1. Spirit Fanfics >
  2. Aqueles Olhos >
  3. Quinto Capítulo

História Aqueles Olhos - Quinto Capítulo


Escrita por: LizaLizaLiza

Notas do Autor


Novo capítulo. Desculpem a demora ...
É que eu ando matando muitos zumbis ..
É alguem tem que salvar o mundo de vez enquando

Capítulo 5 - Quinto Capítulo


Fanfic / Fanfiction Aqueles Olhos - Quinto Capítulo

Aos nove anos, tendo sobrevivido ao comportamento inconcebível dos pais por mais dois, Hinata encontrara refúgio num mundo onde ocasionalmente podia fugir deles. Escrevia poemas, histórias e cartas a amigos imaginários. Havia começado a criar um mundo onde, pelo menos por uma ou duas horas, os pais e as torturas por eles infligidas pareciam desaparecer. Ela escrevia sobre pessoas felizes vivendo em lugares bonitos, onde coisas maravilhosas aconteciam. Jamais sobre sua família ou as coisas que a mãe ainda fazia com ela sempre que tinha vontade. Escrever era sua única fuga, o único meio de sobrevivência. Era uma trégua num mundo cruel, embora aparentemente confortável. Hinata sabia melhor do que ninguém que nem o lugar onde morava nem o tamanho da fortuna do pai ou a distinção das famílias de seus pais protegiam-na do tipo de realidade que constituía o pesadelo de outras pessoas. A elegância da mãe, as joias que usava e as roupas bonitas penduradas no seu próprio closet nada significavam para Hinata. Ela conhecia o sentido da vida melhor do que a maioria das pessoas, e também as amargas contradições da sua própria vida. Muito cedo Hinata compreendera o que era importante e o que não era. O amor representava tudo para ela. Sonhava com ele e, sobre ele, pensava e escrevia. O amor era o que lhe havia escapado completamente na vida. As pessoas ainda faziam comentários sobre como era bonita, bem-comportada e impecável, como nunca era malcriada, respondia aos pais ou os desafiava. Assim como os professores, os amigos dos pais comentavam sobre o cabelo adorável, os imensos olhos azuis e o pouco que ela falava. Suas notas eram excelentes e, embora os professores lamentassem o fato de Hinata expressar-se pouco durante as aulas, e só responder quando forçada, estava mais adiantada do que a maioria das crianças da sua idade. Lia constantemente, e cedo adquiriu o gosto pela leitura. Assim como a escrita precoce, os livros que lia transportavam-na para outro mundo, a anos-luz do seu. Adorava ler e, agora, quando a mãe queria atormentá-la, jogava os livros fora e tomava dela os lápis e o papel. Era sempre rápida em descobrir o que mais importava à menina e, então, em obstruir todos os seus caminhos de fuga. Mas, quando isso acontecia, Hinata perdia-se em pensamentos, sonhando. Pelo menos no que era de fato mais importante, não podiam mais atingi-la, embora não se dessem conta disso. E, por motivos que ela mesma desconhecia, Hinata instintivamente sabia agora que era uma sobrevivente. Yono frequentemente fazia Hinata ajudar na cozinha, limpando, lavando os pratos ou lustrando a prataria. Reclamava que a menina ainda era insuportavelmente mimada e que era sua obrigação fazer-se útil em algum lugar da casa. Hinata lavava a própria roupa, trocava a roupa de cama, limpava o quarto, além de tomar banho e vestir-se sozinha. A ela não era permitido que ficasse ociosa por um momento sequer, ao contrário das outras crianças de sua idade, que tinham permissão para brincar no quintal ou em seus quartos, e ganhavam livros e brinquedos para se distrair. Sua vida ainda era uma luta constante pela sobrevivência e, conforme crescia, o preço que tinha de pagar aumentava, e as regras do jogo mudavam diariamente. Sua habilidade estava em decifrar as ameaças da mãe, determinar seu humor do momento e empenhar-se sempre para não aborrecê-la, fazendo todo o possível para não se expor à sua fúria. As surras ainda eram frequentes, mas agora Hinata passava mais tempo na escola, o que era uma bênção, pois a deixava longe de casa mais horas todos os dias. E, inevitavelmente, à medida que crescia, os pecados que era acusada de cometer tornavam-se mais sérios. Esquecer de fazer a lição de casa, perder peças de roupa, quebrar um prato quando lavava a louça na cozinha. Hinata sabia que era melhor não inventar desculpas para seus crimes. Simplesmente se preparava para o que viesse. No colégio, era perita em esconder os hematomas dos professores e das poucas crianças com quem brincava. Vivia isolada na maior parte do tempo. Não poderia mesmo ver as outras crianças depois das aulas; a mãe jamais permitiria que alguma delas a visitasse. Para Yono, já era ruim o bastante ter Hinata em seu caminho, destruindo a casa. Não tinha a menor intenção de convidar outras crianças para ajudar a menina na façanha. Aguentar uma já era bastante inconveniente. Outra, seria uma tortura inconcebível para ela. Durante os três anos em que frequentava a escola, somente duas vezes os professores observaram algo estranho com Hinata. Uma vez, quando pulava corda no recreio, o uniforme descobriu a coxa da menina, revelando os hematomas estarrecedores na perna. Quando perguntada sobre o que acontecera, ela disse que caíra da bicicleta no jardim de casa e, depois de se compadecerem em relação à gravidade do hematoma e à dor que ela devia ter sentido com a queda, todos esqueceram o assunto. A segunda vez foi no começo do ano vigente. Hinata tinha os braços violentamente machucados e um dos pulsos torcido. O rosto, como quase sempre, estava intocado, e os olhos mostravam-se inocentes, enquanto ela explicava uma queda horrível do cavalo durante o fim de semana. A menina foi dispensada de fazer o dever de casa até que o pulso melhorasse, mas não podia explicar isso à mãe, ao chegar em casa à noite; então, fez os exercícios assim mesmo, e pela manhã os apresentou no colégio. O pai continuava não se envolvendo, como sempre. Nos últimos dois anos, parecia passar a maior parte do tempo fora. Viajava a serviço, e Hinata sabia que alguma coisa desafortunada havia acontecido entre seus pais, embora nunca tivesse ficado claro para ela quando isso acontecera ou o que era. Nos últimos seis meses, entretanto, eles dormiam em quartos separados, e a mãe parecia mais zangada do que nunca quando o pai estava em casa. Ultimamente Yono vinha saindo com frequência à noite, sozinha. Vestia-se e deixava Hinata por sua própria conta quando partia com os amigos. A menina não tinha certeza se o pai sabia daquilo, já que passava tanto tempo fora e a mãe ficava em casa sempre que ele estava na cidade. Porém estava claro que a atmosfera entre os dois havia se deteriorado. Yono fazia comentários rudes sobre ele e não parecia mais hesitar em insultá-lo, estivesse Hinata presente ou não. A maioria dos comentários era sobre outras mulheres, a quem chamava de piranhas ou vagabundas. Dizia que ele estava "de caso", uma expressão que Hinata ouvia bastante, mas que não entendia bem o que significava e jamais ousou perguntar. O pai nunca respondia à mãe quando ela falava essas coisas, mas andava bebendo muito mais. E, quando respondia, acabava saindo de casa, e Yono ia descontar na filha. Hinata ainda dormia na parte inferior da cama; no entanto, era mais por hábito do que por algum êxito que tivesse obtido em convencer a mãe de que não estava ali. Yono sempre sabia onde encontrá-la. Hinata nem perdia tempo em se esconder agora. Simplesmente enfrentava o que lhe era reservado, tentando encarar tudo com coragem. Sabia que sua única missão na vida era sobreviver. Também sabia que, de alguma maneira, ela devia ter causado a frieza que havia entre os dois e, embora a mãe nunca mencionasse seu nome quando brigava com o pai, sabia que, de um jeito ou de outro, era culpada por tudo o que se passava entre eles. Com frequência a mãe dizia que todos os seus problemas se deviam a Hinata, e esta agora aceitava isso, além das surras, como sua sina. Por ocasião do Natal, era como se o pai já não morasse mais lá. Era raro que viesse para casa, e quando vinha, Yono era tomada de uma fúria incontrolável. Parecia, se é que isso era possível, mais furiosa do que nunca. Havia agora um nome que sempre jogava na cara dele. Gritava com Hiashi a respeito de "uma vadia" ou da "piranha com quem você está tendo um caso". O nome era Shizuni, Hinata sabia, mas não fazia ideia de quem era a mulher. Não se lembrava de ter conhecido nenhuma amiga deles com aquele nome. Não entendia o que estava se passando, mas o pai estava se tornando ainda mais distante e parecia não querer saber de mais nada que dissesse respeito a Yono. Ele mal falava com a filha, e na maior parte do tempo que passava em casa, estava bêbado. Até Hinata percebia, e ele já não se esforçava para esconder seu estado. Na véspera do Natal Yono não saiu do quarto. Hiashi tinha saído no dia anterior e só voltou bem tarde aquela noite. Nesse ano não houve árvore, nem luzinhas, nem enfeites. Não havia presentes para Hinata ou para nenhum dos dois. A única ceia de Natal para Hinata foi o sanduíche de presunto que ela mesma fez. Pensou em preparar alguma coisa para a mãe, mas teve medo de bater à porta ou lembrar à mãe sua presença. Era mais sensato ficar sozinha, fora do seu caminho. Sabia o quanto ela estava furiosa porque o pai não se achava presente, principalmente num dia como aquele. Hinata estava com nove anos então e era mais fácil entender o que tinha acontecido, embora os motivos do ódio mútuo dos pais não estivessem inteiramente claros. Tinha alguma coisa a ver com a tal Shizuni e, com certeza, com ela própria. Sempre tinha, segundo a mãe. Hinata sabia disso muito bem. Quando ele chegou tarde na noite de Natal, a briga que tiveram não se limitou ao quarto do casal. Perseguiram-se pela casa, gritando, jogando coisas um no outro e derrubando objetos pelo chão. O pai dizia que já não aguentava mais, e a mãe, que mataria ambos. Ela lhe deu um tapa, e ele bateu na mulher pela primeira vez. Instintivamente, Hinata soube que, uma vez terminada a briga, era ela quem sentiria o impacto daquele golpe. Pela primeira vez em um longo tempo, a menina desejou ter um esconderijo seguro, um lugar onde encontrasse proteção ou pessoas a quem pudesse recorrer. Entretanto, não havia ninguém, e tudo o que podia fazer era esperar e ver o que aconteceria. Havia anos que sabia não existirem defensores ou salvadores em sua precária vida. O pai acabou saindo, e então a mãe a encontrou. Tudo foi muito previsível quando ela caiu sobre a filha como um enorme e furioso pássaro negro. Seus cabelos estavam soltos e esvoaçavam atrás dela. Os punhos eram vigorosos e implacáveis. Hinata sentiu uma dor aguda no ouvido direito logo no primeiro golpe, uma pancada na cabeça e uma série de outras no peito, e dessa vez a mãe apanhou um castiçal e golpeou com ele uma das pernas da menina. Hinata tinha certeza de que ela acabaria por acertá-la no rosto ou na cabeça com a peça, mas, por um milagre, isso não aconteceu. E, passado o choque dos primeiros minutos, não teve mais consciência de coisa alguma. Yono estava dominada por uma fúria maior do que qualquer outra que já houvesse experimentado na vida, e Hinata soube que o que fizesse nesse momento, o que dissesse, poderia custar-lhe a vida. A menina nada fez para evitar os golpes que choveram sobre ela naquela noite. Apenas esperou, como sempre, que a tempestade se acalmasse. Quando esta finalmente cedeu, e a mãe a deixou caída no chão do quarto, Hinata não pôde nem mesmo engatinhar até a cama. Ficou ali deitada, oscilando entre a consciência e as trevas, surpresa ao descobrir que nada doía. Não sentia nada dessa vez, e durante toda a noite, viu o que pareciam halos de luz ao seu redor. Uma vez pensou ter ouvido vozes, mas não conseguiu entender o que diziam. Era manhã quando percebeu que alguém de verdade falava com ela. A voz era familiar, mas, assim como as da noite anterior, não conseguia distinguir o que dizia. Nem chegou a se dar conta de que era seu pai. Não viu suas lágrimas nem ouviu o arquejo de horror que ele deixou escapar quando viu o que Yono fizera a ela. Hinata estava deitada em uma poça de sangue, o cabelo emplastrado grudado à cabeça, os olhos embaciados e desfocados uma ferida apavorante na parte interna de uma das pernas. Ele quis chamar uma ambulância, mas teve medo. Em vez disso, sem nem mesmo esperar para falar com Yono, envolveu a filha num cobertor e saiu em disparada para chamar um táxi. Quando chegou ao hospital, não tinha sequer certeza de que ela ainda estava respirando, mas correu e a deitou numa maca vazia, pedindo ajuda entre lágrimas e explicando que ela havia caído da escada. Era uma história quase admissível, levando-se em conta a extensão dos ferimentos, e ninguém questionou o que ele dizia. Colocaram uma máscara de oxigênio sobre o rosto pálido da menina e apressaram-se em levá-la, rodeada de enfermeiros com expressões preocupadas, enquanto Hiashi os observava sem acreditar. Ele ficou sentado lá por várias horas, parecendo desorientado, até que às quatro da tarde vieram assegurá-lo de que a filha de fato sobreviveria. Sofrera um traumatismo craniano, além de ter três costelas quebradas, um tímpano rompido e uma ferida séria na perna. Mas os médicos haviam suturado as feridas, enfaixado as costelas e tinham certeza de que, depois de uns dias no hospital, ela estaria recuperada dos ferimentos mais graves. Perguntaram-lhe quanto tempo ele achava que havia passado desde a queda da filha até o momento em que a tinha encontrado, e ele disse que acreditava que várias horas houvessem transcorrido, embora admitisse não ter certeza de quando ela "caíra". Hiashi não contou a eles que não estava em casa. — Ela vai ficar bem — garantiu-lhe um jovem médico interno, e as enfermeiras prometeram cuidar muito bem dela. Hiashi deu uma espiada na filha, mas ela estava dormindo e, sem ir vê-la outra vez, foi embora. Sentia-se atordoado no táxi voltando para casa, incerto sobre o que dizer. Não fazia a menor ideia de como deter Yono, como pôr um basta naquilo, como fazer qualquer coisa, a não ser fugir. Ao menos Hinata estava em boas mãos agora. Parecia mesmo um milagre que tivesse sobrevivido à surra da noite anterior. Entrou na casa numa ansiedade esmagadora e ficou aliviado ao descobrir, quando subiu, que Yono não se encontrava lá. Não tinha ideia de onde ela pudesse estar, mas já não ligava. Foi à biblioteca e serviu-se de uma bebida forte e, então, sentou-se para esperar, sem saber ao certo o que diria para a mulher quando a visse afinal. O que poderia dizer a ela? Yono não era humana. Era um animal, um ser de outra galáxia, uma máquina que destruía tudo o que tocava. Perguntava-se agora como podia tê-la amado ou tido a ilusão de que ela poderia ser uma esposa para ele e uma mãe para a filha. Agora não queria nada além de afastar-se dela o mais que pudesse. Queria estar com Shizuni naquela noite, mas não ousou. Sabia que era preciso esperar por Yono, para confrontá-la, mesmo que fosse apenas por esta última vez. Tinha de fazer isso agora. Ela chegou em casa pouco depois da meia-noite, num vestido azul-escuro, e, ao olhar para ela, tudo o que pôde pensar é que se parecia com uma rainha malvada. A Rainha das Trevas. E, vendo o estado em que ele se encontrava, escarrapachado no sofá da biblioteca, Yono olhou-o com absoluto desprezo. — Quanta gentileza em vir fazer uma visita, Hiashi — disse ela, com um desprezo gelado na voz, que não lhe escapou, mesmo estando bêbado. — Você está muito bem. A que devo essa honra? Shizuni está viajando? Ou está atendendo a um outro cliente? Entrou lentamente no aposento, balançando uma bolsinha de contas na mão. Ele estava ciente da vontade enlouquecedora de jogar a bebida em sua cara ou de bater nela, mas se tudo o que ela conseguia sentir, subindo à garganta como bílis, era o medo os sentidos. — Sabe onde nossa filha está esta noite, Yono? — Ele atropelava as palavras, mas agora sabia exatamente o que queria dizer. — Gostaria que fosse isso, não é? Que eu a tivesse dado. Por que é que simplesmente não a deixamos num orfanato quando ela nasceu? Ou a abandonamos nos degraus de uma igreja qualquer? Você teria adorado, não é mesmo? E teria sido tão melhor para ela. — Ele lutava contra as lágrimas enquanto falava, lembrando-se da visão do corpinho de Hinata prostrado sobre a maca. Sabia que era uma cena da qual jamais se esqueceria. — Me poupe de suas teorias sentimentais, Hiashi. Ela está na casa de Shizuni? Você está pensando em sequestrá-la? Se é isso, sabe que vou ter de chamar a polícia. — Deixou a bolsa sobre a mesa e sentou-se com elegância numa cadeira diante dele. Ainda era uma mulher bonita, mas completamente desprezível. Não tinha alma. Era um iceberg, e cruel além de qualquer medida. A mulher com quem estava agora era bem menos bonita, mas parecia gostar muito mais dele. Seus antepassados eram muito menos aristocráticos, mas ela o amava e tinha coração. E tudo que ele queria agora era esquecer Yono e a vida que havia levado ao seu lado, e afastar-se dela o mais que pudesse. Havia hesitado durante um ano por causa de Hinata, mas, de qualquer forma, não podia ajudá-la agora, não tinha mais como deter esse monstro. Tudo o que podia fazer, estava certo, era salvar a si mesmo. — Hinata está no hospital — anunciou ele, ameaçador. Ela estava quase inconsciente quando a encontrei hoje de manhã. — Só de olhar para Yono, ele tremia de ódio. Mesmo assim, alguma coisa nele ainda a temia. Sabia do que ela era capaz e temia perder o controle e matá-la. A única coisa que ela merecia era ser destruída. — Que sorte que você veio para casa então, não é mesmo? Que bênção para ela! — replicou Yono, com frieza. — Ela podia ter morrido se eu não tivesse chegado. Teve um traumatismo craniano, costelas partidas... um tímpano rompido... — Mas era óbvio, pela cara da mulher, que ela não ligava. Aquilo não tinha a menor importância para ela. Yono sentia tudo, menos culpa pelo que fizera à filha. — Está esperando que eu chore? Ela teve o que merecia! - Ao acender o cigarro e fitá-lo, ela aparentava um controle absoluto e uma indiferença completa. — Você é louca! — murmurou Hiashi, rouco, passando a mão nervosamente pelos cabelos. Estava sendo mais difícil do que ele imaginara. Com sua calma inabalável e crueldade sem culpa, ela era uma terrível oponente. E muito mais forte do que ele. Há muito tempo que Hiashi sabia disso. — Eu não sou louca, Hiashi. Mas você está parecendo. Já se olhou no espelho? Parece um doido varrido. — Seus olhos apenas riam dele, que, de repente, sentiu vontade de chorar. — Você podia ter matado Hinata. — Os olhos dele estavam turvos enquanto falava, a voz rouca devido às próprias emoções. — Mas não matei, matei? Talvez fosse o que eu devesse ter feito. A maior parte dos nossos problemas foram causados por ela. Se eu não gostasse tanto de você, não ficaria tão brava com ela. Nada disso estaria acontecendo se ela não tivesse surgido entre nós, se você não tivesse ficado tão enfeitiçado por ela. Observando-a, ficou claro para ele que a mulher acreditava de fato naquilo, que, em alguma parte deturpada de sua mente, ela se convencera de que a culpa era de Hinata e que a filha merecia tudo o que tinham feito com ela. Seria impossível fazê-la ver a insanidade do que dizia, e agora ele sabia disso. — Ela não tem nada a ver com o que aconteceu entre a gente, Yono. Você é um monstro. O seu ciúme é insano, e você odeia aquela criança. — Ponha a culpa em mim, pelo amor de Deus, e não nela. Odeie a mim, se for preciso, porque decepcionei você, porque fui infiel, porque não sou forte o suficiente para dar a você o que precisa... mas por favor... por favor... — Começou a chorar, implorando a ela que ouvisse a verdade daquelas palavras. — Não a culpe. — Então não vê o que ela fez com a gente? Ela virou a sua cabeça completamente. Você me amava antes de ela nascer. Nós nos amávamos... agora olhe para a gente... — Pela primeira vez em anos havia lágrimas em seus olhos ao olhar para ele. — Foi ela quem fez isso... — Culpava Hinata até pelo fato de ele estar apaixonado por outra mulher. Para Yono, a menina era responsável por tudo. — Você fez isso — acusou-a Hiashi, indiferente às lágrimas da mulher. — Eu deixei de amar você quando percebi o quanto a odiava, quando vi como a espancava... e ah, meu Deus, um dia ela vai nos odiar pelo que fizemos a ela. — Mas é merecido. — Yono retornou à atitude anterior, convencida da sabedoria de suas palavras. — Não me importo com o que fiz a ela. Essa criança me custou tudo... o casamento e nosso amor... — Você a odiou desde o dia em que nasceu. Como é que pôde? — Naquela época eu já podia ver o que estava por vir. — Você tem de parar, Yono, antes que a mate — implorou ele. — Você precisa... Vai acabar passando o resto da vida na cadeia. — Ela não vale a pena — disse, resoluta. Havia pensado nisso antes e tomava cuidado de nunca ir longe demais, pelo seu próprio bem, não pelo da menina. Mas, na noite passada, perigosamente, chegara perto demais. Ele compreendia isso melhor do que ela. Tinha visto Hinata no hospital e ouvido o que os médicos disseram. Felizmente, ninguém o havia acusado de surrar a menina. Teria sido inconcebível para eles, principalmente dadas suas boas maneiras, o nome respeitável e o endereço elegante. Fazer uma pergunta daquelas seria ofensivo e, mesmo que suspeitassem, e ele esperava que isso não acontecesse, as pessoas não ousariam acusá-lo de maus-tratos à  filha. — Não vou matá-la, Hiashi assegurou-lhe Yono, mas era uma promessa vazia, vinda de uma mulher sem alma. — Eu não preciso. Ela sabe o que espero dela. Sabe a diferença entre o certo e o errado. — O problema é que você não sabe. — Eu estou cansada. — Com isso, ela se levantou. — E você está me aborrecendo. Vai dormir aqui ou vai voltar para a sua piranhazinha? E quando é que isso vai acabar? Nunca, ele se prometeu. Nem num milhão de anos. Jamais voltaria para Yono. Mas sabia que precisava ficar ali agora, para acalmá-la, até que a filha retornasse. Por mais que a odiasse, devia isto a Hinata. Não podia desistir do resto de sua vida por ela, mas podia apaziguar as coisas pelo menos até ela chegar em casa. — Vou subir já — afirmou ele, calmamente, servindo-se de um último copo. Estava grato por terem quartos separados. Ficaria com medo de dormir no mesmo quarto que Yono agora, temendo que ela o matasse. Saber do que a mulher era capaz apavorava-o. Havia alertado Shizuni a respeito e tentado avisá-la sobre o quanto Yono era perigosa. Porém, ingenuamente, Shizuni insistia em dizer que não tinha medo. Não podia imaginar o monstro que era Yono. Ninguém podia. Com exceção do marido e da filha, que sabiam bem demais. — Imagino que vá dormir no seu quarto esta noite — disse ela, ao sair do aposento, e ele ficou olhando a cauda do vestido de noite arrastando-se atrás dela. Mas Hiashi não respondeu. Estava pensando outra vez em Hinata e não tinha forças para dizer mais nada. Limitou-se a ficar observando Yono, que subia lentamente as escadas. Naquela noite, quando Hinata acordou no hospital, não fazia ideia de onde estava. Tudo era branco e claro, e parecia muito simples. Havia sombras no teto, e uma pequena claridade vinha de um canto do quarto. Uma enfermeira de chapéu engomado olhava para ela e, tão logo os olhos da menina se abriram, a moça sorriu para ela. Era uma visão incomum para Hinata. Os olhos da enfermeira pareciam bondosos. — Eu estou no céu? — perguntou Hinata, suavemente, convencida, e aliviada com a ideia, de que tinha morrido. — Não, você está no Hospital Hinata. E está tudo bem. Seu pai foi para casa ainda há pouco, mas disse que amanhã vem ver como você está. Ela queria perguntar se a mãe ficara brava por ela estar ali e se precisava voltar para casa. Se não melhorasse nunca, poderia ficar? Havia mil perguntas em sua cabeça, mas tinha medo de fazer qualquer coisa que não fosse assentir com a cabeça; e, quando fez isso, doeu. Muito. — Tente não se mexer muito. — A enfermeira viu quando ela estremeceu. Sabia que o traumatismo causava uma forte dor de cabeça à menina, e ainda havia sangue escorrendo do ouvido. - Seu pai disse que você caiu da escada, e você é uma garotinha de sorte por ele tê-la encontrado. Vamos cuidar muito bem de você enquanto estiver aqui. — Apesar da dor, Hinata balançou a cabeça novamente, agradecida, e fechou os olhos. Ela chorou durante o sono depois disso, quando o turno mudara, e uma enfermeira mais velha veio cuidar dela por algumas horas, verificando os sinais vitais e trocando o curativo na ferida da perna. A mulher olhou demoradamente o ferimento e, depois, tornou a fitar o rosto da menina Em sua cabeça havia perguntas que, ela sabia, não seriam respondidas, perguntas que deveriam ter sido feitas, mas que ninguém teria ousado fazer. Tinha visto ferimentos como aquele em crianças, mas estas em geral eram pobres. E, de qualquer forma, depois iam para casa, como esta também iria. Porém, quase sempre voltavam. A enfermeira perguntou-se se Hinata também voltaria. Talvez tivessem se assustado o suficiente dessa vez e aquilo não fosse acontecer mais. Difícil dizer. Hinata teve períodos intermitentes de sono até a manhã e a maior parte do tempo durante os dias que se seguiram. O pai veio vê-la duas vezes e explicou para médicos e enfermeiros que a mãe não podia vir porque estava doente.

Eles entenderam, compadeceram-se e congratularam-no pela filha. Era tão boazinha, tão doce, tão bem-comportada. Nunca causava problemas, nunca pedia nada, e estava sempre agradecida por qualquer coisa que Fizessem. Raramente falava alguma coisa. Apenas ficava deitada, observando, mas sorria sempre que via o pai. Ele veio buscá-la no dia de Ano-Novo e trouxe roupas para ela. Hinata deixou o hospital com um casaco azul-marinho, um vestido de lã cinza, meias brancas até os joelhos e sapatinhos vermelhos. Ele esquecera de trazer as luvas e o chapéu, e ela parecia muito pequena e pálida ao sair do hospital, depois de ter agradecido a todos por terem sido tão bons com ela. Antes da porta do elevador se fechar, ela sorriu e acenou. Todos concordaram que era uma garotinha muito boa e lamentaram que não houvesse mais como ela. Chegara a dizer na noite anterior que estava triste por ter de ir para casa. — Essa é boa! — exclamou uma das enfermeiras com um sorriso, enquanto corria para cuidar de uma outra criança com queimaduras graves. Hinata tornara-se a queridinha da enfermaria pediátrica, e os funcionários também lamentavam que ela fosse embora. Mas não tanto quanto ela própria. Odiava ter de deixar esse porto seguro e retornar à sua vida no inferno. A mãe esperava por ela quando chegou em casa, a testa franzida de maneira sombria e os olhos cheios de acusação. Não fora vê-la no hospital e dissera repetidamente a Hiashi que todo aquele paparico era desnecessário, além de uma clara afronta. Ele não discutiu com a mulher, mas qualquer um podia ver como Hinata estava pálida ao ser levada para casa pelo pai. E, por causa dos danos causados ao ouvido, a menina ainda vacilava um pouco ao andar. — Ganhou todas as atenções que queria dos médicos e enfermeiros se fingindo de doente? — perguntou Yone, asperamente, quando Hiashi tinha ido ao quarto da menina guardar as suas coisas e arrumar a cama para ela. O médico avisara que ela precisava descansar. — Desculpe, mamãe. — É bom mesmo que peça desculpas, menina mimada que só sabe reclamar — disse Yone, fazendo meia-volta e desaparecendo. Hinata jantou com os pais naquela noite e, previsivelmente, a refeição foi uma provação desagradável e silenciosa. Era claro que a mãe estava furiosa com ela, e o pai estava perdido num outro mundo. Já havia bebido muito quando se sentaram para comer. Hinata derramou um pouco de água sobre a mesa, e suas mãos tremiam enquanto ela enxugava rapidamente. — Suas maneiras à mesa não melhoraram nada nesta última semana. O que eles fizeram? Deram comida na sua boca? — perguntou Yone, cruelmente, e Hinata baixou os olhos, achando melhor não responder. A menina não disse uma única palavra durante o jantar. E, assim que terminou a sobremesa, a mãe a mandou para o quarto. Hinata podia pressentir que uma briga se armava e estava aliviada por sair dali. Foi para a cama imediatamente e, no escuro, escutou os pais discutirem. Não foi nenhuma surpresa, então, quando tarde da noite ouviu passos em seu quarto. Tinha certeza de que era a mãe e preparou-se para o que estava por vir. Desta vez, as cobertas foram retiradas lentamente e a menina contraiu todo o corpinho, apertando os olhos com força, à espera que o primeiro golpe a atingisse. Entretanto, após um longo tempo, aquele ainda não tinha vindo. Podia sentir a presença de alguém em pé ali do lado, mas não sentia o perfume da mãe; não havia qualquer barulho, e nada acontecia. 
  Depois de esperar por um momento interminável, não conseguiu mais suportar o suspense e abriu os olhos. — Oi... Você estava dormindo?... — Era o pai que estava ali, sussurrando, e o único cheiro que sentia agora era o hálito de uísque. — Eu vim para dizer... para ver... se você está bem. — Ela fez que sim com a cabeça, confusa. Ele nunca entrava assim em seu quarto. — Onde está mamãe? — Dormindo. — Hinata suspirou lentamente, aliviada pela notícia, embora ambos soubessem que não era preciso muito para acordá-la. — Eu só queria ver você... — Sentou-se com cuidado na cama. — Eu sinto muito... pelo hospital... e tudo o mais... Os enfermeiros disseram que você foi muito corajosa... — Mas ele conhecia melhor do que ninguém a coragem da filha, muito maior do que a dele. — Eles foram bons — murmurou ela, fitando o rosto do pai no escuro. Podia vê-lo claramente agora, com o luar que entrava pela janela. — Como está se sentindo? — Bem... Meu ouvido ainda está doendo... Mas está tudo bem... — A dor de cabeça desaparecera havia dois dias, e as costelas ainda estavam enfaixadas; e assim ficariam pelas próximas duas semanas. — Cuide-se, Hinata... Seja sempre corajosa, você é muito forte. — Ela queria saber por que o pai estava dizendo aquelas coisas, o que estava de fato tentando dizer. E não podia deixar de se perguntar por que ele a achava forte. Não se sentia assim. Na maior parte do tempo só pensava em como era má. Ele queria dizer que a amava, mas não sabia o que falar. E mesmo ele sabia que, se tivesse a amado de verdade, não teria deixado a mãe espancá-la até quase a morte. Mas Hinata não fazia ideia do que se passava na cabeça do pai, que ficou ali olhando para ela por mais alguns momentos, então tornou a ajeitar as cobertas em torno dela e deixou o quarto, sem dizer mais nada. Ele hesitou no vão da porta por uma fração de segundo, enquanto a menina o olhava, e então a fechou o mais suavemente que pôde. Nenhum deles queria acordar a mãe, e ele foi tão silencioso, que Hinata sequer o ouviu se afastando na ponta dos pés. Depois disso, ela se escondeu novamente na cama e ainda estava dormindo, no dia seguinte, quando a mãe escancarou a porta do quarto, gritando com ela. — Saia já daí! — urrou a voz familiar, fazendo Hinata saltar da cama ainda meio dormindo. Os movimentos bruscos trouxeram a dor de cabeça de volta, repercutiram nas costelas e fizeram-na cambalear um pouco, por conta dos danos no ouvido. — Você sabia, sua putinha, não sabia? Ele lhe disse? Disse? — Ela sacudia a menina pelos braços, sem levar em consideração o lugar onde esta havia passado a última semana ou os ferimentos que a levaram imaginar, mas a mãe cuspiu as palavras em sua cara antes que pudesse repetir a pergunta. — Ele foi embora, e você sabia. É culpa sua... Causou tanto problema para nós dois, que ele foi embora. Pensou que ele amasse você, não foi? Pois bem, não amava. Abandonou você, do mesmo modo que me abandonou. Ele não quer mais nenhuma de nós... sua putinha... Foi você que fez isso, sabia? Você! Ele foi embora porque odeia você, tanto quanto me odeia. — Essas palavras fizeram-se acompanhar de um tapa sonoro no rosto de Hinata. Ele foi embora por sua causa... e não tem mais ninguém para proteger você agora. E, enquanto a mãe caía sobre ela violentamente, Hinata começou a compreender. O pai as abandonara. Por isso viera ao seu quarto na noite passada. Tinha vindo vê-la pela última vez... tinha vindo dizer adeus... e agora se fora... e tudo o que lhe restava era isso. As agressões que nunca acabavam, as surras a que se resumia a sua vida. Na noite anterior ele falara para ela ser corajosa... que ela era forte. Aquelas palavras eram tudo o que tinha agora e, ao lembrar-se delas, com os punhos da mãe golpeando-a com mais violência do que nunca, Hinata tentou ser valente e não chorar, mas não conseguiu. Tudo o que lhe restara era esse pesadelo. A mãe dizia que o pai a odiava, mas ela sabia que era mentira. Ou não? Ele nunca a protegera, ajudara ou defendera. E agora, quaisquer que fossem suas razões, ele a havia abandonado. E 

tudo o que ela conseguia sentir, subindo à garganta como bílis, era o medo.


Notas Finais


Sinto muito fazer a pequena Hinata sofrer dessa maneira.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...