História Baby Blue - Prólogo

• 30/09 •

Caindo

Caindo, caindo, e caindo... Será que irei parar? Em algum momento tem de acontecer.

- Você pode me ouvir. Pode me ver. Mas não pode me tocar. - diz a voz rouca na escuridão.

PARE.

Parada no ar, viro sombra.

Consigo me ouvir, consigo me ver, mas não consigo me tocar.

Caindo, caindo, e caindo.

Três sombras, um cachorro.

É o fim do buraco. Três sombras, um cachorro, montanhas, gramado verde e céu negro. Não é noite, mas não é dia. É apenas o fim do buraco.

- Você sabe onde está, você sabe oque sou, venha me tocar. - diz a voz.

Caindo, caindo, e caindo

Gramado verde, cheiro de lavanda.

- Ser louco é para todos, entender a loucura é para poucos. - diz a velhinha, tricotando ao meu lado.

Sinto um sensação de angústia com as palavras, mas não consigo me mexer, nem falar. - Fim do buraco.

Acordei, molhada de suor. Olhando para o marrom do teto. Faz 1 ano que tenho tido o mesmo sonho, ou pesadelo. É como se fosse realidade, eu acordo e sinto como se ja tivesse vivido aquilo, esquecido e relembrado, como um dejavu. Toda noite a mesma coisa.

Desde que os pesadelos começaram, eu me levanto, e saio para andar, pensar, refletir... Observar. Sempre paro em frente ao cemitério, e me sento ao lado da estátua de William Morgan, Will Burns na verdade, o herdeiro de Gilles - pelo menos o único que conhecemos - Seus antepassados fundaram essa cidade.

Ninguém o vê, todos o temem. Alguns dizem que ele é satanista, outros falam que ele é o próprio diabo, e a minoria diz que ele é um assassino. Mas na língua do povo, ovo é caviar, não dá pra confiar, por isso pesquisei bastante a seu respeito e de acordo com as histórias dele, é apenas um velho sádico, muito inteligente. As vezes eu penso que ele é um gênio, que infelizmente não sai de casa, parece que nem mora lá e mesmo assim todos tentam atingi-lo de alguma forma, ou ele fez alguma coisa MUITO grave, ou simplesmente é muito revolucionário para uma cidade pacata como Gilles. Ainda não consigo entender o porquê daquela estátua ainda estar lá, acho que as pessoas daqui tem tanto medo dele, a ponto de conseguirem suportar ver sua imagem todos os dias, só para não enfrenta-lo pessoalmente.

Me sentei encostada a estátua, olhando para o cemitério. É uma sensação de tristeza, ver em tantas lápides, histórias de amor, sonhos e desejos que se perderam, agora guardados em pedras rachadas e flores de plástico.

E o pior é saber, que em meio a toda essa tristeza, e enfeites, está ela.

• Jane Rose Gülliver •

Boa mãe, esposa,

companheira e amiga

Descanse em paz

•1979-2013•

Aos meus 13 anos, minha mãe faleceu. fogo. Me lembro até hoje, de cada chama, suspiro, cada lágrima e segundo, daquele triste dia. Nunca esquecerei, é como um dos meus pesadelos, eu sempre me lembro, a única diferença é que esse de fato foi real.

Minha melhor amiga, se foi a 3 anos atrás. Apesar de terem se passado esses longos anos, e todos ja termos "superado", meu pai ainda está afundado em uma depressão sem fim, quase não o vejo, ele está sempre lá, no escritório. Ouvindo as músicas que ela gostava, sem parar, e vendo as fotos dela, como se ainda estivesse aqui.

Top 10 da rádio: Boa noite!

Senhoras e Senhores,

Com vocês,

The Rolling Stones - Honest I do

Todos os dias a mesma coisa, os mesmos CDs, os mesmos Hits, gravações e fitas. É difícil seguir em frente, mas em algum momento ele terá que dar a volta por cima.

Até meus 14 anos, ele ainda tentava ser mais presente, mesmo chorando pelos cantos com qualquer lembrança ou foto que visse, ainda assim se esforçava para manter presença, agora tem dias que não o vejo. Ele diz estar ocupado de mais, só que até eu sei, que não, ele está apenas trancado em um escritório, com fotos e fitas espalhadas pelo chão, chorando.

Ela dizia que Morgan, era um louco, porém, um bom homem, me contou que ele escrevia livros, mas nenhum deles poderia ser colocado na biblioteca, eram negados pelo comitê das Ignorantes de Gilles, na verdade o nome é IDG, Irmãs de Gilles. É tipo uma igreja, elas tentam fazer com que sejamos alienados e burros, e servidores da palavra de Deus. Todo ano dão um folheto com as regras da cidade, foi a forma que conseguiram de fazer com que os jovens as ouvissem, porém ninguém mais obedece as regras, só as filhas delas. Miranda Scholer, Daiana Dalmas, Cristy Noscado, Amber Vanner e Mina Turner, e é claro Josh Billings, filho da querida "mãe de Gilles", alguns a chamam assim, eu costumo chamar de bruxa mesmo, Gisabela Billings. Fundadora do IDG. Josh é namorado de Miranda, nós fomos amigos por um tempo, mas aí eu me apaixonei e ele me trocou por ela, triste história, bom final.

Olá querido cidadão de Gilles,

Somos o IDG e temos regras pra você.

Obedeça-as, caso não queira receber uma intimação.

1° Não deve falar de política.

2° Não deve seguir outra religião que não seja Católica ou Evangélica.

3° Shorts são permitidos apenas para homens, e para as mulheres somente no verão.

4° Saias muito curtas não são bem vindas e as blusas não podem ser decotadas.

5° Não ouça músicas em volume alto no carro.

Obrigada(o), pela colaboração.

Temos coletas de roupas usadas todo ano, dia 9 de dezembro.

Aproveite nossa cidade da melhor forma.

São as mesmas 5 regras desnecessárias de sempre, tenho uma caixa lotada de intimações, recebia uma nova todos os dias, mas não recebo uma desde o ano passado, acho que desistiram de tentar me controlar ou estão apenas racionando tinta de impressora.

Eles controlam todo tipo de informação dada para os moradores, centenas de livros e filmes são proibidos por aqui. Mas não faz mal, minha mãe era uma das donas da biblioteca, sempre que chegava um livro bom eu poderia ler, até mesmo os que eram proibidos.

Minha história com Gisabela, não é uma das melhores, ela detestava minha mãe, só que por ser uma imagem respeitada e adorada na cidade, sempre deixou esse sentimento de lado, mas nunca escondeu de nós, já fui posta pra fora da igreja, o motivo usado por ela foi eu estar com uma saia dois dedos a cima do joelho, e isso é um absurdo é claro. Mas todos nós sabíamos que o verdadeiro motivo era eu ser filha de quem sou.

Olhei meu celular, 03:40, hora de voltar. Amanhã é o primeiro dia de aula depois do verão, eu não poderia me atrasar para este dia tão esperado.

Não sei se conseguiria dizer essas palavras sem sarcasmo.

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