parou e voltou a olhar em meus olhos a ponta de nossos narizes roçaram em um leve carinho, fazendo todo o sangue do meu corpo ir para o meu rosto assim como o do loiro. 

-Ne, Sasuke, se lembra do beijinho que esquimó que costumávamos dar? - Perguntou sorrindo muito, tanto que fechou os olhos, e balançando a cabeça, fazendo com que nossos narizes se tocassem mais. Me fazia cócegas mas eu estava muito submerso em sensações para poder me afastar. 

- Quando faço isso me lembro da mamãe. - Disse enquanto sentia os movimentos serem freados pelo loiro, mas não os parando por completo. 

Eu sabia que aquilo era uma situação delicada, tanto física quanto emocional. Os pais de Naruto morreram assim como os meus, mas os dele foi um caso mais diferente. Kushina, a mãe do loiro, acabou ficando doente demais, não conseguiu aguentar e acabou falecendo. Logo em seguida foi a vez de seu pai, sem a esposa por perto e um filho pequeno para cuidar, não aguentou por muito tempo e morreu por depressão e anemia. 

Agora sei o porque ele veio desesperado ao meu encontro e o porque de ele querer me ajudar mais do que tudo nessa fase de minha vida. Ele não podia perder mais alguém, assim como eu também não podia. Ele não se perdoaria caso eu morresse e ele não tentasse nada para me ajudar. Agora tinha ficado tudo tão claro. 

Eu ter falado de minha mãe o fez lembrar da sua com certeza, o deixei triste novamente. É isso que eu mais faço com ele, não consigo o deixar feliz. Será que ele não percebe que eu sou uma droga para ele? 

Memórias de minha mãe estavam inundando minha mente assim como as memórias de meu pai e irmão. Ainda com os olhos fechados o senti colar nossas testas, enquanto segurava cardápio nos tampando.  

-Sinto falta deles. - Eu disse fraco e triste.  

Senti um leve carinho em minha mão, logo em seguida sentindo o loiro a segurar.Toda a situação estava muito estranha, eu estava com o rosto perto demais do de Naruto, ele segurava minha mão e sussurrávamos um para o outro. Mas eu não deixaria que esse tipo de pensamento me impedisse de ser consolado e consolar meu amigo, nem os olhares que com certeza tínhamos sobre nós dois. 

-Hm. -Concordou apenas me escutando.  

Não sei o porque, mas estar assim, tão perto dele me deixa nervoso. Minhas mãos estão suando muito, meu coração bate muito rápido e meu rosto não para de esquentar.  

Mordi meu lábio inferior sendo bombardeado de lembranças e pensamentos sobre mim e como estou agora. Eu sabia que iria chorar, eu não conseguia mais me controlar tanto quanto antes, mas ainda sim eu tento. Eu estou prestes a entrar em pânico ou um colapso depressivo, que acontece quando você não consegue controlar suas emoções por ter uma carga emocional muito forte. Tudo veio átona de uma vez só e Naruto acabou percebendo. Eu podia sentir seu olhar sobre mim e isso também me assustava muito. Eu tremia muito e a falta de ar era presente assim como a dor em meu coração. 

Senti uma movimentação pela parte da Naruto mas não conseguia perceber o que era, eu estou ofegante e não conseguia abrir os olhos. De repente, sinto algo macio, quente e úmido tocar meus lábios e ser pressionado contra eles. O aperto em minha mão se intensificou e os movimentos em meus lábios também.  

Dessa forma eu pude, finalmente, voltar e ter controle sobre meu corpo e abri meus olhos. Os olhos do loiro estavam fechados com força e a centímetros dos meus, seus lábios tocavam os meus em movimentos lentos, mas intensos. Por um momento eu me perguntei o que estava acontecendo ali e o porque eu estava sendo beijado pelo meu melhor amigo. Mas no momento seguinte tudo se apagou e eu retribui o beijo, podendo finalmente respirar pelas narinas.  

Permiti que a língua do mais alto adentrasse a minha boca e uma sensação intensa veio junto. Seu movimentos eram muito provocantes e bons, eu me perdia em seus gestos e me deixei levar. 

O beijo logo foi apartado, encostamos a testa novamente e Naruto abaixou o cardápio, podendo relaxar as mãos. Estávamos ofegantes e corados, com toda certeza. 

-Me desculpa, você não estava me ouvindo, parecia em pânico. Eu ... eu tive que fazer isso. - Tentou se justificar, o que para mim, mais pareciam um bando de palavras desconexas em uma sentença que eu não fazia muita questão de prestar atenção agora. 

Não sei o que eu estava sentindo. Medo? Arrependimento? Tesão? Tristeza? Alívio? Decepção? Eu realmente não sei. 

Me afastei do loiro, encostando minhas costas na cadeira estofada do restaurante, ainda de olhos fechados e respirei fundo. 

-Eu já não sabia o que fazer. - disse nervosamente e desesperado. 

-E por isso me beijou? - Abri os olhos e pude o ver ainda debruçado com os olhos azuis olhando diretamente para os meus. Por um segundo pensei em vacilar, mas consegui me conter. 

-Eu...  eu não sei porque fiz isso. Foi um impulso. - então era isso, apenas um impulso.  

-Então se isso é tudo, não precisa se preocupar. Obrigado por me tirar daquela situação, eu já estava começando a me sufocar. - Falei ainda sem graça pelo que tinha acontecido.  

O loiro voltou a se sentar na cadeira corretamente com uma carranca monstruosa, ele parecia bravo ou triste com algo.  Logo depois disso o garçom moreno se aproximou com os nossos pedidos. 

-Peço desculpa pela demora, hoje está um pouco cheio. - disse colocando os pratos em cima da mesa e olhando para mim. - O senhor está bem? - Perguntou educadamente. 

-Estou bem. - Menti.  

-Então, já vou indo. Aproveitem a refeição. - Deu um leve sorriso e se afastou.  

-Está mesmo bem? - Naruto me perguntou ainda com o rosto sério, mas demonstrando preocupação na voz.  

-Eu não sei. - disse sem pensar e Naruto me encarou largando os garfos em cima do prato. - E-Eu estou bem. - Me corrigi, mas já era tarde demais. 

-O que houve? - Se segurou na cadeira e pude ver todas as veias de seu braço se sobressaltar e seus músculos fortes se tencionarem. Senti meu rosto esquentar e desviei o olhar. 

-Nada demais, vamos apenas comer.  

Se eu tinha uma certeza era que eu não estou bem, e mais ainda que depois desse dia, nada irá ser como era antes.  

Não pra mim.