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História Através da Estrada. - O Dia Insiste em Nascer.


Escrita por: GiovannaPotter

Notas do Autor


Olá. Demorei? Claro. Voltei? Sim. Vou parar de atrasar capítulos por meses? Queria dizer que sim, mas essa é uma realidade muito utópica.

Capítulo 9 - O Dia Insiste em Nascer.


Fanfic / Fanfiction Através da Estrada. - O Dia Insiste em Nascer.

Lembro-me de poucas coisas que aconteceram após a briga entre H e eu. Coisas como: Meu gato se assustar com as vozes e ficar miando, andando de um lado para o outro até eu acalma-lo; eu tentar, sozinha, ir para o meu quarto, me trocar e dormir, o que levou mais duas horas do que de costume; eu finalmente conseguir cair no sono depois de tanto chorar.

Na manhã seguinte, a primeira coisa que fiz foi conferir as mensagens do meu celular que, por sorte, lembrei de ter deixado próximo da minha cama na noite anterior.

Havia muitas chamadas perdidas do Hélio, juntamente com outras mensagens e áudios que me poupei de ouvir. Não queria entrar em contato com ele por, no mínimo, umas boas horas.

Ainda tinha também mensagens de mamãe preocupada, mais do que o comum pela minha atual condição, grupo da família com seus inúmeros "bom-dia" vazios, grupo do trabalho com gente mais perdida que nunca (o que na realidade é bem normal quando se trata de jornalismo) e o Theo, que foi a única coisa que tive paciência para responder.

Theo: Você chegou bem ontem? Está tudo certo?

Eu: Chegar eu cheguei mas, agora, defina bem...

E então começava meu dia.

Antes do acidente eu só me tornava produtiva após um banho. Quando me deparei com o horário, já eram 10 horas da manhã (o que, na minha rotina, é tarde) e minha cara de cansada só era realçada pela sujeira que sentia em mim, não dizendo que ela era apenas física.

O que eu não perceberia antes era a força que quem não tem as pernas em bom funcionamento (ou no meu caso, nenhum) tem que exercer. Para me sentar na cadeira de rodas tive que virar o meu corpo todo, segurar com firmeza nos braços da cadeira e então, com muita força, passar da cama para o que eram minhas novas pernas.

Isso demorou em média uns cinco minutos. Esperava que pegasse o jeito com o passar do tempo.

E para quem achava que aquilo era difícil, o pior estava por vir. O banho. Sozinha.

Até aquele momento ou enfermeiros ou minha própria mãe me deram banho. Agora estava ali, na frente do chuveiro, sem a menor ideia do que deveria fazer.

Havia um banquinho de plástico no box, provavelmente H teria o colocado ali ao longo daquela semana, mas não adiantava a intensão já que ele não estava ali para me ajudar, no caso.

Mas tudo bem. Consegui despir-me e colocar-me dentro do box, trocando novamente de assento e, depois de vários minutos nessa peripécia, consegui por fim iniciar meu tão aguardado banho.

Por algum tempo, de modo indecifrável, senti-me zen. Completamente tranquila por poder ter feito aquilo sozinha. Um ato provavelmente pequeno que trouxe felicidade para o meu dia.

...

Após aquela lavagem de corpo e de espírito outras vitórias ocorreram. Aquele dia teria sido marcado como o primeiro de muitas ações que no futuro se tornariam comuns. Como por exemplo: A primeira vez que me sequei e me vesti sem auxílio; a primeira vez que alimentei meu gato sentada numa cadeira de rodas e a primeira vez que sairia sozinha, como uma mulher, paraplégica e principalmente reiniciada em sua independência.

Iria finalmente retornar ao meu emprego. Ou ao menos dar sinal de vida indo para o Fórum, estando lá, em carne e rodas.

Saí de casa depois de ter comido uma maçã e um pão de forma, só para não dizer que não havia comido nada. Numa marca brilhante de 13:30 estava eu, na rua.

E agora?

Novamente, pensando no que seria o meu antigo costume, ao invés de estar na calçada estaria na garagem, pegando meu carro e chegando no trabalho depois de uns 20 minutos.

Porém não posso mais dirigir e, mesmo que pudesse, meu carro não "existe" mais.

Olhei bem para a rua, como nunca tinha parado para olhar antes. Há tantas coisas ocorrendo.

Tantas pessoas que eram invisíveis para mim apareceram, formando um quadro cheio de diversidades.

Rodando por ali, tentando traçar um plano para chegar ao meu destino, deparei-me com a felicidade de algumas crianças tomando sorvete, depois de um possível almoço no bar da esquina do meu prédio. Porém vi também a tristeza.

A tristeza de outras crianças que sonhava com os restos do que as outras estavam saboreando. Aquelas outras crianças seguravam em suas mãos moedas que, no final do dia, não somariam para uma refeição digna.

Vi também seus pais, sentados debaixo de uma árvore, organizando seus trapos que possivelmente chamavam de roupas. Pessoas que pareciam ter uma bolha que afastava as outras de chegarem perto.

Esses que chamam o nada de tudo eram, na maior parte das vezes, invisíveis para mim. E quando eles se tornam visíveis, não são vistos como humanos pela sociedade, que de uma forma ou de outra, colocou aqueles seres naquelas condições imundas e desprezíveis.

Continuei seguindo a rota, em um ritmo bem tranquilo, não podendo ajudar ninguém pois, em meus bolsos havia apenas meu celular e minha carteira que carregava no máximo dez reais para poder me virar em extremas situações.

Sentia-me péssima. Como só paramos para ver o que nos cerca quando somos colocados em uma situação desvantajosa? Que tipo de jornalista seria eu, independente da área em que sou paga para escrever, que não enxerga mais os "pequenos" problemas do mundo?

Esse mundo... Ele anda, ou melhor, sempre foi desconcertado.

Depois desse momento de reflexão, deparei-me com a maior dificuldade que enfrentaria naquele dia. Transporte.

Ainda não queria recorrer a um carro como veículo. Não sei se posso chamar esse receio de trauma, mas sabia que, por hora, não queria chamar um táxi ou Uber ou algo similar. 

Então decidi pegar um ônibus.

Algumas coisas ocorreram após tomada essa decisão. Coisas que, no fundo, eu sabia que aconteceriam, mas quando você faz parte daquela realidade, aí já é mais difícil de aceitar.

Primeiro problema: o número de ônibus adaptados é praticamente nulo. Fiquei aproximadamente uma hora esperando algum passar.

Segundo problema: Ninguém gosta de cadeirantes em transportes públicos.

Eles, na realidade nós, demandamos tempo. Quando meu meio de locomoção chegou ao ponto (e só parou porque havia mais gente para subir) vi muitas caras de revolta voltadas para mim, tanto a do motorista que teve que descer e ativar o elevador do ônibus quanto dos passageiros, já que eu estava atrasando a viagem e os compromissos deles.

Até na hora de estacionar-me em um lugar reservado para pessoas como eu tive problemas, já que alguns passageiros se recostavam ali e sentiam-se quase ofendidos oie terem de ceder o lugar que, por direitos e leis, era meu.

Mais uma realidade que era incomum para mim. Óbvio que eu não andava apenas de carro, transporte público faz parte da vida de qualquer jovem estudante/trabalhador, ainda mais em uma metrópole. Porém eu nunca tinha parado para pensar como era difícil ser deficiente físico na cidade de São Paulo (e possivelmente em outras cidades do Brasil afora).

Novamente sentia-me tola por reparar nos problemas da população apenas quando eu estava inclusa neles.

Bem, a viagem foi curta, demorei por volta de quinze minutos para chegar ao meu serviço. Claro, tirando a parte de subir e descer do veículo, duas eternidades, eu diria. Pela janela do ônibus, continuava a reparar nas pessoas que não reparava antes, num silêncio quase perfeito.

E então ali estava eu, Clara escritora, diante do Fórum onde eu tanto amava trabalhar.

Entrei no estabelecimento que sempre achei muito moderno e logo de cara vejo muitos rostos conhecidos. Dentre eles, muitos paravam seu afazeres para me cumprimentar. Já outros vários olhavam-me com expressões que estava me acostumando a receber e continuavam seus compromissos, parecendo lamentar. Mal sabiam eles que não há ninguém que possa lamentar mais que eu.

Enfim, aquela correria de gente pra lá e pra cá com papéis esvoaçando, cheiro de café constante, pessoas gritando informações umas para as outras, telefones tocando... Aquilo sim que era um segundo lar.

Me locomovi para o elevador que me levaria ao terceiro andar, onde eu e meus companheiros trabalhávamos incessantemente. Ao chegar lá, muitos dos meus colegas fizeram festa e, para minha surpresa, Daniel e Marissol não pareciam totalmente felizes em me verem.

- Clara! Já voltou! Não acredito, você por aqui! - Dan dizia, trocando olhares estranhos com Mari, esses mesmos olhares que eu sentia quando a dupla havia me visitado no hospital.

- Sim, quis fazer uma surpresa. Surpresa! - disse sorrindo. - Mesmo amando estar na companhia de vocês, preciso falar com Lucas. Onde ele está?

- Mas tão cedo... - Mari parecia não ter me ouvido. Na realidade, ela estava me ignorando. - Mas tão cedo! E justamente hoje que tudo por aqui está uma loucura, não quer voltar semana que vem, querida?

- Gente, chega. - disse calma e concisamente. - Preciso tratar de vários assuntos.

- Que alvoroço é esse? - e em uma fala do chefe (ou berro, na realidade), todos focaram-se novamente em suas escritas, ficando apenas eu e os meus dois melhores colegas no corredor.

- Lucas! Que bom te ver! Eu vim aqui para podermos tratar do meu retorno!

- Retorno? - dizendo isso, ele olhou para meus amigos com os olhos inicialmente confusos mas, ao perceber os semblantes deles, tornaram-se fuzilantes. - Clara, podemos ir até o meu escritório? - ele disse em um tom calmo, estranho vindo dele.

- Sim, com certeza. - disse, o acompanhando até a sua sala, lançando um último olhar para a dupla que trocavam cochichos rápidos e desesperados.

Já no gabinete, o homem alto e sério tirou uma das cadeiras da mesa para que eu, com a minha, pudesse me encostar.

- Bem, Srta. Moraes... - ele disse, sentando-se em sua cadeira, do outro lado da mesa, de frente para mim. - Temo que seus colegas sejam dois frouxos para noticiar o que lhes foi pedido. - ele dizia bravo, como se eles estivessem ali para ouvir a bronca.

Meu coração palpitava, sentia que o que estava por vir não era bom.

- Srta. Mo... Clara, você deve saber que eu gosto muito de seus trabalhos aqui no Fórum. - era a primeira vez que ele me chamava pelo meu primeiro nome. - Posso ser um chefe exigente, eu sei disso, mas para mim trabalham apenas os escritores de mais alta categoria.

- Sr., gostaria que você fosse direto ao ponto. O que tem a me dizer?

- Clara, eu sinto muito pelo acontecido, mas de acordo com as circunstâncias, não posso mais te aceitar na equipe.

Silêncio. Choque.

- Como assim? Você não pode me demitir pelas minhas condições, posso até recorrer à justiça e...

- Não é por causa disso, Clara. - ele me interrompeu. - Obviamente o ocorrido agrava um pouco a situação, porém a sua companheira Roberta demonstrou-se uma excelente escritora na área de entretenimento. Ela está dando conta inclusive da sua área e das notícias que já eram dela. Estaremos fazendo melhor negócio mantendo-a nesse cargo.

Ponderei muito pensando no que poderia dizer, mas por fim nos encontramos em situações que não sabemos como reagir.

- Ok. Obrigada pela oportunidade, Lucas. Torço para que a Roberta satisfaça suas expectativas e que este Fórum cresça cada vez mais.

- Eu e nossa equipe que devemos lhe agradecer por sua escrita. Você tem futuro, Clara, esse não é o fim.

Silêncio de novo. Pensava em tudo que tinha feito para chegar até ali. Ver todas as portas se fechando para mim, meus sonhos sendo rasgados e minha rotina que tanto me familiarizo e amo sendo quebrada por uma colisão de carros e por um diagnóstico, ou melhor, dois: o de que eu seria incapaz de andar e o de que eu sou pior que outra pessoa, pasmem, no que dizem ser meu "melhor" talento.

- Nunca é o fim de verdade, pelo que parece. - silêncio. - Passarei aqui o quanto antes para pegar minhas coisas e para trazer minha carteira de trabalho.

- Será um prazer recebe-la, sempre.

- Ok.

Dizendo isso, saí do escritório, dando de cara com uma das únicas pessoas que não queria ver no momento. Roberta.

- Oh, Clara. - ela parecia pouco surpresa da minha presença ali. - Sinto muito por tudo o que ocorreu. Inclusive eu estar no seu lugar agora.

- Obrigada e parabéns pela conquista. - respondi, querendo sair o mais breve possível daquele lugar.

- Espero que não haja ressentimento. - ela enunciou, parando minha cadeira. - Até porque, no fundo, você sabia que isso iria acontecer. - e com um sorrisinho ela saiu andando para sua mesa. Daniel e Marissol olhavam-me de onde estavam com semblantes tristes, mas sorri para eles, como quem promete que não ficará brava. Até porque é o que eu pretendia.

Roberta sempre me pareceu distante, mas não conseguia ver sua sede pelo cargo alheio. Mesmo que eu tentasse evitar, minha cabeça não parava de repetir as palavras dela e eu não conseguia pensar em outro adjetivo que não fosse "escrota".

Saindo do que agora era meu ex-trabalho, seguia rodando com meu coração quebrado e meus sonhos passados, presentes e futuros imersos em uma onda de merda, que era onde eu estava localizada.

Na calçada, desconsolada, verifiquei novamente meu celular. Mais mamãe, mais Hélio e mais Theo nas minhas mensagens.

Novamente, o único que me atraia para eu poder falar algo era o terceiro. Antes que pudesse pensar, já estava discando.

- Alô? - uma voz grossa que eu já conhecia atendeu.

 - Eu sou invisível.


Notas Finais


Continuo?


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