História As primeiras impressões - Sao as que ficam

para mim, rainha do flop

Terça-feira não é dia de pizza, você sabe. O gosto da pizza nem é tudo o que dizem, não chega a ser seu prato predileto. Mesmo assim, a noite está particularmente triste e não tem nada de bom passando na tv.

E cara, como você quer uma pizza.

O telefone está logo ali, meticulosamente posicionado ao lado de um pilha de livros da Anne Rice - de quem você é fã doente - e chamando-lhe (sussurrando) como o canto da iara.

É terça-feira e você foi despedido do trabalho porque gritou com o chefe. No segundo dia da semana e já desempregado, que azar. Você disca o número que achou no catálogo pesado - sempre presente abaixo do telefone na mesinha de centro - e a ligação chama e chama e cham-

– Alô?

– É da pizzaria?

– Sim, senhor. O que gostaria de pedir?

Você pondera e pondera e pondera, começando a sentir a impaciência irradiar do telefone. A moça solta um longo suspiro alarmador e ele solta, repentino:

– Me surpreenda.

E você desliga o telefone, o clique o fazendo sentir-se em um filme dos anos 70.

Aliás, detalhe importante, você ama colecionar. Principalmente peças vitorianas, oh, você as adora de paixão. Se pudesse viver em uma mansão no meio do nada como Nicole Kidman em "Os outros" - sem a parte da morte, obviamente - você viveria. Mas onde você vive? Num apartamento no centro da cidade, onde as buzinas soam durante o dia e o brega durante a noite. O que tinha a se pressionar sobre o fato, a vida tem dessas coisas.

Sem nada melhor para fazer você retoma sua tarefa de empilhar os livros que possuía, desempilhar e empilhar de novo, por vezes organizando-os em ordem alfabética e em cores; era uma atividade extremamente relaxante. No meio da décima primeira pilha o som de algo batendo na porta foi o que ouviu ao pescar "A entrevista com o vampiro" da pilha de livros ao lado.

Não havia campainha, e sim um adereço interessante que fizera questão de comprar em um leilão de antiguidades: uma argola de leão.

Deve ser a pizza, pensou.

O entregador estava ali parado, uma das mãos ainda erguida enquanto a outra segurava a caixa de pizza. Há algo de diferente nele, entretanto, você não sabe ao certo se é pela estranha energia vibrante que irradia do outro ou por sua cabeleira.....prateada.

– "Surpreenda-me"

Tudo no sujeito parecia fora do lugar, na verdade. Os botões estavam faltando, a camisa amassada, os sapatos desamarrados; uma grande bagunça. Você não sabe o que o irrita mais. O olhar de deboche estava ganhando, tinha que admitir. Você a pega das mãos do entregador e abre - no ímpeto de checar se não haviam fatias faltando - dando de cara com pedaços de abacaxi

e pior, bacon

bacon e abacaxi

Que afronta.

– O que é isso?

O homem sorri cheio de desdém. - é pizza de bacon com abacaxi, senhor, garanto que é bastante surpreendente.

Maldito seja, você pensa com seus botões, não havia espaço para esperneio. Você provocara aquilo. Por que não pedira o de sempre? Por que inventara de ter uma epifania numa terça-feira a noite? Você pergunta para o universo e tudo o que recebe é o som irritante do chiclete sendo mastigado pelo entregador.

– Quanto lhe devo?

– 35 pilas.

"Pilas", misericórdia

Você tira o dinheiro da carteira e torce para que todo o seu desgosto em dar-lhe qualquer coisa esteja claro. O entregador não hesita em puxar as notas e enfiá-las em um dos bolsos frouxos da calça cargo, em seguida faz um sinal de adeus com os dois dedos sobre o boné vermelho que carregava na cabeça e sai andando - tropeçando se arrastando seja lá como chamam isso - finalmente sumindo na curva do corredor.

Você fecha a porta, larga a caixa em cima da mesa, suspira. Terça-feira pode não ser dia de pizza, mas é dia de desgraça.