História Até você chegar - É por você que eu existo todos os dias

É difícil se sentir feliz quando sua casa nunca será um lar. Quando você sente que não pertence a lugar nenhum e talvez nunca vá pertencer. Quando não faz diferença se você está ou não lá. Eu nunca senti que eu fazia muita diferença no mundo, Kyuhyun.

Até você chegar.

Eu já conhecia aquela casa como a palma da minha mão. Havia quatorze anos que todo o meu mundo se resumia àquelas paredes cinzas e eu não me lembrava de muito dos dois anos antes disso — e não devia ser nada importante, como tudo o que veio depois. Houve uma época em que não havia muitos dias sem que novas crianças chegassem ali, todas acuadas e com medo daquele lugar frio e sem graça que teriam que chamar de casa dali para frente. Alguns tinham esperança. Talvez alguém com um bom coração viesse e os tirasse dali em pouco tempo. Não acontecia. Quase nunca acontecia. A maioria, como eu, acabava passando o resto da vida por ali mesmo, naquela rotina de estudar e cuidar da casa e das outras crianças mais novas quando em uma idade apropriada. Tudo era muito cinza, muito frio e muito vazio. Mesmo com tantas pessoas, o sentimento de vazio era imenso como o espaço entre os muros que nem podíamos explorar. Em algum momento, eu não tinha mais vontade de fazê-lo.

Até você chegar.

Você era uma dessas criancinhas acuadas e com medo e ninguém teve nenhum remorso em tirar de você a única coisa que parecia te deixar confortável em meio a um lugar assustador como aquele. Em uma situação normal, eu teria ignorado completamente o fato de que você parecia totalmente perdido sem aquela tartaruga de pelúcia, mas talvez o fato de que você parecia totalmente perdido foi o que me chamou a atenção. Crianças dessa idade — uns cinco anos, eu assumi — geralmente choravam e esperneavam e gritavam muito, e eram muito irritantes. Você não. Você e esses seus olhinhos enormes que continham umas lágrimas mudas de quem prometia a si mesmo que iria superar aquilo mesmo sem ajuda. E talvez por isso eu tive aquela vontade incontrolável de te ajudar. E quando você sorriu naquela vez em que eu fugi do meu quarto no meio da noite e, sem muitos problemas, recuperei aquele bichinho velho e te devolvi, fazendo você prometer que guardaria aquele segredo, eu percebi que você valia muito a pena aquele esforço. E você vale a pena qualquer esforço.

Eu não sabia o que faria quando saísse dali. Quando a maioridade chegasse e eu fosse obrigado a deixar aquelas paredes cinzas e frias e vazias. E eu nunca me preocupei muito e ninguém nunca se preocupou também. Se eu não fosse nada e nada me tornasse, não haveria alguém para sentir minha falta, nem mesmo eu. Mas você chegou e depositou em mim sua confiança e seus sorrisos bonitos e eu senti pela primeira vez que eu existia de verdade.

E é por isso que agora eu me esforço todos os dias. Para sair daquela cama velha e gasta, daquele quarto minúsculo e poeirento que é tudo o que meu salário miserável pode pagar por enquanto. Para vencer o dia naquele trabalho ridículo e aturar todos os mandos e desmandos até que eu consiga algo melhor. Algo melhor pra você. Porque você não merece perder sua vida inteira em um lugar como esse e você vale todo o esforço do mundo. Então, mesmo quando eu abro os olhos e me pergunto se vale mesmo a pena enfrentar tudo aquilo mais um dia, eu decido que sim. Porque você precisa de mim, e é por isso que eu existo todos os dias.