História As razões dele, os motivos dela - Ele

– Eu não posso acreditar nisso! – o garoto de aparência andrógeno esbravejou em alto som, prestes a quebrar alguma coisa da residência. 

– Hina-nii, não é melhor você sentar conosco e contar o que diabos aconteceu? – um garoto igualmente andrógeno questionou enquanto observava Hinaki com certo descaso, uma vez que não era a primeira vez que o rosado mais velho ficava histérico daquela forma. 

Após bufar e ter de se segurar para não jogar um dos vasos de flores de sua mãe no chão, Hinaki fez o que o outro pedira e sentou-se no sofá ao seu lado. 

– Agora conta para mim, o que foi que te deixou assim? – Myu, o garoto mais novo de fios rosados em uma tonalidade mais escura que as de Hinaki continuou o que dizia anteriormente antes de suspirar profundamente à fim de preparar-se para ouvir as reclamações completamente sem sentido daquele que era seu irmão. 

– Você acredita que alguém que outra pessoa foi escolhida para ser orador no meu lugar?! Você consegue imaginar algo assim?! – Hinaki falou antes de bufar novamente, o que fez Myu ter de prender o riso já que conseguia imaginar o outro cuspindo fogo como um dragão. 

– Sinceramente? Sim, eu consigo imaginar. – o mais novo respondeu enquanto fazia pouco caso do surto do mais velho. – Você não é a única pessoa inteligente do país, Hina-nii. 

– Essa nem é a pior parte! – Hinaki continuou e Myu revirou os olhos. 

– Como não é a pior parte? 

– Essa pessoa... Esse cara que roubou aquilo que eu me esforcei e praticamente me matei para conseguir não passa de um maldito delinquente que não merece nem um por cento disso, Myu! 

– Você realmente está desesperado desse jeito apenas porque perdeu o posto de orador para um mero delinquente? – o tom de voz completamente descrente e repleto de descaso vindo de Myu fez com que Hinaki o encarasse como se ele tivesse falado a asneira do ano, tal pensamento fez sua raiva aumentar e então o garoto pegou a almofada mais próxima de si para que pudesse socá-la e cravar suas unhas no tecido à fim de descontar toda sua raiva no objeto. 

– Do jeito que Hina-nii vira todas as noites estudando, eu admiro que ele não esteja fazendo algo pior do estragando a almofada da mamãe. – Crim, o garoto mais novo entre os três tirou a atenção do livro de romance que lia para pronunciar-se, não demorando para que voltasse a dar atenção às páginas que ainda não lera. 

– Eu vou acabar com esse miserável! – Hinaki esbravejou, quase espumando de raiva. – Vou fazê-lo se arrepender de ter tirado isso de mim! Eu vou desgraçar a vida desse merda por ter desviado a atenção de todos inteiramente e unicamente para ele! Quem caralhos ele pensa que é?! 

– Claro, claro. – as palavras carregadas de tédio e descaso deixaram os lábios de Myu e Crim em uníssono automaticamente. 

§ 

"Eu gosto de você, Sakamoto... Hinaki-san." 

– Crim-chan... – o resmungo levemente desesperado que deixou os lábios de Hinaki deixou tanto Crim quanto Myu preocupados, já que alguém narcisista, orgulhoso e teimoso não falava daquele jeito nem que lhe prometessem elogios eternos. – Pelo amor, me ajuda... 

– Você pedindo ajuda logo para mim... – o garoto de fios rosa claro murmurou um tanto quanto atônito, chocado com o pedido domais velho. – Para você pedir ajuda para alguém, deve ser algo sério. 

– Desembuche logo, estou curioso! – Myu pressionou o rosado mais velho, que se encolheu o máximo que podia no espaço que ocupava em sua cama. 

– Yamada Saya se declarou para mim. – falou em um sussurro, logo cruzando os dedos das mãos no topo da cabeça como se quisesse se esconder. – Eu não sei o que fazer! Ah, eu quero sumir, desaparecer, morrer! 

– Oh céus... – Crim sussurrou chocado, cobrindo os lábios com ambas as mãos. 

– Coitado. – Myu falou antes de começar a ter uma séria crise de riso que logo tornaram-se gargalhadas. 

– Não ria! Eu vou te matar, seu desalmado! – Hinaki exclamou enquanto encarava o irmão mais novo um tanto quanto desesperado, o que fez com que o garoto acabasse caindo e rolando em sua própria cama devido às risadas que já não conseguia controlar. – Caralho! Sete bilhões de pessoas no mundo para se declararem para mim e justo Yamada Saya... Crim, o que eu faço?! 

– Por que você está perguntando isso para mim? – a resposta que veio do outro fez Hinaki perguntar-se a mesma coisa. 

– Porque, logicamente, você entende muito mais de relacionamentos do que eu, mesmo sendo mais novo... – o mais velho respondeu em um suspiro, logo deixando que um bico se formasse em seus lábios. 

– E por que você não o rejeitou logo de cara assim que ele se confessou? – Myu questionou após conseguir cessar os risos, fazendo os orbes castanhos de Hinaki se arregalassem. 

– Porque... Eu fiquei surpreso, apenas isso! – respondeu após breves segundos de hesitação. – Eu o odeio tanto que esperava que ele fosse amigável comigo apenas por estar interpretando um papel! 

– Hina-nii, nem todos são obcecados por atenção e acabam atuando quase vinte e quatro horas por dia... – Myu falou após suspirar brevemente. 

– Mas... – o olhar do mais velho encarou a porta do quarto que os três dividiam, um suspiro deixou seus lábios antes que continuasse. – Ele... Qual seria sua reação se soubesse que eu não somente escondo ser uma pessoa vaidosa e egoísta, mas também que sou um garoto? Ele ficaria decepcionado, não? Provavelmente iria me odiar por enganá-lo e então contaria para todos. 

– Essa é a reação que normalmente se espera, eu acho. – Myu comentou enquanto se sentava em sua cama, cruzando as pernas sobre a mesma. 

– Mas, você fala que Yamada-kun é tão perfeito quanto a sua personagem, então acho que você teria sua resposta se contasse isso diretamente a ele. – Crim respondeu aos pensamentos de Hinaki após pensar por alguns segundos. 

– Contar o maior segredo da minha vida para aquele embuste? É a última coisa que eu faria na vida! – o mais velho falou, logo ficando emburrado apenas de pensar em tal possibilidade. 

– Tão teimoso... – Myu resmungou ironicamente. 

– Hina-nii, não existe ninguém perfeito nesse mundo. – Crim falou seriamente, fazendo com que o mais velho o encarasse. – Se você não é perfeito, Yamada-kun também não é. Algum defeito ele tem.  

– E você não pode dizer que odeia alguém se você mal sabe sobre ele. – Myu complementou a frase do irmão caçula, que apenas afirmou com um aceno de cabeça algumas vezes. – Além do mais, diz o ditado que o amor e o ódio andam juntos. 

– Ah, vão dormir, suas pestes! – Hinaki esbravejou enquanto apanhava duas de suas pelúcias para jogar uma em Myu e a outra em Crim, podendo ouvir os risos de ambos enquanto que se deitava e cobria até sua cabeça com o cobertor, apertando a pelúcia que sobrara em sua cama contra seu corpo. 

"Eu nunca irei me apaixonar... Muito menos por um cara como Yamada Saya". 

§ 

– Hina-chan, sua mãe estamos indo fazer algumas compras, cuida da casa para nós? – Rui questionou de forma amável para o filho mais velho, que acenou de forma positiva em resposta a sua pergunta. 

– Aproveite e coloque uma roupa mais fresca, você usa tanto esse agasalho do fundamental que parece que só tem essa roupa. – Rin ditou enquanto descia as escadas rapidamente, passando pelo rosado e deixando um selar rápido em sua testa antes de se dirigir para a saída da residência junto do marido. – Se cuide, querido! 

Um longo suspiro deixou os lábios do garoto antes que o mesmo deixasse que o corpo se escorasse no sofá, fixando seu olhar no teto cor de creme. 

Levantou-se um tanto quanto contrariado. A última coisa que desejava era vestir-se de forma mais "apresentável", mas se estava fazendo aquele sacrifício, era por sua adorável mãe. 

– O que você está fazendo? – Myu questionou assim que viu o rosado mais velho abrir sua parte do enorme roupeiro, desviando o olhar da sua imagem refletida no espelho para que pudesse encarar o irmão. – Tem certeza de que não está doente? 

– Você já experimentou calar a boca? – o mais velho perguntou à medida que encarava o mais novo de volta após pegar uma das inúmeras camisas largas que possuía juntamente de uma calça moletom. – Eu só vim trocar de roupa, o que tem demais? 

– Talvez porque você só não use esse agasalho velho e surrado no horário de aula porque a sua personagem não permite? – Crim comentou sem retirar os olhos da maquiagem leve que fazia em seu rosto delicado. 

– Eu só to fazendo isso porque a mamãe pediu, algum problema? – o mais velho revirou os olhos em descaso. – Mas e vocês? Estão se arrumando igual duas bonecas por que? Por acaso vão encontrar alguém? – questionou, não conseguindo evitar que um sorriso malicioso se formasse em seus lábios. 

– Não. Diferente de vocês, nós não ficamos trancados em casa bancando o nerd. – Myu respondeu da mesma forma que Hinaki. – Então decidimos ir ao cinema. 

– Vocês têm permissão para ir? – Hinaki perguntou após terminar de trocar de roupa, logo pegando a armação preta dos óculos para que pudesse colocar em frente aos olhos. 

– Lógico que temos. – Crim respondeu animadamente antes de olhar para o irmão mais velho com um pequeno sorriso nos lábios. – Quer vir com a gente? Faz muito tempo desde que fizemos algo juntos. 

– Não, eu passo. Eu estou cansado demais para sair por aí. – o rosado mais velho respondeu após pensar por alguns segundos. – Quem sabe em uma próxima vez? 

– Você está nos enrolando com esse "quem sabe numa próxima vez" há anos. – Myu rebateu. 

– Mas não temos tempo, já estamos atrasados! – Crim falou um tanto quanto desesperado enquanto puxava Myu pelo pulso, logo os dois estavam descendo as escadas apressadamente para saírem da residência. 

– Não esqueçam de levar o guarda-chuva, ouvi na televisão que hoje pode chover! – Hinaki exclamou enquanto seguia os irmãos com tranquilidade, ouvindo ambos resmungarem algo em afirmação. 

Agora sozinho, o garoto voltou a se sentar no sofá onde estava há alguns minutos atrás. Abraçou uma das almofadas que havia sobre o móvel e a apertou contra o corpo enquanto deitava-se de lado sobre o estofado macio. 

E ali teria ficado por horas, assistindo televisão sem nenhuma preocupação até que seus pais e irmãos voltassem para casa se a campainha não tivesse tocado e o tirado do seu pequeno momento de conforto e preguiça. 

Pensando que provavelmente era Myu e Crim que tinham esquecido o bendito guarda-chuva, Hinaki bufou enquanto apanhava um dos guarda-chuvas que havia ao lado da porta para que em seguida pudesse dar um belo chute naqueles dois pirralhos de memória fraca. 

– Eu não acredito que vocês conseguiram esquecer o caralho do guarda-chuva. Eu ainda avisei que iria chover, vocês são surdos ou... – os xingamentos saíram por sua boca sem que ao menos percebesse, e foi somente após encarar a pessoa que estava na sua frente que percebera o erro e a gafe que acabara de cometer. 

Yamada Saya estava frente a frente consigo e em suas mãos havia um CD – provavelmente o maldito CD de música clássica que havia prometido que iria lhe emprestar. 

Não pensara nem ao menos um segundo antes de fechar a porta com violência e trancá-la por puro desespero. 

– Merda, merda, merda, merda... – repetia para si mesmo em murmúrios constantes, nunca quis tanto poder cavar um buraco e se enterrar vivo para que pudesse sumir do mundo. 

"Por que caralhos, de todas as pessoas do mundo logo essa peste tinha que bater na minha porta?" 

Hinaki sentou-se no chão com as costas escoradas contra a porta, sentia seu coração bater tão rápido que parecia que iria enfartar.  

Ou desmaiar de tanto desespero. 

A única coisa que conseguia pensar era que, de todas as gafes que havia cometido na frente do moreno, aquela fora – de longe – a pior. 

Podia se lembrar claramente dos deslizes que poderia ter sofrido na frente daquela pessoa, mas havia sido cuidadoso demais para manter a máscara de "garotinha perfeita". 

E foi em questão de segundos que tanto sua máscara de "garotinha" quanto a de "perfeita" caíram juntas, parceiras até mesmo na queda tal como seu orgulho e vaidade. 

As noites que passara em claro estudando como um condenado estavam deixando Hinaki cada vez mais cansado e desgastado, assistir as aulas com toda a concentração que possuía acabava ficando cada vez mais complicado. 

Estava em uma guerra interna para manter-se acordado e outra para conseguir prestar atenção no que o professor dizia. Mas era tão chato... 

A cabeça que era sustentada pelas mãos cujos cotovelos estavam apoiados sobre a classe começara a pender para frente, como se a qualquer segundo o sono fosse vencer aquela batalha. Até que os braços não conseguiram mais sustentar sua cabeça, que acabara pendendo para frente. 

Seria uma pena que sua caneta preta estivesse entre os lábios e quase lhe matado da forma mais burra possível, tal fato fez com que Hinaki acordasse de vez e rapidamente se recompôs enquanto olhava para os lados, procurando por alguma testemunha maldita que tivesse visto aquela merda toda que tivera como protagonista a inteligente representante de classe – agora não tão inteligente assim. 

E sim, houve uma testemunha... 

Yamada Saya. 

"Puta merda..." – Hinaki gritou de raiva em seus pensamentos. – "Maldito seja, espero que morra atropelado por um caminhão." 

A semana mais desesperadora de todos os trimestres finalmente havia acabado e as notas já haviam sio divulgadas. Hinaki se encontrava na posta dos pés por sua baixa estatura enquanto tentava achar seu nome no grande quadro exposto no corredor movimentado. 

Mas somente após alguns minutos a multidão à sua frente havia desaparecido e agora ele podia ver claramente... 

1° – Sakamoto Hinaki: 679 

2° – Yamada Saya: 670 

Não tinha palavras que definiam a sua felicidade naquele momento, agora não faltaria muito para que... 

– Parabéns, Sakamoto-san! – uma voz feminina lhe parebenizou, o elogio fez o coração de Hinaki se aquecer quase que de imediato. 

– Yamada-kun é realmente inteligente, mas você não fica para trás, muito bem! – dessa vez o elogio veio de uma voz masculina, e Hinaki estava tão realizado que poderia suspirar de satisfação. 

Foi então que no meio da multidão, seus olhos se fixaram na figura de Saya olhando para o quadro – que outrora o rosado também olhara – e logo seu olhar se voltara para o rosado à medida que um sorriso amável se formava em seu rosto. 

– Meus parabéns, Sakamoto! Eu sabia que você conseguia. – as palavras em tom amigável do maior quebraram todos os pensamentos de superioridade que Hinaki tinha até então. 

Porque somente agora percebera que a única pessoa que se preocupava em ser amado por todos era apenas e unicamente ele. 

Comparado consigo, Yamada Saya sim era a pessoa perfeita. Ele era o que Hinaki queria ser, mas nunca conseguiria. 

"Eu gosto de você, Sakamoto... Hinaki-san." 

Os dedos de ambas as mãos se encontravam cruzados sobre sua cabeça enquanto Hinaki fingia estar escondido e seguro, fingia que aquilo iria passar, que estava tudo bem e não passava de um momento ruim. 

Mas, não era verdade. 

Ele estava arruinado, fodido, na merda, no fundo do poço. 

Porque a pessoa que tanto odiava e invejava havia descoberto o seu maior segredo e agora Yamada Saya tinha Hinaki na palma de sua mão.