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História As Cores de Urano - Rosalinda


Escrita por: harmonysaur

Notas do Autor


Eu sei que eu demorei mas me perdoem por favor.

Capítulo 13 - Rosalinda


Estar numa posição de liderança trás não só privilégios como uma alta carga de obrigações. Nenhum pedestal é feito para que se suba e erga o queixo, o intuito de colocar alguém acima dos outros é fazê-lo abaixar os olhos, pois é estando em cima que se tem uma visão total do que acontece embaixo, portanto, a função de um líder é observar, cuidar e ser justo. 

Estar na liderança significa que você vai ouvir e aconselhar, prover e cuidar e até mesmo reprimir e controlar. Um líder deve nortear seu povo ao mesmo tempo em que lhe garante livre arbítrio e independência individual; e este é o ponto controverso de liderar aqueles que estão à margem da sociedade: não existe liberdade para quem vive na clandestinidade. Não se pode deixar livre um povo condenado, sua sina é a subsistência ou a morte, e como fronte a tortura ninguém se proclama valente, viver enclausurado e privado até mesmo da luz do sol não parece assim uma ideia tão ruim.

A Estação XXIX não está ali para ser o lar acolhedor de ninguém, e sim um refúgio, uma opção, uma chance de continuar vivo. Porém, tudo tem um preço e para viver ali, é preciso se adequar aos moldes de uma sociedade onde você não mais existe. Todo mundo que está ali embaixo está morto ou desaparecido para o governo - e estar desaparecido significa em todas as hipóteses, para os militares, fora das fronteiras, então, se qualquer um de baixo for pego em cima, todos os pontos seriam ligados de imediato, pois se uma pessoa declarada morta fosse capturada eles iriam querer saber aonde essa pessoa viveu durante todo o tempo de seu falso óbito e, como dito anteriormente, diante tortura ninguém se proclama valente, se um fosse pego, todos seriam descobertos. 

Liderar um povo clandestino significa não só garantir o seu bem-estar como também a sua invisibilidade. 

E é exatamente para isso que existem os incursores.

Um líder sozinho não daria conta de dar um jeito para abastecer aquele tanto de gente refugiada na estação ao mesmo tempo que também não poderia deixar que cada um se virasse sozinho para se manter, isso traria riscos demais e em uma situação como essa, só se pode arriscar quando se tem certeza que não vai perder, por isso, apenas os melhores são arriscados. 

Se a liderança é o cérebro, os incursores são a coluna vertebral daquela sociedade à margem. São escolhidos a dedo dentre todas as pessoas, são treinados e postos à prova, são os mais fortes, mais inteligentes, mais habilidosos, são aqueles em que o líder confia e o resto do povo imensamente respeita. São eles que abastecem a estação e colocam ordem na casa, é como se fossem os militares do mundo clandestino. São novos e com vigor, os que tem as melhores habilidades e estão prontos para encarar qualquer coisa. Arriscam suas próprias cabeças para manter as dos outros em segurança, são responsáveis por todos os outros e é por isso que em dia de incursão os ombros ficam mais pesados, pois não é só para si o que estão fazendo, é para todos os outros que confiam cegamente em suas capacidades.

Apesar de não serem líderes propriamente ditos, precisavam exalar um certo ar de superioridade para disfarçar todo o nervosismo que os rondava, afinal, aos olhos da estação, os incursores tinham lá a sua glória e para que todos se sentissem seguros com a ausência de seus protetores, era melhor que mantivessem esta imagem. Olhar afiado e queixo erguido, era assim que circulavam nas vésperas de uma incursão, de peito inflado para mostrar a segurança que muitas vezes nem tinham, mas precisavam ter para que o caos não se alastrasse ali embaixo. Andavam em passos firmes com um leve ar de descaso, como se nada os abalasse, eram quase super-heróis, carregando em suas capas a confiança de todo mundo que ficava ali embaixo enquanto eles subiam. 

Um mísero erro era o suficiente para condenar todo mundo, mas eles tentavam não pensar muito nisso, já estavam ansiosos e mais energia negativa não era bom. 

Todo aquele dia havia sido em prol da incursão, ou seja, um dia lotado para todos os incursores que ficavam pra lá e pra cá resolvendo tudo que havia sido deixado para última hora e finalizando os detalhes que precisavam ser ajeitados. Passaram o dia revisando o plano, passando as tarefas a limpo, memorizando os mapas e cada detalhe importante, designando uma função para cada um. Trabalharam, separaram o que lhes seria útil e por fim, tiraram um tempo para si mesmos, cada um sozinho em seu canto se preparando como bem entendesse para que pudesse dar o seu melhor quando fosse a hora. Alguns treinavam, uns corriam, outros dormiam, cada um fazia o que era melhor para si, para esvaziar a cabeça de tudo e enchê-la com um só propósito: fazer o que se tem que fazer.

Fazia muito tempo que não saiam em incursão devido aos acontecimentos da superfície, o sumiço da filha do presidente gerara um caos sufocado, mudo e invisível porém dolorosamente sentido tanto para quem vivia em cima quanto embaixo. A repressão aumentou e o controle sobre os cidadãos também, a liberdade era quase nula e a privacidade cada vez mais desrespeitada, sem contar que o número de militares parecia dobrar de um dia para o outro, circulando em novos esquemas e seguindo novos planos de segurança, o cerco estava cada vez mais apertado mas não era como se a estação pudesse esperar a poeira abaixar, os mantimentos estavam praticamente esgotados, eles não tinham escolha senão arriscar.

E este seria o maior risco de todos os tempos desde que a estação existe.

Mas Camila estava muito confiante em seu time. Uma ditadora, um escudo humano, raio humano, mulher ácido, mil Dinahs, uma gênio de computação, a filha do magneto, uma criança de treze anos, um piromaníaco enlouquecido, Lauren e uma novata experiente que no caso era ela mesma. Não era como se muita coisa pudesse dar errado… Ou era? Eles estavam acostumados e ela, muito bem treinada, se Lauren disse que podiam fazer aquilo então ela sabia que podiam. Ou pelo menos ela acreditava que podiam. Claro que podiam. 

Camila passou o dia inteiro treinando, mal acordou e já foi para a XXVII com seus tênis cangurus para se assegurar de que estava pronta para por em prática tudo aquilo que se dedicara meses aprendendo. Ainda sentia-se um pouco desengonçada com os tênis, mas conseguia pular e correr bem como deveria, conseguia saltar de uma plataforma à outra com confiança e era isso que importava, já que Lauren disse que não iriam para o alto dessa vez, então o salto em longa distância não era uma de suas maiores preocupações e sim a velocidade, o impulso, teria de correr o mais rápido que pudesse e seu corpo precisava estar em sincronia com seus pés, ela precisava ser ágil e silenciosa, controlar a respiração e manter a boca fechada.

Apesar de controlar o ar, a água e a terra, o elemento que Camila mais tinha aptidão era a terra, pelo fato de ter sido sempre o que mais praticou, com a água e o ar era um tanto quanto desengonçada e subestimava muito o que era capaz de fazer, contudo, fazia um tempo que Lauren vinha pedindo para que praticasse os outros dois para que ela pudesse ter mais controle sobre si e aumentar ainda mais as suas capacidades. Com isso, Camila vinha se exercitando mais e mais e agora, por mais desajeitada que ainda fosse, a prática do controle do ar a ajudava a correr e pular pois ao manipulá-lo conseguia elevar-se, mesmo que pouca coisa já que não estava costumada a executar tal prática.

O dia inteiro foi focado em sua preparação, no controle de seu nervosismo e ansiedade pois sabia que estes poderiam ser também seus maiores inimigos, a calma lhe seria necessária, então precisava exercitá-la, precisava extravasar-se com força. Esperava que Lauren aparecesse para treinar com ela, esperou durante o dia inteiro, mas ela não apareceu e Camila presumiu que ela precisava de espaço para se preparar sozinha, afinal de contas, seria sua primeira vez lá em cima depois de muito tempo.

A incursão partiria às onze da noite em ponto e quando Camila chegou na XXIX faltavam apenas dez minutos. Todos já estavam prontos, despedindo-se de seus amigos e pessoas queridas ou conversando entre si enquanto se encaminhavam para o vagão. A novata correu para alcançá-los, recebendo uma série de olhares repreensivos pelo seu quase atraso; olhares estes que ela ignorou completamente pois ela sabia muito bem a hora que iriam sair, ela não chegou mais cedo porque não viu necessidade em o fazer.

E também porque ela ficou esperando que Lauren aparecesse para buscá-la, mas isso ela não iria admitir.

O vagão já estava embocado no túnel de saída e ao ver os outros incursores, Camila discretamente cheirou por debaixo dos braços e fez uma careta azeda, praguejando-se por não ter se dado o trabalho de tomar um banho sequer antes de ir. Talvez chegar cedo realmente teria sido uma boa, mas por que Lauren não foi buscá-la?

Com os olhos azuis brilhantes, Normani a encarou de cima a baixo e sorriu fraco, negando com a cabeça:

-Você pode chegar um pouquinho mais cedo da próxima vez, assim da tempo de tomar um banho...

-Foi mal, sério, eu nem me liguei. -Camila disse num envergonhado encolher de ombros e a líder riu.

-Não deve ajudar muito, mas tem uma bica aqui no canto. -A negra guiou a novata até o cantinho do túnel e Camila abriu a torneira, lavando o rosto suado, os braços e as axilas, aceitando de bom grado a toalha de rosto que Normani lhe estendia.

-Dá tempo de trocar de blusa? -Ela pediu com as sobrancelhas unidas num apelo, apontando para a imundice que sua regata estava.

Normani revezou o olhar entre a garota e o vagão logo a frente, maneando os pensamentos antes de soltar uma lufada de ar e assentir:

-Corre, garota. -Camila sorriu em agradecimento e saiu correndo pela plataforma.- Aproveita e passa um desodorante!

-Ela é esforçada… -Andrew murmurou e Normani fechou os olhos com força pelo susto que sua súbita presença lhe causara.

Ela se virou para encarar o rapaz atrás de si e ele lhe sorriu de forma preguiçosa, relaxado até demais para o seu gosto. As sobrancelhas da negra se uniram em desconfiança e ele arqueou as suas em desafio, sorrindo debochado quando os olhos dela ficaram azuis.

-Tomara que ela acompanhe o ritmo do grupo, seria uma pena se ela se perdesse… -Ele sussurrou com os olhos castanhos arregalados sendo penetrados pelos azuis.

-Em que merda você está pensando, Andrew? -Ela pendeu a cabeça para o lado sem desviar o olhar do dele e franziu o cenho em frustração.

-Me diga você.

Vultos. Isso era tudo o que ela conseguia ver. Vultos e mais vultos, chiados, frases desconectadas e nada que fizesse sentido, era como se a mente dele tivesse mudando de frequência, ela não conseguia ver nada com precisão, superficialmente, precisava entrar em sua mente para destrinchar as vozes que se encontravam e decifrar o que diziam para decifrar o cenário que estavam tentando montar para aí sim descobrir o que ele esta pensando, era como se a mente dele estivesse aprendendo a confundi-la ou atrasá-la, não bastava mais apenas enxergar para saber, ela tinha que decifrar o que a mente dele tinha a dizer. Mas ela não conseguia fazer isso assim, sem tempo, ela não conseguia entrar na cabeça de alguém assim tão fácil sem um tempo mínimo para estabelecer uma conexão, então, no momento, tudo o que entendia de Andrew eram chiados. 

-Você não se atreva a relar um dedo que seja nessa garota. -Normani rosnou e ele sorriu de canto.

-Eu? -Ele perguntou numa risada cínica, negando com a cabeça.- A única que eu vou fazer é seguir o plano até o final.

-Eu posso até não te punir pelas merdas que você faz, porque eu tenho palavra, mas essa garota está fora disso, ela está fora de qualquer acordo e se algo acontecer com ela por sua causa, eu vou te fazer pagar por isso.

-Fica tranquila, maninha, eu já disse, só vou seguir o plano até o final. -Ele disse rodeando a negra, brincando de acender e apagar a chama do isqueiro zippo em sua mão.- Mas eu não posso ser responsabilizado por acidentes. -Ele deu ombros e ela cerrou os olhos.- Manda ela ficar atenta, acompanhar o grupo… Se ela ficar pra trás… -Ele negou com a cabeça num gesto dramático e logo atentou-se para o relógio em seu pulso.- Aliás, já são onze horas, aonde é que ela está?

O sorriso de Andrew fez um frio subir pela barriga de Normani e assim que ele se pôs a andar para o vagão, ela se voltou na direção da plataforma, procurando a novata no meio de todo mundo que circulava, relaxando ao ver que ela vinha caminhando alegremente, aos pulinhos até, em volta de Lauren que ria e negava com a cabeça sobre algo que ela dizia. Com os olhos azuis, Normani fitou Lauren e se acalmou, ela estava decidida a não sair de perto da garota nem por um momento e se assim realmente fosse, nada aconteceria à novata.

-Eu achei que você iria pra XXVII hoje… -Camila comentou como quem não quer nada, fitando de soslaio a incursora de olhos verdes.

-Passei o dia com a Taylor ajudando a Dinah a trabalhar nas habilidades dela, ela está tentando fazer mais versões de si mesma o que é bem engraçado já que alguns clones tem personalidades bem difíceis e ver uma Dinah zoando outra Dinah é realmente impagável. 

-Que bom que você se divertiu porque eu tive um dia bem intenso. -Camila murmurou e a incursora riu e a encarou em busca de novos hematomas, ganhando um tapa da novata assim que ela percebeu sua intenção.- Ridícula… Eu não acredito que passei o dia preocupada com você…

-Preocupada comigo? -Lauren estranhou numa risada.- Por quê?

-Você sumiu. -Camila encolheu os ombros ao falar.- E não só durante o dia, eu fiquei nervosa de madrugada e quando fui no seu vagão, você não estava lá… -A novata pôde jurar que o sorriso de Lauren fraquejou um pouco, mas a fitava de soslaio, estavam uma do lado da outra, não tinha como ter tanta certeza assim.- Como eu não te vi o dia todo, você nem foi na XXVII… Sei lá, eu fiquei preocupada..? Ansiosa talvez, sei lá, não é uma boa sensação ficar tipo… Longe… De você… Digo, esse tempo todo, sabe? Porque, bom, foi desde a madrugada e depois eu não…

-Eu sei me cuidar, florzinha. -Lauren a assegurou juntando sua mão na dela levemente num breve aperto para logo em seguida separá-las novamente.- Você não deve se preocupar comigo, tem é que fazer o mesmo.

-Eu sei me cuidar! -Camila se manifestou de imediato como uma criança mimada e a incursora assentiu.

-É melhor que saiba mesmo, hoje é a sua primeira prova. -Lauren arqueou as sobrancelhas num meio sorriso desafiador e a garota sentiu um frio na barriga, encolhendo os ombros involuntariamente com a insistente insegurança que lhe alfinetava no pé do estômago.

-Você vai ficar perto de mim o tempo todo, não vai? -Perguntou feito criança medrosa e a incursora lhe lançou um olhar pesado fazendo com que sua expressão mudasse na hora; desfez o biquinho e endireitou a postura, tomando o semblante mais firme que conseguia naquele momento, vendo Lauren assentir já que aquela era uma das lições mais importantes: sempre que estiver insegura ou com medo, não demonstre.

-Sim. -Lauren respondeu depois de um tempo e Camila lutou para suprimir o sorriso que queria rasgar seus lábios.- O tempo todo.

[…]

A farda parecia ficar mais pesada em seus ombros a cada missão cumprida, a cada noite que chegava em casa mais sujo se sentia.

Os gritos de socorro ecoavam em sua mente, as vozes que agonizavam adentravam sua mente e não havia um dia sequer que não tivesse pesadelos com todos aqueles corpos queimando, torrando para logo em seguida explodir. Os membros, o sangue, o cheiro que rondava o quarteirão no dia seguinte, tudo o enojava. Eram pessoas, pessoas como ele, mas Rakharo não podia pensar nisso, não podia fraquejar, se opor ou falhar, era seu dever, não podia faltar com sua família. 

Seu pai tinha morrido por isso, seus tios também, assim como ele viria a morrer por isso e seu futuro filho ou Yao seguiria o mesmo caminho. Era o fardo de sua família, um ciclo a ser seguido onde um precisava se sacrificar para que todos continuassem protegidos.

Ao abrir a porta de casa, se deparou com o irmão mais novo treinando sozinho na sala de estar, extremamente concentrado em seu oponente invisível, o que lhe fez sorrir um pouco. Eram bons golpes e rapazinho era ágil, mas não muito silencioso, além de um pouco desajeitado, não de demorou muito para que ele se estatelasse no chão junto com o jarro de flores que ficava na mesinha do canto.

Kyungsoo apareceu correndo no corredor com um avental amarrado na cintura, arregalando os olhos ao ver o irmão estabacado, todo e cortado e gemendo de dor em cima dos cacos de vidro.

-Achei que o seu dever era supervisionar os treinos dele. -Rakharo repreendeu o outro irmão num cruzar de braços, sem mover-se sequer um passo de onde estava para ajudar o mais novo que jazia no chão.

-Eu estava fazendo o jantar, a mãe não está se sentindo bem. -Kyungsoo respondeu sem nem direcionar-se o olhar, apoiando o braço do mais novo em seus ombros para ajudá-lo a se levantar.- Você tá bem? Consegue levantar? -Perguntou baixinho para Yao que assentiu numa carranca, segurando o choro ao apoiar-se no irmão.- O vovô vai dar um jeito nisso aí, vem... E à propósito -voltou-se para Rakharo.- O treino dele acaba às sete, ele está no tempo livre. 

-O que é que a mãe tem? -Rakharo perguntou como se não tivesse ouvido o que o outro falou e Kyungsoo negou com a cabeça antes de começar a arrastar com cuidado o irmão mais novo pelo corredor.

Rakharo inflou as narinas em frustração ao ser ignorado, socando a porta atrás de si num reflexo. Num gesto bruto, tirou a farda e jogou no sofá, virando para o corredor oposto, indo em direção ao quarto da mãe.

Em todos os dias de bombardeio era a mesma coisa, mas ele se preocupava mesmo assim.

-Filho! -A mulher, que estava quase caindo no sono, arregalou os olhos e exclamou em alegria ao ver o rapaz na porta.

Rakharo sorriu e foi em sua direção, ajoelhando-se ao pé da cama e dando-lhe um beijo na testa, sendo correspondido com um milhão de beijos no rosto de sua mãe que esticou um dos braços e envolveu em seu pescoço puxando-o para si num esquisito abraço.

-Eu estou bem, mãe… -Ele murmurou tentando se afastar, mas ela não o largava.- Eu tô bem!

-Eu sei, eu sei, é que… Ai… Eu fico tão preocupada, eu fico com medo de você não voltar pra casa.

-Eu sempre volto.

-Com tantas funções e eles tinham que te designar justo a pacificador… Você sabe o que seu pai falava dos pacificadores…

-Eu não pude escolher, as honrarias são dadas de acordo com o perfil do herdeiro, não fui eu escolhi, eu também não gosto.

-Não é certo.

-Eu sei, mas é o que protege a gente. 

-Você mata gente igual a você, se um dia alguém descobrir, vai ser você e os seus irmãos dentro de uma casa dessas.

-Não vão descobrir, eu estudei com eles, aprendi com eles, tudo como o papai fez. É o meu trabalho e eu vou fazer, você vai ter Kyung e Yao pelo resto da sua vida, eu protejo a gente.

-E quando for você? Os convites estão chegando cada vez mais cedo e o Yao…

-Yao não é meu filho, ele não vai ser chamado pra uma escola militar a não ser que eu morra.

-Eu não gosto disso, eu não gosto desse ciclo, dessa coisa… -Ela sacudiu a cabeça, inquieta.- As vezes me parece tão estúpido toda essa coisa a qual a gente submete vocês, todo esse treinamento, toda essa carga que vem desde pequeno e…

-As coisas só acontecem porque a gente acredita. -Ele a interrompeu com um beijo na testa.- Os treinos são bons, um dia a gente pode precisar deles e o ciclo, ele é importante, com um de nós trabalhando com os militares podemos nos camuflar, nos proteger…

-Eu não me importo com mais nada, eu só quero proteger vocês.

-A gente está bem...

-Essas coisas estranhas acontecendo, o sumiço da filha do presidente, a invasão na casa daquele militar… Seu avô já está dizendo aquelas baboseiras de que a Mãe vai chegar… A Mãe… -Ela desdenhou num revirar de olhos.- Ele está cada vez mais agitado e eu imagino que a maioria das pessoas também esteja inquieta, com medo desses últimos acontecimentos.

-Eles estão trabalhando nisso, mudamos todos os planos de segurança e as patrulhas, estamos agindo com táticas diferentes e revertemos os itinerários, estão trabalhando duro pra saber o que está acontecendo e quem está por atrás disso, mas ninguém está inquieto, pelo menos não aparentam porque inquietação gera suspeita e ninguém quer ser suspeito nesse momento. Além do mais, só sabem do sumiço da garota, a invasão a casa do Devalther é sigilo, só quem é de dentro sabe.

-Quem eles acham que está por trás disso?

-Alguns cogitam selvagens e querem até patrulhar fora da fronteira, mas não podemos fazer isso, é ordem superior, por isso também pensam em uma gangue de mutantes, uma ceita muito bem formada que passou pelo radar sem ser percebida, algo como o que Magnus Rheukar tentou fazer há anos atrás.

-E o que você acha?

-Eu acho que nunca extinguiram de fato o incêndio que Magnus Rheukar causou. -O rapaz murmurou num dar de ombros macabro e a mãe cerrou os olhos sem entender.

-O que isso significa?

-Gente como a gente, mutantes querendo sobreviver... Talvez o vovô tenha razão, uma revolução está por vir.

[…]

No mesmo instante em que Hailee parou o vagão, todos revezaram olhares entre si. Olhares nervosos, ansiosos e empolgados, talvez no fundo amedrontados com tanto risco mas a adrenalina não deixava ninguém se acovardar. 

Normani, que estava no fundo do vagão, foi a primeira a levantar e o fez com uma expressão severa, um olhar azul feroz, encarando um por um enquanto caminhava até a outra extremidade do espaço. Não precisava dizer nada para que a sua energia fosse sentida, sua imposição, sua cobrança e expectativa. Era difícil, mas ela sabia o que estava fazendo, e acima de tudo, confiava em seu time, ou pelo menos em boa parte dele. 

-Somos profissionais e isso é o que a gente faz. -Ela disse de braços cruzados, encarando todos os incursores que estavam um tanto quanto inquietos.- A gente faz isso desde sempre, não tem nada de novo aqui.

-Na verdade… -Bronze começou mas ela interrompeu.

-Cala a boca. -Ela apontou em sua direção e ele assentiu, abaixando a cabeça.- A gente sempre fez isso, então é sair, seguir o plano e voltar. Se qualquer coisa der errado, qualquer emergência é recuar, achar um lugar seguro e esperar, a gente só volta pra cá com o grupo inteiro, ninguém fica pra trás, estamos entendidos? -Todo mundo assentiu e ela fez o mesmo.- Vocês três. -Apontou para Veronica, Octavia e Camila.- Tentem não se afastar muito, caso dê alguma merda, vocês tem que estar perto de alguém. Somos um time, ok? Vamos fazer o que se tem que fazer, mas temos que nos proteger em primeiro lugar...

-Ei, eu não vou sair de perto de você, ok? -Lauren sussurrou no ouvido de Camila e a garota assentiu, sorrindo-lhe nervosamente em gratidão, tentando acalmar toda aquela palpitação.

-É um mercado militar então toda atenção ainda é pouca. Nossa intenção não é causar conflito, temos que ser invisíveis, mas caso seja necessário…

-Cortem-lhe as cabeças! -Andrew murmurou numa risada, assoprando o fósforo aceso entre seus dedos e a negra o encarou em repreensão, em vão, já que ele não estava a lhe dar muita atenção.

-Sejam discretos e silenciosos… Invisíveis. -Ela disse com firmeza, encarando um por um.- Todo mundo já tem o que precisa? -Mais uma vez todo mundo assentiu.- Então vamos as compras!

Todo mundo se levantou e Lauren correu para o fundo do vagão, colocando uma espécie de suporte nas costas e desencaixando uma barra de ferro frouxa, uma alça na lateral alta do metrô e sem muito esforço a girou nas mãos, encaixando-a no suporte das costas. A barra era metade do tamanho dela e ficava pendurada em diagonal nas suas costas além da grande faca presa no cinto de sua calça.

-Dessa eu não sabia. -Camila riu de nervoso apontando para a barra de ferro e a garota deu ombros.

-Quem não é mutante se vira como pode.

-Vamos? -Bronze chamou e as garotas assentiram, seguindo o grupo sem pestanejar, sorrindo ao ouvir o grito de boa sorte da Hailee que aos poucos ficava pra trás.

O plano havia sido muito bem articulado e todo mundo sabia exatamente sua função e o que deveria fazer. Pela primeira vez, Normani não seria responsável por muita ação, ficaria na entrada dos fundos flutuando as coisas até o vagão, Luke que seria o líder dessa vez, o de papel mais importante, apagaria todo o sistema, apagaria tudo que não fosse as pequenas lanternas dos incursores, ele ficaria no andar de cima, impossibilitando qualquer tentativa dos militares de reconectarem qualquer sinal. Luke seria o primeiro a entrar e só sairia depois de todos os incursores.

A rua estava deserta bem como previsto, muito bem iluminada porém nenhuma alma viva para contar história, os jovens se encararam e seguiram assim que Normani assentiu numa ordem muda. Caminhavam desconfiados, sempre alerta aos arredores, em passos tão treinados que nem mesmo se ouviam, caminharam até o fim da rua, até o grande portão de alumínio que marcava a entrada do depósito do hipermercado.

-Quantos militares trabalham aí dentro? -Octavia sussurrou para Normani que soltou um suspiro em desagrado.

-Muitos, é de madrugada que eles repassam a mercadoria, mas assim que tudo se apagar eles vão subir para a central e os corredores vão ficar vazios pra gente. -A negra bagunçou os cabelos da mais nova num ato de descontração e ela assentiu, ainda sentindo aquele frio na barriga.- Luke?

No mesmo instante, um estalo monstruoso rasgou o silêncio da noite e todas as luzes da rua se apagaram, deixando-os na completa escuridão enquanto ouvia-se o alvoroço de vozes nervosas dentro do depósito: uma gritaria desesperada com o apagão, era possível ouvir a correria, e com seus olhos acostumados à escuridão, os incursores se encararam nervosa e interrogativamente.

-Por que eles estão gritando? -Andrew murmurou com as sobrancelhas unidas e os punhos cerrados em nervoso.- Eles são treinados a proceder em situações como essas, não entram em desespero, eles seguem o protocolo, todo mundo sobe pra central e fim da festa.

-A não ser que não sejam militares. -Lauren manifestou-se com o semblante preocupado e a negra inflou as narinas em frustração, negando com a cabeça.

-A gente supervisionou essa área todo santo dia, eu tenho certeza que esse é um hipermercado militar.

-Eles estão mudando os planos de segurança, fazendo rotação de pessoal… -Bronze disse como se fosse óbvio, batendo na própria testa.

-Ótimo… Isso é ótimo, certo? -Normani perguntou para todos eles, recebendo silêncio em resposta enquanto todo mundo se encarava.- Menos militares, menos trabalho.

-Mas a gente não pode machuc…

-A gente entra. Agora. -Normani ordenou irredutivelmente.- O sistema está apagado, as trancas estão abertas então é só empurrar as janelas, o plano segue exatamente como antes.

-E se alguém abordar a gente? -Dinah perguntou um tanto quanto insegura e a negra a encarou com indiferença.

-Você sabe o que fazer.

-Alguém que não seja militar. -Ela complementou nervosamente e a negra manteve a mesma expressão.

-Você finge que é e faz o que tem que ser feito, capiche? -Andrew interveio, esbarrando propositalmente em Dinah e abrindo caminho entre os incursores.- O plano segue e a hora está passando! 

Ninguém ousou dizer mais nada, sabiam o que fazer.

Andrew foi quem puxou o bonde, empurrando a janela para todos entrassem, um por um, dispersando-se pelos corredores escuros guiados e acobertados pela barulheira das pessoas que ainda não haviam conseguido sair do depósito depois do apagão. Um alto grito para que todos os trabalhadores subissem as escadas cortou todo aquele caos de bate-pés para logo em seguida torná-lo mais intenso. Luke impedia o funcionamento de qualquer aparelho de luz ali embaixo e os incursores aproveitaram aquela bagunça no breu para seguirem seu curso, migrando para onde deveriam ir, cada um para o seu setor. 

Não demorou muito par que cada um achasse um carrinho de carga e a incursão começasse de fato.

Aquilo era algo que eles sabiam fazer muito bem e aos poucos o nervosismo ia dando lugar à aquela adrenalina divertida e eufórica de quando se faz algo incrível que você sabe que não deveria estar fazendo, e o frio na barriga ia sendo substituído pelo êxtase da aventura, aquele prazer em correr riscos. Conforme os corredores se esvaziavam, os incursores os preenchiam e enchiam seus carrinhos com caixas e mais caixas, levando tudo até a janela arrombada para que Normani, concentrada e sentada no lado de fora do vagão, levitasse todos os itens até o vagão extra que Hailee havia puxado justamente para encher de mantimentos.

Num silêncio desafiador, eles enchiam seus carrinhos de caixas, esvaziavam na janela e depois voltavam aos corredores para abastecer e levar tudo para Normani novamente, acumulando o máximo de coisas que conseguissem. Quanto mais, melhor, este era o lema.

Para Lauren, velocidade nunca foi problema e em toda incursão sempre era a mais rápida, a mais adiantada ou uma das, percorria todo o corredor sem fazer gerar sequer um ruído, entupindo o carrinho de caixas e mais caixas, só que dessa vez, a raposa não fez muito jus ao apelido. Era um incursor em cada corredor, quando este passava para o corredor seguinte, quem estava no corredor anterior assumia a posição e assim ia, em ziguezague, um de cada vez em cada corredor, sempre passando pra frente. Lauren sempre era super adiantada, quando um incursor estava na metade do corredor, ela já estava no seguinte, mas desta vez, a cada corredor ela acabava fazendo uma parada e só passava para o seguinte quando via que Camila estava vindo segura atrás de si.

Tudo estava seguindo como planejado. Com a queda de energia, todos os funcionários eram obrigados a deixar o depósito até que tudo se restabelecesse, então eles dominavam apenas o fundo do depósito, mantendo-se afastados dos corredores dianteiros onde pequenas patrulhas ainda poderiam estar circulando em busca de funcionários que no desespero encontraram dificuldades para sair. Apesar de serem experientes, precisavam ser extremamente cautelosos, não podiam avançar demais.

-Ei, garota! Garota! -Lauren freou os calcanhares assim que a voz grossa e desconhecida gritou, sentindo o frio subir-lhe toda a espinha.

Mas não era com ela, e sim no corredor da frente. Octavia.

Lauren sentiu uma mão trêmula em seu ombro e assim que virou o rosto se deparou com o semblante desesperado de Camila:

-O que a gente faz agora? -A novata sussurrou e Lauren mordeu o lábio, tentando ser racional e manter a calma. Aquilo não estava no plano, era a pior das hipóteses a ser cogitada, mas Lauren sabia como proceder. Camila, por sua vez, não fazia ideia.

-Corre. -Lauren sussurrou em resposta e os olhos castanhos se arregalaram no mesmo instante em que a novata negou com veemência.

-A gente não pode deixar ela aqui! A gente precisa tirar ela…

-Você corre, Camila.

-Sem você?

-É. Você. Agora! -Lauren ordenou entre dentes e a garota negou com a cabeça.- Camila, se você quer ajudar, corre.

-Correr pra onde? 

-Pra janela! Mete o pé, recua, acha a Normani!

-A gente passou por um milhão de setores, eu não sei voltar pra lá! -Camila sussurrou negando veementemente.- Você não pode me mandar voltar pra lá, eu… E-eu não sei! Você veio me guiando o tempo todo, como que você quer que eu…

-Só corre, Camila. -Lauren ordenou entre dentes, avançando passo por passo para o corredor em que Octavia estava.- Procura o caminho, acha uma saída ou se esconde, só se esconde, mas sai daqui agora. Bronze está no setor de trás, corre pra lá, segue o corredor inteiro pra trás, corre e acha alguém ou acha uma saída. -Lauren virou pra trás para checar a garota, mas a novata estava paralisada, fazendo-a bufar.- O que você está esperando? Outro guarda aparecer? Vai!

E a garota foi, recuando em marcha ré até tomar uma boa distância e dar as costas para Lauren, correndo para longe mais amedrontada do que nunca em sua vida, correndo para longe como se sua vida dependesse disso. E realmente dependia.

Lauren a viu desaparecer na escuridão e sentiu um aperto no peito, um doloroso incômodo como um soco no estômago, teve vontade de correr e alcançá-la para mantê-la perto de si como prometeu que faria, mas não podia, Camila precisava se esconder, precisava sair dali e ela precisava livrar a barra de Octavia. Camila encontraria Bronze e com ele estaria segura, agora ela precisava focar em Octavia. 

-Garota, vem! Você não devia nem estar aqui! -O militar se aproximava da menina que recuava a cada passo que ele avançava, de olhos arregalados, paralisada, sem saber o que fazer.- Vamos! Me dê seu braço, preciso checar seu número pra te mandar pra casa. -Ele disse, mas ela não se moveu.- Anda, garota!

Era um ângulo extremamente favorável para o que ela precisava fazer. O militar estava de costas para ela enquanto encurralava Octavia, ele era alto e forte, mas estava de costas e não segurava a menina, apenas avançava em sua direção, ele não estava a prendê-la então não havia nada que impedisse a incursora de pegá-lo de uma só vez, Octavia só precisava recuar mais um pouco para que a finalização fosse perfeita e o homem não tivesse nem mesmo tempo de gritar por reforços.

Lauren se aproximava cautelosamente, segurando horizontalmente a barra de ferro com ambas as mãos, forçando os olhos o máximo que podia para enxergar o rosto da menina no escuro pois precisava ter absoluta certeza de que ela havia a visto, precisava ter certeza de que ela estava preparada. Ela já estava há apenas dois passos de distância atrás do militar e com os olhos cerrados, pôde ver quando a menina abriu a boca de susto com a sua presença, mas não alarmou o homem, que continuava a avançar passo por passo na tentativa de abordá-la sem assustá-la, até que era gentil mesmo sendo impaciente, provavelmente estava achando que ela era a filha de algum superior que estava perdida ali por baixo.

A mão de Octavia discretamente desceu para o cinto de perna onde sua faca estava guardada e Lauren assentiu, sabendo que ela estava preparada.

Lauren não pestanejou um segundo sequer antes de dar uma forte joelhada nas dobras dos joelhos do homem, fazendo-o vacilar pra trás, quase caindo, chacoalhando os braços para tentar se equilibrar, batendo a cabeça no ombro da incursora, mas antes que ele pudesse gritar de susto ou falar qualquer coisa, a barra de ferro já estava pressionada em sua garganta. O grito sufocado ficou preso e só os engasgos secos cortavam o silêncio enquanto Lauren se mantinha apertando a barra, prendendo-o pelo pescoço entre o ferro e o osso de seu ombro, continuando a golpear firmemente a dobra de seus joelhos enquanto ele tentava em vão se soltar ou ficar de pé.

-Octavia… -Lauren rosnou em ordem, usando toda a sua força para enforcá-lo enquanto a garota tremia com o facão em suas mãos.

Lauren deixou escapar um alto gemido ao dar um tranco na barra, prendendo-o com ainda mais força, com toda a força que conseguia o homem que se rebatia a todo custo deu um forte sacolejar, tentando se desvencilhar. Com o susto de seu movimento, Octavia fez o que tinha que fazer num impulso irracional, movida pelo medo, enfiando a lâmina inteira do facão no lado esquerdo do peito do homem.

A garota continuou a apertar a faca no peito do homem até que seu corpo não mostrasse mais resistência e quando Lauren se desvencilhou dele, soltando a barra de ferro, o corpo do militar caiu inerte no chão.

Octavia deu um pulo para trás, horrorizada, trêmula, e Lauren pôs o dedo indicador no lábios, ordenando silêncio ou ao menos que ela não elevasse o tom de voz por conta do nervosismo. A menina tapou a boca com as próprias mãos enquanto as lágrimas desciam sem controle, ela olhou para os lados e negou com a cabeça, estava desnorteada, não sabia o que fazer então correu para a incursora, afundando o rosto em seu peito enquanto Lauren a envolvia protetoramente contra si.

-A gente… A gente acabou de… -A garota soluçou nervosa num sussurro, levantando o rosto cheio de lágrimas para encarar a mais velha que lhe abraçava.

-Eu sei. -Lauren sussurrou tranquilamente em resposta, segurando as próprias lágrimas, obrigando-se a ser firme pela menina me seus braços.- A gente fez o que devia ser feito.

-A gente…

-A gente fez o que devia ser feito, era ele ou a gente.

-Era ele ou a gente. Era ele ou a gente. Era ele ou a gente... -A garota sussurrou mecanicamente, com o olhar vazio, repetindo a frase sem parar no desejo de que começasse a soar certa.

Lauren se manteve intacta como uma verdadeira fortaleza, abraçando a menina que chorava em seu peito. Vez ou outra beijava seus cabelos e acariciava suas costas, mas aos poucos foi se deixando desvencilhar, precisavam voltar para a janela, precisavam sair dali.

Foi então que um forte cheiro de fumaça fez seu corpo inteiro entrar em alerta.

-Lauren… -Octavia sussurrou de olhos arregalados e a incursora viu o clarão laranja refletido em seus olhos.

-Corre! -Lauren gritou e no mesmo instante veio um estrondo distante, uma explosão que só fez o fogo começar a lamber tudo ainda mais rápido.

O fogo se alastrava monstruosamente atrás delas enquanto elas corriam, corriam e pulavam as prateleiras, corriam aos empurrões enquanto as chamas iam tomando as laterais, espalhando-se velozmente por todos os cantos, e subindo, subindo como se tudo ali fosse inflamável, como se houvesse um rastro por todo o caminho que os incursores percorreram.

Um rastro inflamável.

Gasolina.

-Andrew... -Lauren gritou enquanto corria, empurrando as caixas que apareciam em seu caminho, tentando achar uma saída enquanto Octavia vigiava a retaguarda e acompanhava o ritmo do fogo, implorando para que Lauren se apressasse na medida em que ela derrubava as caixas procurando uma janela.

A fumaça já se tornava insuportável e Lauren não enxergava um a palmo em sua frente, tossindo e puxando Octavia consigo, gritando para que ela não se soltasse dela. A incursora empurrava as prateleiras, chutava as caixas, corria, mas aos poucos perdia a velocidade, os olhos ardiam, o calor a atingia, a fumaça se alastrava junto com o fogo que só subia.

-Lauren! -O grito de Luke fez com que ela entrasse em alerta e uma forte luz atingiu seu rosto.- Lauren! -Ele agarrou a incursora, abraçando-a forte e fazendo o mesmo com Octavia, puxando a mais nova.- Vem! Vem, corre! Tem uma janela! -Ele gritou numa tosse e com sua mão foi iluminando o caminho.- É logo ali na frente, eu te ouvi gritar! Corre!

Lauren correu, correu com as poucas forças que ainda tinha e quando viu a janela quase se permitiu sorrir, olhando pelos ombros e vendo como o fogo lambia tudo. Subia, subia, subia e trazia a fumaça negra consigo, não demoraria muito para que todo o depósito fosse tomado. 

-Me dá a mão. -Luke chamou já do lado de fora e incursora o fez, apoiando-se no batente da janela e segurando firme a mão do loiro para pular pra fora dali, correndo para o outro lado da rua aonde Octavia já os esperava.

Assim que Lauren atravessou, foi atacada pela pequena Octavia que se afundou em seu corpo em outro abraço. Lauren riu, soltou uma gargalhada nervosa e abraçou a menina, encarando um Luke ofegante com o cabelo repleto de fuligem e o rosto todo cinza. Os olhares dos mais velhos se encontraram e ele também riu, entrando no abraço das duas.

-Lauren, Luke e Octavia. 

Lauren abriu os olhos no meio do abraço apertado ao escutar a voz aliviada de Normani. A negra havia falado com Ally que também os encarava com alívio, as duas estavam há poucos metros deles. Sem se desvencilhar, Lauren forçou os olhos para enxergar quem estava ali e com o coração na boca foi contando um por um.

Luke. Octavia. Normani. Ally. Dinah. Ally. Veronica. 

Andrew, sentado e tranquilo com um maldito sorriso no rosto observando todo aquele estrago.

Bronze não estava ali. Nem Camila.

Camila não estava ali.

A pequena onda de alívio se extinguiu completamente de seu corpo e todo o calor foi substituído pelo monstruoso frio na barriga que subiu por todo o seu corpo junto do aperto em seu coração, como se alguém o tivesse apunhalado. 

-Cadê a Camila? Cadê o Bronze? -Lauren gritou, desvencilhando-se de Luke e Octavia e indo na direção da negra que abaixou a cabeça.

-Eles não saíram ainda.

-Ainda? Eles estavam nos setores finais, foi lá que o fogo começou! -Lauren gritou, sentindo as lágrimas se formarem em seus olhos e seu corpo inteiro começou a tremer.- Essa porra toda começou aonde eles estavam!

-Lauren…

-Foi o Andrew! Foi o Andrew que fez essa merda! -Ela gritou pelos pulmões, apontando para o rapaz que não se moveu nem mesmo um milímetro e fez como se não tivesse ouvido.

-Eu sei. -Normani disse tranquila e Lauren arregalou os olhos.- Ele disse que tinham pegado a Octavia, você sabe o que fazemos quando pegam algum dos nossos.

A realização acertou a cabeça de Lauren feito um tijolo. Andrew havia feito tudo de propósito.

-Seu filho da puta! -Lauren correu na direção do rapaz, gritando de ódio.- Psicopata! 

Andrew se levantou mas antes que pudesse reagir, Lauren o derrubou com um chute só, bem no meio do abdome. Ele caiu feio e a garota se jogou em cima dele, montando em sua barriga para acertar-lhe uma série de murros no rosto, fazendo questão de pisar em suas mãos toda vez que ele tentava reagir.

-Seu filho da puta! Assassino! -Lauren gritou, socando o canto de sua cabeça enquanto ele gritava para que ela parasse e se contorcia em baixo de seu corpo.- Monstro! Você fez isso de propósito! -Ela esporreou o rosto do rapaz, cuspindo em sua face.- Seu merda! Você matou eles! Você matou todo mundo de propósito! 

Lauren gritou em meio as lágrimas mas antes que pudesse acertar-lhe mais um soco, sentiu seu corpo se puxado por algo e de repente, sentiu a dor do impacto de suas costas com o concreto do muro. Normani. A negra parou bem na sua frente e Lauren jurou que iria tomar uma surra em repreensão, mas tudo que ela fez foi encará-la firmemente com os olhos azuis por um longo tempo até que ela pareceu congelar e Lauren sentiu seu corpo livre de qualquer força invisível novamente, soltando-se subitamente da parede.

Apenas com o olhar da negra, Luke e Dinah que ajudavam Andrew saíram de perto do rapaz e assim que o fizeram, Normani se abaixou, cuspindo na cara dele, negando com a cabeça ao reparar o estrago que Lauren tinha feito em seu rosto: supercílio aberto, nariz sangrando, têmpora roxa, olho roxo. Ela cerrou os olhos, franzindo o cenho numa cara de nojo e o puxando bruscamente pelo colarinho da blusa puída:

-O que ela fez com você não chega nem perto do que você merece. -Ela murmurou com o rosto quase colado no dele e ele riu, jogando a cabeça pra trás para desviar do seu olhar.- Você mentiu pra mim, você colocou a vida de todo mundo em risco por pirraça, Andrew! O que é que deu em você? -Ela deu-lhe um forte tapa na cara e o sorriso debochado sumiu do rosto do rapaz.- Você fez essa porra toda por nada!

-E quem vai me dar o que eu mereço? Você? -Ele perguntou sério mas logo abriu um sorriso de escárnio, cuspindo sangue na cara da negra.- Você sabe que ela te mataria.

-Eu sou fiel à porra da minha palavra, eu já disse que não é por mim que tu vai cair. -Ela murmurou entre dentes.- Mas você… Você vai ver com os seus próprios olhos... 

-O Bronze! -Octavia gritou e Normani largou Andrew bruscamente no chão.- O Bronze e ele… Tá carregando a Camila!

Lauren não esperou nem mais um minuto e saiu correndo na direção do negro enquanto ele atravessava a rua, os olhos fixos na garota que ele carregava nos braços que vinha com o rosto fundo em seu pescoço, a incursora já estava com o maior sorriso do mundo em seu rosto. Ela sabia que Camila estaria segura se encontrasse ele. Ele era um escudo! 

-Eu pensei que vocês tinham morrido! -Lauren gritou pulando de animação e ele negou com a cabeça, exausto, ajoelhando na calçada, aos pés de Normani.

-Eu sou escudo, eu sobrevivo a qualquer coisa. -Ele disse ofegando e Lauren se abaixou ao seu lado para ajudá-lo a deitar a garota na calçada.- Mas essa garota, eu não sei se ela aguentou… Mas eu tentei, eu juro… 

O sorriso de Lauren morreu, mas não pelo o que Bronze disse, mas sim porque não era Camila.

Normani se abaixou para dar uma olhada na estranha inconsciente e Lauren se levantou no mesmo instante, recuando os passos com o olhar fixo na morena deitada no chão, as lágrimas voltando a escorrer pelo seu rosto.

-Bronze… -Lauren sussurrou e o negro a encarou de relance.- Cadê a Camila?

-Eu não sei, ela estava com você… Né?

-Eu disse pra ela ir atrás de você… -Lauren murmurou com os olhos arregalados, o peito chacoalhou com um soluço.- Eu mandei… Eu mandei ela correr e procurar você…

-O que? -Bronze perguntou com o cenho franzido, levantando-se no mesmo instante.

-Eu disse… Eu mandei ela… Te achar…

-Lauren, eu não… -Ele tentou dizer alguma coisa, mas tudo que conseguiu fazer foi abrir e fechar a boca diversas vezes porque realmente não sabia como completar aquela frase.

Mas Lauren sabia. 

Camila não tinha conseguido encontrá-lo.

E era tudo culpa dela.

Não, não era culpa dela.

-Andrew! -Lauren deu o grito mais alto de sua vida, um grito de raiva, de fúria, de dor.- Andrew! -Ela gritou em meio aos soluços, sem conseguir controlar as lágrimas que desciam pelo seu rosto.- Monstro! Você é um monstro! Assassino! Monstro! Você! -Lauren apontou para o rapaz que jazia em silêncio no chão, sem esboçar qualquer expressão ao encará-la, como se fosse totalmente vazio.- Você faz da minha vida um inferno! Você transformou a vida num inferno! Eu odeio você! Eu te odeio! -Ela gritava com força, gritava aos soluços.- Você pega todas as coisas boas da minha vida e acaba com elas, você acaba com tudo! Eu odeio você! Você matou ela! Você matou ela! Ela… Ela… A Camila… Ela era… Você é um monstro, eu te odeio, eu te odeio, Andrew!

-Lauren… -Normani tentou chamá-la docilmente, mas a garota a ignorou completamente.

-Você nunca vai chegar perto de ser o que ela era! -Lauren gritou para Andrew, que se mantinha inexpressivo, com o olhar vazio.- Você nunca vai ser nem metade do que ela era! Camila foi a melhor coisa que aconteceu naquela estação desde que eu cheguei, desde que você estragou a minha vida! Você matou ela… -Lauren rosnou entre dentes, ofegando de tanto que gritava.- Você matou ela…

-Lauren, ele não… -Normani tentou interromper novamente mas Lauren gritou em sua cara até que ela se calasse.

-Vocé matou ela! Você matou ela e eu nem mesmo tive a chance de dizer que…

-Que porra é aquela? -Luke gritou assustado e todos se voltaram para a sua direção, até mesmo Lauren.

O fogo estava correndo na direção deles. Literalmente. Era como se um fragmento do incêndio tivesse se deslocado do resto do fogaréu e estivesse correndo até eles, uma pequena fogueira sem madeira, uma fração de fogo correndo até eles como se fosse um ser vivo e independente. Um pequeno fogaréu que na medida em que se aproximava ia diminuindo, as chamas iam assentando e vinha diminuindo, diminuindo e tomando forma, a forma de uma pessoa. O fogaréu ambulante já estava bem na frente deles e havia se transformado numa tocha humana, um ser humano feito de fogo. Um fogo que também aos poucos ia se apagando, diminuindo, extinguindo as chamas.

Era Camila.

A garota estava nua, caminhando até Lauren enquanto o fogo se apagava de todo o seu corpo até certo ponto em que as chamas permaneciam apenas dentro de seus olhos, o castanho dando lugar ao laranja flamejante. Ela estava nua e nem mesmo fuligem havia em seu corpo, nenhuma queimadura, nenhum arranhão, nada, era como se absolutamente nada tivesse acontecido.

Mas antes que Lauren pudesse processar qualquer coisa, a garota se afundou em seus braços, encolhendo-se contra seu corpo e foi como se ela estivesse prendido a respiração até Camila aparecer e finalmente tivesse respirado fundo de novo, foi como se tudo dentro de si fizesse sentido novamente, todo o aperto em seu coração havia ido embora e agora ele batia mais acelerado do que um trem-bala. 

Camila estava ali, viva, sem nenhum arranhão em seus braços.

Lauren nem mesmo conseguia falar, tudo que ela conseguiu fazer foi apertar a garota contra si, envolvê-la em seu abraço mais protetor, tentando se curvar para a cobrir por inteiro e tapar ao máximo sua nudez, queria a sentir o mais perto de si possível e se pudesse nem mesmo iria soltá-la mais. Ela estava quente, muito quente, quase queimando mas aos poucos esfriava, como se fosse um efeito do abraço, assim como seu coração também se compassava e Lauren o sentia contra o seu peito, batendo quase no mesmo ritmo que o seu.

Tirando Normani, todos assistiam a cena sem entender absolutamente nada, embasbacados, de olhos arregalados e boquiabertos, inclusive Andrew que, diferente de todo mundo, não estava maravilhado e sim assustado, trêmulo, com o olhar fixo na novata encolhida nos braços de Lauren. Os olhos castanho avermelhados do rapaz pousaram na negra que apenas lhe sorriu largo, lhe fitando de relance antes de voltar o olhar para todo mundo que a encarava em busca de uma explicação para aquilo:

-Camila não controla só três elementos. -Normani explicou para todos os incursores.- Ela controla os quatro.


Notas Finais


Eu sei que eu demorei um tempão pra atualizar mas me perdoa aí sério tá tudo super corrido, preciso de 11,2 pra passar em matemática então Deus é mais, de qualquer forma, espero que gostem do capítulo, que comentem, que falem de acdu no twitter e deixem a opinião de vocês aqui porque isso é super importante e o feedback faz meu dia. Obrigada aí pra quem continua acompanhando e qualquer coisa tamo aí no twitter meu arroba é oharaskies me chama lá se quiser falar qualquer coisa ou só tweeta sobre acdu que eu dou rt etc etc etc vlwzao mores e até mais ;)


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