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História Are you my clarity? - Um passado sombrio


Escrita por: itsmejubs

Notas do Autor


Só porque tô em dívida por não ter postado ontem (e porque sou besta, vocês pedem e eu posto hahaha)

Capítulo 10 - Um passado sombrio


Sara's POV

 

Perdi a conta de quantas dezenas de vezes desejei ir embora desde que cheguei naquela casa. Quantas noites deitei a cabeça no travesseiro, naquele quarto desconhecido, numa casa cheia de pessoas desconhecidas e deixei que as lágrimas rolassem pelo meu rosto. Eu me trancava ali e sentia que era o único momento de paz e privacidade que eu tinha, então eu chorava para tentar acalmar a dor no peito que eu sentia. Eu nunca mais seria a mesma.
 
Ainda lembro daquela noite fria de Março em que tudo começou. Eu estava no meu quarto, deitada na cama, ouvindo música, quando ouço batidas fortes na porta. Corro e abro para dar de cara com a minha mãe, pálida, os lábios sem nenhum sangue para lhe dar cor, a testa brilhando de suor. Achei que ela fosse morrer ali mesmo. Com o pouco de forças que lhe restava, olhou para mim com os olhos azuis meio sem vida e disse, num fio de voz:
 
-- Precisamos ir ao hospital.
 
Ela estava se sentindo mal há algum tempo, não foi uma coisa do nada. Uma espécie de fraqueza, uma dor na barriga, de vez em quando vomitava e passava dias sem comer direito. Eu pedia insistentemente para que ela fosse ao médico, mas ela negava, dizia que era só uma indigestão e logo ia passar. E as coisas foram piorando. Naquela noite em específico, ela teve uma crise de diarreia que não cessava, vinha junto com sangue e ela não conseguia comer nada sem passar mal. Alguma coisa definitivamente estava errada e ela nunca havia se dado conta.
 
Levei ela de carro até o hospital às pressas. Eu não enxergava nada direito enquanto cortava os outros carros na avenida, cantando pneu, passando por vários sinais vermelhos. Lá, após ser medicada e hidratada, o médico solicitou uma bateria de exames e uma biópsia que confirmaram o diagnóstico: câncer de intestino. Num estágio avançado. Algo que poderia ter sido tratado se ela tivesse ido ao médico antes.
 
Enquanto ela dormia no leito, sedada, internada no hospital, eu chorei. Chorei de soluçar, até me sentir desidratada, até me sentir vazia. Vazia de tudo, a única coisa que sentia era dor. Impotência. Nada nem ninguém no mundo poderia me dizer que as coisas iam ficar bem, eu não acreditava. E chorei por muitas noites desde então, ali, naquele fatídico leito naquele quarto de hospital. Enquanto assistia minha mãe definhar aos poucos, emagrecendo cada vez mais, os olhos que antes eram tão brilhantes iam perdendo a vida. Nunca esquecerei de quando ela se virou para mim, uma semana antes de morrer, e disse, numa voz rouca:
 
-- Eu quero que você saiba quem é o seu pai.
 
Meu pai. Esse assunto era uma incógnita para mim desde que eu era uma criança. Quando tinha festa do dia dos pais na escola, eu era a única da turma que levava a mãe para o evento. E quando me perguntavam onde meu pai estava, eu dizia que ele era um super herói que vivia muito ocupado salvando as pessoas, e por isso não tinha muito tempo para ficar em casa. Inventava um milhão de histórias para não dizer que não sabia quem era. Eu perguntava à minha mãe e ela desconversava, dizia que não era para eu me preocupar porque vivíamos bem sem ele. Mas aquela dúvida, aquela curiosidade, foi me acompanhando até a adolescência, quando eu a confrontei e disse que queria saber de uma vez por todas quem era ele. Ela então sentou comigo e me contou toda a história. Narrou as ameaças que recebeu da sogra, a mãe do meu pai, quando ambos namoravam e moravam no Rio Grande do Sul. Ela estava grávida de poucos meses e meu pai já sabia, estava mais feliz impossível e queria casar-se com ela. Mas a família dele era rica, cheia de posses na cidade, e a minha mãe não tinha onde cair morta. Que desonra seria para a família dele se eles se casassem. As ameaças vieram com uma ordem: minha mãe deveria aceitar o dinheiro da minha avó e ir embora, para outra cidade, estado, e fazer o que quisesse. Abortasse, me tivesse e me criasse, me desse para a adoção, qualquer coisa. Mas ela não deveria voltar e meu pai não deveria ter mais notícias dela.
 
O dinheiro que ela oferecia era quantia grande, dava para viver bem em outro lugar e me criar. A família de minha mãe passava necessidades na época, eram agricultores e os tempos eram difíceis. Então minha mãe, dona Adélia Fernandes, pensou bastante sobre o assunto e tomou uma decisão: aceitou o dinheiro, deu uma parte para meus avós e, com lágrimas nos olhos, deu adeus à vida que tinha e se mudou para Goiânia. Deixou pra trás tudo que tinha e o homem que mais amava, meu pai.
 
Alguns meses depois eu nasci. Ela vivia dizendo que eu era a maior alegria da vida dela. Minha única família era ela. Eu não conhecia meus tios, meus avós, meus primos, ninguém. Por vezes a ouvia falar no telefone com algumas pessoas que eu supunha serem nossos parentes, mas ela não me falava a respeito e o assunto ficava por isso mesmo.  Eu cresci revoltada com esse assunto, me rebelei bastante e aprontei com Deus e o mundo entre meus quinze e dezessete anos. Até finalmente minha mãe me contar sobre tudo, e eu não sabia se ficava mais revoltada ou aliviada.
 
Meu pai não tinha ideia de onde nós estávamos, e mesmo se "estávamos", no plural. Dona Adélia cumpriu o acordo à risca, não voltou à cidade natal e não respondeu a nenhuma tentativa de contato por parte dele. Pediu à família que não dissesse onde ela estava, e assim fizeram. Eu não sentia raiva dele, por mais que refletisse sobre tudo. Não era culpa dele. Ele era apaixonado pela minha mãe, sem rótulos, sem questões financeiras. Tudo que ele mais queria era se casar com ela e me criar, me assumir. Mas forças maiores agiram. Ele não sabia que eu existia, que eu havia nascido, onde eu estava, como estava... Foi privado desse contato. 
 
Minha mãe me contou também que, segundo informações dos meus avós lá no Rio Grande do Sul, ele havia conhecido outra mulher e se casado. Isso a inibiu de querer me apresentar a ele, pois temia que isso estragasse a nova vida que ele tinha, ou pior: que o acordo que fizera com a sogra não tivesse se desfeito com o tempo, e isso trouxesse consequências para nós duas. Então por alguns anos eu convivi com a verdade, mas não sabia quem era o meu pai. Não sabia se eu tinha irmãos. Se ele queria me ver. Vi uma foto antiga dele, quando era mais novo e namorava com a minha mãe. Era um rapaz bonito, cabelos escuros e lisos, uns olhos verdes calorosos. Agora eu entendia porque o azul dos meus não era exatamente igual ao da minha mãe. Eu havia puxado os olhos dele também. 
 
A felicidade foi arrancada de vez de mim quando minha mãe morreu. Havia pouco mais de um ano que havíamos nos mudado para São Paulo, por indicação do oncologista que a acompanhava. O caso dela necessitava de um tratamento mais agressivo que só encontraríamos lá. Já ouviram aquela música que diz "não existe amor em SP"? Saibam que é verdade, não existe mesmo. Foi a cidade mais fria, melancólica, sombria que já pisei na vida. Não sei se era por causa da fase da vida que eu estava vivendo, mas cada lembrança que eu tinha de São Paulo era carregada de tristeza. Eu não estudava naquela época, trabalhava como garçonete num restaurante no bairro onde morávamos. Era como eu sustentava o apartamento em que mal morava, pois a maior parte do tempo eu estava no hospital com minha mãe. Não desejo as coisas que passei nem mesmo para meu pior inimigo.
 
Antes de morrer, minha mãe havia me passado o contato de um número de telefone, com um último pedido: que eu ligasse para essa pessoa e pedisse para que ela me ajudasse. Segundo ela, essa pessoa era uma amiga fiel sua que morava no Rio Grande do Sul, e iria me apresentar ao meu pai. Se minha mãe me pedisse para virar presidente do Brasil seria menos difícil. Eu já estava tão acostumada a não saber quem era ele, não ter notícias suas, que aquilo criou um certo comodismo em mim. Eu não sabia mais se queria conhecê-lo. A época da revolta havia passado, eu havia perdoado o meu passado e não sabia se queria resgatá-lo. Mas tinha um fato: eu não era ninguém. Agora que minha mãe morrera, eu não tinha para onde ir, como viver, não tinha uma pessoa que pudesse me auxiliar. Pensei nos meus amigos em Goiânia. Eu não iria de jeito nenhum pedir que eles me abrigassem, eles já tinham problemas suficientes e ninguém tinha que se preocupar comigo também. Eu era maior de idade, mas não havia nem terminado o Ensino Médio. Repetira uma vez o terceiro ano, e na segunda vez que o cursava, acabei expulsa do colégio pois aprontava demais. Era na época da rebeldia. Troquei de escola mas tive que largar tudo para me mudar para São Paulo. Não fazia faculdade, não tinha dinheiro no bolso, estava sozinha numa cidade que me engolia com seus prédios cinzas. Minha última alternativa desesperada era aceitar o pedido da minha mãe e ir atrás da minha família.
 
Essa mulher acabou ajeitando tudo para que eu voltasse para o Rio Grande do Sul. Lá conheci minha bisavó, a avó da minha mãe, e meus avós. Tios, primos de vários graus. Era uma família humilde, muito acolhedora, moravam todos juntos numa casa antiga mas grande o suficiente. Quando atravessei o portão daquela casa e pus os pés no jardim, desabei de joelhos e chorei de cabeça baixa. Chorei pela milésima vez desde que tudo havia começado. Eu estava infeliz. Minha avó me pegou pelos braços e me levantou do chão naquela hora, me abraçando como se eu fosse uma criancinha indefesa. Eu soluçava em seus braços e ela fazia carinho em meus cabelos, sussurrando ao meu ouvido: "Calma, pequena, calma... Agora você está em casa".
 
Vivi com aquelas pessoas por alguns meses. Pela primeira vez na vida entendi porque família tem um significado tão forte para quem a possui. Ali eu era amada, acolhida, cuidada como nunca havia sido. Me mimavam do jeito que podiam, faziam milhares de perguntas sobre mim, se interessavam pelo meu bem-estar. Eu tinha alguns primos da minha idade com quem fiz amizade. Tudo parecia estar se encaminhando, eu melhorava meu humor aos pouquinhos, mas a dor, o vazio ainda queimavam no fundo do peito. Eu pedi à minha avó que esperasse um pouco antes de comunicar ao meu pai sobre mim. E ela respeitou essa decisão, mas a chegada do dia fatídico era inevitável. Depois de pensar bastante sobre isso, permiti que ela contatasse a mãe dele, minha avó, a pessoa que tinha pagado à minha mãe para dar um fim em mim. Não sei dizer o quanto me doía recorrer a uma pessoa que não queria nem que eu existisse. Minha avó e essa mulher discutiram, ela não queria contatar o filho. Quem intercedeu foi meu avô, pai do meu pai. A maior surpresa foi quando me disseram que meu pai não queria só que eu o conhecesse, ele queria que fosse morar com ele. Em outra cidade. Com a mulher dele e os filhos.
 
Eu disse "não" imediatamente. Entrei em desespero. Agora que havia conhecido minha família eu não queria de jeito nenhum sair dali, abandoná-los, para me lançar em outra aventura por aí. Estava cansada dessa vida louca, eu só queria paz de espírito. Tudo bem se ele quisesse me conhecer, mas morar com ele eu não iria. Numa casa com pessoas estranhas e onde eu não sabia se seria bem acolhida. Não, não, não, mil vezes não...
 
Meus avós me chamaram para uma conversa. Me explicaram que meu pai não tinha culpa do que a mãe dele fizera, eles o conheciam e sabiam que era uma pessoa de boa índole. Ele nunca abandonaria a mim e à minha mãe por vontade própria. Quem o conhecia sabia o quanto ele estava feliz em saber que eu viria ao mundo. E quando minha mãe foi embora, ele se jogou numa vida bandida de passar quase todas as noites em bares, andava por aí desnorteado, perguntando a quem passasse na rua se sabiam sobre Adélia Fernandes. Entrou numa fase péssima, só se recuperou quando conheceu a mulher com quem era casado hoje. Meus avós me afirmaram também que minha mudança não seria definitiva se eu não quisesse. Se eu não me adaptasse, eu poderia voltar na hora em que quisesse. Sob essa condição eu aceitei arriscar e me mudei para morar com meu pai e meus meio irmãos.
 
Mais uma vez eu chegava a uma cidade desconhecida, sem garantia do futuro. Parada no aeroporto, malas nas mãos, olhava em volta à procura do rosto que deveria encontrar. Um homem alto, barba escura e grossa abrigando um sorriso de dentes brancos, os cabelos lisos e pretos permeados por fios brancos se aproximou de mim. Cruzar meu olhar com o dele me fez estremecer da cabeça aos pés. Verdes nos azuis.
 
-- Sara? -- ele perguntou a mim, o sorriso dele não se desfazia.
 
-- Sou eu -- respondi, ainda encarando seus olhos.
 
-- Olá, filha -- e me puxou para um abraço forte, quente, parecia querer que minha alma encontrasse a sua. Senti seu coração batendo forte contra meu corpo. Eu não tive reação a não ser corresponder, até que senti algo quente molhar meu ombro. Ele estava chorando.
 
Fomos o caminho do aeroporto até a casa dele em silêncio. Vez em quando ele me observava com o canto do olho, eu fazia o mesmo. Os dois tímidos, meio constrangidos, mas certamente cheio de perguntas a fazer um para o outro. Ele despejou todas elas quando chegamos em casa naquela noite. Fui recebida pela mulher dele, uma senhora magra e alta de cabelos encaracolados, e um rapaz moreno de olhos verdes. Era meu meio irmão, Eric. Mais tarde uma garota também de cabelos encaracolados apareceu, me apresentaram à Alison, minha meia irmã. A família parecia bem receptiva, conversaram bastante comigo, quiseram saber mais sobre mim e minha vida. Ou melhor, meu pai queria saber. Eu estava achando tudo novo, não sabia se estava feliz nem triste. Me sentia torporosa, anestesiada, parecia que eu nem estava ali de verdade. Eu deveria me sentir realizada por finalmente conhecer o meu pai, não é? Mas por algum motivo estranho eu não estava. Mas fingia o meu melhor sorriso e respondia educadamente a tudo que ele perguntava, seu interesse por mim era sincero.
 
Depois que aquela estranha reunião de "família" acabou, eu subi para o que agora era o meu quarto e me acomodei. Tomei um banho e deitei na cama, fechei os olhos e me permiti pensar na vida. Refletir. Era por uma vontade do destino que eu estava ali. Eu acredito fortemente que tudo na vida acontece por um propósito, e embora a gente não aceite muito bem isso, as coisas que parecem ruins também têm um motivo. Me perguntava qual era o motivo dessa vez. Tentei internalizar isso até finalmente adormecer naquele ambiente desconhecido.
 
No dia seguinte eu acordei sentindo meu corpo mais leve, embora minha cabeça estivesse meio pesada. Tomei um banho demorado e permiti que a água lavasse de mim os pensamentos ruins para que eu tivesse espaço para as coisas boas. Me vesti e saí do quarto para descer, por alguma razão eu sabia que todo mundo já estava lá embaixo esperando por mim. Mas quando encostei na escada e olhei pra baixo, vi um rosto que não era conhecido.
 
A garota me olhava com uma expressão assustada. Eu a analisei. Seu cabelo começava liso mas ondulava levemente perto das pontas. Era de um tom diferente de castanho com ruivo. Seus olhos castanhos me encaravam arregalados, ela estava surpresa. Contrastava com sua pele branquinha, seu rosto era levemente pintado por sardas no nariz e nas maçãs do rosto. Meu coração acelerou, a garota era linda. Desci meu olhar por seu corpo e notei que ela estava de mãos dadas com Eric. Ah, ela só podia ser a namorada dele, ele falou dela na noite anterior, mas a verdade era que eu não estava prestando muita atenção na hora. Não consegui desgrudar meu olhar do seu enquanto descia, seus olhos me atraíam. Cheguei ao pé da escada e olhei para meu meio irmão, ele parecia nervoso. Voltei a olhar para ela, agora estava corada. Com vergonha? Nervosa também?
 
-- Rê, essa é... Bom... -- Eric tentou nos apresentar mas falhou. Percebi o quão estranha era a situação. A menina me olhava como se esperasse que eu fizesse alguma coisa, então eu fiz. Estendi a mão pra ela e disse:
 
-- Prazer, meu nome é Sara. Sou a irmã do Eric e da Alison.
 
A partir daí tudo começou a desandar. O jeito que Renata me olhava era diferente. Toda vez que eu encontrava meu olhar com o seu, eu sentia uma coisa estranha. Seus olhos eram muito lindos. Não era anormal eu me sentir atraída por uma garota. Desde que eu era criança eu sabia que eu era diferente, que eu não ia nunca me apaixonar por um rapaz como a maioria das minhas amigas iriam, porque eu simplesmente não sentia atração nenhuma por homens. Demorei até perceber e aceitar que eu era lésbica e finalmente contar para a minha mãe. Ela aceitou muito bem e disse que continuaria me amando e querendo a minha felicidade. Fiquei com muitas garotas quando estive em Goiânia, gostei bastante de algumas e até namorei. Mas confesso que nenhuma delas tinha me intrigado tanto quanto aquela menina. Tudo nela me atraía. Sua voz, seu jeito, quando ela passava a mão pelos cabelos e seu cheiro subia. O sorriso que surgia meio nervoso entre aqueles lábios perfeitos e vermelhinhos. Eu tentava ao máximo disfarçar o que estava sentindo, até porque ela era hetero e simplesmente namorava com o meu irmão mais novo. Eu não tinha chegado ali naquela família para estragar a vida dos outros. Eu estava ali para acertar a minha. 
 
Os dias foram passando e eu fui seguindo com a vida. Minha família no Rio Grande do Sul cobrava notícias e eu ligava para eles sempre que podia. Sentia muita falta de lá, me sentia sozinha nessa cidade nova. Me matriculei no colégio e, para meu azar (ou não), caí justamente na sala da Renata. "Que ótimo", eu pensei. "Deus está me testando, só pode ser isso. Por que eu vou ter que conviver com ela todo dia?". Ela puxava assunto comigo às vezes e eu mergulhava nos assuntos com ela, sua companhia me agradava muito, mas não era fácil essa proximidade. Vez ou outra eu escorregava e encarava sua boca enquanto ela falava, imaginando como seria sentir seu beijo. Seus olhos nos meus eram hipnotizantes. Estava tudo bem eu sentir essas coisas, contanto que eu as mantivesse só para mim. Que eu estava atraída era algo que eu não podia reprimir, mas também não precisava demonstrar. Mantinha uma distância segura dela, eu respeitava o Eric e ela também. Ninguém sabia da minha sexualidade e era bom que ficasse assim.
 
Os amigos dela ficavam meio inquietos quando eu me aproximava. Era cochicho pra todos os lados, aquele Felipe não disfarçava quando me olhava de cima a baixo. Meu gaydar explodiu quando eu botei os olhos naquela Amanda, ela era lésbica com certeza, embora não parecesse muito. Eram pessoas legais, me acolheram bem, mas eu sentia que o Eric não ficava muito à vontade quando eu estava com eles. Logo me enturmei com um pessoal de outra sala que era quase da minha idade, para não ter que passar os intervalos com os amigos dele. Para não incomodá-lo e principalmente para ficar longe da Renata.
 
No dia em que eu resolvi sair para correr e esclarecer a mente, voltei para casa e encontrei os dois lá. Não era incomum que Renata estivesse por lá, mas passava a maior parte do tempo com o Eric no quarto. Rolou um clima pesado na cozinha quando ela me convidou para estudar com eles, e eu neguei porque 1- eu sabia os assuntos de História de trás pra frente e 2- o olhar de meu irmão pra mim não era nada amigável. Mas ela insistiu mais ainda, e eu fiquei curiosa com o porquê. Mas não aceitei e saí de lá deixando os dois a sós. Pouco tempo depois ela veio atrás e pediu para sentar ao meu lado no sofá. Meu coração quase sai do peito, eu cedi espaço e senti seu calor e seu cheiro muito perto de mim. Era muita tentação.
 
Ela conversava comigo sobre o Eric, mas a verdade era que eu não queria saber. Eu sei que ele não gostava muito que eu estivesse ali, embora disfarçasse, e aquele assunto me magoava um pouco. Tinha medo de não me sentir bem-vinda, e apesar de tudo eu havia gostado do meu irmão. Enquanto ela falava eu me perdia em seus olhos de novo, deixava sua voz inebriar minha mente. Teve uma hora que a atmosfera ali na sala mudou num piscar de olhos. Quando me dei conta, seu rosto já tava muito perto do meu, eu sentia sua respiração acelerada bater na minha pele. Senti uma contração no pé da barriga, aquilo tava me dando tesão. Eu queria beijá-la, e pode ser coisa da minha mente, mas ela inclinava sua cabeça como se quisesse também. Eu não podia fazer isso de jeito nenhum.
 
-- Rê... -- chamei, reunindo forças do fundo da alma pra tentar me afastar dela. Ela gemeu em resposta, aquilo só me atiçou mais. Força, Sara!!! Força!
 
-- Acho que você deveria subir e falar com o Eric -- apelei pro nome dele pra ver se isso puxava a gente pra realidade. Funcionou. 
 
Sonhei com ela nessa noite. Um sonho nada tranquilo. Sonhei que a beijava, que passava a mão por seu corpo, ouvia sua voz sussurrando no meu ouvido. Acordei no meio da madrugada suando, o corpo quente, muito excitada. O que eu tava sentindo por ela era mais forte do que eu imaginava que seria capaz de reprimir.
 
A segunda vez em que quase nos beijamos foi na festa na casa do Ítalo. Eu sabia que dançar com ela não ia dar certo, era muita provocação seu corpo tão perto do meu. Mas eu mantive a racionalidade e me afastei de novo. Por ela, acho que já teríamos nos beijado, mas enquanto eu pudesse eu iria impedir isso. Naquela noite, a amiga dela, Amanda, deu em cima de mim de um jeito bem aberto. Não vou negar que a menina era bonita, em outro lugar, outra situação, talvez eu ficasse com ela. Mas ali não, não naquela cidade, não na frente daquelas pessoas. Não na frente da Renata. Por falar nela, quando nossos olhares se cruzaram na pista de dança enquanto Amanda falava algo no meu ouvido, acho que ela jogou uma maldição em todas as minhas gerações. Era um olhar de puro ódio. Meu coração não resistiu a acelerar, tive que reprimir um sorriso. Ela tava com ciúmes! 
 
Depois ela veio me questionar sobre a minha sexualidade. Parecia meio alterada por causa do álcool, quando vinha falar comigo encostava a boca no meu ouvido e isso me arrepiava toda. Tava impossível manter a sanidade, mas Deus é bom e tá no sempre no comando, e a Gabriela puxou ela pra longe de mim. De novo ela me lançou um olhar de raiva por eu não ter respondido à pergunta dela. Iria deixar no ar mesmo, era melhor pra todo mundo.
 
E chegamos naquela noite horrível de domingo. Eu estava debaixo do chuveiro, no banho, as mãos encostadas na parede e a água escorrendo pelo meu corpo. Eu me sentia péssima. Um misto de sentimentos ruins dentro de mim, queria sair correndo, queria desaparecer, queria gritar socorro. Quando cheguei em casa e vi meu pai preocupado comigo, aliás, todo mundo na casa preocupado comigo, tive que conter as lágrimas pra não chorar na frente deles. Eu não ia nunca ter paz, ia sempre surgir alguma coisa para atrapalhar quando as coisas estavam se encaixando. Mas agora era sério, o assunto agora era perigoso, pesado. Não tinha ideia do que fazer, e ter de mentir sobre tudo só piorava. Certeza que agora tava todo mundo desconfiado dessa desculpa esfarrapada que eu tinha dado.
 
Abri a porta do banheiro e levei um susto quando vi Renata sentada ali na cama. Do jeito que saí daquela sala e subi, imaginava que estivessem todos conspirando lá embaixo contra mim. Eu não estava de bom humor pra conversar, nem ouvir sermão de ninguém. Estava irritada, tensa. Quando percebi, ela estava com o porta retrato da minha mãe na mão. Ela pediu desculpas e perguntou se eram quem ela imaginava. Confirmei mas não tava pra papo, respirei fundo pra não ser rude.
 
-- Seus olhos mudaram com o seu humor agora -- ela soltou, sorrindo, e eu não resisti, me derreti e relaxei. Ela me relaxava. Tinha gostado mesmo da brincadeira sobre os olhos.
 
-- Foi mesmo? Como eles ficaram? -- perguntei, embora imaginasse a resposta.
 
-- Soltando raios pra mim -- ela percebeu? Droga, não tinha conseguido disfarçar minha irritação. Mas não era por causa dela, era outro assunto. Não queria que ela pensasse que tinha me chateado por ela ter pegado o porta retrato. Eu ri, meio triste, e ela levantou e me abraçou.
 
Fechei os olhos instantaneamente quando seus braços envolveram meu pescoço. Eu tava só de toalha e sentia seu corpo contra o meu, num contato que eu ansiava há tempos mas tinha medo de que acontecesse. Era um abraço sincero, acho que ela sentiu que eu precisava dele. Renata enterrou sua cabeça no meu pescoço e me cheirou. Senti sua respiração naquela área sensível, sua pele quente... Pulsei. Aquilo era muita maldade, muita covardia. Essa menina sabia o que ela fazia comigo? Não me contive e a apertei mais nos meus braços. Que vontade de empurrar ela naquela cama, meu Deus.
 
-- Sara... -- ela sussurrou, a boca colada na minha orelha. A gota d'água. Meu tesão batia nas alturas, ainda mais que eu me sentia tão carente, tão desprotegida. Não consegui conter o arrepio.
 
-- Oi? -- eu sussurrei de volta, minha voz saiu mais rouca do que deveria. Acho que ela percebeu que estava me deixando louca.
 
Nossos olhares se encontraram, nossos lábios a centímetros de distância. Puta merda, ela é muito linda, eu não vou aguentar. Não sou de ferro. Quero beijá-la, foda-se o resto, eu vou beijar essa menina.
 

Notas Finais


O capítulo teve o break que eu falei que teria, ele volta pro final do anterior. Mas se eu fosse vocês, aguardaria ansiosamente o próximo 😏


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