A vida continua, fica tão pesada
A roda corrompe a borboleta
— Paradise, Coldplay.
— Eu já sei do seu plano de me transformar em uma bola gigante. — os lábios de (S/N) tinham gosto de açaí: ela os lambeu antes de continuar. — Não precisava ser hoje, Kai.
— É, mas eu queria sair com você. — ele sorriu. — E vou sair tarde demais do spa, não vai dar pra ir na sua casa.
— Jinnie não ligaria. — respondeu. — Mas não sou a melhor em me manter acordada. — contorceu os lábios no que teria sido um sorriso, mas acabou em uma careta triste.
— Sei disso. — Kai deu outro de seus sorrisos de tirar o fôlego, ignorando. Compreendia muito bem: mesmo quando dizia à (S/N) que apareceria no apartamento, e quando chegava ela estava dormindo, quando não conseguia se concentrar e ouvir o que ele dizia, quando se perdia por vezes ou quando eles estavam conversando tranquilamente, deitados no chão da sala e ela ficava muito sonolenta, ele nunca tinha se irritado. A Kim não precisava se desculpar ou dizer uma palavra, ele a compreendia e era isso que ela mais amava nele.
Ela o amava. Essa frase rondou sua mente quando se deu conta, chocando-a. Não negaria: tinha se afeiçoado a Kai, e muito. A forma como ele sorria ou falava, seus carinhos, suas brincadeiras, como ele cuidava dela e levava tudo na brincadeira, ainda que as vezes ficasse sério quando via que (S/N) estava se deixando afundar mais outra vez. “Volte para mim”, era o que ele dizia. — O que houve? — perguntou, percebendo que (S/N) tinha caído em mais um de seus devaneios.
Ela o amava.
— Ah… nada, eu só me dei conta de algo. — colocou um punhado de sorvete na boca — Hm, o que você faz no spa?
— Bom, eu fico na administração. — explicou, rindo para a mudança repentina de assunto. Refletiu e ponderou, concluindo que não seria perigoso fazer a pergunta — No que a senhorita tanto pensava?
(S/N) suspirou, e suas bochechas ficaram levemente rubras.
— É que… — deu uma pausa, escolhendo as palavras. — eu estava pensando… faz tanto tempo que estou em Daegu, né? Acho que estou me acostumando com a vida aqui… e talvez até… passando a gostar.
Kai tentou refrear o meio sorriso, mas foi inevitável.
— O que você quer dizer? — ele sabia. E estava muito feliz que a Kim pudesse finalmente estar se levantando.
— Eu quis dizer que eu gosto daqui… não da escola, ou… okay, não é a maioria, mas eu gosto de você, de passar o tempo com você, de quando saímos ou fazemos alguma coisa… gosto da tia Jung e do seu pai. Eu quis dizer que não… — parou, finalmente escutando as próprias palavras. Ele interpretaria errado. Ou estava certo? — Olha, desculpa… é que não estou achando as palavras certas.
Mas tinha achado. Kai estava surpreso. Ela gostava dele?
— Você gosta de mim, (S/N)? — espelhou o questionamento, e ela ficou definitivamente vermelha. Isso, por si só era a resposta que precisava.
— Gosto. — conseguiu não gaguejar. — Não tem como não gostar de você. — acrescentou, e a pele de seu pescoço também ficou rubra. Ela quebrou o contato visual e olhou para a tigela de açaí, desejando poder enfiar a cabeça nela.
Ele pensaria que ela estava confundindo as coisas — talvez estivesse — e se afastaria. E Kim (S/N) estaria fadada a companhia de Min YoonGi e suas grosserias apenas, para sempre. O desespero socou-a bem forte.
Burra, burra, burra! Pensou.
— Podemos ir embora? — perguntou rápido, e Kai percebeu todo o seu nervosismo. Ao que parecia, aquilo era uma coisa que havia escapado, não estava nos planos de (S/N) se declarar.
Estou adiantando as coisas. Ele pensou. Ela pode gostar de mim como um amigo, não quer dizer nada.
— Porque? Vamos terminar de comer. — sorriu, tranquilo, e a Kim sentiu-se um pouco mais aliviada.
— Tudo bem. — sorriu de volta e comeu o açaí, recusando-se a olhá-lo nos olhos. Kai gargalhou.
— Então você fica sem graça quando fala sobre como se sente? — acariciou o rosto dela, rindo ainda mais. A menina permaneceu estática pelo toque (não que não fosse costume, eles já tinham até se abraçado), e apenas se permitiu ficar vermelha. Deu de ombros. — (S/N), eu também gosto de você.
— Obrigada. — sorriu, agradecendo. — É, eu não costumo muito… acredita?
Longos minutos se passaram, até que finalmente tinha chegado ao fim. Era a primeira vez que se sentia assim com Kai, mas não era uma coisa ruim: apenas a vergonha. Queria sair correndo, mas sabia que — assim que o fizesse — desejaria voltar para ele.
“Volte para mim.”
— Vai almoçar com a gente? — perguntou, colocando as mãos dentro dos bolsos. Kai sorriu, entregando o capacete a ela.
— Vou. Você se importa? — ele acabara de retirar o cartão de débito da maquininha, e agradecia ao funcionário. Juntos saíram vagarosamente.
— Claro que não! — a Kim sorriu, e o som foi todo prata. O coração de Kai aqueceu. — Tio Jin vai nos matar por comer a sobremesa primeiro.
— Ah, ele não parece desse tipo. — replicou Kai, estava tentando retardar a volta: eles nem tinham atravessado a rua.
Nesse momento, era como uma folga. Mesmo com ele, em casa (S/N) ainda tinha aquele toque de tristeza, como se estar ali a lembrasse de tudo. Fora preciso muito esforço para dar a ela um pouco de vida, e esse esforço parecia fazer menos efeito no prédio.
— Ele é. — sorriu, pensando no tio. — Jinnie não é sistemático, com exceção à cozinha e tudo relacionado à ela.
Distraiu-se demais, perdida em lembranças da infância, e quando voltou, Kai estava sério.
— O que foi? — ficou até meio preocupada, mas o Jung apenas mudou o peso do corpo para o outro lado, pegou os capacetes de ambos, colocando-os na moto e falou:
— Me desculpe, (S/N). — não teve tempo de processar. Kai puxou-a para perto e beijou-a levemente. A língua macia aproveitou-se da surpresa e pediu passagem, a qual a menina cedeu sem protestar. As mãos de Kai foram para a cintura dela e as da Kim seguraram-se na nuca dele,enquanto ambos exploravam um ao outro, sentindo o sabor forte do açaí. A sensação gelada era boa, e (S/N) não pensava em partir o beijo, ele menos ainda. Fora tão repentino… não conseguiam pensar em mais nada além do momento, e por esse motivo (S/N) não viu o titanium prata passar pela rua, um tanto lento demais.
Separaram-se por falta de ar, a Kim mais rubra que nunca. Sorriram um para o outro, sem o que dizer.
— Pode… pode me dar meu capacete? — perguntou, rindo, e Kai balançou a cabeça, entregando o objeto a ela. Também sorria.
— Claro. — ajudou-a a colocar e subiu na moto, ligando o motor. — Vem, moça.
— Kai. — chamou, tímida.
— Sim?
— Não precisa se desculpar. — ele ouviu um risinho. — Eu gostei.
— Somos dois. — ele sorriu, e desapareceu, ziguezagueando nas ruas.
Ao ouvir o ronco do motor de Jung, YoonGi ficou cego pelo ódio.
Então ela tem um namorado. Vadia. Pensou. Que se foda, você.
[...]
Os passos de (S/N) eram certeiros, rápidos e ritmados. O professor estava impressionado com o entusiasmo da dançarina hoje — parecia não ser capaz de se conter. Dos alongamentos até ali, os passos finais, parecia revigorada.
E realmente, (S/N) não podia se conter. Cada célula de seu corpo vibrava, tudo era novo, um desafio que a deixava boba — ali estava o famoso “frio na barriga”. Não sabia como ela e Kai ficariam dali em diante, mas estava feliz que ele não tivesse se afastado. Pelo contrário.
— Até quarta, professor. — despediu-se e caminhou para o elevador, mandando uma mensagem para o tio no ato.
Tio Jinnie, pode me buscar agora?
(S/N), 21h20min.
Estou agarrado com um caso aqui, você se importa de esperar?
Seok(Jin), 21h25min.
Tudo bem. ^^ Até mais tarde.
(S/N), 21h25min.
Ele não respondeu mais, estava mesmo ocupado. (S/N) se sentou em uma das cadeiras destinadas a visitantes na recepção, e abriu um dos joguinhos em seu celular para passar o tempo. Candy Crush Saga.
— Bom, é melhor do que olhar para as paredes. — murmurou, começando a jogar.
[...]
22h34min. E nada de SeokJin chegar.
A Kim teria mandado uma mensagem, mas o telefone havia descarregado, fadando-a a olhar para as paredes e esperar. Se não estivesse tão tarde teria ido embora, — e estaria em casa, a propósito — mas achou melhor ficar, já que não conhecia muito bem a cidade.
— Ué, está aí até agora? — era a voz do professor, que conversava com algumas pessoas, entre elas, YoonGi.
— Esperando meu tio. — sorriu, sem graça. Ele despediu-se das pessoas com quem conversava e elas foram embora, exceto o Min, que permaneceu parado, encarando-a com um ressentimento visível.
Eu hein, garoto louco. Era o que rondava a mente de (S/N).
— Ah, entendi. Mas diga para ele se apressar, a academia fecha às 22h45min. Tchau, (S/N)! — e passou pelas portas automáticas, indo embora.
Eles fechariam às 22h45min. SeokJin não arredaria o pé da delegacia tão cedo, e ela não tinha o celular, para ligar para Jay — ele sairia tarde do spa mesmo. A Kim só não sabia quão tarde. Talvez já tivesse saído.
Ao que parecia, não havia escolha.
Após alguns minutos encarando-a, YoonGi seguia o mesmo caminho quando (S/N) levantou-se e o chamou:
— Hey, YoonGi! — estático, parou o que estava fazendo e olhou para trás. (S/N) se aproximou. — Para onde você está indo?
— Casa. — foi lacônico e ríspido. — Porque?
— Pode me dar uma carona?
A risada de escárnio do Min ecoou, fazendo a recepcionista olhar para eles.
— Eu?! Está me pedindo uma carona, (S/N)? Mas é claro que não! Nunca ajudaria alguém como você. — a cena dela com o moleque idiota, aos beijos, na rua o cegou. — Peça ao seu titio querido.
O que queria dizer era “ligue para o cara que estava enfiando a língua na sua boca hoje de manhã.” , mas YoonGi não queria parecer ridículo, ou pior, enciumado.
Deu as costas outra vez e saiu, deixando ali uma (S/N) humilhada. Ela tinha consciência de todos que os observavam, tinha consciência da vergonha que passou ali. E a raiva a atingiu. Não precisava daquilo. Se YoonGi não queria dar a porra da carona, ela mostraria a ele que não era aleijada, graças a Deus.
Tinha um par de pernas, que poderiam andar e correr até onde ela quisesse.
[...]
A adrenalina da raiva passava aos poucos, e (S/N) tinha se arrependido de simplesmente sair como um raio da academia. Mesmo se quisesse voltar, tinha mais de dez minutos que ela andava e o lugar estaria fechado. Isso se soubesse voltar. No calor do momento, tomada pelo sentimento de ódio, ela não percebeu o caminho que fazia: estava perdida.
— Mas que droga… — deu um muxoxo, suspirando em seguida. Virando a esquina ela encontraria uma farmácia, que era seu objetivo: perguntaria a localização e daria um jeito de ligar para o tio, que aliás devia estar preocupado, talvez esperando-a na porta da academia fechada ou procurando-a pelas ruas.
SeokJin vai me matar…
Não teve tempo de concluir o pensamento ao virar a esquina. Foi puxada com brutalidade e caiu, gritando pela perna que estalou, torcida. Um soco foi desferido em sua boca, machucando-a e fazendo sangrar.
— Cala a boca, filha da puta! — o timbre grave fê-la arrepiar-se de pavor, e a menina cuspiu vermelho. Não entendia o que estava acontecendo, estava tonta, e gritou, levando tapas, socos e chutes. Ela lutava contra seu agressor, que a arrastava pelo lugar escuro que parecia ser um beco, mas era inútil: ele era mais forte, teve o elemento surpresa, não estava apavorado e nem havia levado tapas, socos e chutes.
(S/N) sabia o que ia vir em seguida.
Tentou lembrar a todo custo dos ensinamentos que o pai lhe dera, as lições de luta, comportamentos para essa situação, mas não via nenhuma brecha, e o desespero tomava conta. O ser gargalhava em seu ouvido, apertando-a forte, e beijava a pele de seu pescoço, mordendo-a forte. Relaxou a gola da blusa de (S/N) com os dentes, e apertava-a cada vez mais, nos olhos, um brilho insanecido.
— Ah filha da puta, vou acabar com você hoje. — (S/N) achou a voz asquerosa, e contorceu-se nas mãos do homem que não conseguia ver.
— Me...larga… — lutava contra ele, tentando se livrar de suas mãos, que prendiam seu pescoço. Mas quanto mais lutava, mais ele intensificava o aperto e ria: a voz de (S/N) foi morrendo, a ponto de não conseguir mais gritar. A visão turva entregava que estava perdendo a consciência, até que um clarão machucou seus olhos e obrigou-a a fechá-los: não sem antes perceber uma cabeleira ruiva e revolta.
(S/N) tentou, mas não consegui abrí-los de novo.
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