Apenas por um dia.
Efemeridade: Característica do que é efêmero. Passageiro, pouco duradouro, "apenas por um dia".
Vagarosamente, com passos arrastados, os coturnos que pareciam pesados - levavam-o para aquele qualquer lugar. Qualquer lugar qual se fazia presente em sua vida desde alguns anos atrás. E seriam palavras erronias dizer que o garoto não sabia dizer quantos anos se passaram desde que desistira de viver e estivesse apenas num jogo de sobrevivência - como naquele exato momento. Park Jimin se considerava um sobrevivente, qualquer sobrevivente. Ele sentia seus pés falhos, doíam tanto. A lata em sua mão, quase vazia, decorava sua situação cambaleante. Os olhos caídos, ora levantados para observar onde estava, ora fechados por mais de 2 segundos. Na sacola pendurada em seus braços estavam as outras 6 latas grandes de cerveja, aquelas que sobraram das 46 que havia comprado, a meia hora atrás.
Seu propósito não era chamar atenção, não era ser olhado como um mal caráter na rua por pessoas sem outro objetivo a não ser julgar. Mas esquecer. Esquecer que continuava vivo, esquecer que o dinheiro sobrando em sua carteira acabaria tão rápido quanto sua vontade, esquecer que já faziam dois dias que não comia nada além de biscoitos de água e sal. Esquecer que a noite estava gélida, esquecer que o medo em sua cabeça era irreal, esquecer todos os detalhes de seu passado. Não sabia nem sequer por onde andava, pra onde caminhava, ou o que buscava naquela noite terrivelmente escura. Qualquer lugar. Os postes de luz pareciam tão enfraquecidos quanto ele. Gemeu baixinho ao sentir a dor aguda em seu pé esquerdo, estava tão cansado. O suor escorria pelo seu rosto, assim como escorria por todo corpo, deixando os fios de seu cabelo escuro grudados em sua testa. A regata branca que usava já se fazia colada em seu peito, completamente encharcada, sem poder ser definido se era suor ou a cerveja que em algum momento caíra em si. Arremessou a lata recém terminada para o lado, pegando outra da sacola.
-1.
Onde estava? Queria reconhecer aquele lugar. Parecia estranhamente amigável. Era uma rua silenciosa, as casas da vizinhança com as luzes completamente apagadas, os cachorros não se importavam com o ébrio se arrastando solitário por aí, como se soubessem de sua necessidade de vagar para obliterar. Afinal, esse era o seu único desejo.
Gemeu. Gemeu não só pela dor que havia começado a sentir em seu estômago, não só pela dor presente em seu pé esquerdo, e não só pela dor em todo seu corpo. Não só pelas explosões em sua cabeça. Mas sim por conseguir cheirá-lo. Por descobrir enfim o que queria descobrir. Aquele cheiro, ele reconhecia-o, era o cheiro que o atormentava todas as noites, todos os dias, todas as madrugadas vagadas e não vagadas desde sua sobrevivência no mundo. E, definitivamente, estava entorpecido por aquele cheiro. Por aquele cheiro que beirava amargura com luxúria, que lhe fazia mal. Muito mal. Ele o odiava e se odiava. O odiava por sempre se fazer presente quando estava em seu momento de poder desabar, se odiava por permitir aquilo. Arremessou a finalizada segunda lata para o meio fio da rua.
-2.
Arrepiou-se ao sentir o líquido com completa amargura deslizar por sua língua, descer em sua garganta. Respirava errado, seu coração estava indiscretamente disparado. Desesperado. Sua visão turva vagou por todas as camadas das ruas. Seu coração apertou-se. Ele o enxergou, parado em uma das esquinas, encostado no muro, com o típico cigarros entre os lábios, o observando cair. Jimin nunca desejou tanto ser resgatado, por qualquer bastardo na rua que fosse, ele estava a ponto de implorar em qualquer uma daquelas casas adormecidas.
Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor.
"Por favor, diga que me reconhece. Diga que eu ainda sou um ser humano. Diga que essa dor vai passar. Diga que ele vai desaparecer."
Mas ele não implorou. Ele não sabia ao certo. Ele nem sabia pra onde ir, ou onde iria terminar sua jornada, que havia começado as 7P.M e já durava 8 horas. Um qualquer lugar parecia ser difícil de ser alcançado. Sem descanso, sem piedade consigo mesmo. Suas bochechas coradas, seu corpo em chamas, sua cabeça explodindo dolorosamente, seus olhos avermelhados. Quem o visse falaria que aquilo tudo era por sua embriaguez, por sua vagabundagem. Mas era mais que isso. Como ele poderia explicar a alguém superficial que seus julgamentos eram superficiais? O pequeno garoto de 23 anos tinha muito mais motivos para estar daquele jeito. Ele pensou em uma pequena possibilidade de largar aquelas latas em uma lixeira próxima, e simplesmente se jogar em qualquer chalé do parque, por onde passava, para enfim pregar os olhos e sumir do mundo. E nesse exato momento de sua linha de pensamento ele pode ouvir. Chegara naquele ponto de delírio onde podia ouvir a voz, sussurrando em seu ouvido, sussurrando palavras que o faziam sorrir. Um sorriso do qual nem se lembrava do formato.
Simplesmente ignorou-se. Seguiu andando, por mais falhos que seus passos já se mostravam ser. E deixou cair a lata vazia em seus pés enquanto ouvia-o, sentia-o e desfocadamente via seus vultos
-3.
Nem esperou qualquer sentimento lhe atingir. Ele queria se distrair daquele pontilhão de medo, por onde começava a pisar. E por sua goela virou completamente o líquido âmbar. Seu nariz começou a formigar. Seus olhos embaçados pelas lágrimas recentes que apareceram sem qualquer cerimônia. A bebida o levaria, talvez, para qualquer lugar.
-4.
Incapaz. Ele estava incapaz de continuar. Seu pé esquerdo qual antes já doía parecia não aguentar qualquer contato com o chão. A dor fazia Jimin se contrair e gemer alto. Havia sido uma queda interessante. Pisou e seu pé falhou. Ele tombou para frente, caindo de encontro com o chão. Podia sentir sua testa latejar. Podia sentir seu corpo num formigamento lento. Podia sentir o gosto de terra e de ferrugem em sua boca. Seus lábios ardiam, assim como suas retinas, assim como seu joelho, assim como a ponta bonitinha de seu nariz. Podia ver as outras 2 latinhas da sacola rolarem para longe. Sentiu sua realidade escorrer de seus olhos.
Lhe haviam tomado tudo.
A felicidade, sua resistência, suas lágrimas, sua vida, sua sobrevivência, sua quarta lata pela metade, suas duas latas não abertas, sua lucidez, sua vontade, seus desejos, sua história, seu futuro, seus sonhos, seu Jeon Jungkook.
Mesmo que desde o início ele soubesse que esse último era efêmero. Jimin havia sido avisado sobre isso. Mas não escutou, ou se esqueceu sobre aquele detalhe. Ele não queria ter esquecido. Ele não deveria ter esquecido.
Mas agora, mesmo afirmando variadas coisas, continua a dizer que seu único desejo é esquecer.
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