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História As Crônicas dos Peregrinos - O Algoz de Sangue - Temam o grandioso poder de...Bonnie



Notas do Autor


Olá pessoal, espero que gostem do capítulo a seguir, que desta vez chegou mais cedo porque estarei impossibilitado de postar durante o FDS. Anyway, a aventura de nossos heróis continua enquanto eles rumam para Seattle e tem que desviar um pouquinho do caminho para poderem, enfim, irem em busca da Titã das Memórias.
TRILHA SONORA NAS NOTAS FINAIS!

*Glossário:
- Rumina - Deusa romana menor da amamentação infantil, das figueiras e das mães em aleitamento (Humanas e animais, como vacas, lobas)
- Educa - Deusa romana menor da nutrição, da saúde infantil e das comidas infantis.
- Potina - Deusa romana menor da saúde infantil (É, também), da nutrição e das bebidas infantis.

Capítulo 12 - Temam o grandioso poder de...Bonnie


Fanfic / Fanfiction As Crônicas dos Peregrinos - O Algoz de Sangue - Temam o grandioso poder de...Bonnie

XII

 A respiração de Gale Lockheed estava fora de controle.

 Seus pulmões pareciam dois sacos de gelo estilhaçado desde que escaparam de Cassandra e seus homens, os olhos estelares arregalados e seu cabelo negro desfazendo-se em longos cachos ondulados, contrastando com a palidez em sua pele normalmente bronzeada. O filho de Eósforo estava assustado com tudo o que ocorrera naquela noite.

Sua respiração se entrecortou, ele repousou a cabeça na mesa fria de granito. Já eram perto das três da manhã, mas ele não conseguia cochilar como Dominó e Howard, que dormiam no banco a sua frente enquanto esperavam seus lattes naquele Starbucks 24 Horas onde se encontravam.

 Colores sentou-se de frente para o semideus estelar, que piscou, fitando-a enquanto ela pousava os cafés e trazia alguns biscoitos em uma bandeja. Seus cabelos coloridos tinham um tom de azul celeste e verde, com listras rosa intercalando-se nos fios de um jeito tão impossível que deixaria qualquer cabelereiro maluco.

Um sorriso sôfrego cortou seus lábios com batom turquesa, as lentes coloridas de seus óculos resplandeceram à luz cálida do estabelecimento, tal qual sua armadura de Ouro Imperial fazia.

 Ela estendeu um copo para Gale, que o agarrou entre os dedos e voltou o olhar para fora, vendo Caleb parado com seu copo de café em mãos, sentado no jipe e encarando as estrelas, como se esperasse que Felicia caísse do céu. Rámon relinchava na calçada, encarando eles bebendo seu café, como soldados romanos do mundo moderno com certeza fariam.

Parecia até o enredo de uma piada: Cinco legionários romanos e um cavalo com asas vão a um Starbucks de madrugada e...

O café com leite agradou o estômago de Gale, ele pegou um dos biscoitos e encarou Dominó se espreguiçando ao lado de Howard, que piscava os olhos lentamente, ambos despertando do breve cochilo e sendo servidos pela centuriã.

 Caleb ainda estava lá fora, sozinho.

- Ele só está preocupado. – murmurou Archie, bebendo seu mocha e pousando o copo lentamente na mesa. – Vai passar. Felicia é durona o suficiente para sobreviver e vai nos achar.

Gale suspirou, ainda preocupado. Seus pensamentos voltaram ao pesadelo loiro – Cassandra. Seus dedos tremeram, uma dor no fundo de sua cabeça estalou.

- Eu...Aquela mulher...Ela me torturou. – falou Gale, deixando um nó dolorido desatar em seu peito. Por algum motivo, lágrimas desceram por seu rosto. – E ela me conhecia...Conhecia meu passado...Eu sei disso.

A filha de Íris bebericou de seu café e suspirou, exalando vapor.

- Assustadora para uma mortal, tal qual falam da Esotérica. Se ela te conhecia e queria tanto te capturar, foi bom que escapamos, ao menos.

- Bom é pouco, e aqueles caras encapuzados? – Dominó falou, encarando a oficial. Ele tomou um gole do café e mordeu um biscoito, falando de boca cheia em seguida. – Reyna e Frank precisam saber disso tudo urgentemente. Ainda mais, eu conheço aquele símbolo, a cobra que morde o rabo, chamam de Ourobóros, já vi aquilo antes em uma outra seita derivada da KKK.

- Parece até uma marca de moda do mal, mas, sim, nossa volta para Nova Roma é eminente. – disse Archie, segurando o próprio punho com a outra mão. – Mesmo assim, ainda acho que eles vão precisar de cobertura nessa missão. Ela fica mais perigosa a cada passo dado.

Dominó fitou Gale e disse, quase murmurando: - Eles que o digam.

 Os olhos de Gale ficaram perdidos, ele tomou mais um gole e suspirou, não conseguindo ficar tranquilo quanto a Felicia, que estava enfrentando um dos membros de alta patente da Esotérica sozinha, lutando contra uma mortal aprimorada magicamente graças aos conhecimentos obscuros dentro da organização – como ele sabia de tudo isso? Não fazia ideia. De qualquer forma, ele nada falou a Colores, não queria que ela surtasse do nada e decidisse interferir de outra maneira espetacular.

 Dedos tocaram sua mão, era Howard, que sustentava um olhar bondoso para o filho das estrelas.

- Vai ficar tudo bem. Assim que a Felicia chegar, vocês seguirão viagem. E ela vai voltar.

- Felicia conseguiu ficar pau a pau com Alexia Melbyson, não duvido nada dessa menina. – disse Dominó, suspirando. – Ela pode não ser Percy Jackson ou Jason Grace, mas a garota é poderosa!

O interior de Gale se aqueceu com o café. Ele fechou os olhos por um instante, percebendo que estava mais calmo depois de começar a comer. O garoto suspirou, mais curioso do que nunca em entender o que tinha ocorrido com ele em seu passado e desejando fervorosamente encontrar Mnemósine.

- Felicia. – falou Howard, apontando para a janela ao lado deles, que dava a vista para a rua. Os meio-sangues voltaram-se para ela, encarando a loira chegar na calçada, ferida e descabelada, mas viva e...Montada no licantropo que eles haviam encontrado no Lanes.

 

- E então eu escapei com a ajuda do Mohegan. – murmurou a loira, terminando sua história e apontando para o lobo na calçada, que suspirava, fitando o céu escuro. – Mas a garota sumiu e não consegui arrancar muita informação dela. Mas estou viva.

- Graças aos deuses. – disse o curandeiro, fitando-a com os olhos brilhando. Ele realmente estava com medo de sua morte, percebera Gale.

- Ela é uma torturadora. – murmurou Gale, suspirando ao lado da loira, Colores e Howard estavam fora do carro, Caleb amparava Felicia, que reclamava de dor vez ou outra. O curandeiro fitou-a atentamente, enfaixando seu abdômen e murmurando um de seus cânticos mágicos. – Todos aqueles poderes...Os esotéricos conhecem magia antiga e meio que são aprimorados, por isso ela se curou e...Eu não sei exatamente, mas era a mesma coisa com Alexandros...Ele podia trazer os mortos à vida com icor, levitar coisas e fazer fogo com os dedos.

 A boca de Caleb se abriu de um jeito estupefato, todos faziam silêncio.

 O olhar de Gale fixou-se no amigo descendente de Esculápio, que então, encarou algo na calçada, arregalando os olhos. Gale não compreendeu de início, até ver que, no lugar do lobo, havia um jovem rapaz enorme, com músculos imensos e um peitoral definido cheio de marcas de garras bem pálidas – cicatrizes, riscos imensos cortando o peito e o abdômen do garoto. Os olhos eram castanho-escuro, os cabelos, lisos e grandes, desciam e adornavam a face nativo-americana do garoto.

- Deuses...Isso é...Bem, algo. – murmurou o curandeiro, cortando a gaze e encarando Felicia, ela deu de ombros, tão perdida com a presença do rapaz nu quanto os demais. Dominó e Howard não tiravam os olhos dele, abobalhados. Colores o fitou, erguendo uma sobrancelha.

- Essa história certamente chamou minha atenção. – a voz dele era profunda, havia um tom grave por baixo dela: Como um homem falando ao mesmo tempo que um lobo gania. – A propósito, sou Caesar Mohegan, o filho de Lupa. É um prazer conhece-los, eu acho...

 Colores meneou com a cabeça.

- Outro capturado pela Esotérica?

O lobisomem negou, Caleb então estendeu algo para ele, tirando rapidamente de sua mochila: Uma cueca box branca, bermuda jeans e uma camisa roxa do acampamento. Tudo um tanto pequeno para o cara enorme que Mohegan era, mas ele não protestou.

- Fui capturado por Faia quando fazia uma visita a alguns parentes em minha tribo na reserva do Arizona. Os esotéricos mataram dezenas de lobisomens e capturaram alguns. Você tem sorte de viver, hã, menino dos olhos brilhantes. – murmurou ele, terminando de se vestir e agradecendo com um aceno de cabeça para Caleb, que o fitava de boca aberta, talvez atordoado pela história dele, talvez por seus músculos imensos e sorriso bonito. – São...Todos romanos?

 Dominó assentiu de imediato, piscando alguns segundos inteiros, como se percebesse que era comprometido e que não deveria ficar babando por garotos por aí, por mais lindos que eles fossem. Felicia, no entanto, não desgrudava o olhar dele.

- Sou Dominó, filho de Baco. Este aqui é Howard, legado de Silvano. Essa tempestade de cores aqui é a Archie, filha de Íris. – ele apresentou cada um, apontando os dedos para os presentes. – Acredito que já conheça a Greyback.

A loira bufou e se recostou no assento, fitando Caleb.

- E-eu, hã, sou Caleb Saint-Dominique, descendente de Esculápio, curandeiro.

- Gale Lockheed. – a voz do filho de Eósforo saiu deprimente. – Filho de Eósforo, grego, mas também sou parte da Legião, eu acho.

Felicia suspirou e tomou a fala, voltando-se para o grandalhão.

- Estamos em missão para resgatar as memórias desse desmemoriado aí. – falou ela, meneando com a cabeça para o menino, que abaixou sua cabeça e suspirou, fitando o chão do carro. Caleb pousou sua mão sobre o joelho do amigo, que o fitou por um segundo inteiro e esboçou um sorriso sôfrego. – E topamos com toda essa bagunça aqui em Eugene.

- Bem, eu fico mais do que grato aos deuses de Roma por enviarem vocês, então. Não esperava mesmo receber alguma ajuda, os Três Mercenários precisavam ser parados. Por isso...Obrigado. – disse o garoto, apoiando-se na porta do jipe e fitando seus mais novos companheiros com seus olhos acastanhados. O vento balançou seus cabelos, ele estreitou seu olhar. – Sei que muita coisa ocorreu hoje e tudo foi muito repentino, mas acho que vocês deveriam seguir viagem.

- Você tá certo, muito provavelmente. – murmurou a loira, franzindo o cenho. – A Esotérica ainda pode estar por aqui, e os lacaios que eles estão colocando no nosso caminho não são brincadeira.

- Sim, talvez seja melhor para vocês, partirem e tal. – disse Colores, suspirando e encarando o rosto dos três. Ela suspirou e tirou os óculos, Rámon foi até atrás dela, ficando no meio da rua e colorindo a noite escura com seus chifres. A garota apalpou sua espata e disse: - Olha, pessoal, me perdoem, está bem? Eu vim atrás de vocês por uma desconfiança idiota, eu não dei chance a você, Felicia, de se redimir. Eu deveria saber como é, alguém te julgar sem saber que você é de verdade, agi com preconceito e tomei uma série de decisões erradas. Estou pronta para receber a punição que os pretores acharem adequada.

 Seus ombros se abaixaram, resignando-se. Rámon foi até ela, lambendo seu rosto. A garota riu com o gesto e reclamou em espanhol, até encarar os presentes, seus olhos assumiram um espectro caleidoscópico de cores impossível de descrever.

- E, Mohegan, tenho certeza que seria bem-vindo na Décima Segunda Legião Fulminata, se assim desejar. Se for filho da Mãe Loba, ninguém em Roma recusaria um semideus assim, mesmo que fosse um lobisomem. – disse a centuriã. – Além disso, você nos salvou, sempre bom ter gente boa por perto.

 Mohegan riu e disse: - Quem sabe, não é?

Felicia deu de ombros e disse, maldosa: - Sinceramente, estou torcendo para que você perca o cargo. Ou que coloquem algum idiota para ser seu co-centurião, como o Howard.

- Ei! – reclamou o garoto. – Eu estou bem aqui!

Gale e Caleb trocaram um olhar divertido.

- Mas se você não tivesse vindo, a gente não teria encontrado o bonitão ali. – disse a loira, suspirando. – Mais de uma vida salva por noite funciona para mim. Então, é, perdoada, Colores.

- Gracias, pendeja. “Obrigada, vadia”  disse a centuriã. – E vocês, chicos, acho melhor voltarem comigo. A missão é desses três.

 O ruivo bufou ao lado dela, Dominó assentiu, passando a mão por seus cabelos loiros ondulados e suspirando. Ele sorriu para Gale e estendeu a mão para ele, dessa vez, respeitando seu espaço pessoal.

- Espero que consiga voltar para Nova Roma, cara.

- Obrigado por ter nos ajudado...Hã...Amigos. – disse Gale, erguendo uma sobrancelha. Ele fitou a mão estendida do filho de Baco, a sacudiu e o abraçou com força, deixando um suspiro escapar de si.

Dominó riu e separou-se, fitando Caleb em seguida e puxando seu rosto para perto dele. O garoto recebeu um beijo estalado na bochecha e corou, vendo o loiro sorridente acenar para ele e dizer: - Obrigado por ser um médico fantástico, Caleb. E Felicia, cuida desses dois direitinho, está bem?

- Pode deixar, Bundão.

- Bem, vamos, então. – disse Colores, montando em seu pégaso, que relinchou, quase como se desse adeus. Os outros dois montaram no cavalo, o que fez relinchar de protesto.

 Colores, Dominó e Howard decolaram no pégaso chifrudo do arco-íris, deixando um rastro luminescente colorido enquanto subiam para os céus da noite, até sumirem da vista dos meio-sangues ali presentes.

- E você, menino da tribo, o que pretende fazer agora que estamos no momento de despedidas? – perguntou Felicia, encarando-o seriamente. O grandão deu de ombros.

- Talvez eu vá para Nova Roma, mas não agora. Preciso revisitar meus pais adotivos, eles devem estar morrendo de preocupação. – ele suspirou e fitou a rua com pouco movimento. – Eu disse que passaria a semana visitando a reserva, isso já faz quase uma semana e meia.

- Eles...Sabem que você é um lobo?

- Sim, são ambos mortais. Um casal de ambientalistas de Connecticut, os avós eram índios Mohegans, por isso meu...Sobrenome. – o lobo falou, despreocupado. – Eu, por outo lado, sou navajo de nascença. Por isso fui fazer uma visita. – o garoto riu. – É bom ver de perto o povo que meio que me jogou no rio ao ver que eu nasci sem mãos.

- Você...- Gale ficou sem palavras.

- Nasceu com deformação. Certo. Seus pais acharam que estavam fazendo um favor ao mata-lo? – disse o legado da medicina, claramente irritado. – Deuses, isso é tão...

- Não os julguem, não é um pensamento da tribo, foi decisão deles. Não é um costume navajo fazer isso com crianças. Era só que...Meu caso era muito sério.

O olhar dele ficou sério.

- Lupa te achou no rio. – o olhar de Felicia se estreitou. – Te alimentou e te criou em bando. Você é mortal, mas foi amamentado por uma deusa, por isso está vivo, por isso tem esses poderes. Provavelmente te levou para a Casa do Lobo e depois, entregou aos pais adotivos, estou certa?

- Em cheio. – Mohegan assentiu, contando o resto, permanecendo sério. – E de quebra, me apelidou de Hok’ee, significa Lobo de Costas Altas, em navajo.

- Que história, hein. – murmurou a legado de Mercúrio, tentando conter sua admiração, mas sem sucesso. – Você com certeza já tem entrada garantida na Legião, já se provou como forte, do contrário, ela teria te devorado. Parece a história de Rômulo e Remo toda de novo, só que com nativo-americanos.

Gale suspirou e disse: - E eu achando que eu tinha uma história complicada.

- Ah, bem, Lockheed, você me parece um caso tão único quanto o meu. Espero que ache um jeito de restaurar sua memória e...Bem, se quiserem continuar acabando com esotéricos, podem contar com minha ajuda sempre que precisarem. – ele sorriu sôfrego. Seus olhos passaram para Felicia que o encarava de cima a baixo, assim como Caleb. O lobo riu com a atenção esquisita que recebia. – Então...É...Acho que talvez eu deva seguir meu caminho.

- Tão cedo? Nem deu tempo de agradecer com um café por sua ajuda. – Felicia suspirou, cansada. O garoto riu e tirou a camisa, estendo-a para Caleb, que a pegou, sem tirar os olhos do corpo estonteante do lobo. Ele sorriu para os presentes, Gale o encarou, incerto.

 Mohegan então, tirou a cueca e a bermuda, o que fez Caleb e Gale corarem ao vê-lo nu e de pé, mesmo que o jipe tapasse a visão de suas partes íntimas, ainda era algo constrangedor: Um garoto alto, bonitão e musculoso, ficando nu em frente ao Starbucks no Oeste dos Estados Unidos.

- Dispenso o café. Mas...Bem, a gente pode achar um jeito de fazer um favor um pelo outro. Vocês têm um amigo dentre os lobisomens, precisando, só precisam chamar. – ele sorriu, seus dentes eram brancos como a lua. – Especialmente você, Felicia Greyback, eu posso usar uma ajudinha de vez em quando com alguém tão esperta, rápida e inteligente.

- Não esqueça de bonita. – disse ela, indo até a porta e ficando a frente do garoto, que ria dela. – Mas ei, vem cá.

O lobo debruçou-se na porta, a garota estendeu o corpo e deixou seus lábios tocarem os do lobisomem, que corou com o gesto, mas não recuou, respondendo ao beijo e pressionando os lábios contra os da garota, que riu ao se separar, vendo que o garoto tinha ficado atordoado.

- Considere isso como parte do agradecimento.

Ela riu, o garoto deu risada, até que então, diante dos olhos dos três viajantes, seu semblante toldou-se em uma confusão enevoada, até tomar a forma de um lobo gigante de pelos acastanhados.

 Mohegan assentiu com a cabeça. Gale e Caleb acenaram para ele, Felicia, conteve uma risada presunçosa e meneou com a cabeça.

O lobo correu pelos ruas em um vulto negro, até estar longe o suficiente para apenas parecer um borrão e uivar alto, assombrando Eugene com sua presença.

 Felicia suspirou e ergueu as sobrancelhas, fitando Caleb, que estava ao lado de Gale Lockheed, ambos ainda de armadura e calados. Ela suspirou e disse: - Ei, vamos, temos toda uma viagem pela frente. Se ajeitem, precisamos tirar essas armaduras ridículas e seguir em frente. Você quer saber porque diabos a Esotérica está atrás de você, não é, Lockheed?

 O garoto assentiu e disse: - Mais do que nunca.

- Ótimo. E Caleb, está pronto para pegar a estrada? Ou vai ficar se matando de inveja por não ter beijado o bonitão?

- Hã...Sim, claro, estou sim. Ei, quieta, não sou tão atirado quanto você. – ele enrubesceu e cruzou os braços, o que arrancou uma risada tímida de Gale, que ouviu Felicia gargalhar de desdém.

- Ah, deuses, acho que o Gale discorda.

- Felicia, cale a boca. – murmurou o filho das estrelas, subitamente constrangido.

- Ok, ok, vamos para algum posto e ir no banheiro se trocar. Além do mais, a gasolina tá no fim. – o motor roncou. O jipe ganhou vida e correu dentre as ruas da cidade.

Gale suspirou e se recostou ao lado de Caleb, que o fitou, bondoso.

- Obrigado por tudo, Caleb. – disse o semideus estelar, sentindo o vento balançar seus cabelos. – Você, a Felicia, o pessoal, até o lobo...Vocês estão me ajudando de verdade.

Caleb suspirou e fechou o cinto, voltando um olhar terno para o filho das estrelas.

- Amigos servem para isso, Gale. E você, meu querido, tem um monte agora. Não importa o que a Esotérica tenha em mente para você, a gente tá aqui para isso.

 Gale sentiu um calor confortável dentro de si. Sua cabeça recostou-se no ombro coberto de armadura do legado de Esculápio, ele fechou os olhos e sentiu os dedos de Caleb fazerem cafuné em sua cabeça. Felicia ergueu as sobrancelhas, vendo ambos no banco de trás pelo retrovisor.

 Eles continuaram seu caminho, sua missão apenas estava começando.

 

 Era manhã, e eles estavam em um posto parado na saída de Auburn, há poucas horas de Seattle. Felicia já estava dormindo deitada nos bancos do carro havia algumas horas, afinal, eles mal tinham descansado após o confronto com os mercenários e a Esotérica.

O carro estava estacionado em frente à lojinha de conveniência do posto, onde, tranquilamente Caleb Saint-Dominique repartia seu café com Gale, que devorava panquecas com melado e um prato de bacon com ovos ao mesmo tempo. Nada era melhor do que comer depois de um longo banho em um posto velho.

- Você estava mais faminto do que parece. – murmurou o legado de Esculápio, encarando-o da mesa enquanto enchia uma de suas setas cuidadosamente, havia um pingo de água do rio Lete na poção branca de sumo de papoula, era um potente sonífero.

Gale terminou de engolir a comida e passou um guardanapo na boca. Ele parecia bem mais saudável do que no dia anterior, sua pele bronzeada e olhos cintilantes estavam mais vivos, os cabelos bagunçados combinavam com a calça rasgada e a camisa punk que Felicia lhe dera.

- Só espero não vomitar hoje.

Caleb deu risada.

- Sem vômitos, por favor. – disse, suspirando. Ele guardou a seta em uma caixa amarela com o brasão da medicina e a enfiou no cinto de utilidades branco que carregava. – Sabe o que é engraçado?

- O que? – Gale pareceu curioso, ele enfiou mais bacon e comeu, encarando o outro.

- Nunca saí da Califórnia antes. Apesar de que estamos em missão, é bom, hã...Respirar novos ares.

- Espere um minuto, os legados de Nova Roma sempre moram lá?

Caleb assentiu e deu de ombros em seguida.

- Quase sempre. E vamos dizer que, bem, o máximo que vemos do mundo mortal é San Francisco. E poucos gostam de viajar para longe da Legião nas férias.

 Gale não sabia como se sentir ao ouvir aquilo, na verdade, ele pouco sabia como reagir a maioria das coisas que Caleb falava, o que era frustrante por si só. Ele parou de comer por um segundo, engoliu e virou-se para o médico, que agora assoprava sua caneca de cappuccino.

- Porque não ir para o Acampamento Meio-Sangue? Você sabe, que nem o Dominó faz na maior parte do ano.

- Bem, para ser justo, Dominó só fez isso porque sua mãe se mudou para Nova York e ele quis acompanhar. Por isso ele não é legionário durante o período normal. – ele assoprou a bebida de novo e tomou um gole demorado, para suspirar de alívio em seguida. – Mas mesmo que eu quisesse, meus pais não iriam querer tanta conversa.

- É, esqueci deles. – falou Gale, franzindo os lábios. – Mas quem sabe, né?

- Sim, tendo em vista que já tenho decepcionado eles bastante...

O tom do legado saiu quase deprimente, Gale estreitou o olhar e disse: - Ainda não entendo, você salva tanta gente, é corajoso e altruísta e...Não sei desde que a gente se conheceu, não consigo dizer algo ruim sobre você. Porque para eles não seria o suficiente?

Caleb corou com o elogio repentino.

- Bem, talvez eu os tenha mal-acostumado a alguém que eu não era. Alguém que eu...Nunca quis ser.

Gale parou e riu de repente, dizendo com sua voz rouca: - Quem é Caleb Saint-Dominique?

- Um cara legal que quer ser um médico de sucesso e que também quer viver sua própria vida, obrigado. – Caleb riu e bebeu mais um pouco, encarando o olhar divertido de Gale e dizendo, em meio a um suspiro e negando com a cabeça: - E quem em nome de Júpiter é Gale Lockheed?

 O sorriso de Gale foi murchando timidamente, um suspiro longo deixou o seu peito e ele, então, resignou-se em um dar de ombros. O garoto pegou mais um pedaço de bacon com o garfo e apontou para Caleb, lentamente voltando a sorrir: - Graças a vocês, talvez estejamos mais perto de saber a resposta disso.

 Caleb riu e disse: - Graças a todos nós, você incluso. Menino da profecia.

- Nem me lembre daquilo, ainda não compreendi tudo. Esse lance de morte e a data do solstício chegando. – o olhar de Gale se perdeu, como sempre. – Só queria saber no que raios estou metido.

- Encrenca. Há sempre encrenca à solta. – disse uma voz preguiçosa. Os meninos se voltaram para trás, vendo a loira se espreguiçando atrás deles e se sentando no banco ao lado do filho de Eósforo. – E aí, a comida é boa?

- Sete de dez, pede as panquecas com mel. – disse Caleb, sorrindo para a amiga, que assentiu e bocejou. – Os machucados?

- Sararam, obrigado.

- Não há de quê.

A loira então pediu ao moço do balcão um prato de panquecas. A garota pegou sua carteira, o dinheiro que a Legião tinha fornecido ainda sobraria por um tempo, ela não teria que usar de seus talentos de legado do deus dos ladrões em inocentes por um tempo.

Ela observou os meninos e disse: - Melhor, Gale?

- Bastante. – ele sorriu timidamente. – E de barriga cheia.

- Isso é o que importa, camarada.

O prato de panquecas chegou, o atendente estendeu um pote de mel em formato de uma abelhinha e ela, generosamente, o espalhou pelo café da manhã. A garota suspirou e partiu alguns pedaços, comendo e sentindo falta da comida de Agnes, das ninfas do acampamento, de todo lugar que ela já chamou de “casa”.

 A garota encarou o prato, parando de repente e encarando Caleb, que estava quieto e murmurando Come And Get Your Love, que tocava no radiozinho da bancada a frente deles. Gale estreitou os olhos para o mel e disse: - Apicultor.

Aquilo tirou Felicia e Caleb de seu estupor. Os dois fitaram o filho das estrelas.

- Felicia, você não tinha dito que a Agnes falou algo sobre acharmos um Apicultor, quero dizer, um cara que cria abelhas, certo?

- Sim, mas... – a garota não compreendeu o porquê daquilo tudo, até que ele apontou para o pote de mel. A loira piscou enquanto via a embalagem, ela não havia reparado, mas havia um dourado S.P.Q.R. estampando-a. – Ah, deuses, é claro. Ela disse que precisaríamos dele para achar Mnemósine, eu quase esqueci!

- Bem, esse pote de mel é suspeito. – comentou Caleb, voltando-se para o atendente. – Com licença, moço, poderia nos dizer onde esse mel é produzido?

- Ah, claro, é de um camarada em uma fazenda perto do Parque Nacional de Cougar Mountain, há quase uma hora daqui. – o atendente disse. – Muito bom não é? O Bonum Mel é o melhor de toda a Costa Oeste.

 Felicia se virou para seus amigos, ignorando o atendente animadinho que já falava de todos os benefícios que aquele mel causava e quanto custava cada pote. Os meninos a encararam com o mesmo rosto de tédio que ela estampava.

- Bonum Mel, o “Mel Bom”, em latim. – sua voz soou, desdenhosa. As vezes a criatividade de certas partes do mundo mitológico era improssionante de tão ruim. – Acho que temos nossa próxima parada.

 Gale enfiou o resto da comida na boca, Caleb deu um suspiro sôfrego e Felicia pagou a conta, comprando um pote no processo e mandando o atendente calar a boca.

De qualquer forma, era hora de botar o pé na estrada novamente.

 

 Não foi nada difícil achar a fazenda, sério, ela deveria ser a única de todo o condado. Havia cercas se estendendo por toda a vista, a área verde à beira da estrada fazia parte da reserva de Cougar Mountain e, pelo visto, a fazenda também, delimitada pelo cercado de madeira.

O carro estacionado ficava ao lado da entrada, sobre a cancela havia uma placa: “Fazenda e apicultura de Bonnie & Associados”, além dela, havia árvores retorcidas e de copa cheia – figueiras, lembrou Caleb, como a que Howard tentava fazer crescer no Jardim de Baco em Nova Roma.

Uma moça loira de macacão cuidava delas com um regador e cantando, as árvores estavam distribuídas e ladeando um caminho de pedra até uma enorme casa de madeira antiga que tomava todo o meio da fazenda e tapava a visão do que estivesse além. Outra moça, negra e de cabelos lisos, cuidava das vacas em um curral de madeira ao lado do caminho pedregulhoso.

Felicia ficou no meio de Gale e Caleb, ambos sentiam o mesmo que ela – uma espécie de energia esquisita, como se o ar ficasse mais carregado de um cheiro agradável e sobrenatural.

- Esse lugar me parece mal-localizado demais para ser normal. – falou a legado, Caleb assentiu. – O que acha que tem aí além de árvores estranhas e vacas?

- Monstros? – perguntou Gale.

- Por favor, que você esteja errado, Lockheed. – murmurou a loira.

- Ok, acho que não descobriremos ficando aqui. – disse Caleb, enfiando as mãos no bolso do casaco azul e laranja de sempre. Seu cinto de utilidades pendia para o lado, a besta estava retraída e enfiada em sua mochila nas costas, junto com alguns potes de veneno, poções e materiais alquímicos. – Quem vem?

 Os três seguiram adiante, Felicia abriu a cancela e fez careta, vendo as meninas que trabalhavam ali subitamente virarem-se para eles ao mero ranger da cancela.

- Hã...Oi? – perguntou Felicia, seus coturnos chapinhando na grama.

Os dois meninos a seguiram. Caleb engoliu em seco, vendo as trabalhadoras andando em direção deles e ficando frente a frente com os recém-chegados.

 A moça que loira com um regador em mãos disse: - Eddy, você sabe se a Bonnie tinha visitantes marcados para hoje?

- Não faço ideia. – falou a negra, suspirando e limpando as mãos no macacão jeans, que parecia ser o uniforme do local. Ela voltou-se para Caleb e disse: - Como podemos ajuda-los? E a propósito, como acharam este lugar?

- Como assim? – o legado de Esculápio perguntou, tão confuso quanto as garotas que os abordavam. – Quero dizer, fica bem na entrada da reserva.

- É...Sim, mas mortais não podem achar. A Névoa protege esse lugar. – disse Eddy, cruzando os braços. Ela suspirou e estreitou os olhos para seus visitantes inesperados. – Quem raios são vocês?

Gale foi, estranhamente, o primeiro a se apresentar: - Meu nome é Gale Lockheed, sou filho de Eósforo.

- Felicia Greyback de Mercúrio e, esse bonitinho aí, é o Caleb Saint-Dominique, de Esculápio. Ave Roma.

Caleb acenou para as duas, que ergueram as sobrancelhas e trocaram um olhar. Uma vaca mugiu e se aproximou de Eddy, que acariciou a cabeça chifruda da bovina. A loira então falou, em meio a um suspiro: - Faz tempo que não somos visitados pelos romani, mas suas oferendas tem sido bem recebidas, de fato.

- Pois é, né, Ru, desde que aquele novo pontifex assumiu, as coisas ficaram tão melhores para deuses menores como nós! – disse Eddy, sorridente.

 Felicia piscou: - Espera, vocês são...Deusas? Eddy e Ru, deusas?

- Na verdade, esses não são nossos nomes, mas, vocês sabem, a América aconteceu e tivemos que modernizar uma coisa ou outra. – disse Ru, risonha.

Ela fez uma mesura, assim como Eddy, ambas foram cobertas momentaneamente por feixes luminosos, seus macacões e botas de fazendeiras foram transformadas em togas brancas momentaneamente, em suas cabeças assentavam coroas de louros.

 De volta à forma de fazendeiras, Ru deu risada e roncou como um porco: - Meu nome é Rumina, sou a deusa da amamentação, das figueiras e das crianças. Essa aqui é a Educa, deusa da saúde infantil. Somos...Deusas menores campestres e meio que protetoras das crianças.

 Eddy acenou, risonha.

- Nossa amiga, Pottie, vocês sabem, né, Potina, deusa das bebidas infantis, estaria trabalhando hoje se...Não tivéssemos tido alguns probleminhas acerca dela não querer vender o leite das vacas no alto preço atual e surtar. Vocês sabem, alguns de nós ainda não nos adaptamos muito a esse negócio de capitalismo. – disse Educa, juntando as mãos atrás das costas e suspirando com tristeza. – Então, mas sim, trabalhamos aqui agora para a Velha Bonnie. É meio estranho recebermos visitas assim, dos semideuses e tal...Mas chegaram em boa hora, devo admitir.

 Os olhos castanhos de Caleb passearam por seus companheiros, que pareciam tão perdidos quanto ele. Há última vez que ele lembrava de ter ouvido os nomes de Potina, Educa e Rumina era quando ainda usava chupeta e sua mãe o agarrava no colo enquanto rezava para as deusas. E ainda havia outras deusas menores dos cuidados infantis, tantas que Caleb sequer conseguia recordar, mas ver duas delas bem ali, com roupas de fazendeiras e sorrindo para eles, era, no mínimo, ímpar.

- Hã...Bem, na verdade, viemos buscar um favor, estamos atrás do...Apicultor. – murmurou Caleb, as deusas suspiraram e reviraram os olhos. – Sabem como podemos encontra-lo?

- Ah, bem...- Educa suspirou. – Ele trabalha aqui, na verdade, assim como nós, procurou emprego depois da Grande Recessão de 1929, até os deuses menores ficaram desempregados, queridos, não estava fácil para ninguém! Imagine só, ser um deus pouco conhecido e desempregado! Terrível, terrível! Então, é, ele também serve à Velha Bonnie, como nós.

 Felicia estreitou os olhos para Caleb, não sabendo se achava as deusas menores cômicas por terem ficado desempregadas e esquecidas ou com pena. Ela, no entanto, escolheu achar a situação toda hilária, e tentou conter sua risada desdenhosa.

Rumina bufou e coçou a cabeça, continuando a falar.

- Só que vocês chegaram em uma hora um tanto turbulenta, Bonnie está irritada e o Apicultor tá sofrendo a fúria dela. Já não bastava ela ter punido a Pottie, e agora, isso. – suspirou a garota, batendo o pé no chão e encarando os três, para então, deixar um sorriso de canto brotar em seu rosto. – Ei...Vocês poderiam nos ajudar, não é? Quero dizer, não me levem a mal, uma mão lava a outra. Aposto que se ajudassem o Apicultor e nós, Bonnie ficaria de boas e poderíamos, hã, ajuda-los com o que quisessem!

 Educa soltou um muxoxo, considerando a ideia e abrindo os braços.

- Só digam do que vieram atrás, se nos ajudarem, podemos garantir que o Apicultor e nossa chefa farão de tudo para ajudar vocês!

 Caleb e Felicia discutiram com o olhar, Gale, atrás deles, piscava e abraçava o próprio tronco, desconfortável com a presença de Eddy e Ru. Ele ficava esquadrinhando as deusas com os olhos, com um rosto que expressava o mais puro desapontamento - Afinal, aquelas fazendeiras pacatas que serviam a uma mulher chamada Velha Bonnie eram, supostamente, divindades. Aquilo fez ele se perguntar se seu pai nas estrelas seria igualmente bobo.

 Por algum motivo, aquela visão toda da fazenda só o decepcionava, criando até uma raiva incomum dentro dele que o garoto fez questão de esconder.

Simplesmente não fazia sentido.

Um suspiro deixou Caleb, que voltou a olhar para as deusas e disse: - Claro que podemos, seria ótimo trocar favores mas...Quem é essa Velha Bonnie?

 As duas ficaram vermelhas e olharam para o casarão de madeira atrás da primeira parte da fazenda. Ru se inclinou para frente e cobriu a boca para falar mais baixo. Eddy fez o mesmo e sinalizou para os meio-sangues se aproximarem, eles fecharam um círculo, como se planejassem algo.

- Ela é a Boa Deusa, ou Bonnie, que seja. É uma baita de uma mandona. Desde os tempos antigos sempre foi beeeem exigente e poderosa. – Ru suspirou e negou com a cabeça. – Muito metida, sabe, porque Bonnie era uma deusa cultuada antes do Império Romano, diferente de nós.

- Deusa da fertilidade, castidade, animais, da cura e protetora de Roma. Grande coisa! – murmurou Eddy, revirando os olhos. – Enfim, ajudem a gente a lidar com a chefa, deem uma mãozinha ao Apicultor e terão sua ajuda, isso eu garanto. Bonnie adora negociar!

 - Ok, nós entendemos. Ajudamos vocês, fazemos vocês e o Apicultor ficarem em bons termos com a chefe e ganhamos nossa parte. – Felicia resumiu, pondo as mãos na cintura. – Não parece mau negócio, assim, se vamos lidar com uma deusa da bondade...

- Nada de deusa da bondade, só tem boa no nome mesmo.– corrigiu Eddy, levantando o dedo na cara da legado. – E nada de gracinhas perto da Boa Deusa! Ela pouco se importa com semideuses e suas missões, se querem um favor, prestem um favor, é o jeito romano! – a deusa falou, resoluta e pondo as mãos na cintura. Caleb piscou, de um jeito esquisito, aquilo o fizera lembrar de sua mãe em seus dias mais autoritários. -  E olha que, cá entre nós, ela é uma das deusas que mais deixou o estilo antigo de lado.

 Ru concordou com a companheira, gesticulando para a fazenda e toda sua enorme extensão como exemplo. A deusa do aleitamento disse em um comentário ácido: – Ela deveria ser renomeada como deusa do capitalismo ou algo assim. Sempre monopolizando a devoção dela, toda mulher no Império tinha que cultuar ela. E até oferecia benefícios para as seguidoras.

Rumina deu risada e continuou a fofocar sobre a chefa, sua voz, no entanto, escondia uma inveja visível.

- Só seguidoras, pois é, ela meio que foi uma feminista na época. Tanto que quaisquer mulheres que a seguissem podiam beber vinho, diferente das descrentes. E homens, em seus templos? Na-na-ni-na-não. – ela riu, zombeteira. – É claro, ela deixou a maior parte dos costumes antigos de lado, mas ainda é louca por devoção e servos.

- E cá estamos aqui, devendo favores a ela. – Educa levantou as sobrancelhas, resignando-se com os ombros. – Enfim, ajudarão ou não?

Depois de todo aquele discurso e fofoca divina, Felicia tocou o ombro de Caleb, o garoto suspirou ao lado de Gale, que deu um passo adiante e murmurou para seus amigos: - Não temos muita escolha, temos?

 Infelizmente, o filho de Eósforo tinha razão.

- Ok, então, hã...Podem nos levar até o Apicultor e a tal da Velha Bonnie? Digam a ela que temos negócios a fazer com um de seus servos e que podemos dar uma mão em uns problemas aqui, mas antes, poderiam nos dizer quais seriam?

 Ru e Eddy se entreolharam e deram risada. A deusa da saúde infantil começou a andar em direção a casa enquanto o vento balançava seus cabelos, esvoaçantes como a grama que chapinhava a cada passo dado.

  Ru sorriu para eles e voltou-se para trás por instante.: - Acho que vocês não vão gostar de saber. Entrem conosco, vão descobrir logo, logo.

Elas se afastaram, indo em direção ao casarão, o Sol da manhã foi coberto por nuvens, fazendo a paisagem ficar subitamente mais sombria, como um agouro do que estava por vir.

Gale murmurou: - Isso está me cheirando mal. Têm certeza que...Devemos ir atrás delas? A gente não podia ter aceitado fazer qualquer coisa assim, do nada.

 Caleb fez menção de dizer algo, mas Felicia apenas foi atrás das deusas, suspirando e dizendo: - Chega, meninos, a gente tem que achar o Apicultor. Se a Vovó aconselhou, eu é que não vou contrariar. Vamos fazer o trabalho sujo.

A loira acompanhou Ru e Eddy com seus passos, Gale suspirou e correu para a legado de Mercúrio, resmungando e deixando Caleb sozinho, que passou a mão pelos cabelos crespos, subitamente preocupado com o que estava por vir.

 Uma vaca comia grama ao lado do legado de Esculápio, que respirou fundo e ouviu um mugido lamuriante do animal ao seu lado, o garoto deu um passo adiante, dizendo para si mesmo: - Ok, vamos negociar, então.

 

 

A porta se fechou assim que os três entraram no casarão.

 E deuses, que casarão.

 O local todo era feito de madeira, o assoalho praticamente reluzia. O primeiro cômodo era um pátio ladeado por escadas que davam em uma parte superior, com uma fonte borbulhante no meio do local pintada em afrescos coloridos que representavam ninfas. Havia no meio dela uma grande estátua de granito representando uma mulher usando vestido e arrodeada por animaizinhos – Caleb engoliu em seco, aquela era a Boa Deusa. Ele vira uma estátua parecida na colina dos templos.

- Ah, deuses, eu me lembro de Bona Dea. – ele falou, suspirando entrecortadamente.

Felicia e Gale o fitaram com expectativa.

 Caleb estalou a língua, Ru e Eddy o encararam como se dissessem: “Já estava na hora, né?”

- Ela é realmente uma das deusas mais cultuadas no tempo da República e desde antes dele...Ela...

As palavras então fugiram da boca do garoto, pois, ao piscar, uma figura surgiu, majestosamente sentada na fonte do centro. Era uma moça jovem, assim como o casarão colonial, a mulher transbordava elegância e uma finesse muito aquém do visual das deusas menores fazendeiras que escoltavam os semideuses lá dentro.

 Ela usava um vestido rosa com babados e diversas anáguas que davam volume, suas botas marrons tinham salto alto e ela tinha um guarda-sol que combinava com seu chapéu largo rosa-bebê. A cintura era apertada por um espartilho marrom. Mesmo a maquiagem dela era a impressionante: Impecável, pouca, mas bem colocada em uma combinação de bases, sombras e um batom em tons pastéis.

 Ela se apoiou em seu guarda-sol e encarou os visitantes e suas trabalhadoras, uma linha de desprezo cortou seu rosto. Caleb quis gritar de medo, ela exalava poder. Tanto que a paisagem ao redor dele começava a mudar: A sala agora tinha canteiros de ervas brilhantes em janelas espalhadas, muitas das quais o curandeiro conhecia por seu forte potencial em poções e elixires curativos, havia um viveiro de vidro com cobras vivas dentro e, pendendo do telhado e amarrados de ponta-cabeça estavam das pessoas, presos em cordas suspensas.

- De facto, filius romanus, sou uma das deusas mais cultuadas por Roma no seu auge e mesmo antes disso. – a voz dela era ríspida como uma faca sendo amolada em uma rocha. Metida, régia, completamente impassível. - Eu já era velha quando os Olimpianos se mudaram para a vizinhança, os romanos ainda fizeram o favor de fundir meu marido, Fauno, com aquele grego Pã. Nós, deuses da natureza, sempre tão negligenciados e confundidos...Mas não eu, ao menos. – o olhar dela assomou sobre os três, altivo. – Sou a deusa da fertilidade, Protetora das Mães e Donzelas, Guardiã de Roma! – O olhar dela vibrou de poder, as pessoas penduradas do teto gritaram de dor. Um estrondo ecoou pela sala quando ela pousou levemente a ponta de seu guarda-sol no chão. – Sou Bona Dea, em icor puro!

 Caleb deu um passo para trás, Gale estava de olhos arregalados, contemplando pela primeira vez o poder de uma deusa grande de verdade simplesmente surgir diante de seus olhos. Felicia estreitou o olhar para a mulher, que gesticulou para suas servas, ambas dando passos adiante e fazendo uma mesura diante dela.

- Sra. Bonnie. – disse Ru, respeitosamente. Eddy e ela sequer ousavam erguer o rosto perante à deusa. – Viemos pedir por vossa intercessão na missão destes pobres semideuses que buscam...

- Ah, mas eu sei bem quem são os três. – falou Bona Dea, rindo para si e passando a mão pelos cabelos amarrados perfeitos de cor chocolate que tinha sob o chapéu. – Eles vêm pelo...Apicultor.

 A deusa meneou a cabeça para o homem amarrado de cabeça para baixo, Caleb e os outros encararam-no: Ele estava vestido com uma roupa de proteção contra abelhas, amarrado com cordas e acenando como podia.

- Oi, pessoal. – falou o Apicultor, quase sem fôlego. – C-como vão?

- Nos tire daqui, sua mocreia capitalista! – gritou a moça com roupa de fazendeira que deveria ser Pottie, ou Potina, deusa das bebidas infantis. – Quando eu sair daqui vou afogar sua cabeça em tang de limão enquanto canto o hino da URSS, me ouviu bem?!

 Normalmente, Caleb daria risada de uma deusa romana e comunista, mas vendo o desprezo de Bona Dea para com seus servos, ele só conseguia sentir pena e um tanto de medo.

 A deusa o encarou, Ru e Eddy tremeram de medo.

- Gale Lockheed, um menino cujo futuro pode significar o fim de Roma e seus deuses. Felicia Greyback, uma pirralha que já colaborou com a quase destruição do mundo como o conhecemos. Porque eu deveria confiar em um grupo com dois terços puramente problemáticos e prestar favor algum? – a deusa riu. – O Apicultor está sendo punido, crianças, não estamos abertos à negociações com um trio com potencial de destruição em massa. Além do mais, talvez eu devesse transformá-los em cobras, sim, precisamos de mais alguns de meus animais sagrados.

 Bonnie passou a mão pelo queixo, ponderando seu próximo passo. Gale e Felicia se encararam assustados. A loira se inclinou para Caleb e sussurrou: - Vende seu peixe, romano honrado.

O garoto engoliu em seco e juntou as mãos, estalando a língua.

- Hã, mas sra. Bonnie, eu sou um romano de honra, de uma das melhores famílias do Acampamento Júpiter, tenho toda certeza que consideraria nos ouvir um Saint-Dominique, uma vez que meus ancestrais cultuam e descendem de todos os deuses da cura, vossa...divindade...- ele ficou em dúvida em como devia se referir a ela, mas prosseguiu. - ...Não seria uma exceção.

- Ah, sim, St. Dominique? É, conheço de onde você vem, Caleb. – a voz dela soou um tanto mais humana e menos ameaçadora. – Mas porque se aliar a um grupo tão...- os olhos dela passearam pelo rosto maltrapilho de Gale e o semblante indiferente de Felicia. – Tão exótico?

Caleb forçou uma risada.

- Minha senhora, é de bom grado que sirvo nesta missão com meus amigos, as Parcas nos juntaram por um motivo, certo?

- De facto. – a deusa murmurou, desdenhosa. Ela se levantou e foi até o garoto, tocando em seu ombro e acariciando seu rosto, para então fitar seus dois companheiros. Ru e Eddy permaneciam congeladas em sua mesura, sem ousar mexer um músculo. – Sei que precisam da localização de Mnemósine e ela só confia no Apicultor, ele é o único deus grego nos arredores da cidade. Todas nós, mesmo essas deusas mequetrefes de Classe C aqui, - Ru e Eddy tremeram de raiva, Potina berrou algum insulto envolvendo Bonnie, o traseiro dela e um pacote de refresco de morango. – somos romanas. Mnemósine não gosta tanto de criar novos aliados e nem foi a titã mais cultuada em Roma, nem todos tiveram a sorte que Saturno teve.

- Compreendo bem a desconfiança da titã, ainda mais com a Esotérica á solta. Mas como sabe, temos pouco tempo para cumprir esta missão e ela pode acarretar riscos para...Todos nós. – ele suspirou, sincero. O legado cerrou os punhos e disse: - Por favor, deixe-me falar com o Apicultor.

- Bem, eu poderia fazê-lo. – disse ela, fazendo um brilho esperança brotar em Caleb e seus amigos. – Mas não vou.

 O brilho de esperança morreu.

- Mas porque não, senhora? – perguntou ele. – O que podemos fazer?

- Bem, eu deveria era vaporizar estas duas fofoqueiras por falarem mal de mim no meu domínio! – ela fitou Eddy e Ru, que se curvaram de medo. – Além do mais, deveria vaporizar Gale para o bem de Roma e destruir Felicia por seus crimes. Mas...As Parcas jamais me perdoariam se eu fizesse isso tudo tão arbitrariamente.

 Gale engoliu em seco, Felicia fitou a deusa, raivosa.

- É melhor você nem tentar, dona. – ameaçou a loira.

Bona Dea apenas deu risada e fechou os olhos por meio-segundo, abrindo-os em seguida com uma expressão astuta assustadora.

- Muito bem, juro pelo Estige que deixarei o Apicultor os auxiliar se você, Caleb Saint-Dominique, conseguir nos livrar de nossos problemas. Do contrário, no fim da tarde, Gale Lockheed e Felicia Greyback serão parte de meus répteis sagrados. – falou Bona Dea, um trovão explodiu ao longe, selando a promessa. Os três meio-sangues engoliram em seco, Caleb a encarou, perdido. Felicia e Gale o fitaram, desesperados. – Venha comigo, sr. Saint-Dominique, você também, Apicultor.

 Bonnie deu meia-volta e deu risada, dizendo: - Ru, Eddy, levem Pottie e nossos convidados para a sala de jantar, sirvam algo bom para eles, pode ser a última refeição deles mesmo.

 As fazendeiras desamarraram o Apicultor e Pottie, que resmungou. E então, escoltaram Felicia e Gale para o andar de cima. Bona Dea passou por uma porta, sendo seguida pelo agora livre Apicultor, que gesticulou para Caleb e disse: - Venha, amigo, você, hã...Tem muito trabalho pela frente.

 O garoto encarou seus amigos uma última vez, que lhe lançaram um olhar perdido antes dele partir para fazer o que quer que fosse necessário para que eles não virassem cobras nas próximas horas.

                          

 


Notas Finais


*==TRILHA SONORA==*
- Reunião no Starbucks/Colores e os demais vão embora - "Fandango" - https://www.youtube.com/watch?v=nYX3cI5EMGM
- Café da manhã com gosto de mel - "Come And Get Your Love" - https://www.youtube.com/watch?v=JvqMvxdZTVE


- "A BOA DEUSA"/Tema de Bona Dea ~ Bonnie - "Poor Unfortunate Souls" - https://www.youtube.com/watch?v=KgPOZAXF5GY

Valeu pela leitura, pessoal! Até a próxima!
Quem não leu a saga anterior, aqui vai a lista:
* == SAGA "A Outra História" == *
* Os Heróis do Olimpo - A Outra História - http://socialspirit.com.br/fanfics/historia/fanfiction-os-herois-do-olimpo-os-herois-do-olimpo--a-outra-historia-1438939*
* Os Heróis do Olimpo - AOH II - O Crepúsculo do Olimpo - https://socialspirit.com.br/fanfics/historia/fanfiction-os-herois-do-olimpo-os-herois-do-olimpo--aoh-ii--o-crepusculo-do-olimpo-2261241*
* Os Heróis do Olimpo - AOH III - A Ruína da Névoa - https://socialspirit.com.br/fanfics/historia/fanfiction-os-herois-do-olimpo-os-herois-do-olimpo--aoh-iii--a-ruina-da-nevoa-3296148
* Os Heróis do Olimpo - AOH IV - A Fúria Celestial - https://spiritfanfics.com/historia/os-herois-do-olimpo--aoh-iv--a-furia-celestial-5469436


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