História Are We One? - Especial V - Sombras

- Baekhyun?

De início, nenhum sinal. Arriscou acender a luz do quarto, numa primeira instância espremendo um bocado os olhos grandes que se acostumavam com a claridade que os atingiu, ao mesmo tempo em que as orbes castanhas espertas já vasculhavam cada centímetro visível do cômodo. Nada. Nem uma palavra, nem mesmo o som da respiração do Guardião que decidira abdicar da saída junto com os demais quando disse que não estava se sentindo muito bem – porém também negou qualquer companhia, ou a ajuda de um Yixing preocupado com o seu bem estar.

“Não é nada que esteja no alcance do seu poder, Lay-ah.” Disse mais cedo, os lábios finos curvados com um pedido de desculpas implícito. “Acho que só preciso de um tempo pra mim.”

É claro que foi muito contragosto que os demais consentiram que assim fosse, concordando em respeitar o espaço do Byun que, ele lembrava-se bem, tinha se trancado em seu quarto antes mesmo de deixarem o casarão. O problema é que não conseguiu cumprir com a sua parte por mais do que duas horas, quando, ignorando os pedidos de Suho para que deixasse Baekhyun sozinho e permanecesse com o restante, retornou para a casa e deixou para trás o restante que tentava se distrair de sua preocupação. Não houve um momento em que tivesse conseguido de fato desligar-se da má sensação que comprimia seu peito e corroía a sua alma; sabia que não sossegaria enquanto não checasse o estado dele.

Por isso, foi deveras frustrante não obter qualquer resposta quando chamou pela Luz que provavelmente deveria estar ignorando-o. E Kyungsoo martirizou-se por um segundo; abominou aquela ideia estúpida de ter voltado para trás quando o amigo tinha sido claro ao dizer que precisava de um tempo a sós consigo mesmo – obviamente logo em seguida se reprimiu pelo próprio pensamento, ciente do que significava quando ele ficava naquele estado. Talvez devessem ter insistido um pouco mais, impedido que Baekhyun se isolasse.

- Baek? – Chamou de novo, avançando pelo cômodo a passos cautelosos. Foi então que, da janela, o avistou na sacada que havia no cômodo ao lado. Bem, ao menos tinha certeza que aquele rastro de silhueta que podia ver do ângulo em que se encontrava era ele. Não havia mais ninguém ali – esperava.

Terra deu a volta e atravessou o outro quarto até que chegasse no portal de vidro aberto pela metade. Encontrou-o sentado, uma das pernas dobradas e sobre ela repousava o braço que por sua vez dava altura para o espelho que refletia o rosto cansado.

Novamente, sentiu o coração apertar.

- Você consegue ver, Kyung? – Perguntou o Guardião que percebera a presença alheia, virando um pouco o espelho para que conseguisse captar a imagem do outro que permanecia próximo ao batente. – Minha luz está se apagando. Eu estou virando sombra. – Prosseguiu, a voz arrastada chamando a atenção de Kyungsoo, tanto quanto a forma como riu em seguida.

Foi então que os olhos de D.O. perceberam a existência de uma taça vazia ao lado do corpo do Byun. Imediatamente ele se abaixou, tomando o objeto em sua destra e aproximando-o do nariz, aproveitando-se do breve momento em que o amigo parecia perdido divagando em sua própria constatação para lembrar de sua presença ali ainda. Vinho; não era nenhum especialista, mas também não foi difícil de deduzir.

- Está bêbado, Baek?

- Bêbado? – Ele pareceu pensar, desenhando na expressão um sorriso que inicialmente foi apenas um repuxar dos cantinhos da boca, para que então espaçasse um pouco os lábios até que uma fileira de dentes estivesse visível. – Acho que um pouco. – Piscou algumas vezes, voltando o rosto para o Do que assistiu a forma como o gesto falsamente alegre se transformava em uma careta dolorosa de se assistir. Havia tanta tristeza ali... – Você consegue ver?

Kyungsoo soltou a taça e levou a mesma mão morna ao rosto de Baekhyun, que ergueu a face por conta própria para facilitar para si. Seus olhos então examinaram cada pedacinho de seu rosto; as ruguinhas, as olheiras que pesavam o olhar bem mais opaco que ele agora tinha. Precisou de muita força para não deixar-se dominar pela raiva. Junmyeon tinha razão, Yixing estava certo. A Luz em seu leve estado de embriaguez não faltava com a razão; havia uma sombra se apossando dele.

- Você ainda é a pessoa mais brilhante que eu conheço. – Por mais que fosse uma positividade falha, e fosse óbvio que fraquejou, ele tentou. Mesmo lutando contra um nó na garganta para isso.

- Não deixa eu me apagar. Eu não posso me perder ainda. Agora não. – Levou a mão àquela que ainda pousava em seu rosto, sentindo-a sendo automaticamente segurada com firmeza. E instintivamente ele a apertou de volta.

- Nenhum de nós vai deixar você se apagar, Baek. Eu vou te ajudar no que eu puder, eu prometo.

Byun ficou estático por alguns segundos, parecendo estar com dificuldade de digerir aquela promessa, ou seja lá o que estivesse se passando em sua cabeça. D.O. até pensou em perguntar o por que de, de repente, o olhar do amigo agitar-se tanto, porém todas as palavras morreram em suas cordas vocais assim que captou-o se atirando em sua direção e grudando os lábios nos seus. Foi a sua vez de paralisar, assustando com a investida que no entanto não chegava a ser bruta; por mais que tenha sido repentino e rápido demais – o que poderia tê-los machucado – ele só conseguia sentir o que lhe pareceu ser uma espécie de carinho na forma como recebia alguns beijinhos que não eram aprofundados.

O Guardião da Terra inspirou fundo quando sentiu Baekhyun parar, mas não permitiu que se afastasse quando, mesmo carregado de inexperiência, moveu os lábios grossos de modo que melhor se encaixassem entre os do outro, em seguida pressionando-os com suavidade. A Luz por sua vez sorriu, quebrando o contato quando decidiu encostar sua testa na dele. Era melhor não irem longe demais – entretanto não sentia culpa por aquilo. Era até uma curiosidade antiga que lembrava-se muito bem de ter cultivado.

- Por um momento, eu me senti em casa de novo. – Baek admitiu, suspirando baixinho ao sentir um carinho meio desajeitado na bochecha. – Eu queria tanto voltar... Esse lugar ainda vai me deixar louco.

Engolindo o constrangimento que se apossou de si – ou o que restou dele, que fora brutalmente atacado pelo que acabara de escutar – Kyungsoo afastou-se um pouquinho apenas para conseguir alcançar o espelho que o outro havia deixado de lado.

- Vamos nos esquecer dele, então? Pelo menos por enquanto. – Sorriu, de uma forma aberta apenas porque sabia que o formato de coração de seu sorriso o agradava. Mesmo que de primeira tivesse recebido um olhar confuso. – Deixar pra lá. Mama, Seojin, a pedra, o cassino, o labirinto... Vamos visitar o mundo real. – Mesmo ainda sob um leve efeito do álcool ingerido (que por sinal precisava descobrir onde ficava para que aquele episódio não se repetisse), sabia que aquelas palavras bastavam para que fosse compreendido.

Os dois se ajeitaram sentados na sacada, com Baekhyun agora escorado no corpo do Do que arrastou a taça vazia um pouco para longe. Na frente de seus rostos, o espelho que não refletia nenhum deles, mas sim mostrava a imagem de duas pessoas que tanto faziam falta para a Luz, e que tantas vezes já tinham sido chamadas em noites de pesadelo, ou momentos de recaída do Guardião desestabilizado.

Mas Hoseok e Taehyung estavam dormindo, e por isso não puderam ver aquele que igualmente fazia tanta falta em suas vidas. Nem que, mesmo que pouco, as sombras em seu olhar tivessem recuado.