Fazia bastante tempo desde a última vez que colocara os pés naquele lugar. Estava um caos, de uma forma semelhante àquela que se lembrava bem de ter presenciado, ainda que não tivesse de fato participado do movimento. Vontade existia, realmente, no entanto o motivo para a posição que tomou era muito mais forte que seu desejo de revolta – e, mais mais uma vez, essa mesma razão escapava-lhe do alcance quando fechou a porta às suas costas, deixando-a a sós com a figura para quem fez uma reverência.
No fundo, ela não queria fazer. Não queria estar lá, não queria ter que falar coisa alguma. Mas devia, ou seria irremediavelmente pior; sabia disso.
- Senhora. Já faz muito tempo. – Cumprimentou cordial, os olhos em momento algum desprendendo-se do chão sempre impecavelmente limpo, independente se o restante do lugar estivesse desmoronando ou não. Aquele espaço era quase sagrado; imaculado. Ao menos no plano físico, onde seus dedos alcançavam. Os ares contavam outras histórias.
- Sua visão de “muito” é diferente da minha. – Rebateu a mulher que continuava atrás de sua mesa, o olhar afiado cravado na figura da moça que concordou respeitosamente e endireitou a postura para encará-la – mesmo que visivelmente hesitante – em todo o desgosto que transbordava de si. Ela não era a pessoa que realmente desejava ver e parecia saber disso. Infelizmente, para conseguir aquilo que se quer, às vezes é necessário passar por momentos desagradáveis. Malditos humanos que estavam com a razão quando inventaram tal baboseira que foi transmitida pro gerações. – E então? – Pressionou, querendo saber de uma vez por todas o que tanto a outra enrolava para dizer enquanto perdia tempo com cumprimentos vazios.
A humana reprimiu um suspiro e guardou dentro de si pela milésima vez o desejo gritante de dar meia volta e sair dali. Era mais prudente focar em sua resposta.
- Consideravelmente mais soltos, se comparado com o momento em que colocaram os pés lá. Mas ainda relutam bastante; a Senhora tem garotos difíceis. – Explicou, arriscando repuxar o canto dos lábios numa sugestão rasa de sorriso. Já fazia alguns bons dias que estava observando o comportamento dos ditos sobreviventes, que ainda pouco pareciam engolir sua presença e o seu espaço. Uns mais que outros, mas aos poucos pareciam ceder.
Jihyun esboçou um meio sorriso diante das palavras da moça na sua frente. Atrevidas, realmente; ela ousava mesmo criar um julgamento e expô-lo sobre algo que já tinha conhecimento. Deve ser coisa do sangue.
- Eu tenho aliados melhores. – Afirmou, convicta, estreitando os olhos de modo a se tornarem duas fendas ao escutar o que veio em seguida. “Se a Senhora está dizendo...” O que aquele mero inseto estava tentando supor? Que estava enganada?! – Por algum acaso está me contrariando?
- N-não, Senhora. De forma alguma. – Negou, com esforço não recuando ao momento em que Ela ergueu-se da cadeira, ameaçando avançar um passo em sua direção.
Tanto tempo... E ainda causava o mesmo temor.
- Eu só quis dizer... Já que a Senhora realmente tem certeza, eu não suspeitarei tanto e farei a minha parte.
- Você não faz mais do que a sua obrigação em me obedecer e fazer a sua parte. Isso se você e a sua irmã não desejam voltar ao que eram antes. Sabe... Yerin vem se mostrando bastante incompetente.
- Senhora, por favor! – Tentou, mas o passo que deu acabou igualmente recuando no momento em que Ela ergueu sua mão, interrompendo-a. – Eu vou fazer certo.
- Seria uma pena estragar dois rostinhos tão bonitos e lhe dar uma razão real para usar essa máscara. – Apontou com o indicador para o acessório que ela tinha nas mãos. – Mas não se apresse pelo pânico e force as coisas. Tudo deve acontecer no tempo em que deve acontecer.
- Desde que não leve mais cinco anos... – Deixou o pensamento escapar em forma de sussurro, arrependendo-se no instante seguinte.
Mama levantou uma das sobrancelhas, desapoiando-se da lateral da mesa onde esteve até então e aproximou-se a passos lentos da mandante de uma das subdivisões da sua prisão; perigosa como uma cobra prestes a atacar. Ergueu a mão, satisfazendo-se com o medo que transpirava dos poros da garota em quem, no entanto, não fez absolutamente nada ruim. Não havia muita graça em fazer qualquer coisa diretamente à ela, por mais que fosse divertido vê-la temer pelo pior.
- Levará o tempo que tiver que levar. E você, Seojin, será paciente e deixará que tudo aconteça. A menos que, com o tempo, queira que sua irmã se torne, definitivamente, apenas uma lembrança para você. E eu farei questão de garantir pessoalmente que o seu tempo passe bem devagar... Para que você acompanhe tudo. – Afagou-lhe os cabelos, sorrindo ao passar uma mecha castanha para trás da orelha da humana. Seu sorriso, porém, morreu quando afastou o toque. – Agora retire-se. Yerin a conduzirá até a saída, aproveite para passar alguns minutos com ela. Não se repetirá tão cedo.
Assentindo, derrotada e sem qualquer escolha, Seojin curvou-se mais uma vez em obediência para a superior que continuou a pesar o olhar sobre si até que parasse na porta e virasse para trás uma última vez, chamando-a com uma certa relutância.
- A Senhora confia mesmo nisso?
Jihyun sorriu mais uma vez, e aquele sorriso carregava o pior tipo de maldade que podia existir naquele mundo ou em outros. Forte o bastante para fazer subir um forte arrepio pela espinha daquela que ainda aguardava pela resposta – arrependida por ter perguntado, entretanto. A resposta também não foi o suficiente para realmente tranquilizá-la quanto aquilo, mas também não contestou mais a convicção Dela. Limitou-se a concordar e deixar a sala, encostando-a depois de regressar ao corredor e encontrar mais uma vez a irmã com quem não conversou, tal como também não o fizeram na ida até a sala.
“Um sábio uma vez me disse: se tudo correr como o planejado, ninguém saberá de onde veio o tiro. E até agora tudo está correndo exatamente como o planejado.”
Durante o caminho, apenas repassou as últimas palavras ouvidas, chegando à conclusão de que não deveria se meter naquilo mais. O seu dever era o seu dever, ela não deveria se intrometer em um jogo de traidores onde não se podia ter mesmo certeza de quem estava falando a verdade. De deslealdade, bastara aquela consigo mesma para tentar, ainda que falhando miseravelmente nisso, garantir o bem estar de quem sequer parecia reconhecê-la mais e ferindo-a a cada olhar vazio que lhe transmitia. Seojin nunca havia feito o tipo submissa, e sua rebeldia lhe custou deveras no passado – e um dos pagamentos, é claro, não poderia ser diferente de estar ali da forma como estava; o que não era realmente uma recompensa ao final de tudo, como poderia parecer num primeiro momento. Quisera antes fosse, ou que ao menos aquilo tivesse atingido unicamente ela e não a pessoa com quem dividia o ar do corredor e o barulho dos passos. Arrependia-se amargamente, porém sabia que era tarde para viver de lamentos quando nada mais poderia ser feito.
O seu tiro, pelo menos, sabia de onde tinha vindo. Da própria arma que disparou apontada para o próprio pé.
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