O céu nublado estava deixando Katherine sufocada dentro de seu apartamento. O dia estava silencioso demais, e apesar da tonalidade do céu, nem mesmo trovões ecoavam prevendo que iria chover. Estava ansiosa, agoniada, sufocada... Enlouquecendo. Céus, ela podia ouvir o tic tac do relógio.
Seu pensamento rodava e rodava e ela estava exausta de voltar sempre para o mesmo lugar. Sua cabeça estava um caos e ela precisava organizar tudo. Sempre fora tão boa nisso, por que é que agora seria diferente? Ela só precisava aprender a lidar com as coisas. Ela sempre aprendia.
Queria que Gabriel estivesse ali para fazê-la rir. Ele tinha dom, para alegrar as pessoas, deixar dias cinza mais bonitos. Ele era incrível.
Sentiu saudades. Sentiu outra pontada de dor.
Por quê, Gabbe?
Caminhou até o quarto, os pés descalços quase não fazendo ruído nenhum no chão, mesmo com todo aquele silêncio. Sentia-se tão vazia que era como se estivesse flutuando. Procurou nas gavetas bagunçadas e cheias de lembranças o seu diário. Precisava escrever, precisava tentar organizar seus pensamentos.
Precisava conversar com Gabriel.
Sentou-se novamente no sofá, com uma leve brisa invadindo a sala, e segurou firme a caneta entre os dedos.
Céus, como é que se faz isso, mesmo?
Então, ela piscou lentamente e começou.
”Querido diário, sei que faz muito tempo que não escrevo (e você deve estar agradecendo por se livrar dos meus lamentos), mas hoje eu precisava desesperadamente de você. Há muito tempo eu não digo que sobrevivi a mais um dia, pois isso já perdeu o sentido. Essa coisa de sobreviver todo dia. É diferente de estar vivo. Você sabe, não é? É, acho que eu finalmente entendi. Estou exausta.
Acordar todos os dias sem saber o que você é, o que você tem, o que você gostaria de fazer... É desgastante. Desgasta a alma e o coração, essa sensação de estar sozinha. Eu sei, encontrei bons amigos... Mas nenhum deles pode preencher o vazio que tenho no peito. Nenhum deles pode juntar os pedaços que sobraram para me reconstruir. Não os culpo e não exijo isso deles. O fato de estarem em minha companhia já ajuda a disfarçar a dor por um momento.
Mas o fato é que, eu ainda sinto a falta de Gabriel em todo lugar para onde olho. Não me leve a mal não falar tanto sobre papai e mamãe, mas é que com Gabriel era diferente. Porque eu achei que ele fosse estar comigo para sempre.
Ele prometeu.”
Ela precisou dar uma pausa, para respirar.
Havia parado de respirar com tamanha dor que inundava o seu peito como um tsunami.
Precisava tentar segurar as lágrimas.
”Naquele dia, naquele em dia em que estávamos brincando no parque próximo à nossa casa. Céus, eu era tão pequena... Quantos anos tinha mesmo? Acho que cinco. Gabriel devia estar com nove, então. Mas, naquele dia ele prometeu e eu nunca me esqueci. Ele segurava minha mão enquanto eu caminhava sobre um muro. Eu era mais teimosa do que sou agora, se é que isso é possível. Ele havia dito que eu não devia subir porque ia cair e me machucar, mas eu não liguei. Eu ri e disse: “Gabbe, seu bobo, eu não vou me machucar. Você está aqui.” Então, ele sorriu e caminhou ao meu lado no chão, segurando firme a minha mão. Até que eu virei o pé, escorreguei e cai. Eu cai. Mas não no chão, porque ele me segurou antes disso. Eu chorei, com o susto. Gabriel me segurou nos braços, limpou minhas lágrimas e sorriu, dizendo: “Você não vai se machucar, eu estou aqui. Nunca vou deixar você, Kath. Vou estar com você pra sempre então você nunca vai se machucar, eu prometo!”
Ele prometeu.
Prometeu pra mim e mentiu.
Por isso, onde quer que ele esteja, quero que leve o que vou dizer agora para ele.
Diga à ele que estou com raiva. Com raiva por ele ter me deixando quando não devia. Por ter deixado eu me machucar e por não estar aqui, agora. Quero que ele saiba que estou com raiva por ele ter perdido momentos, por ele ter sido o mais fraco quando devia ser o mais forte e que estou com raiva já que papai não pode mais. Porque papai também confiou nele, eu sei que sim. Diga que estou com raiva por todas às vezes que eu liguei para o número dele, apenas para ouvir a mensagem gravada... Porque eu estava desesperada para ouvir a sua voz. E eu fazia isso dezenas de vezes em uma noite, chorando sozinha na cama com o celular na orelha.
Eu nem mesmo sei se ele está vivo. Mas, se estiver, mesmo que pareça egoísta, eu vou ficar com mais raiva ainda. Porque ele nunca deu notícias. Nunca.
Eu precisava de ajuda agora, Gabbe. Porque eu não sei o que fazer, mas você saberia. Estou perdida e se estivesse aqui você ia sorrir e me mostrar o caminho. Ia segurar a minha mão para que eu não me machucasse.
Céus, eu queria tanto que estivesse aqui.
Queria que os conhecesse. Com certeza ele saberia o que eu devia fazer. Você me daria uma luz, me ajudaria a seguir em frente.
Mas toda vez que eu abro os olhos, você não está.”
Katherine precisou parar e deixar o diário de lado quando uma lágrima pingou sobre o papel. Ela estava chorando e nem havia percebido. Quanto tempo fazia que não chorava? Ela nem se lembrava mais. Mas o fato é que a alma pesava, e aquilo foi libertador. Devia ter feito antes, talvez aliviasse a dor. Aliviou um pouco. Mas ela sabia que voltaria em breve e não queria estar ali quando chegasse.
Então, deixou o diário sobre o sofá (terminaria mais tarde), e foi até o banheiro de seu quarto lavar o rosto.
A água fria em contato com a pele quente fez com que ela voltasse à realidade. Era difícil, sim, e isso era muito visível em seus profundos olhos vermelhos. Ela suspirou. Odiava se sentir fraca, por isso tratou de se recompor, trocou de roupa e decidiu sair. Precisava caminhar ao ar livre, sentir o vento bater no rosto, para acalmar o coração.
Pegou um pouco de dinheiro, o celular, e a chave do apartamento e saiu, trancando a porta em seguida. Sairia nem que fosse para ir ao supermercado comprar coisas superficiais que faltavam em sua casa.
Quando finalmente chegou na rua, seu peito se aliviou. Havia muitas pessoas por ali, o que era reconfortante. Ela se misturava a eles, como se fosse igual.
Reconfortante.
Olhou a hora no visor do celular, eram exatas 18:00h. Em breve começaria a escurecer e ela ainda não se sentia segura o suficiente naquela cidade para estar na rua sozinha à noite, então tratou de apressar o passo.
Chegou no supermercado cerca de 15 minutos depois. Estava cheio demais, o que podia ser normal, considerando que era noite de sexta-feira, mas de qualquer forma irritante, pois estavam todos apressados demais, o que levava muitos a se tornarem idiotas.
Mas ela não se deu ao trabalho de se importar com isso. Colocou na cesta tudo o que precisava em dez minutos, pagou, e saiu.
No momento em que pisou do lado de fora, um trovão ecoou e ela xingou mentalmente. Não era possível que justo agora a chuva viria. Ela xingaria muito aos céus se isso acontecesse.
Apressou mais ainda o passo tentando fugir dos trovões que ficavam cada vez mais altos e frequentes, mas não conseguiu a tempo, e um aguaceiro despencou dos céus. Ela piscou devagar, com as gotas de chuva embaçando sua visão, e continuou. De nada valia começar a chutar tudo que visse pela frente, a chuva ainda continuaria caindo.
Ela já estava ficando encharcada. A camisa de algodão branca com estampas negras estava aderindo ao seu corpo e mostrando quase mais do que devia. Respirou fundo outra vez.
Essas coisas só aconteciam com ela, era ironia do destino.
Ouviu um carro se aproximar e buzinar ao seu lado. Ela olhou assustada por ter sido de repente e teve que estreitar os olhos para poder focar e tentar identificar quem era, visto que a chuva já atrapalhava completamente sua visão.
- Precisa de uma carona? – Aquela voz rouca dava sinais de que ele sorria por trás do vidro escuro, apenas aberto uma pequena fresta para falar com ela.
- Não sua. – Ela ignorou Castiel e continuou a caminhar.
- Fala sério. Você vai pegar uma pneumonia. Anda, entra. Eu levo você pra casa.
- Entrar no seu carro? Não mesmo.
- Como se você já não tivesse entrado. – Ele rosnou, ficando irritado. – Vamos, Katherine. Não seja idiota.
Ela respirou fundo e parou. Talvez ele tivesse razão.
Não que ela fosse admitir em voz alta.
Katherine deu a volta no carro preto e entrou, se sentando no banco do carona e molhando o banco de couro. Olhou para Castiel que a encarava com um sorriso de canto.
- Foi tão difícil assim?
- Na verdade, foi.
Ele riu pelo nariz e olhou para a blusa molhada.
Ele tentara evitar, com todas as suas forças. Mas aquela blusa molhada, praticamente transparente, aderindo ao seu corpo lhe dava uma visão infernal e acima de tudo ele ainda era homem.
Ele queria jogar tudo para o alto e ligar o botão foda-se, e em seguida puxá-la para o seu colo e fazer amor com ela ali, dentro do carro mesmo e sob a chuva que caía incessantemente sobre a lataria. Seu instinto masculino começou a pulsar entre as pernas.
Piscou muito lentamente.
Trate de se recompor.
Quando abriu os olhos, ela o encarava. O cabelo prateado pingando e grudado em seu rosto. Imaginou como ficaria com o corpo dela encharcado de suor, enquanto ela subia e descia em cima dele.
Porra.
Desviou rapidamente o olhar para frente e deu partida no carro, agarrando o volante com tanta força que as juntas de seus dedos ficaram esbranquiçadas. Katherine notou cada movimento dele, observando-o com atenção. Sorriu por dentro diante da reação dele, sabendo que era por causa dela. Ainda que essa situação também a deixasse quase sem ar, ela gostou de saber que mexia com ele tanto quanto ele mexia com ela.
Castiel respirava pesadamente e ela tentou manter a concentração diante do silêncio mortal que se formava entre eles. Mas ela estava enlouquecendo por dentro, feito uma fera em uma gaiola.
- É difícil lutar contra si mesmo? – Quando se dera conta, as palavras haviam escapado por entre seus lábios. Queria dar um tapa em si mesma por isso, ainda mais quando teve coragem de encará-lo, esperando ansiosa pela resposta.
Castiel a olhou pelo canto dos olhos, surpreso e encurralado, e apertou mais os dedos ao redor do volante. O que aquela garota estava fazendo com ele? Seu pensamento tentou formular uma resposta inteligente, mas seu lado racional estava preso por uma coleira que ela colocara.
Maldição.
Ele queria ainda mais calar a boca dela, invadindo-a com a sua língua e fazer com que ela se arrependesse de deixá-lo daquele jeito.
- É. – Ele respondeu, a voz rouca e carregada de desejo. – Não sabe o quanto.
Ele desviou novamente os olhos para a estrada e para a chuva batendo no para-brisa. Katherine absorveu a resposta por algum tempo e ele não esperava que ela dissesse mais alguma coisa, mas ela disse, surpreendendo-o mais uma vez.
- Eu sei o quanto.
Porra, de novo.
Ele freou o carro bruscamente, e o corpo dela teria sido projetado para frente se não estivesse com o cinto de segurança.
Ela o encarou um pouco irritada pelo susto repentino, mesmo que já estivessem em frente ao seu prédio.
- Você enlouqueceu? – Ela perguntou.
- Não, mas acho que você sim. – Ele a encarou, os olhos famintos. A voz rouca saíra como um rosnado, baixo e sensual. – Não sabe mesmo com o quê está lidando.
- Talvez quem não saiba é você. – Ela soltou o cinto de segurança, cada movimento seu sendo cautelosamente observado.
- Qual é o seu problema? Está brincando comigo? – Outro rosnado.
Ela sentiu vontade de rir, irritada.
- Está mesmo fazendo essa pergunta para mim? Quem vive de joguinhos é você, Castiel. Eu não sou de brincar.
Alguns segundos de silêncio claustrofóbico depois, Castiel passou a mão pelo rosto.
- Eu só... – O maxilar dele estava visivelmente tensionado. – Você me deixa louco.
O coração dela deu um salto e ela o encarou, tomada por uma súbita onda de arrepios ocasionados por sua roupa que começava a deixar toda a sua pele gelada. O peito de Castiel subia sob a jaqueta preta, no mesmo ritmo que o seu. Ela pressentia que o ar lá dentro fosse ficar escasso em breve. Os vidros já estavam totalmente embaçados.
Uma corrente elétrica percorreu o corpo dela com o pensamento.
- Nós... Somos dois idiotas. – Ela concluiu. Quando é que tinha ficado ofegante?
Praticamente podia sentir o calor emanando da pele dele.
Ele passou a mão pelo cabelo. – Acho que somos.
- Então, é melhor que eu vá embora.
- Não vai me convidar para entrar?
- Não acho uma boa ideia... – Ela se preparou para sair e ele trancou as portas do carro, mantendo-a trancada. Ela o encarou em questionamento.
- Não, Katherine. Você não vai fugir dessa vez.
- Vai me convidar pra entrar e conhecer a sua casa, ou vamos ficar um bom tempo aqui?
- Conhecer a minha casa? Não seja cínico. Você esteve lá ontem.
Ontem...
A ficha sobre o que havia acontecido caiu com tudo em cima dela. Ela não havia pensado nisso até então, e pelo visto Castiel também foi pego de surpresa.
Rosalya a mataria, mas ela podia lidar com ela. Precisava tirar respostas de Castiel e aquela seria uma ótima oportunidade.
- Então, ela contou a você...
- É, contou. – Ela suspirou. – Podemos entrar então? Está ficando frio.
Ele olhou para ela por algum tempo, provavelmente cogitando a possibilidade de fazer algum tipo de piada, mas acabou apenas destravando as portas e correndo com ela para a portaria do prédio. Atravessaram com os passos ecoando na recepção e entraram no elevador.
Claustrofóbico.
Eles se entreolharam, o desejo pulsando nas veias. Era quase impossível se controlar. Ela teve que agarrar as barras de metal para não fazer besteira, enquanto Castiel tentava não olhar para ela. O desejo profano que estava escondido bem dentro dela queria que ele a encurralasse contra a parede metálica e a sufocasse com um beijo.
Reviveu a cena várias vezes em sua cabeça enquanto aquela subida parecia não terminar nunca. E, quando finalmente a porta do elevador se abriu, ela queria sair correndo. Mas não pode, porque Castiel agarrou o seu braço com força e a puxou de volta para dentro, apertando o botão do último andar.
- Que se dane. – Ele grunhiu e mal as portas fecharam, ele a encostou com força contra a parede, unindo os lábios aos seus em um movimento desesperado, decidido.
E então, todo o resto do mundo deixou de existir.
Ela se agarrou ao cabelo escarlate como se sua vida dependesse daquilo, abrindo passagem para Castiel entre seus lábios, o que ele acatou muito bem. Ele a beijou com vontade, com desespero, com desejo... A beijou com a alma. Como ela nunca havia sido beijada antes.
Céus, como ela havia ansiado por aquilo.
Não conseguiu nem mesmo hesitar em retribuir, entregou-se por inteiro, como se a vida dependesse daquilo.
Castiel pressionou o corpo contra o dela, encaixando-se entre suas pernas. Katherine foi à loucura quando seu interior entrou em contato com a intimidade pulsante dele. Sentiu-se prestes à explodir. Tinha certeza de que não conseguiria de manter de pé caso ele se afastasse naquele momento.
Castiel se afastou brevemente para respirar. A distância durou apenas cerca de um segundo. Quando ele avançou novamente, Katherine já projetava a cabeça para frente, indo de encontro a ele, ansiosa. Castiel deslizou uma das mãos de sua cintura até sua nuca, mantendo-a presa ali, sem chances de escapar.
Não que ela tivesse a intenção.
Ela escorregou as mãos pelos ombros fortes, e em seguida pelos braços, sentindo cada um dos músculos tensionados, uma máquina perfeita de prazer. Castiel tremeu sob seu toque quando ela deslizou as unhas sobre sua pele.
Pareciam dois adolescentes desesperados pelo primeiro beijo.
Então, o apito soou e as portas se abriram novamente.
Por sorte, não havia ninguém querendo entrar. Katherine deslizou os dedos pela parede e apertou novamente o botão para o andar onde morava e Castiel cessou o beijo. No entanto, não afastou o corpo nem um milímetro se quer. Ficou ali, olhando-a nos olhos e segurando seu rosto, com a expressão que era um mistério para ela.
Provavelmente estava tentando adivinhar o que ela estava pensando, da mesma maneira que ela fazia com ele. Os dois ofegantes, com um fio de respiração que ainda os unia. Ela podia sentir o coração dele batendo acelerado, assim como o seu. Ela nem se quer conseguira cerrar os lábios, precisava da boca entreaberta para conseguir respirar.
Castiel piscou lentamente. – Ninguém precisa saber disso.
- Não mesmo.
Eles ficaram ali, imóveis, esperando a respiração e o coração voltarem ao ritmo normal, enquanto o elevador descia novamente. Quando finalmente as portas se abriram, Castiel se afastou, lentamente, como se estivesse hesitante e abriu espaço para que ela saísse.
Quando Katherine precisou se apoiar sobre as próprias pernas e pegar as sacolas do chão, teve que se segurar, pois a cabeça girava e seu sangue fervia. A atmosfera rapidamente sugou todo o calor do corpo dela. Teve dificuldades em caminhar em um ritmo normal, e mais ainda em colocar a chave na fechadura, com o olhar de Castiel sobre suas costas.
- Você ainda quer... – Ela perguntaria, em dúvida se realmente ainda seria sensato deixa-lo entrar em sua casa.
- Sim. – Ele passou por ela, sem esperar permissão, e entrou no apartamento como se já o conhecesse. Não que ele tivesse pensado antes de responder.
É claro que sim.
Ela fechou a porta atrás de si e deixou as sacolas sobre o balcão da cozinha. Aquele silêncio era infernal. Era estranho que nenhum dos dois falasse nada sobre o que aconteceu. Era estranho que as palavras difíceis de dizer eram as mesmas para ambos.
Castiel era um abismo misterioso, ela sabia que havia corrido e se jogado diretamente nele, sem pensar. Não havia mais volta. Ela precisava agora aprender a lidar com isso. E ele também.
Castiel estava atordoado. Parado na sala, com o cheiro dela por todo lugar. O sangue era efervescente, quente, o deixava completamente impulsivo e vulnerável. Seu autocontrole para cessar aquele beijo fora surreal. Ele não queria parar nunca, ou até que seu corpo não tivesse mais energia. Katherine mexia com a sua cabeça.
Olhando nos olhos dela naquele momento, ele teve a certeza de que ela havia invadido sua mente. Pela porta da frente mesmo, sem medir esforços ou limitações. Ela havia chegado com tudo. Pela primeira vez ele sentiu medo. Sentiu-se assustado com o que estava acontecendo. Sentiu raiva por ter permitido que isso acontecesse. Era perigoso para ele, e para ela também. Mas não havia mais nada a ser feito.
Já era tarde demais.
Ele voltou à realidade quando Katherine voltou para sala, abraçando o próprio corpo e suspirando. Ela o encarou confusa e talvez até um tanto envergonhada, a considerar o ocorrido no elevador.
Tinha sido incrível, excitante, e avassalador, ele sabia. Sabia pela expressão no rosto dela que tinha significado o mesmo. E que ao mesmo tempo que se autojulgava por isso, não se arrependia por ter feito.
- Se você não se importa, eu... Eu preciso trocar de roupa.
Não que ele fosse reclamar, mas seria muito mais fácil de se concentrar se ela tirasse aquela maldita roupa transparente. Ele negou com a cabeça e ela saiu em direção ao quarto, sem dizer mais nada.
Quando ficou sozinho, Castiel sentiu-se deslocado onde estava. Como se estivesse em uma fortaleza de segredos, mas não pudesse descobri-los. Resolveu sentar-se no sofá e esperar, era o mais seguro a ser feito.
Porém, ao se sentar no sofá, sentou sobre alguma coisa. O barulho do papel amassando o chamou atenção. Ele pegou o diário da Katherine na mão, sem saber exatamente do que se tratava. Automaticamente, pôs-se a ler a página na qual ele estava aberto.
Seu coração parou.
Sentiu-se tão mal quanto se estivesse infringindo uma lei. Talvez não deixasse de ser isso, visto que era pessoal. Mas, ele simplesmente não conseguiu parar de ler. Sentiu a dor dela, compreendeu o que ela sentia, e o remorso perfurou o seu coração. Ele não tinha o direito de invadir a vida dela daquela maneira. Mas não podia parar. E nem mesmo respirar.
Havia mesmo muito sobre ela que ele não sabia.
Passou os dedos sobre a superfície de papel, em uma parte onde a caneta estava borrada e o papel ondulado. Eram lágrimas?
Ele cerrou os dentes.
Gabriel devia ser irmão dela. E alguma coisa acontecera que fizera com que tudo caísse sobre a cabeça deles. Mas ainda assim, que tipo de irmão abandonava a irmã mais nova?
Ele olhou para a parede em sua frente, pensativo. Deparou-se com as fotografias na parede.
Deve ser ele.
Ele constatou quando olhou a fotografia de Katherine ao lado do rapaz idêntico à si.
- O que você pensa que está fazendo?!
Ele olhou para Katherine quando foi surpreendido, em flagrante. Nos olhos dela ele só conseguiu identificar raiva. Já esperava algo assim, mas precisava mesmo de tanto? Ele previa que ela pularia em seu pescoço.
- O que foi que aconteceu? – Ele não se preocupou em se explicar.
- VOCÊ LEU O MEU DIÁRIO! QUEM TE DEU O DIREITO?! – Ela se aproximou, gritando, e arrancou o diário das mãos dele, furiosa. Ele não resistiu. – Como pôde...? – Sentiu uma pontada de decepção na voz dela, mas compreendia.
- O que aconteceu? – Ele repetiu a pergunta.
Ela o encarou, os olhos queimando de ódio. Podia ver as mãos dela tremendo. Arrependeu-se por deixa-la daquele jeito, mas não tinha mais volta.
- Você não tinha o direito! – Ela rosnou, tentando inutilmente conter a emoção na voz. Parecia que a raiva abria um portão oculto dela, que ele jamais havia visto. E duvidava que outra pessoa tivesse.
- Eu sinto muito. – Era o que ele podia dizer.
- Não sente! Você. Não. ENTENDE! – Ela explodiu, jogando o diário contra uma das paredes. As lágrimas brotando nos olhos escarlates. Ele odiou que aquilo precisasse acontecer com ela. Não sabia como confortá-la. Ou, talvez ela só precisasse desabafar, tirar tudo aquilo de dentro de si. – Você entra na minha vida, bagunça tudo quando estou justamente tentando juntar os meus pedaços novamente, depois sai e volta quando bem entender e ainda acha que pode invadir a minha privacidade? – A voz dela foi ficando rouca, como se ela aos poucos perdesse a força. – Você é um idiota e eu odeio você! – Ela partiu para cima dele, e ele estava esperando essa reação. Apenas esperou o impacto e quando ele veio, ele segurou os braços dela, mantendo-a próxima de seu corpo, e ela desatou a chorar. Ela chorou e soluçou por cerca de dois minutos, agarrada à sua camisa. – Você vai ficar ai feito um idiota sem falar nada? – Ela disse, manhosa, quando voltou a se acalmar.
Ele sorriu, de lado. – Você não disse que é isso que eu sou? Só estou fazendo o meu papel.
- Tem razão. – Ela limpo as lágrimas e se afastou. – Você é um idiota e sem graça.
Ele riu pelo nariz. – Eu vou tentar não jogar na sua cara este episódio ou o episódio do elevador.
Ela estreitou os olhos inchados para ele. – Se contar pra alguém, eu juro que acabo com você.
Castiel girou os olhos. – Vamos pensar que sim.
- Eu vou lavar o rosto. Fique à vontade, se quiser. Só não leia o meu diário outra vez.
Ele suspirou. – Tudo bem.
Ela sorriu quase imperceptivelmente e deu alguns passos para trás.
- Katherine... – Ela se virou novamente quando ele a chamou.
- Eu realmente sinto muito.
Katherine ficou surpresa ao constatar que ele estava sendo sincero. Só não entendia se aquilo era apenas sobre o seu diário ou era muito mais do que isso. Preferiu não pensar e se afastar dali para um lugar seguro o mais rápido possível.
Quando chegou no banheiro e se olhou no espelho, um surto de vergonha brotou em suas entranhas. Ela havia se aberto para Castiel, havia explodido como nunca fizera pra ninguém. E isso a deixava completamente desesperada. Havia perdido o controle da situação e não sabia lidar com isso. Ainda mais se tratando de Castiel.
Ele era o quê? Seu confidente? Nem de longe. Ainda mais depois do que acontecera no elevador. Uma corrente elétrica atravessou todo o seu corpo com a lembrança e o acendeu novamente. Tinha sido um grande erro e era evidente que ele também pensava assim. Mas, ao contrário deles, era óbvio que ninguém mais entenderia assim, então era melhor que morresse entre eles. Até porque não aconteceria outra vez.
Aconteceria?
Quando ela voltou, Castiel estava na sacada. Ela observou atentamente quando o vento soprou e balançou o cabelo escarlate. Ele ficava muito bonito sob a luz da lua. Não que ela fosse confessar.
- Você gosta do que vê?
Ele a encarou sorrindo, cinicamente, por cima dos ombros, e ela sentiu as bochechas esquentarem por ter sido flagrada.
- Precisa melhorar muito...
Ela se aproximou hesitante. A sacada não era assim tão grande para que ela pudesse ficar lá também e a uma distância segura de Castiel.
Controle-se.
Seu subconsciente gritou e ela se apoiou na sacada, oferecendo a ele um copo de licor, que ele aceitou e bebeu em um só gole. Depois disso, eles ficaram em silêncio. Os dois olhando para o céu estrelado, a mente inundada em devaneios. Katherine já nem sabia mais porque mesmo Castiel continuava ali com ela, mas não ligava.
- Você tem uma bela vista daqui.
Ela sorriu. – É, eu tenho sim.
Ele não disse mais nada, apenas a acompanhou quando ela voltou para a sala em silêncio também.
Então, já agoniada, ela o encarou.
Castiel estava de frente para ela a alguns passos de distância apenas, e ela pode sentir o seu corpo reagir com a presença dele, como um imã. Ele a encarava também, e o mundo estava prestes a acabar novamente...
Foi quando o celular dela começou a tocar e fazer um barulho horrível de vibração ecoando sobre a mesa de madeira. Ela foi atender, tratava-se de um número desconhecido.
- Alô?
- Kath?
- Sim, sou eu...
A voz do outro lado riu pelo nariz. - Que alivio conseguir finalmente falar com você.
- Nath? - O coração dela começou a bater mais rápido. Castiel a encarava, minuciosamente.
- Sim... Está ocupada?
Estava. Mas não podia dizer. – Não, está tudo bem.
- Que bom. Eu só precisava ouvir a sua voz e dizer que acabei de enviar o endereço e informações do lugar onde vamos amanhã. Veja se lhe agrada. Se preferir vamos à outro lugar...
- O que você escolher está bom para mim... – Ela sentia a voz falhar, assim como as pernas vacilantes. Castiel já havia estreitado os olhos, deixando claro sua irritação.
- Então... Amanhã às oito?
Ela encarou Castiel, diretamente nos olhos. Ele descobriria cedo ou tarde.
- Sim, amanhã às oito. Esperarei em casa.
- Combinado. Até lá.
Então, ele desligou e Katherine afastou lentamente o celular do rosto, deixando-o novamente sobre a mesa.
- Amanhã às oito, é? – A voz de Castiel saiu como ácido para seus ouvidos.
Ela assentiu, apoiando-se na mesa. Já havia sofrido emoções demais para um dia e não estava preparada pra mais uma. – Sim...
- Vocês têm um encontro? – Os punhos dele estavam cerrados, os músculos tão forçados que podia-se nitidamente ver que tremiam.
Ela assentiu outra vez, perdendo a noção de como se usava a voz.
Castiel soltou uma risada irônica, e passou a mão pelo cabelo. Parecia completamente fora de si. – Quer saber? Vocês se merecem! Faça um bom proveito! Depois não diga que eu não avisei.
Frio como um gelo, cortante feito navalha, foi o impacto de suas palavras no coração dela.
Castiel saiu pisando forte em direção à porta.
- Castiel, espera! – Ela segurou o braço dele e ele parou para encará-la. Ele estava ofegante, insano, e ela por um breve momento sentiu medo.
- Tire essas mãos de mim. Eu não quero nem mais ouvir falar de você! – Ele ralhou e puxou o braço, saindo e batendo a porta atrás de si.
Katherine não conseguiu ficar de pé sozinha e não sabia porquê.
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