A gente vê quando duas almas-gêmeas se olham pela primeira vez pelo brilho que passa no olhar delas. A Seraphine e a Rosalya já se conheciam indiretamente por minha causa, mas a primeira vez em que aquelas duas encarnações da elegância se encontraram pessoalmente foi hoje, e a primeira coisa que elas disseram uma para a outra foi “oh céus, que vestido exuberante”. Agora estávamos nós três num canto escondido fora do ginásio tentando conversar sem toda a movimentação de pais, alunos e convidados dentro da escola por conta do festival.
A propósito o festival, até então, estava lembrando uma daquelas feiras culturais de filmes. Havia uma música ambiente bem leve, cheiro de pipoca no ar, o pátio estava lotado de oficinas de atividades para os pais e convidados, barraquinhas de comida e lojinhas vendendo souvenires. O Viktor também deu um jeito de contratar acrobatas, mágicos, e outros artistas para enriquecer a experiência visual. O ar estava cheio de bolinhas de sabão, luz dourada vinda das luminárias de papel e de “oooh!” e “aaah!” vindos dos frequentadores.
- A propósito, está tudo lindo, Lynn. – a Seraphine falou bebendo mais um gole da garrafinha suspeita dela. – Me lembra das feiras de rua em Paris.
- Eu só cuidei das caixas, o Viktor foi quem deu um jeito de tudo isso ficar bonito num nível profissional. – puxei mais um cigarro da bolsa e acendi por que EU NÃO ESTAVA GRÁVIDA.
- Então você é a namorada do Dake. – a Rosalya disse olhando a Seraphine como se admirasse uma pintura. Eu sou linda, e sei disso, mas entre essas duas eu me sentia como uma irmã feia e malvada entre Cinderellas.
- Noiva, agora. – a Seraphine disse erguendo o anel brilhante como uma estrela para a Rosalya ver. – A avó dele carregou isso dentro de um bolso secreto no casaco quando fugiu para a Austrália, ouro branco, dez quilates, lapidação oval é o Solitário mais lindo que eu já vi.
Segundo o que eu me lembro da nossa conversa, a Seraphine tirou uns dois anos sabáticos para se encontrar e entender a si mesma e o mundo a sua volta. Na linguagem de gente que não é rica, ela teve uma crise existencial que durou dois anos. Pelo o que ela me falou, a herdeira maravilhosa entendeu muitas coisas sobre si na viagem, mas a principal foi o fato de que, mesmo morrendo de medo, mesmo se achando jovem demais e mesmo que os dois vivessem em mundos diferentes, ela não conseguia viver sem o Dake, por que o amava mais do que qualquer outra coisa na vida. Pelo visto entrar em pânico não é exclusividade do pacote Lynn palhaça. Quando ela criou coragem se informou com titio Boris onde o senhor surfista se encontrava, depois veio voando para a nossa cidade e teve uma longa conversa de cinco minutos onde ela explicava que tinha entrado em pânico com essa história de casamento e o Dake a interrompia agarrando-a e aceitando ela de volta.
E agora o casal mais elegante dessa história irá se casar.
- Você entende muito de diamantes não é? – lógico que sim, ela era herdeira de um cartel inteiro de diamantes. – Nossa, parece que ele poderia refletir o sol...
- Quem diria que o sobrinho do Boris, o garoto que me perseguiu pela praia quando eu tinha dezessete anos, seria o primeiro de nós a se casar.
- Lynn, você já se viu de biquíni? Até eu te perseguiria numa praia. – foi assim que um dos meus sonhos eróticos com a Seraphine começou. – Mas, por incrível que pareça, o Dake consegue ser muito sério quando ele quer.
- Uma vez ele invadiu um trocador de roupas comigo dentro.
- É, eu sei, pedi para ele descrever o que viu... – ela disse isso me olhando de cima a baixo. Não sei se estou lisonjeada ou com medo.
- Por falar em casamento, Lynn, o que foi resolvido com o seu rockstar afinal de contas? – a Rosalya me perguntou voltando o olhar pra mim.
- Eu não te contei nada não?
- Você me ligou quatro horas da tarde, bêbada, gritando que não estava grávida.
- Lembro disso não.
- Do telefone de uma Sacristia, diga-se de passagem.
- Como você sabe disso, Rosa?
- Quem você acha que te buscou? O Castiel estava ocupado desmaiado dentro do banco de trás do seu carro.
- Como isso aconteceu? – a pergunta saiu de mim para a Seraphine.
- Meu amor, eu ainda estou tentando descobrir como é que minha pulseira de safira foi parar dentro do bolo de aniversário de uma bibliotecária aposentada.
- Enfim. – soprei a fumaça para cima. – Nós dois concordamos que iremos nos casar. – as duas abriram a boca e soltaram uma exclamação alegre exatamente no mesmo momento. – Mas não agora.
- Não?! – elas também fizeram isso em uníssono.
- Não. – traguei mais um pouco do cigarro sentindo a vantagem de não estar grávida e poder me envenenar com aquilo. – Nós dois concordamos que a pressão de um casamento iria fazer a gente se matar, então o Castiel sugeriu que morássemos juntos por um tempo, só para ver se a gente consegue viver no mesmo lugar sem se matar.
- Nossa quanta prudência. – a Rosalya disse. – Nem parece o Castiel. – nem me fale.
- Quando esses dois passavam as férias de verão juntos eles passavam dentro de um quarto. – seja lá o que estivesse dentro da garrafinha da Seraphine, parecia ser infinito.
- Bem não sei se iria concordar com isso se fosse o Leigh e eu.
- Um: vocês já praticamente moram juntos; Dois: o seu namoro é doce, quente e tranquilo, Rosa, não é uma disputa entre a dinastia Ming e Qing como o meu.
- Verdade. – ela disse encolhendo os ombros, orgulhosa pelo namorado dela ser um cubinho de açúcar no formato de um estilista alto e bonitão, e não um idiota maluco que grita comigo por que eu coloquei uma blusa rosa na máquina no dia de lavar roupa branca.
- De toda forma. – olhei a hora no meu celular, eu tinha estragado o meu relógio fazendo o favor de transar com o Castiel embaixo do chuveiro. – Daqui dez minutos eles vão dar o aviso de que as apresentações vão começar.
- Huh! Então vamos, aposto que o tio Boris... – o Boris tinha insistido, desde o dia em que conheceu a Seraphine, que ela deveria chama-lo de tio. Se a Collette tivesse uma amiga herdeira de um cartel de diamantes eu também insistiria para que ela me chamasse de “irmã”, de “tia” ou do que ela quisesse. – Guardou lugar para nós na primeira fileira.
- Vocês vão na frente, prometi para o Castiel que passaria nos bastidores.
Quando nós começamos a nos movimentar uma criatura completamente fora do cenário se fez presente entre nós, as meninas já estavam um pouco mais a frente, eu tinha ficado para trás para apagar o resto aceso do meu cigarro.
- Doutora Lynn? – o vocativo foi o que me fez levantar o rosto antes de responder “vai arrumar algo de útil pra fazer”... Eu passava tempo demais com estudantes. – Olá, boa noite...
Era um cara, um senhor, daquele tipo bondoso e sábio professor que sempre aconselha e serve de mentor para o protagonista jovem e tapado da história... Mais alguém aí duvida que eu vivo em uma fanfic?
- Eu posso ajudar? – falei acenando para as minhas bitches continuarem o caminho.
- Eu sou Dr. Crane. – até os óculos e o suéter quadriculado de professor universitário ele tinha. – O Controle de Animais me informou que foi a senhorita quem recuperou a Cobra-Coral que eu dei como desaparecida.
Huh, pela primeira vez, um personagem novo que não aparece para me intimidar ou tentar ferrar alguém que eu gosto.
- Ah, sim e como é que está a Matilda?
- Matilda? – ele ajeitou os óculos como o estereótipo de professor universitário que era. - Que nome adorável.
- Meu aluno quem deu.
- Ela está bem, e o poema que a senhorita mandou para ela também é adorável. – o que? Eu sou maluca só por que escrevi um poema para uma cobra? – Interessantíssimo que ela levantou a cabeça e pareceu prestar atenção até o seu aluno terminar de ler.
Sim, eu escrevi um poema pra Matilda, sim, eu obriguei o Erik a ir até a casa do cara para ler o poema e sim, eu obriguei a Amber ir junto para filmar isso e me certificar de que eles realmente fizeram sim eu sou maluca e sim eu sei disso. Podem me julgar, mas essa cobra merece todos os poemas que eu puder escrever.
- Para ser sincera não foi o primeiro poema que eu escrevi para uma cobra. – mas foi o primeiro que eu escrevi depois de ter sido picada. Eu falei aquilo comigo mesma, espero que o doutor não pense que eu sou maluca... Depois de ter escrito um poema para uma cobra... Meio tarde para isso, Lynn palhaça.
- Se eu não me engano, a senhorita tem um mestrado em comportamento animal.
- Sim senhor, eu passei um ano analisando o efeito que a caça ilegal e as atividades humanas na reserva tinham no comportamento das manadas de elefantes. – observei três delas, para ser mais precisa.
- Se não me engano, a senhorita é veterinária por formação. – não entendi por que ele fez essa pergunta indireta sendo que ele já sabia a resposta, ele me chamou de “doutora” afinal de contas.
- Isso mesmo.
- E pelo o seu perfil acadêmico da Universidade de Sydney, imagino que sua experiência seja mais voltada para a vida selvagem. – para falar a verdade eu acho que passei mais tempo na selva e em fazendas do que em dentro de clínicas.
- Sim senhor, mas por que o senhor está me perguntando isso?
Novamente, o doutor Crane ajeitou os óculos, ele seria alvo de muito bullying se estudasse em Sweet Amoris.
- Bem, a verdade é que eu rastreei a senhorita com a intenção de me desculpar pela minha negligência.
- Ah, não se preocupe, doutor. – eu falei abanando a mão. – Eu já fui picada umas duzentas vezes e na maioria delas por cobras muito maiores e mais ariscas.
- De toda forma, me perdoe pela minha negligência. – ele disse meio que se inclinando. – Eu pretendia somente me desculpar, mas depois de descobrir a sua vasta ficha acadêmica, doutora Lynn, eu devo admitir que vim aqui com outras intenções também...
Se o Castiel estivesse escutando esse cara falando, provavelmente já teria quebrado a espinha do pobre doutor achando que ele estava querendo me fazer a ninfeta dele.
- Eu não estou entendendo.
- Um bom amigo meu é chefe do departamento de veterinária na capital. – ele parecia orgulhoso. – Não sei se a senhorita conhece, mas há um centro de recuperação de vida selvagem na capital.
- Claro, se não me engano o centro da capital faz parte da UFCS.- Union Française des Centre des Sauvegarde de la faune sauvage, era uma espécie de fundação criada na França com o intuito de proteger a vida selvagem no país, com os anos foi se expandindo até ter escolas e centros de recuperações em outros países também.
- Precisamente, e o meu amigo chefe do departamento estava justamente se queixando por sua principal protegée ter decidido que se tornaria veterinária na granja do próprio pai. – qual o problema nisso? Eu mesma adorava galinhas... A essa altura já deve ter dado para perceber que eu adoro qualquer animal que foi, é e será citado nessa história.
- Eu ainda não estou entendendo. – mentira, eu já tinha entendido sim.
- Bem, o departamento de veterinária, cujo meu amigo é chefe, é famoso por ser o principal fornecedor de profissionais que trabalham no centro, mas pelo o que eu entendi, não são muitos os jovens que demonstram interesse em se arriscar cuidando da vida selvagem.
Como uma pessoa que já quase morreu por conta de quatorze picadas de cobra, de uma única espécie de cobra, eu podia entender perfeitamente. Porém, como uma maluca sem nenhum bom-senso, eu também não entendia.
- O senhor está me oferecendo um emprego, doutor Crane?
Ele soltou uma risadinha antes de responder.
- É muito difícil achar uma veterinária que tenha acumulado a sua quantidade de experiência em tão pouco tempo, doutora Lynn. – ele disse. – O fato é que no centro nós sempre estamos precisando de veterinários e uma jovem com seu currículo seria mais do que bem vinda.
Ca-ra-lho... E quando você pensa que a vida não pode mais te surpreender.
- Eu não sei se eu estou qualificada para o trabalho... – inclinei a cabeça. – Eu sou boa em cirurgia e tratamento, mas minha formação sempre foi mais voltada para pesquisa...
- Bem, eu sugeri seu nome por acaso para esse meu amigo, e depois de analisar seu currículo, ele disse que a senhorita tem um potencial ilimitado. – isso eu já sabia. – Tenho certeza que depois de um treinamento a senhorita poderia recuperar cirurgicamente qualquer animal nesse planeta.
Acabei de decidir que eu gosto do doutor Crane. Eu gosto de gente que infla meu ego acadêmico.
- Isso é muita gentileza da sua parte, doutor...
- Claro que provavelmente a senhorita teria de dar alguns cursos na universidade e fazer algumas matérias para ficar melhor preparada... - ele mexeu nos bolsos até achar um cartão. – Mas tenho certeza que não seria nada com o qual a senhorita não poderia lidar, segundo alguns colegas na Universidade de Sydney, eu fiquei sabendo que a senhorita sempre foi uma aluna nota máxima.
Não há motivos para negar isso.
- Isso tudo é realmente muito gentil da sua parte, doutor... – falei pegando o cartãozinho que ele me ofereceu. – Mas eu já tenho planos para a minha carreira...
- Sim, sim, eu compreendo que a senhorita pretende voltar para a África, para a reserva em Tsavo. – no submundo da biologia, todo mundo conhecia todo mundo, você tem que ficar esperto pois todos te observam...
- Pois é, eu sonho com isso desde garotinha. - falei dando de ombros.
- Bem, eu não posso dizer que não esperava isso. – o doutor Crane me deu um sorriso de velhinho bondoso, aposto que a cobras fazem dele de gato e sapato. – Mas eu fico consolado de pelo menos ter tentado.
- E eu agradeço muito, doutor Crane.
- Sem problemas, minha cara, e novamente perdão pela confusão que a Matilda causou. – ele estava chamando ela de Matilda, HÁ-HÁ Cobras-Coral sempre sabem como conquistar corações. – Eu vou ficar nessa cidade o mês inteiro para auxiliar o departamento de biologia da universidade local, se por algum milagre a senhorita mudar de ideia, sabe onde me encontrar.
Dei um espaço para que ele pudesse se distanciar e então comecei a me mover para o ginásio afim de encontrar o meu bad boy e os Batutinhas.
X
É engraçado como algumas coisas na vida simplesmente acontecem, mais engraçado ainda era como isso estava acontecendo demais na minha vida atual. Bastou um momento para que eu esquecesse todo o ódio de dois anos para voltar para o Castiel, bastou um momento de conversa com a Melody para perceber o quão frágil e perigosa era o vínculo na vida que ela dividia com o Nathaniel. O melhor exemplo disso foi como, em um simples e inocente momento, acontedeu de a Ambre me dar a solução para todos os meus problemas, melhor que em outro momento de inocência, o Erik me deu o resto dessa solução.
E agora, durante o tempo que eu demorei a chegar até o ginásio, adolescentes demais no caminho, outra coisa simplesmente aconteceu, e o que me assustou não foi a coisa em si, mas a naturalidade e tranquilidade que acompanhou esse acontecimento e me invadiu até o fundo da minha alma.
- Você está atrasada. – o Castiel falou com a mão envolta da minha cintura, depois de eu ter me enfiado nos bastidores.
- E você está sexy com suas roupas de roqueiro. – dei um beijinho nele e, por ter recebido um olhar de ódio da Debrah, dei outro. – Você está nervoso?
- Não. – ele tocou na própria testa. – Estou com ressaca e nem sei por que. – o mais assustador era que eu também não sabia.
Peguei no pulso do Castiel, ignorei os olhares de ódio da Debrah, os malicioso dos outros integrantes de ambas as bandas, e o puxei para um pouco longe da confusão de gente indo e vindo nos bastidores, com pranchetas, caixas de som, cabos e etc.
- Castiel. – falei quando achamos um canto silencioso o suficiente. – Eu acho que nós deveríamos começar a procurar um apartamento.
Ele franziu o cenho em estranhamento, mas não foi nada em estado de alarme.
- Sério? Pensei que você queria morar com meus pais.
- A gente economizaria muito dinheiro, mas... – sorri pra ele. – Não acho que seus pais iriam conosco para a capital.
- Do que você está falando? Por que iriamos para a capital?
- A gente pode falar disso com calma depois, mas... – mostrei o cartão que o doutor Crane me deu. – O dono da Matilda, da cobra, ele meio que me ofereceu um emprego em um centro de recuperação, na capital...
- O que?! – ele pegou o cartão leu e depois me devolveu. – Lynn, como é que você...
- Cinco minutos, Castiel. – um assistente nos avisou.
- Tá, tá. – ele me puxou para poder falar mais baixo. – Lynn você simplesmente aceitou assim, do nada? Sem nem perguntar o que eu acho disso?
- Não que eu tivesse que perguntar. – eu falei. – Mas eu ainda não aceitei.
- Então por que...
- Mas eu acho que eu deveria aceitar. – ele estava ainda mais desorientado. – Nós dois poderíamos ser felizes na capital, não é tão longe dos seus pais e nem dos nossos amigos e...
- Lynn. – ele me interrompeu puxando minhas mãos para si. – Por favor, não me diga que você está falando isso só por causa do negócio da África, você sabe que eu vou com você...
- Não é por sua causa. – eu toquei no rosto dele. – É por que é o melhor, pra nós.
- Lynn...
- Nós podemos conversar sobre isso depois. – falei interrompendo-o, pra variar. – Mas eu realmente acho que seria melhor...
- Nós podemos fazer esse negócio de morar no meio da selva funcionar.
- Eu sei, eu sei que sim, Castiel, mas... – olhei em volta. – Eu amo você, muito... – ele ficou corado com a declaração repentina. – E eu não posso deixar que o nosso futuro seja moldado somente por conta das minhas decisões.
- Lynn...
- Eu também quero tudo com você, Castiel. – falei. – Quero acordar do seu lado, tomar café da manhã... – ele colocou a testa sobre a minha. – Isso serviu pra me fazer enxergar, Castiel, que eu estava assustada não por que tinha medo que não funcionasse, mas por que eu sabia que abriria mão de tudo por sua causa, e isso me apavorou...
- Você não precisa abrir mão de tudo por minha causa.
- Eu não estou abrindo, Cassy, ainda vou fazer o que eu adoro. – cuidar de animais. – Mas desse jeito eu vou poder compartilhar isso com você.
Era sério tudo aquilo. O doutor Crane ter vindo aqui e me oferecido um emprego foi o acontecimento que me fez perceber, de um momento para o outro, que eu não estava com medo por que talvez a África acabasse nos separando, mas sim por que no fundo, bem no fundo, eu sabia que eu não podia ir, não com o Castiel. Não por causa dele na verdade, mas por minha causa, eu não queria fazer isso, não queria obriga-lo a ir comigo e a ter um estilo de vida completamente fora do normal para ele só por minha causa. Eu sabia que não podia fazer isso, bem no fundo eu sabia, e não era ele quem eu estava odiando, era eu mesma.
E por Odin, isso me assustou pra caralho.
Porém, não mais, não agora. Não sei se por causa da oferta de emprego ou por causa de um insight super conveniente que foi utilizado somente para mudar completamente o rumo dessa história, mas só naquele momento foi que aconteceu de eu perceber que não precisava ir para a África para me realizar como veterinária, e de que não adiantaria eu fazer aquilo sozinha, eu precisava compartilhar isso com as pessoas que eu amava, como minha família, meus amigos e o Castiel. Claro, se eu me arrependesse e odiasse o emprego no centro, eu sempre podia fugir para a África do Sul e voltar a caçar cobras.
Talvez daqui dois minutos eu acorde e veja que isso é uma balela desgraçada e que na verdade o que eu quero mesmo é me enterrar em uma reserva africana e nunca mais ver o mundo exterior. Porém, por enquanto, aproveitemos o provável único insight que eu tive nessa história que não foi egoísta e não envolve arrastar meu namorado até um ambiente cheio de cobras e leões.
- Castiel. – o Lys-fofo se materializou perto de nós. – Está na hora.
- Eu já vou. – ele olhou para mim. – Essa conversa ainda não acabou.
- Tudo bem. – Cassy me beijou com força e se afastou.
- Eu amo você! – ele disse antes de entrar no palco.
- Eu também te amo! – falei e vi dois dos meus batutinhas preferidos entrando no palco, para a alegria de várias adolescentes do outro lado.
Respirei profundamente sentindo uma paz maravilhosa invadir meu coração. Primeiro por causa da minha última conversa, segundo por que a desgraçada da Debrah estava vindo na minha direção e eu tinha acabado de receber uma mensagem do Viktor.
“Hora do show” era o que dizia a mensagem.
- Nossa que cena romântica, Lynn querida. – ela falou com as mãos na cintura.
- Não é? – cruzei meus braços. – Nós acabamos de decidir que vamos nos mudar.
- Ah, é mesmo?
- É. – pausa dramática. – Deve acabar com o seu ego não é? Saber que nem mesmo com a ajuda da Ambre você conseguiu me tirar da cabeça dele.
- Quer saber de uma coisa Lynn? Realmente é irritante. – a Debrah respondeu sem parar de sorrir. – Na verdade eu nunca entendi o que é que faz todo mundo pensar que você é perfeita... – todos os meus amigos no mínimo me achavam uma idiota, alguém esqueceu de avisar isso pra ela. – Também nunca entendi o que é que ele vê em você, eu não vejo nada além de uma garota que pensa demais de si mesma.
- Olha quem fala.
- Além do mais, você trata o Castiel que nem um cachorro. – ah, claro, como se ele fosse o exemplo de gentileza comigo.
- Claro, Debrah, porque você é muito melhor com ele.
- Sabe, Lynn... – ela se aproximou estalando a língua. – Uma coisa pela qual eu tenho que te dar o crédito é que você é, de fato, uma ótima adversária.
- É mesmo?
- Sim. – ela mostrou o sorriso afetado. – Nenhuma garota que eu precisei “eliminar” conseguiu jogar tão baixo a ponto de voltar para o cara que a traiu.
Notei que na porta dos bastidores havia duas figuras deslocadas de todo o cenário atual, duas policiais, provavelmente, mostrando o distintivo para o segurança que estava guardando a porta. Um cara gordo, careca e com cara de cretino foi até a porta querer saber o que estava acontecendo e pelo visto aquela conversa me renderia alguns minutos de monólogo de protagonista fodona.
Me virei completamente para a Debrah e mostrei um sorriso meio maníaco, meio perigoso.
- Agora você me escute bem, seu rascunho mal feito de cantora. – falei numa voz tão grave e ameaçadora que ela até mudou de postura. – Você é um desperdício de gás carbônico, e o mundo sabe como, você mereceu cada gota do que eu te dei seis anos atrás.
- Ah, é mesmo?
- É. – continuei. – O Castiel não me traiu, você deu um “boa-noite Cinderela” para ele. – ela arregalou os olhos por saber que eu sabia disso. – Você saiu por aí espalhando mentiras sobre ele para o agente dele, você ameaçou a Melody dois anos atrás e agora, caso ela não cooperasse com você e por tabela fez da vida do Nathaniel um inferno, você roubou dessa escola e tentou por a culpa em mim e de bônus eu aposto que você também envenenou o Dragon, mas eu imagino que você não tenha inteligência o suficiente para saber que não pode dar doce para um cachorro.
- Você está me acusando de tudo isso, Lynn?
- Sim, eu estou, tenho que fazer isso ficar mais claro pra você? – inclinei minha cabeça. – Você mente, trapaceia, trai e disfarça muito bem Debrah, e isso eu não posso te negar, mas tem uma coisa que você nunca aprendeu a fazer.
- E o que é, Lynn querida? – ela estava a duas frases de agarrar a minha cara. – Nunca aprendi a “não mexer com quem você gosta”? – ela perguntou com desdém. – Nunca aprendi a “não me meter com você”?
- Não Debrah. – respondi. – Você nunca aprendeu a cantar.
- Como é que é?
- Se você pelo menos soubesse diferenciar um tom grave de um agudo, eu duvido que você precisasse bancar a vadia da escola para conseguir o que quer.
- Você está incrivelmente confiante não é professora? – ela retrucou. – Você está se colocando num pedestal altíssimo, mas sabe muito bem que não daria a mínima para o que eu faço se o trouxa da história não fosse o Castiel.
- Verdade. – balancei a cabeça concordando, e era verdade, eu nunca fui um bom ser humano, se a Debrah não estivesse ferrando com alguém que eu amo, provavelmente nunca teria olhado na cara dela, até mesmo porque apunhalar os outros por trás deveria ser uma prática comum no show business, mas... – Porém, Debrah, nós sabemos que entre nós duas nunca foi sobre o Castiel.
- Não, Lynn querida. – o sorriso da Debrah estava tão imenso na cara dela que me lembrava umas bonecas bizarras de Alice the Madness Return. – É sobre vitória. Sim, nós duas concordamos com isso, mas você não ganhou por que conseguiu o seu trouxa de volta e nem ganhou por que conseguiu descobrir as minhas “atividades” nesta escola, você está muito longe da vitória professora.
- Não Debrah... – as duas policiais estavam vindo à nossa direção. – Eu acabei de ganhar. – sorri.
- Ah, é mesmo? Ganhou o que? O Castiel de volta? – ela sorriu. – Ele vale tanto assim? – Meu Cassy vale “tanto assim” e um milhão de vezes mais, sua otária.
- A cara que você vai fazer vai valer tudo o que aconteceu até esse momento. – respondi dando um passo para trás.
- Como é que é?
- Eu disse que ia fazer mil vezes pior do que seis anos atrás. – sorri e inclinei a cabeça. - E meu único arrependimento nessa história toda é não ter esfregado o chão com a sua cara.
- O que?
- Senhorita Debrah? – uma delas fez com que a Debrah virasse em sua direção e mostrando o distintivo. A doce e adorável Debrah ficou com o rosto sete tons mais pálido imediatamente, ah, se eu tivesse uma máquina do tempo, voltaria toda hora só para ver a cara dela. – Você está sendo presa sob a acusação de desvio de dinheiro, estelionato, calúnia, fraude, ameaça e vandalismo.
- O quê?! – a outra policial já a estava algemando a essa altura. – Isso é brincadeira?! Tirem as mãos de mim!
- Este aqui é o seu mandado de prisão. – a primeira policial enfiou um papel na cara dela. – Você tem direito a um advogado, assim que chegarmos a delegacia comunicaremos sua prisão para pessoa de sua escolha em no máximo vinte e quatro horas...
- O quê?! – a Debrah olhou para o gordo com cara de cretino. – Wilson, faça alguma coisa! Você não pode deixar que me levem!
- Fui eu quem acrescentou o “vandalismo” nas acusações sua engraçadinha. – então ele era o agente do Castiel. – E pode ter certeza que você nunca mais trabalhar nesse ramo mesmo depois de apodrecer na cadeia.
- O que?!
- E não espere que a gravadora solte um centavo para te pagar um advogado.
- Você! – ela olhou pra mim tentando se debater contra a policial que a estava algemando. – Você fez isso! Você armou pra mim!
- Não. – uma voz conhecida e maravilhosa se fez presente. A essa altura todo mundo já estava filmando a cena em algum aparelho portátil com câmera e todo mundo, inclusive as policiais, se viraram para ver a figura elegante e triunfal do Viktor entrando nos bastidores. – Não nos conhecemos, Viktor Chevalier. – ele disse com o sorriso mais cretino que já deve ter mostrado na vida.
- Isso é um engano, uma mentira deslavada! – agora as duas policiais precisaram segura-la para que a Debrah não arrancasse o nariz do Viktor com os dentes. – Você e essa vadiazinha armaram pra mim!
- Não, você armou para si mesma.- para efeitos dramáticos, o Viktor abriu um chiclete e o enfiou na boca. – Você realmente pensou que poderia entrar aqui e roubar do meu festival?
Cassy nunca saberia daquilo, mas Viktor ficava extremamente sexy quando ele interpretava o rico justiceiro.
- Isso não vai ficar assim! – o segurança teve que pegar a Debrah pelas pernas para que eles conseguissem tirá-la de lá e ainda assim a bendita estava dando trabalho. – Vocês não podem me levar, isso é tudo mentira! – ah, os gritos dela indo para o fundo do inferno. – Vocês me escutaram?! É mentira! Armaram pra mim! Vocês não podem fazer isso! Eu não posso ir pra cadeia!
Eu avisei para essa escrota que o que aconteceu seis anos atrás pareceria brincadeira.
Eu e o Viktor fizemos um high-five disfarçado enquanto todo mundo via a cena estrondosa que a Debrah armou. Melhor dupla dinâmica para ferrar as pessoas ever.
Ah, novamente, quem disse que o amor é doce, nunca provou a vingança.
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