História As Lamúrias de um Anjo - Perdão.

Aquele cenário caótico fazia minha cabeça girar. Eu estava em um lugar que não reconhecia. A felicidade e paz que outrora  se viam presentes, sumiram em um piscar de olhos, sendo substituídos pelo medo e desespero.

Lembro-me de sorrisos que nunca mais verei; de sonhos que nunca se realizarão; de preces não respondidas e de amores que não mais existem. Lembro-me da calmaria que vinha com o nascer do sol até a estrelas tomarem o céu. Tudo era tão perfeito, que até parecia um sonho vívido interminável. Contudo, também me lembro da chegada de um Senhor de idade que alegava vir de outra terra. Uma terra diferente onde as coisas eram mais dinâmicas do que aqui, pois eles não tinham um líder. 

Nosso reino era pouco conhecido, pois eramos discretos e cuidávamos uns dos outros. Nosso rei era gentil e atencioso. Ele pregava a bondade e nós gostávamos disso. Mas foi sua generosidade que trouxe o inicio de um tempo sombrio sobre nós. Conforme os dias passavam, o Senhor que veio ás nossas terras pregava com mais afinco suas palavras à respeito da sua terra. Ele falava o quão gloriosa ela era e como nós poderíamos viver de forma autônoma, sem ordens ou deveres, apenas tendo nossa própria voz como guia. Mas acima de tudo, teríamos um destino à escolher.

Nós, anjos, seres devotos a uma causa ou criador, não podíamos ter nossas próprias escolhas de caminhos a percorrer. Nascíamos com um proposito e deveríamos segui-lo até o fim de nossas vidas. Também tínhamos o destino selado pelo nosso criador, sabíamos o que iria acontecer em nossas vidas, incluindo como morreríamos, mas ainda assim não possuíamos detalhes precisos sobre isso. Mas muitos de minha raça desejavam mudar sua vida, tomar suas próprias decisões. Por conta disso, quando lhes foi dado uma proposta de "libertação" todos os olhares se voltaram para aquele Senhor.

Nosso rei, quando notou os feitos daquele Senhor, tentou impedir que uma revolução acontecesse, mas era tarde de mais. O Senhor brotou uma semente de malicia no coração de cada anjo. Os desejos e a angustia que neles adormeciam, alimentaram aquelas sementes, fazendo-as crescer rapidamente. E em pouco tempo, nosso reino começou a desmoronar. 

Invadiram o castelo de nosso rei e deceparam sua cabeça, jogaram-na ao chão para ser pisoteada pelos demais. Ele, que nos criou com amor e carinho, fora traído e se deixou levar pela misericórdia que acreditava habitar em suas criações, por isso, quando eles invadiram seu castelo, nosso rei não se defendeu, pois não conseguia nos ferir. 

Eu era uma criação sua. A primeira e última que já existiu. Fui tomada pelo desejo de viver em outras terras e feri entes queridos. Mas quando avistei a cabeça de meu pai jogada ao chão, sangrenta e assustada, com a dor gravada em seus olhos, eu acordei e consegui enxergar em meio a escuridão que tampava minha visão. E então, eu vi o caos que nosso reino virou. 

As pessoas gritando e correndo desorientadas, seu medo e desespero impregnando minha mente impedindo-me de pensar. Não via sinal algum daquele Senhor, e ainda não tinha ideia de quem ele poderia ser. Mas agora, percebia o quão perigoso nossos desejos eram e de como gananciosas criaturas que antes perfeitas podíamos ser. 

Em meio aquele cenário caótico que me rondava, eu observei, imóvel, a ingratidão de minha raça e a desgraça que caiu sobre o coração de cada um de nós.  

E como sua primogênita, sua filha mais amada, eu chorei por nosso povo até que minhas lágrimas purificassem seus corações e os calassem para sempre.