1. Spirit Fanfics >
  2. Apenas um sonho >
  3. O que faz uma lágrima - Parte II

História Apenas um sonho - O que faz uma lágrima - Parte II


Escrita por: Maallow

Capítulo 140 - O que faz uma lágrima - Parte II


O Palácio de Marmoreal amanheceu em silêncio enquanto eu observava a lareira, na sala de visitas.  

Gostava de ver a forma como o fogo consumia as lenhas frescas, eu sentia o poder sobre as chamas vivas. O fogo se espalhava rapidamente, eu aproveitava para degustar um bom vinho, dispensando o café da manhã com os meus súditos. 

Eu não precisava deles. 

Desejava estar com os meus pensamentos que ardiam como o fogo da bela lareira de mármore. Meus pensamentos me enlouqueciam, a ansiedade de executá-los era maior do que tudo. 

 E a aquela espera, espera pelo momento certo... Me matava aos poucos.  

-Eu não preciso do Oráculo. - Pensei, sorrindo de canto. - E tenho quase que certeza que Chessur o roubou de mim para entregar a Alice... - Balancei a cabeça e cerrei meu olhar, imaginando o sorriso zombeteiro do felino. - Até hoje não sei de que lado este gato está.  

-Ele não tem um lado. - Enid vinha devagar em minha direção. - Não é bom e nem ruim, apenas neutro. Eu diria que ele segue seu instinto. - Se curvou, brevemente. - Soberano. - Pausou. - Tenho uma notícia que vai alegrá-lo. - Ela levou sua mão ao ventre inchado, esperando que eu retornasse um sorriso caloroso. - Hum... É um menino.  

Me aproximei de seu rosto. - O que me alegraria mesmo é ver Hightopp morto.  

-Se sente alegre em saber que vai matá-lo? - O tom da meretriz entristeceu, sorri fraco, enquanto desdenhava de seu olhar repulsivo. - Não se sente culpado?  

Caminhei, dando voltas pela majestosa sala de visitas. - Como me sentiria culpado? - Balancei meus ombros, a feiticeira me olhava com instigação. - Eu matei todo o seu clã.  

Suas sobrancelhas escuras se esticaram, apontando o quão parecia surpreendida. - Foi mesmo Vossa Majestade? - Engoliu. - Matou todos eles. - Seus olhos desviaram dos meus. - Matou um clã inocente, Tarrant foi a única testemunha. - Pensava. - E você... Sempre aproveitou de sua insanidade para desmentir.  

-Ora, Enid... - Apertei o seu rosto, pressionando seus lábios. - Por acaso não está querendo me dar um sermão, está? - Sorri de canto. - Todos nós fazemos coisas erradas. Você é um bom exemplo disso.  

Ela se afastou, ela me temia. - Como eu estava dizendo... - Recomecei. - Eu não preciso de um Oráculo. Eu tenho você.  

Enid precisou concordar. Ela sabia bem ao que me referia. 

Fomos até o seu quarto, eu já havia me acostumado ao cheiro forte de incenso que exalava toda a vez que ela abria a porta. Ignorei a bagunça de vestidos e mantas espalhadas em seu quarto, a maioria deles não cabiam mais em seu corpo que estava em constantes mudanças, graças ao filho bastardo que nos esperava.  

-O que vê? - Não demorei até perguntar. Ela remexia seus dedos acima de sua bola de cristal, estava atenta a leitura das imagens, na qual eu não tinha o poder de enxergar. Era um aprendiz de feiticeiro, ela me dava aulas de vez em quando, mas eu nunca senti interesse por magia.   

-Ele está deitado na cama, com muita dor. - Disse ela, tenebrosa. - A Morte está vindo. - Estremeceu. - Alice está ao seu lado. - Pausou. - Ele pediu que ela o matasse.  

Demorei para por meus pensamentos no lugar, isso significa a ruina de meus planos! -Isso não é possível!  

Enid me olhou, tinha medo quando eu me tornava agressivo, a cicatriz em seu rosto não a faria esquecer o quanto eu poderia me tornar pior quando estava com raiva.  

- Acalme-se, Soberano. Sinto muita resistência por parte da Alice. - Ela moveu seus dedos, observando o cristal. - Mas está segurando um punhal.  

-Faça alguma coisa. - Sacudi as mãos. - Qualquer coisa.  

-Majestade, eu não posso fazer nada! Grande parte de sua dor não é por causa de feitiço algum! Ele está mesmo doente... E... A intoxicação o consome. 

-Eu não quero saber! Eu vou matá-lo. E será uma morte merecida. - Resmunguei. - Está no Oráculo e isso não pode mudar! - Pensei... ''Enid precisa ser útil para alguma coisa. '' - Quero que amenize sua dor. - Me virei para a Meretriz. - Faça algum feitiço... Use todas as artimanhas possíveis. Hightopp não merece uma morte tão confortável.  

Ela assentiu, engolindo. - Se Chessur entregou mesmo o Oráculo... - Preparava as misturas no caldeirão. - Eles provavelmente estão tentando impedir que Tarrant morra da forma tão terrível que planejas...  

-Eles não vão conseguir. - Afirmei. Sentia as chamas do poder em minhas mãos. - Terei minha vingança e o louco terá sua morte. E está mais perto do que todos imaginam.  

Abri sua porta e fechei com força ao sair. Andava pelos corredores, estava completamente seguro de minha vitória, e certo de que Enid pouparia as poucas energias de Tarrant e ele traria Alice para mim, como foi destinado.  

Desci as escadarias, ignorando qualquer criada que passasse por mim.  

Abri a porta da sala do Trono e caminhei pelo tapete vermelho, Nivens McTwisp se curvou diante de minha soberania.  

Sentei, afundando minha cabeça, confortavelmente. - McTwisp. 

-Sim, Majestade? 

-Chame o líder do Exército de Copas e diga que quero a melhor das armas. 

## 

Fechei os olhos quando senti a madeira firme da faca em minhas mãos. Caminhei lentamente até sua direção e ele me fitou, tentando guardar em sua memória. - O-obrigado, A-Alice...   

Meu corpo tremia quando me sentei.   

Hightopp ajeitou o punhal em minhas mãos para que eu segurasse com mais força.   

Seus dedos se moviam devagar, e botão por botão, ele abriu seu pijama de camurça. Era cuidadoso com suas roupas e certamente não queria rasgá-la com a faca ou sujá-la com seu sangue. Afastei o tecido, sentindo sua pele... Seu tórax exposto e ali estava o coração, palpitava vivamente, esperando ser apunhalado.  

Ele fechou os olhos quando toquei em seu rosto, afastando os cachos de sua testa. 

Eu sei que ele sentia medo.  

E eu, conseguia sentir a morte, tão perto de nós. Era como se ele nos assistisse, sentado a cadeira, acreditando que tudo aquilo era um erro.  

Ergui o punhal, que brilhou contra a luz do amanhecer. Estremeci. Sentindo, que com toda a certeza, eu não conseguiria chegar ao fim. Eu queria poupá-lo de sua dor. Eu queria fazer o que fosse preciso para que ele não sentisse mais dor, não sentisse mais nada que o fizesse sofrer... 

E Tarrant não sentiria.  

No entanto, a mesma sensação que tive quando fui desafiada pela morte se repetia... E não era a primeira vez, tampouco era a segunda...  

Eu não pude matar o Jaguadarte, e não consegui matar a mãe do Rei, nem mesmo o Rei, apesar de tudo...  

Eu gostaria de matá-lo. Como eu gostaria de matá-los...  

No entanto, aquela sensação de impotência, e aquela voz dentro de mim era mais forte do que qualquer coisa. ''Alice não mata '' - Um arrepio transpassou por mim. Se eu não estivesse tão amedrontada eu poderia dizer que reconhecia aquela voz.  

-Tarren... Eu não vou conseguir... - Balbuciei com fraqueza.  

Ele não abriu os olhos, apenas se esforçou para sentar-se.  

Me levantei antes que ele segurasse meu punho e corri.  

Desci as escadas segurando a faca e apoiei minhas mãos no joelho assim que cheguei na cozinha.  

Meu rosto estava molhado, não eram lágrimas, mas sim suor. - E-eu posso me casar com dois homens que não me amavam... Posso viajar para um Mundo estranho e surreal. - Solucei, ajoelhando-me. - P-posso... Enganar o Rei por nove meses e ser uma Rainha adúltera, mas... I-isso eu não posso fazer... - Escondi meu rosto com as mãos. - Me perdoe, Tarrant...  

''Está chorando, menina?'' - O Gato de Chessur se materializou na cozinha, sobre a pia de mármore.  

Me limpei. - Eu estou bem.  

Ele sorria, mostrando aqueles dentes cortantes. - Você sempre nega suas lágrimas... - Voou. - Ou o motivo delas. Quase sempre é ele.  

Me levantei. - Eu só estou com medo.  

Reparei que ali estava o Oráculo, juntamente com a cartola tão amada por Tarrant. - Chessur! - Não pude resistir aquela animação momentânea. Peguei a cartola, colocando-a bem protegida em meus braços. 

-Não se preocupe, menina... - Disse o Gato. - Eu sempre tive um fascínio por essa cartola. Mas é meu presente para o Tarrant.  

-Só mesmo você para classificar como presente algo que, por direito, é dele.  

-Na verdade... É de Charles Kingsley. - Sorriu mais. 

Encarei a cartola meio envelhecida em minhas mãos. - Como sabe disso? 

-Acha que eu não estava por perto quando a pequena Alice entregou a cartola de seu pai a um desconhecido? 

Estranhei. - Você está mesmo em todos os lugares... - Observei o Oráculo, ainda incrédula por vê-lo. - E eu agradeço por isso. - Sorri.  

Chessur sumia vagarosamente diante dos meus olhos. Deixei a cartola num lugar onde poderia vê-la e preparei o chá. Separei a água no bule e ajeitei a lenha do forno, Valentina brincava no jardim, sem nunca se cansar. Busquei o pequeno pote de vidro com as folhas secas e as lavei, embora minha atenção se mantivesse apenas no Oráculo. 

Ele me atraía. 

E eu não pude resistir.  

Desenrolei-o, e não precisei esticá-lo tanto.  

Sua última página estava próxima. A folha amarelada e envelhecida, e no final, havia um detalhe que nunca reparei depois de todo esse tempo: Era um rasgo. Um grande rasgo que atravessava toda a folha. 

Era como se a outra parte do Oráculo estivesse perdida. 

Suspirei profundamente. 

Nada mais me interessava a não ser aquele confuso final. 

E era o mesmo. Porém, dessa vez, tentei me atentar aos mínimos detalhes.  

Estávamos em um vasto gramado, as folhas pareciam bem cuidadas, ao longe não havia muitas montanhas, apenas árvores altas de um bosque. Um pouco escondido havia um muro, muito parecido com o muro da entrada do Castelo.  

Eu estava de joelhos, não era possível ver minha expressão, eu estava de costas e usava um vestido azul claro com rendas brancas, o meu favorito.  

Tarrant estava caído no chão, sem parecer respirar.  

Uma flecha atravessava seu corpo.  

O céu trazia uma chuva e um brilho intrigante. 

Fechei o Oráculo quando me assustei com a fervura da água.  

 [...]

''Au, au... Q-querida!'' - Tarrant reclamava com Valentina.  

A menina estava em pé na nossa cama, segurava uma escova de madeira com cerdas finas. ''Papai, o senhor não pode se mexer! '' - Puxava os cachos de seu pai. Estavam meio úmidos e armados, havia acabado de sair do banho. ''Eu vou fazer uma trança no senhor! Segura o espelho assim! '' - Ela ajustou o reflexo de seu pai, Tarrant suspirou longamente.  

Decidi entrar. - São dez para as dez. - Mostrei a bandeja. - Está na hora do chá antes de dormir. - Me sentei ao seu lado, misturando algumas colheres de açúcar. - Como se sente? - Ele já não parecia tão abatido desde o último chá de folhas secas. 

-N-na verdade... - Bebeu. - Me sinto melhor do que antes!  

Me inclinei para beijá-lo. - Fico feliz. - Retruquei sorridente enquanto pegava Valentina nos braços. A garota parecia se recusar a soltar os cabelos do pai, numa meia trança, no entanto, estava sonolenta demais para resistir.  

Eu a pus na cama de seu quarto depois que saí, puxando a coberta quente. Valentina não demorou até pegar no sono, fiquei alguns segundos a admirá-la. Ela era nossa perfeita mistura.  

Toquei os seus cabelos e beijei a sua testa.  

Tranquei sua porta e saí.  

Voltei para o nosso quarto quando terminei meu banho. 

 A porta estava entre aberta, mas pude ver que Tarrant não estava dormindo. Ele se admirava no espelho, ajustando seu melhor acessório no topo de sua cabeça. Sorri, entrando. - Pelo visto você encontrou a cartola antes que eu lhe fizesse surpresa.  

O seu sorriso acabou com minhas estruturas.  

Tarrant era lindo de todas as formas.  

Me aproximei, interrompendo suas palavras... Nossos lábios se beijaram com urgência, segurei o seu pescoço, imergindo de olhos fechados naquele toque, eu sentia suas mãos afugentar-se em minha cintura. A ponta de nossas línguas umedecia aquele beijo quando agarrei o topo de seus cachos, libertos das tranças e deixei sua cartola cair.  

Inclinei o meu rosto para explorar o nosso beijo.  

Nossos corpos se uniam mais e mais. -A-Alice... - Ele respirou rente aos meus lábios. - A-acho que não devíamos fazer isso.  

-E-eu quero. - Eu o beijei.  

-V-você q-quer? - Demonstrava surpresa naquele sussurro.  

-Oh, eu quero... - Toquei o seu rosto. - Eu quero muito.  

-N-não brinque, A-Alice.  

Beijei o seu pescoço, não me cansaria de repetir. - Não estou brincando. 

Suas mãos desceram por minha roupa de cetim, encontrando a ponta do pijama, ele a levantou, deslizando sobre meu traseiro. Voltei a beijá-lo, pendurando-me em seu pescoço e abrindo seus botões, um por um, devagar. Nossos corações batiam no mesmo ritmo. Tarrant sentia minhas curvas e o seu corpo reagia as nossas sensações. 

Estiquei os braços, sem parar de beijá-lo e ele, por fim, se desfez do meu vestido de cetim.  

Abaixou o seu rosto para beijar a linha entre meus seios muito bem aprisionados no sutiã de algodão branco, ele puxava o seu cinto enquanto o fazia. E eu não conseguia pensar em mais nada a não ser estar em seus braços.  

Ele me apertou na cintura. Dizendo entre dentes: - Você não faria isso se não sentisse nada...  

Concordei em pensamentos. Ele prosseguiu, descendo a alça do meu sutiã e beijando o meu ombro. - E v-você me p-procurou m-muitas vezes. 

Nos beijamos. - Você também. - Sorrimos.    

Ele me levou até a cama, onde o colchão macio tocou minhas costas. O Ruivo me despia devagar, e eu aproveitava para observar a mudança do seu corpo. O quanto as manchas de sua pele aumentaram de tamanho, e o quanto seu físico continuava meio forte, apesar de não ter se alimentado bem. Os seus olhos estavam muito mais claros do que o verde forte que eu costumava ver, mesmo assim, ainda tinham o poder de me seduzir.  

Suas mãos me tocavam de forma que me levava a loucura.  

Juntei as sobrancelhas enquanto sentia seu beijo. ''Como fui louca de começar isso?''  

-Tarrant. - Eu o afastei, mas ele insistia em beijar-me. - P-pare... - Beijava o meu pescoço e acariciava meus seios, seu corpo se tornava pesado sobre mim, igualmente como minha culpa. - Você não pode se esforçar, estava quase morrendo de dor pela manhã. 

Ofegou, parando por um momento. - Não é esforço amá-la, Alice. 

-É melhor não arriscar. - Insisti em afastá-lo.  

-Me deixe fazer isso, Alice! - A seriedade e irritação estava exposta em seu rosto. 

Eu o olhei, ele estava coberto de sanidade. O abracei. - Se o pior acontecer... - Minha voz pesou. - Saiba q-que eu também vou te esperar. - Toquei o seu rosto. - Como você me esperou.  

Ele voltou a beijar o meu pescoço, não estava com pressa. Eu arranhava suas costas, sutilmente. Meus pensamentos voavam. - Eu sei que pode ter pensado... - Retomei, sussurrando. - E sofrido muito ao pensar que sim mas, eu nunca tive isso com nenhum outro. - Hightopp parou para me ouvir. Foi assim que minhas bochechas ganharam cor. - Com você é diferente. Sempre foi. 

-Uhn... - Sorriu. Deitando-me mais. - D-devo f-ficar feliz! - Ele levantou as sobrancelhas.  

Mordi meus lábios, também sorrindo. - Oh, você deve... - Descia a ponta dos dedos por minha barriga, fazendo-me cócegas. Acabei rindo fracamente até ele chegar no início do meu short de babados, onde havia um nó. Ele puxou o nó de uma vez, acariciando uma das minhas coxas quando desceu a peça juntamente com minha calcinha de seda.  

Hightopp me olhou bem, completamente despida, eu sorria com as bochechas queimando quando rocei meu pé em sua calça, acordando-o do transe, me ajeitei melhor entre os travesseiros, tentando relaxar-me enquanto eu o assistia livrando-se do restante de suas roupas.  

Nos beijamos mais, delicadamente. Por um momento me distraí, imaginando quantas vezes eu o beijei enquanto estava casada com Stayne e quantas vezes eu fiz mais do que isso. Tarrant corria muitos riscos por mim. - O-oh... - Senti sua língua atravessar meus lábios, ele segurou meu pescoço enquanto se movimentava. Um atrito passou a se criar entre meus cabelos e o puro algodão da fronha. Minhas mãos passeavam por suas costas, não muito largas quando fechei os meus olhos.  

''Alice...'' - Eu o ouvia sussurrar, aproveitando a intensidade do momento.  

[...] 

Sentia seus braços me protegendo e a sua respiração próxima ao meu pescoço. Meu corpo estava quente, enquanto meus pensamentos pareciam borbulhar. Algo escorria pelo meu rosto, mas eu não me enganaria... Não eram lágrimas.  

Estava transpirando.  

Talvez com febre. 

No entanto, eu tinha duas absolutas certezas:  

Eu havia tomado a poção dos sonhos.  

E eu não conseguia, de forma alguma, abrir os meus olhos. 

~*~ 

Estava farta de caminhar.  

Meus pés descalços atolavam na lama do bosque quase o tempo todo. Minhas mãos se ocupavam com a borda do meu vestido, eu não queria sujá-lo.  

Parecia estar cada vez mais perto da mesa de chá. Conseguia enxergar um vulto degustando um pedaço de broa. 

Decidi correr. Era um homem alto e parecia estar bem vestido.  

Como o meu pai.  

Quando me aproximei o bastante para arrastar a cadeira, pude entender o porquê eu me sentia tão aflita... 

Aquela sensação de que não era um sonho.  

-Boa noite, Alice. - Cumprimentou Ilosovic Stayne.  

Engoli. - Você... Pensei que não o veria nunca mais. 

Ele sorriu. Aprofundando a cicatriz que marcava o seu olho. - É para isso que servem os sonhos. - Ele fez uma pausa longa. - Por favor, sente-se. 

-Estou procurando o meu pai.  

-Não vai se sentar, senhorita Kingsley? - Ele usava um certo tom esbravecido. - Eu gosto de sua companhia. Apesar de desprezar a minha durante anos... 

Veio em minha direção. Mas eu não pude me afastar. Era como se minhas pernas não me obedecessem. - Podemos conversar. - Dizia.  

-Não tenho nada a falar com você.  

-É claro que tem. - Apertou o meu pulso, com força.  

-Solte-me, agora! - Não queria me mostrar fragilizada com aquele sonho terrível.  

-Não quer conversar sobre a lágrima? - Insistia.  

-Stayne...  

Ele pressionou o meu pescoço. - Ou sobre como matarei o Tarrant?  

A cor sombria do lugar ganhava tons mais leves...  

O meu corpo parecia flutuar...  

Foi quando consegui escapar daquela loucura.  

~*~ 

Ofegava com força. Passei as costas de minha mão pela testa, minha pele estava molhada quando afastei meus cachos, jogando-os para trás. Controlei minha respiração.  

Tarrant me encarava em silêncio. - Alice? - Ele tocou meus braços e forçou um sorriso. - Está tudo bem?  

Disfarcei. - Está.  

-Uhn... - Ele puxou suas cobertas. Virando-se para o outro lado. - Boa noite. - Resmungou. 

-E-espere... - Eu o balancei. - O que houve?  

-B-bom... Se quer mesmo saber. - Se virou, parecendo intrigado. - Por que estava chamando o nome do Rei?  

-Foi... Foi por que eu tive um pesadelo.  

Tarrant me olhou. - Boa noite, Alice.  

O Ruivo se encolheu entre as cobertas. Me levantei, cuidadosamente, levando o pequeno tubo de ensaio com o líquido arroxeado, ou o pouco que havia restado dele.  

Desci as escadas e saí para o jardim. Eu estava sonolenta, mas não queria arriscar ter outro encontro inesperado. Deixei a cabana e me sentei na beira do lago, observando a forma como a água batia devagar nas pedras que imergiam do fundo. 

Levantei a cabeça. Contemplando o que existia de mais lindo no céu. 

Uma aurora esverdeada, realçando o brilho das estrelas.  

Elas piscavam. Cada uma mais brilhante do que a outra.  

Pareciam se esforçar em conseguir minha atenção. 

-Parecem pedir socorro para mim. - Imaginei enquanto pensava. - Por que para mim? - Desci meu olhar para a poção dos sonhos. - Por que eu? - Suspirei com angústia, ela apertava o meu peito. - Não sou tão especial assim.  

Retirei a pequena tampa que enroscava o tubo e bebi o que restava do fim da poção. Somente algumas gotas açucaradas.  

''Quando eu a peguei em meus braços pela primeira vez, eu sabia o quanto era especial. ''  

Me virei depressa. 

Charles Kingsley estava parado ali.  

-Eu devo estar ficando louca.  

Ele sorriu com minha afirmação. - Não... - Tocou em meus cabelos, e então tive certeza de que era real. - Só está sonhando acordada. - Sentou-se, dobrando seus joelhos no gramado.  

-Pai. - Abaixei a cabeça. - Me diga que o senhor tem a resposta, que o senhor sabia esse tempo todo...  

-Eu tenho a resposta. - Pausou sorrindo. - Só não a possuo.  

-C-como assim? 

-Alice. - Ele me chamou com aquele tom que eu conhecia muito bem. - Estou decepcionado com você. 

-Tudo bem. - Dei de ombros. - Acho que até eu estou.  

Fiquei em silêncio, sem me cansar de admirar o céu. Charles Kingsley possuía seu sorriso cativante, também observando as estrelas. - Pai, o senhor sempre tem resposta para minhas perguntas...  

-O que deseja saber, minha filha?  

Torci os lábios. Era complicado. Eu queria saber tantas coisas... 

-Como é a morte? - Eu o olhei, vendo que sua fisionomia mudou. Parecia mergulhar no dia em que se foi. - Como o senhor se sentiu?  

-Eu sentia a vida escapar. E eu não conseguia trazê-la de volta. - Segurou minha mão à beira do gramado, sua pele estava fria, mas eu não queria me soltar. - Me afundava na inconsciência... Nos primeiros minutos eu tentava... -  Me olhou. - Tentava a todo o custo voltar para você e sua irmã, mas eu não tinha esse poder.  Meus sentidos me deixaram... Um por um... E os meus pensamentos se tornavam cada vez mais longe. 

-Eu não sei se todos se sentem assim. - Murmurei. 

-A morte é o maior enigma da vida, mas não precisa ter medo de morrer.  

-Eu não estou com medo da minha morte. Estou com medo de que Tarrant morra. M-mas se for para ele me deixar, que ao menos possa ser antes de estar destinado a morte.  

-Pois assim ele voltará. - Apertou meu ombro. - Igual a todos que se foram antes de sua hora.  

Engoli. -Se ele for, o que vai ser de mim? - Questionei.  

-Você será forte o bastante para encontrar a resposta.  

Encarei o céu, e sorri fraco.  - Talvez possa existir um motivo para aquela aurora...  

-É uma bela vista. - Comentou Charles Kingsley, admirando a nuvem esverdeada no céu, ela cortava as estrelas e trazia um brilho incomum.  

-São como a cor dos olhos dele. Verde incandescente.  

-Eu imagino que sim. - Arfou. - Apesar de ter visto o filho de Zanik Hightopp poucas vezes... 

-Pai... - Eu o chamei, hipnotizada pela aurora do céu de Wonderland. - E se a lágrima ainda for de Tarrant?  

##  

-Muito bom dia, Majestade. - McTwisp me cumprimentava cordialmente, passávamos pelo jardim e o Coelho Branco insistia em me seguir. Bocejei, era uma manhã nublada. - Não gostaria de saber como vão os seus súditos? Algumas criadas estão com gripe... - Caminhávamos. - Tomei a liberdade de pedir que repousassem, se não se importa, Soberano. - Pausou enquanto saltitava. - E eu sei que está muito ocupado no momento, que encontrará com o líder do seu excelentíssimo exército... M-mas eu gostaria de avisar sobre o Oráculo... Eu não o encontrei. 

-Eu sei! - O cortei, irritado. - Mas teremos um longo dia hoje... Um dia de vitórias.  

Nivens McTwisp hesitou em concordar. 

Dei a volta até chegar nos fundos do jardim. - Ora ora... Parece que não está atrasado. - Sorri ao ver meu melhor soldado, embora não me lembrasse de seu nome.  

-Majestade. - Fez uma reverência, embora sua armadura de ferro não lhe permitisse dobrar muito os joelhos. 

-Trouxe o que lhe pedi?  

-Venha, soberano. - Retirou seu capacete, revelando o rosto queimado de sol e os cabelos curtos, meio grisalhos. Caminhamos até algumas árvores do jardim. Perto do balanço que Valentina costumava brincar. - Este é o meu arsenal. - Revelou, gesticulando. - As melhores espadas de Wonderland. Feitas sob medida. - Pegou uma das armas, brilhava com o Sol entre as nuvens.  

Segurei com cuidado, estudando a peça afiada.  

Deixei que meus dedos, protegidos pela luva de couro, deslizasse sob seu gume.  

O Soldado aguardava uma resposta, ansiosamente.  

-Eu gostaria de um arco e flecha. 

-É claro. - Rapidamente se prontificou. - Tenho uma coleção particular. - Procurava em um de seus caixotes de madeira, muito bem conservados. Eu espiava por cima de seu ombro, ansioso. - Essa aqui é a melhor. - Entregou-me a flecha, segurei com cuidado. - Como o Soberano pode ver... Sua haste é longa e fina, feita de madeira. - Assenti. - Veja que sua ponta é feita de osso. - Mostrou. - Um dos materiais mais resistentes e afiados.  

-Bom. Muito bom. Fale-me da distância... 

-Como não?! - Sorriu. - Pode atravessar um corpo até mesmo em vinte metros de distância ou mais.  

-Isso é perfeito. - Eu a alisei. - Ficarei com esta.  

Ele estava satisfeito. - Caçará algum animal nas montanhas, Majestade? 

-Caçarei um inimigo. - McTwisp e o Soldado se entreolharam. - Volte ao seu trabalho... - Eu o enxotei, desprezando sua reverência. - O que acha dessa bela flecha, Nivens? 

-Tens muito bom gosto, Soberano.  

Sorri. - Eu sei. E usarei um arco leve... - Eu o olhei, satisfeito. - Para não me cansar enquanto o estico. - Pausei. - Hoje é um grande dia, McTwisp. Não me parece muito feliz.  

-Apesar de sempre o repreender por suas brincadeiras. - Ele juntou as sobrancelhas enquanto remexia seu bigode branco. - Eu aprendi a gostar muito do Chapeleiro.  

-Não está do meu lado?  

-Não! Não! Majestade... - Tremeu. - Eu sempre estarei a favor da Realeza. E...  Bom... - Ajeitou seu terno. - Se está no Oráculo que Tarrant deve morrer...  

-Eu vou matá-lo. É o que diz o Oráculo.  

-Alice ficará inconformada. 

Sorri. - Espero que sim. - Caminhei, levando o arco e a flecha. - Será que ela encontrou a lágrima? 

-Creio que não, Soberano... 

-Do jeito que Kingsley é orgulhosa... - Balancei a cabeça ao comentar. - Ela nunca encontrará a resposta!  

## 

Abri os meus olhos devagar, os pequenos raios de luzes adentravam no vidro da janela, minha última lembrança daquela noite foi de ter me despedido de Charles. Sorri, abraçando o travesseiro e ouvindo alguns estranhos barulhos que não me incomodaram. Eu ainda estava sonolenta quando ouvi Tarrant tossir. Abri os olhos outra vez, tendo uma visão turva ao meu redor, resultado de uma proveitosa, embora mal dormida noite de sono. - Você faz tanto barulho... - Bocejei. - Deixe-me dormir—Observei bem.  

Ele cortava as saias do meu vestido, tinha agilidade o bastante para isso, mas não parecia se sentir bem em destruir o seu trabalho.  

Me sentei. - O que está fazendo?! 

-Eu só p-preciso... - Tossiu. - Tirar o volume dos s-seus vestidos. 

Eu não compreendia. - Por quê? 

De repente ele parou, repousando as mãos nos joelhos e ainda de costas para mim. Eu o vi abaixar a cabeça. - Eu n-não tenho m-mais tempo.  

-Tarrant... - Me levantei depressa. Ajeitando a chemise. - Tivemos uma noite inesquecível, n-não me lembre disso agora... - Toquei o seu ombro, ele continua cabisbaixo. - Daremos um jeito.  

Ele fechou os punhos, amassando o tecido em suas mãos. - Acho lágrima é do meu pai, ele disse que tem a resposta, vou encontrá-lo de alguma forma e vou pedir que ele me diga a verdade. - Pensei. Dando as costas. - M-mas... A Vida quer uma lágrima fresca. Faz algum sentido ser o meu pai? - Questionei, enquanto pensava alto. - Tarrant, sente que a lágrima é sua? Pois eu estou mesmo ficando sem alternativas. 

Hightopp arfou.  

- Desculpe, eu não queria preocupá-lo. E-eu prometo que tudo ficará bem... O Oráculo pode estar mentindo, você pode não estar morrendo, só... - Alisei o seu ombro. - Estar muito doente. - Ele levantou o seu rosto e eu me arrependi de minha reação. - Oh! Tarrant! - Gritei com desespero, encarando o que tanto me assustava.  

Apontei, trêmula. - T-T-Tarrant, s-seus olhos! - Me apoiei na escrivaninha. - C-céus, os seus olhos!  

Ele os cerrou, havia um brilho prateado. - E-estão muito mais claros, obrigado.  

Me acalmei. - Eu não quis ofendê-lo. Parece que estão brancos. Completamente brancos.  

Tarrant pegou o espelho de mão, encarando suas pupilas e tocando suas olheiras. - Cinza claro. - Ele disse, com decepção. - Eu não sei o que significa, m-mas eu sei que estou morrendo.  - Puxava o escocês de seu sotaque.  

Olhei para o chão, repleto de tecidos picotados. - O que está fazendo com os meus vestidos? 

Ele os enfiava de qualquer maneira dentro da mala. - E-eu... E-eu detesto admitir. M-mas... V-você precisa voltar para o Castelo.  

-O quê?  

Hightopp se levantou, olhando-me nos olhos. - Alice... - Suspirou, pesado. - Lá você terá conforto.  

-E-eu não quero conforto! - Me afastei. - Eu não acredito que está decidindo isso por mim! Quer me entregar ao Rei?! C-como você ousa pensar nisso depois de tudo que ele nos fez?! - Tarrant se calou com sua expressão de raiva e teimosia.  

-Você é a dona de Marmoreal. - Tossiu. 

-Isso não importa. N-nunca quis herdar! Nunca!  

-E-escute... - Ele segurou o meu rosto, porém, minha raiva era tão grande que me afastei de forma brusca. - Eu sei q-que nunca quis se tornar Rainha mas... - Ele gemeu. - O-oh, Alice, por favor! P-pelo menos fique com Marmoreal! P-pertence a sua família! 

-Eu já disse que não vou. - Cruzei meus braços.  

Ele puxou seus cabelos e gritou, usando suas forças, a mudança de humor já não me assustava. - Eu não quero que fique aqui, s-sozinha... E-eu quero que fique confortável e feliz.  

-Está dizendo que quer que eu volte e fique com o Rei? - Sussurrei.  

Ele mexeu com seus dedais. - E-estou mesmo louco, n-não? P-principalmente por que... É o que e-eu quero.  

-Por que, Tarrant? - Eu não conseguia acreditar. 

Hightopp hesitou.  

Porém, eu esperei que dissesse.  

Até que me olhou nos olhos. - Por que eu acho que você o ama.  

Eu ouvi em seu tom abatido toda a sua sinceridade. Ele respirava com calma enquanto as lágrimas emundavam seus grandes olhos entristecidos. - Foi só um pesadelo. - Queria esclarecer, mas o Chapeleiro deu de ombros e retornou ao que fazia antes: Cortar meus vestidos para que coubessem na mala. Eu já não me sentia forte o bastante para impedir.  

-Você só está com raiva... E sinceramente não entendo o motivo. - Ele parou o que fazia para arfar, parecia uma criança teimosa. - Está mais do que claro que, o que eu sinto pelo Rei não é nada além do que ódio e repulsa.  

-Eu n-não sei o que você s-sente, Alice... - Ele se levantou para me olhar. - E e-eu já estou decidido! Vou levá-la até o Castelo...  

-Não... - Sussurrei. - Tarrant, e se o Orác-- 

-E a senhorita vai me obedecer sem questionar! - Entregou-me a mala fechada, segurei rápido, antes que batesse em meu peito.  

Só conseguia pensar naquela ilustração, e imaginar que seu fim estava cada vez mais perto. Tarrant não estava preocupado com sua morte, ou o quanto isso me afetaria.  

Ele só pensava em si mesmo, e no seu orgulho de imaginar que talvez eu não o amasse...  

- Se é o que deseja. - Ruí os dentes quando resmunguei, nos olhamos, enfurecidos. - Entregar a mulher que ama para seu inimigo é como declarar que perdeu uma guerra.  

Hightopp engoliu, desviando seus olhos. - E-eu nunca tive a menor das chances contra o Rei. - Juntou as sobrancelhas fartas, que há muito já não mantinham a cor de cobre. - Ele me matou de todas as formas. - Eu via a pedra jogada em seus olhos, e a dor de um espinho cravado em seu peito. O pior de tudo foi não conseguir descordar. - Com licença... - Passou por mim, esbarrando em meu ombro.  

Eu me virei enquanto o assistia descer as escadas.  

[...] 

A cada passo as montanhas se tornavam mais distantes. O meu coração se comprimia, eu não estava preparada para o que parecia estar tão perto. Perigosamente perto. Valentina dormia no colo de seu pai, tombando a cabeça entre seu ombro e quase babando em seu terno azul. Ele não havia trocado palavra alguma desde que saímos, há algumas horas. Abracei o livro em minhas mãos, a capa grossa de couro e as folhas que poderiam se soltar com o vento que sacudia os galhos das árvores. Eu não tinha mais certeza se esse livro me daria respostas, desde que o encontrei, só obtive dúvidas.  

Suspirei.  

Ninguém poderia deter o Oráculo. Ele simplesmente acontecia... Como uma força maior.  

Observei o céu. Ele ameaçava acinzentar a medida em que meus olhos ardiam.  

Paramos. E eu não evitei a pergunta. - Será que há algum motivo para isso? Para a cor do céu...  

Tarrant estava apenas parado. 

Acho que ele não me escutava. Na verdade, eu não conseguia me livrar dos meus pensamentos profundos. Observava a forma como as nuvens espeças se juntavam. Os meus olhos ardiam, estavam quentes, no entanto, minhas lágrimas era a única coisa na qual eu tinha controle. 

Quando me dei conta... 

Estávamos parados na ruína de seu clã.  

O solo envenenado pelo fogo que um dia consumiu toda a sua família. - Não precisa ser assim. - Alisei suas costas. - Podemos voltar. E eu posso ficar com você. Eu quero estar com você.  

-N-não... - Ele juntou as sobrancelhas e me olhou, aquecendo minha mão com a sua. -  Eu quero estar sozinho.  

-Tarrant... - Gemi. - Isso é terrível.  

-E-eu escolhi esse maldito destino. - Olhou para o chão, e o resto de entulho que sobrava de seu clã. - V-você não consegue me m-matar... E n-não vai conseguir me v-ver engasgado pelo veneno que consome o meu corpo. - Seus lábios tremeram. - A minha família... Oh... Eles não tiveram chance de escolher... E-eles nem sabiam o que estava para acontecer.  

-Você não tem culpa. Você é um homem jovem e pode lutar por sua vida...  

-Estou morrendo, Alice! - Ele gritou com rouquidão, e depois tossiu.   

Voltou a caminhar, desviando das cinzas e do pó dos corpos queimados. - Você não entende! É um risco voltar ao Castelo e sabes disso!  

-Fala do Oráculo? - Riu. - O-ora, e-eu nunca fui de acreditar no Oráculo!  

-Mas tudo o que estava gravado aconteceu! - Retruquei. 

Ele apertou seus passos. Parecia me evitar, ou quem sabe, ser o mais breve possível para poder se livrar de nós. - O que vou dizer a Valentina?  

-D-diga que eu vou viajar...  

-Tarrant, isso não é brincadeira. Como quer que eu diga a ela que escolheu morrer sozinho?! Confinado em uma cabana no meio do nada!  

Nossos gritos despertaram a garota. Ele a colocou no chão, lançando um olhar de reprovação. Ela olhava ao redor, sem conseguir compreender. - V-veja, querida... - Ele tossiu um pouco enquanto se esforçava para agachar. - O castelo está ali. - Apontou ao longe para a criança meio sonolenta.  

Marmoreal estava próximo. - Vamos voltar para o Castelo? - Valentina perguntou animada.  

-Oh, vocês vão... - Disse Tarrant, alisando seus cabelos.  

-Eu não estou de acordo com isso. - Respondi enquanto Valentina segurava minha mão.  

Ele prosseguiu com sua viagem e nós o seguimos, sua tosse se tornava mais frequente e sua dor era nítida para quem prestasse a atenção: Os lábios se torciam toda a vez que seu sangue envenenado borbulhava.  

Valentina estava animada com a ideia de rever suas criadas e seus brinquedos favoritos, além de Mallynkum e toda a atenção que recebia dos servos. Mas se esquecia do Rei... A quem eu temia mais do que tudo. 

A medida em que o Castelo se tornava mais perto, eu olhava para os lados. 

-Tenho a sensação de estar sendo observada. - Disse entre dentes, apertando o braço de Tarrant. Ele riu. - Vamos voltar! Agora!  

-Não seja teimosa! - Tocou o meu nariz com a ponta do dedo. - Medrosa ou teimosa, e-eu n-não sei qual dos dois!  

-Não estou com medo. - Não admitiria. - Só sinto que é perigoso para você.  

Eu acho que ele desejava correr riscos.  

Principalmente por que não me deu escolhas a não ser segui-lo.  

Fiquei em silêncio. Valentina ainda lutava contra seu sono quando voltou a caminhar, acompanhando meus passos em silêncio, a sensação de que éramos espiados se tornava mais forte a medida em que Marmoreal estava mais perto de nós. Eu conseguia enxergar, ainda ao longe, as cerejeiras que Mirana cultivou, ouvir o som dos soldados marchando em volta e o ruído do portão da frente, toda a vez que alguma carruagem entrava ou saia. 

 Já não estava habituada com tanto movimento... Tinha me esquecido de como era morar num castelo, mas parece que eu precisava retornar. Quem sabe em Marmoreal eu poderia encontrar alguma pista que me levasse a resposta...  

''Resposta...'' - Encarei Tarrant sem que notasse. Ele sempre provou o seu amor, apesar de estar infectado com a sua loucura, eu acreditava ser um amor puro, capaz de tudo.  

''E se ele fosse a resposta? '' - Voltei a esse dilema, ele era minha primeira alternativa e seria a última. Eu estava tão certa de que era ele quando meu pai disse que a lágrima era de quem menos se espera.  

Ele sempre dizia ter matado o seu tempo.  

E depois de ter vivenciado tantas coisas neste Mundo, eu acreditava nesses absurdos.  

Hightopp suspirou longamente, pude ver seus olhos cinza claro focarem no Castelo de Mirana.  

Valentina soltou minha mão, correu pelo vasto gramado, seguindo o caminho de pedras que ligava ao portão principal. Eu queria gritar e pedir que não corresse, contudo, aquela sensação não me permitia.  

Caminhamos um pouco até pararmos.  

-É melhor você ir. - Temia por sua vida.  

Ele observava a criança correr de braços abertos para seu antigo lar.  

Entrelaçamos nossos dedos. - P-podemos nos separar para sempre, Alice. - Ele cerrou seus olhos marejados. - Igual a história do livro. - Alisou o mesmo, em meus braços.  

-Este maldito livro. - Eu o abracei, deixando que caísse, suas páginas se espalharam no gramado verde e viscoso, mas nada era mais importante do que o sentir em meus braços, saber que, por um momento, estava tudo bem. - Eu não quero que se machuque. - Ele alisava minhas costas, carinhosamente. - Me prometa que não vai doer.  

Ele beijou minha mão. - Prometa que não contará a ela. - Olhava para frente quando virei meu rosto por cima do ombro. 

Valentina corria pelo espaço livre em volta do Castelo. 

Assenti. 

E Tarrant sorriu, era seu doce sorriso.  

Seu último sorriso que permaneceu até acariciar o meu rosto. - Eu te amo, querida. E eu s-sempre vou amá-la. - Sorri, sentindo o toque de suas mãos. Me apoiei em seu pescoço e me preparei para beijar seus lábios. 

Tarrant se inclinava devagar, concentrado no beijo que estaria prestes a acontecer.  

Fechava meus olhos lentamente...  

Quando entre as árvores do bosque, surgiu um cavaleiro com o seu cavalo.  

Não houve tempo para que eu gritasse.  

Apenas assisti, como estivesse na primeira fileira num espetáculo de ópera.  

A flecha havia sido disparada habilidosamente de suas mãos. Ela se curvou um pouco, sem perder sua força e mira.  

Acertou em Tarrant, atravessando o lugar de seu coração. O sangue espirrou por meu vestido azul, e escorreu pela madeira fina da arma que ficou no gramado.  

Tarrant morreu e nem tivemos tempo para nosso último beijo.  


Notas Finais


Choremos! O que acham que vai acontecer nesse último capítulo?! Nem vou perguntar para vocês quem era o cavalheiro que matou nosso louquinho...
Se cada um que leu comentasse o que achou, vocês teriam uma autora muito inspirada para o último capítulo.
Mas se e não receber muitos comentários, aviso que nem posto mais e dou por concluída. u.ú (chantagem a essa altura da fic sim)


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...