O plano do senhor Castiel era ir até Sweet Amoris sozinho e sair de lá me carregando como um saco de batatas, rumo ao primeiro quarto fechado que pudesse encontrar e usar meu corpo para afastar as frustrações.
Senhor Castiel não contava com o fato de eu ter um emprego, de eu não poder sair dele a hora que eu queria e muito menos sabia ele que eu pretendia arruinar a vida de alguém ainda naquele dia de preferência. Por isso nós dois simplesmente almoçamos num restaurante no centro da cidade, acho que ele escolheu um restaurante chique meio que para me compensar por causa daquela desgraça de jantar, e me deixou em casa.
O meu plano era: buscar umas tarefas corrigidas que eu esqueci em casa, comprar um milk-shake na cafeteria no caminho e aproveitar a caminhada para arrumar um jeito de colocar a minha estratégia bélica em ação. Tudo que eu precisava era de uma maneira de chegar até a bolsa da Debrah sem que ninguém percebesse, duas vezes.
De toda forma, a glicose não estava ajudando meu cérebro a pensar, não em coisas que eu queria pelo menos. Tudo o que eu conseguia pensar era se seria uma boa ideia levar a Collette para a praia e obrigar o Castiel a levar o Dragon, eu me questionava se isso seria uma boa ideia por que senti que provavelmente competiria com minha irmã de dois anos pela atenção de um cachorro.
E qualquer tipo de competição entre fêmeas me abominava.
Antes que alguém venha me esfregar a situação da Debrah é bom esclarecer os fatos sendo brutalmente sincera: aquilo não era uma competição e nunca foi. Nenhuma de nós duas fazia aquilo pelo Castiel, mesmo que a Debrah quisesse arrastá-lo para acabar com a vida dele, o maior objetivo dela era me vencer, assim como o meu também era acabar com a raça daquela desgraçada. Não tinha nada a ver com o senhor Cassy, o fato de ser ele ou qualquer outro garoto conduziria a história do mesmo jeito. Eu até já parei algumas vezes para pensar que, mesmo sem o Castiel, e a Debrah nos odiaríamos de toda forma e acabaríamos entrando em coalisão mesmo que em outro contexto. O Castiel só era uma vítima do fogo cruzado entre nós duas, a culpa disso era da Debrah, mas também era minha, por não conseguir protege-lo daquilo.
Nós não estávamos competindo, estávamos em guerra.
Enfim, entrei em Sweet Amoris acertando a lixeira do pátio com o meu milk-shake. As Moiras, irmãs que determinavam o destino dos deuses e dos homens, deveriam estar felizes comigo, por que, assim que eu dei o segundo passo em direção a escola, a resposta para todos os meus problemas vieram de encontro a mim.
- Professora! – a Amber e não “Ambre” veio correndo na minha direção se esconder atrás de mim. – Faz ele parar!
- Ah, qual é! – isso foi o Erik vindo logo em seguida, com uma pulseira estranhamente brilhante engatanhadas no pulso dele. – Você não é a fodona que não tem medo de nada?!
Alguém notou como esses dois imbecis andam passando cada vez mais tempo juntos?
Enfim, só precisei dar uma olhada no Erik para perceber por que é que a Amber, aquela deusa da discórdia no formato de menina de dezessete anos, estava evitando o idiota da escola. Ao perceber o motivo eu meti a mão na orelha esquerda daquele idiota com tanta força que, em algum lugar do planeta, um cervo levantou a cabeça e esticou as orelhas encarando o nada e sentindo pena do que eu faria com o Erik.
- Seu imbecil! – eu olhei ao redor do pátio para ver se alguém estava lá, peguei o Erik pelo braço e tirei a pulseira dele, pulseira que não era uma pulseira e sim uma cobra. – Seu imbecil degenerado, acéfalo neandertal, seu tapado, troglodita estúpido, dissimulado...
- Professora?!
- Asinino, estulto, idiota, imbecil, inepto, néscio, palerma, parvo, tolo, tapado, inhenho, asno, lerdo, obtuso, anta, burro, lento, boçal, tacanho, bronco, ignaro, ignorante. – eu disse checando o padrão dos anéis da cobra só por precaução. O Erik não saberia isso, mas eu passei meus quinze anos decorando os padrões de todas as Cobras-Coral já catalogadas.
- Professora não adianta, ele não sabe metade dessas palavras. – a Amber disse com a voz maligna.
Soltei um gritinho agudo ao perceber que aquela cobra era a que eu temia. Micrurus corallinus,Cobra-Coral ou Cobra-Coral Verdadeira, isso também queria dizer venenosa.
- Amber, mete a mão na cara desse moleque. – ela já tinha feito isso antes mesmo de eu terminar a frase. – O que, em nome de todos os deuses, você tem nessa cabeça para sequer pensar que seria uma boa idéia trazer uma cobra para a escola?!
O Erik me olhou como se eu estivesse questionando a prudência de se usar cinto de segurança dentro de um carro.
- Eu trouxe ela dentro de um pote fechado! – aquilo era um ser vivo não picles. – E ela nem é venenosa!
- Amber, de novo. – de novo, ela bateu nele antes de eu terminar a frase. – É claro que essa aqui é venenosa seu idiota!
- Não professora! – ele apontou para a cobra. – “Vermelho com preto fique esperto, amarelo e vermelho ligado pode ficar sossegado”.
- Seu idiota, é: “Vermelho com amarelo ou branco perto, fique esperto. Vermelho com preto ligado pode ficar sossegado”. – eu disse. – E esse ditado não é confiável.
- Mas...
- Me admira que essa cobra não tenha te mordido até agora. – a cobra se remexeu inquieta na minha mão, mas ela se acomodou rápido, como se estivesse com preguiça de se mexer. – Você deu alguma coisa para ela comer hoje?
- Não... – o Erik desviou o olhar encabulado.
- Ela o deixou junto com a gaiola do Willard. – a Amber falou em tom acusatório.
Dei dois passos para trás sentindo meu coração sangrando por aquela atrocidade.
- Você deu o Willard para uma cobra?! – eu já estava começando a me apegar aquele rato, mesmo ele odiando seres humanos e com tendências suicidas.
- Foi sem querer... A Dela... A professora Delaney entrou rápido, eu precisava esconder a Matilda...
- Matilda? – a Amber e eu perguntamos em uníssono.
- A cobra. – o macho da conversa respondeu simplesmente. Que nome maravilhoso para uma cobra.
- Que nome idiota para uma cobra. – eu disse só para fazer o coraçãozinho adolescente dele murchar. – Onde foi que você arrumou a Matilda?
- Se é idiota, por que você está chamando-a por esse nome, professora? – a Amber perguntou de forma irônica.
- Cale-se criança. – eu disse.
- Ela só apareceu no meu apartamento ontem a noite, pensei que a senhora ia gostar. – pensou certo, mas uma escola cheia de crianças não é um lugar propício para se admirar uma cobra venenosa.
- Erik vai ser um milagre se você viver o suficiente para conseguir se reproduzir. – ou uma maldição. Por algum motivo a Amber ficou vermelha.
- Me desculpa professora... – o Erik abaixou a cabeça. – Você vai contar pra minha mãe?
Nem passou pela minha cabeça. No segundo em que eu vi a cobra eu soube que a Roda da Fortuna estava girando ao meu favor. Eu tive até que me segurar para não apertar aquela criatura maravilhosa, aquele réptil peçonhento maravilhoso, aquela obra-prima de Shesha, a Primeira Serpente. Ah, céus, como era maravilhoso ser eu, como era sublime ter a minha mente maravilhosa, afiada e orientada para o mal e o crime. Digo isso por que o que eu estava prestes a fazer deveria ser crime em algum lugar, talvez não na Índia, mas provavelmente era no nosso país.
Além de crime, um exemplo do tanto que eu era uma péssima professora.
- Não. – eu disse atenta para o movimento da cobra na minha mão. – Mas quero que você faça uma coisa pra mim.
X
Eu sabia que tinha esquecido alguma coisa. Fiquei puto não pelo fato de ter esquecido, mas, por mais uma vez, ter confirmado as palavras da Lynn: “você só se lembra que esquece alguma coisa quando param de fabricar ela”.
Ao contrário do que eu pensei, não, eu não fiquei bravo por ter de voltar a Sweet Amoris por causa da droga do meu celular. Pensei “quem sabe eu consiga passar mais um tempo com a Lynn” e só fui descobrir que estava sorrindo que nem um retardado quando estacionei o carro. Ainda era horário de almoço na escola, ela provavelmente estava fumando escondido em algum lugar ou tocando piano.
Provavelmente ela deveria estar acabando com a felicidade de algum aluno, a Lynn era boa nisso.
É engraçado como, mesmo depois de algumas semanas, eu ainda acordava pensando que nós estávamos separados. No último final de semana eu acordei e levei um susto quando senti a Lynn deitada no meu peito, acho que demorei uns dois minutos para me situar e lembrar que tínhamos voltado. Graças aos deuses, como diria a Lynnette, nós tínhamos voltado, ela voltou a ser minha namorada, graças aos deuses.
Não é como se minha vida tivesse sido completamente arruinada depois que nós terminamos. O Lysandre e eu formamos uma banda, nós começamos a trabalhar de verdade e com isso começamos a viajar, a ganhar dinheiro e a sermos considerados como músicos de verdade, não que precisássemos que a fama nos dissesse isso. Era bom pra caralho poder fazer o que gostava e ser pago por isso, mas, ainda assim, entre uma viagem e outra, entre uma sessão de gravação e outra, a imagem dela insistia em me assombrar. Mesmo depois de já termos terminado eu pensava coisas como “a Lynn iria adorar escutar essa história”, “eu deveria trazer a Lynn aqui, ela vai adorar”, “graças a Deus eu já estou indo pra casa, vou poder ver a Lynn” e a mais frequente de todas “se a Lynn estivesse aqui ela estraçalharia a garganta desse cara com os dentes”.
Enfim, chega de romantismo barato. Entrei no pátio, nem me importei de notar se tinha alguém ali e fui direto para o ginásio, provavelmente eu tinha largado o celular em algum banco enquanto ia ao banheiro.
A minha intenção era simplesmente ter entrar no ginásio, passar por detrás da arquibancada para evitar a Debrah e checar o banheiro. Pro meu desgosto, assim que eu entrei no ginásio, o a luz do sol fez algo brilhar contra os meus olhos, era o meu celular nas mãos da Debrah.
Geralmente, dentre nós dois, quem é bom em prever o futuro e bancar a vidente é a Lynn, mas eu não precisava daquele sexto sentido demoníaco dela para saber que aquilo ia acabar em merda.
Pelo menos ela ainda não tinha me visto. A Debrah estava voltada para um garoto, que eu já devo ter visto em algum lugar, que, pelo sorriso arrogante que ela estava mostrando, deveria ser um fã bem entusiasmado.
Dentre nós, quem gosta de espionagem, tramas e esquemas diabólicos é o Viktor, mas mesmo assim eu me aproximei dos dois, sem ser percebido, para conseguir escutar a conversa.
- Eu adoro todas as suas músicas. – qual era mesmo o nome daquele moleque? – Economizei dois meses de mesada para poder comprar todos as músicas do iTunes. – a mesada desse moleque devia ser uma miséria.
- É mesmo? – a Debrah disse.
- Eu também comprei todas as camisetas da banda. – o garoto por algum motivo estava olhando para os lados como se fosse ser esfaqueado. – A minha favorita é uma que tem a sua foto na frente do espelho, em preto e branco.
- É a minha favorita também.
- Sabe... – ele abaixou a cabeça cheio de vergoinha. – Será que eu posso te pedir um autografo?
- Um o que? – ela colocou a mão na cintura e inclinou o rosto na direção dele. A Lynn uma vez me disse que tinha vontade de socar a cara dela quando ela fazia isso.
- Um autógrafo? – o moleque estava todo corado. – A minha música favorita é aquela “Eu não preciso mais de você”, do seu primeiro álbum... – era a música que eu mais detestava.
A Debrah fingiu ficar constrangida por um tempo, aquilo era fingimento por que, ao contrário do Lysandre que realmente ficava constrangido quando um aluno pedia por autógrafos, ela adorava aquela merda de fanboy quase que apaixonado por ela. Por fim ela deu um suspiro e sorriu para ele.
- Você tem algum lugar para escrever?
- Aqui. – ele tirou um bloco de notas do bolso. O Lysandre deveria aprender com esse moleque.
- “Eu não preciso mais de você”... – ela repetiu em voz alta o que escrevia. – “Com amor, Debrah”. – e beijou o papel para deixar marca de batom. – Aqui está...
- VOCÊ! – uma garota maluca pulou entre a Debrah e o moleque. Assustador como ela era parecida com a Ambre. – Você fica longe dele sua cantorazinha de cabaré!
Eu não me aguentei e comecei a rir.
- O que?! – a Debrah disse. – Você é louca garota?!
- Eu sei o que você faz! – a menina respondeu. – Você chega aqui na escola se achando a Madonna, só pra sair por aí se aproveitando de gente burra que nem o Erik!
- Ei! – o moleque exclamou.
- Nossa, acho melhor você tomar uma água.
- Vai se ferrar! – a menina faltou cuspir. – Além disso, sua banda é horrorosa e você canta tão mal que eu vi um cachorro se jogar na frente de um ônibus enquanto você ensaiava!
Isso parece coisa que a Lynn falaria.
- E você! – ela se virou para o moleque. – Você é mesmo um retardado pra gostar dessa banda! Um imbecil, idiota, palerma, um neandertal... – por que é que eu estou com uma sensação de deja-vu?
- Você deve tá adorando isso... – o moleque resmungou.
- Dá licença aqui querida. – a Debrah a pegou pelo ombro. – Mas quem você pensa que é?
- Eu vou quebrar a sua cara. – a garota respondeu.
- Eu não sei em que tipo de jaula sua mãe te criou, mas você deveria tomar cuidado com o que fala pras pessoas.
- E o que você vai fazer? Estourar meus ouvidos com uma nota desafinada?
Antes que a Debrah respondesse a menina, uma aparição demoníaca apareceu entre a garota e o moleque, os dois quase morreram do coração. Antes mesmo que eu pudesse perceber a Lynn já tinha acertado o moleque com um tabefe atrás da cabeça.
- O que é que eu falei sobre ficar gritando em público?!
- Pra gente transar e acabar logo com isso? – a garota respondeu irônica e levou um certeiro na orelha esquerda. Tive de segurar o riso. – Professora!
- Eu não estava gritando! – o moleque falou com a mão na nuca. – A maluca da Amber é quem começou a gritar com a Debrah!
A Lynn olhou para a Debrah, que estava de braços cruzados observando aquela situação imbecil, como se só naquele momento tivesse percebido que ela estava ali.
- Ah é mesmo? Ela estava gritando com você? – a Lynn perguntou pra Debrah.
- Sim, pela educação dessa garota suponho que você seja a professora favorita dela.
- Nem de longe. – as outras duas responderam em uníssono. A Lynn encarou a garota como se tivessem arrancado o coração dela.
- Eu não sou sua professora favorita?!
- O que?! Você acabou de dizer a mesma coisa! – a menina respondeu.
- Nossa, pela primeira vez ela não vai gritar comigo. – o moleque resmungou.
- E por que senhorita, eu não seria a sua professora favorita?! Você é boa demais para uma graduação e um mestrado no exterior?!
- É sério professora?! Você vive dizendo coisas estranhas como eu estar apaixonada pelo Erik... – ela apontou para o moleque. Sinceramente, essa garota deve ser retardada, até eu percebi isso e a Lynn vive jogando na minha cara o quanto eu sou péssimo para julgar as pessoas.
- O que é completamente verdade.
- Não é não!
- Você está me questionando?!
- Você não para de falar merda! – essa garota vai se arrepender dessa última frase.
A Lynn deu aquele sorriso maníaco que, na escala de perigo do Viktor, simbolizava “vou arrancar a sua alma”.
- Quer saber de uma coisa? Eu ia deixar você gritando com a assassina de notas à vontade.
- Como é que é? – a Debrah se meteu.
- Mas, devido aos fatos acho que uma visita até a sala da diretora te faria bem...
- Professora!
- Ou você vai, ou eu te levo lá. – ela usou aquela voz perigosa e lenta que utilizava para ameaçar as pessoas... Por que é que eu estou ficando excitado? – E acredite em mim, não vai ser a mesma coisa...
- Mas... – a Lynn agarrou a menina pelo pescoço e a arrastou. Por algum motivo ela fez a mesma coisa com o moleque também.
- Professora eu não fiz nada! – o moleque protestou.
- Ah, mas o dia é longo, considere essa ida pela próxima merda que você fizer.
Ela simplesmente saiu arrastando os dois para fora do ginásio largando a Debrah boquiaberta e sem entender o que é que tinha acabado de acontecer ali. Eles passaram por mim sem me perceber, graças aos deuses por que senão ela mataria e... Eu estou começando a falar que nem a Lynnette.
Por algum motivo, antes de eu me virar para ir atrás do meu celular, eu vi a Lynn arrastando os dois pirralhos dela até o pátio e abraçar os dois ao mesmo tempo rindo que nem uma maníaca. Gostaria de saber o que é que aquilo significava.
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